DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 123
nos deviamos recordar dos inconvenientes que se deram n'outras epochas com a arrematação por districtos. Sr. presidente, não ha paridade possivel entre a arrematação segundo os contratos antigos, a que o digno par se referiu, e o ensaio que proponho. Disse s. exa. que bem patentes estão ainda na idéa de todos os vexames que se praticavam, as numerosas letras protestadas, as perdas e falhas consideraveis, que havia.
Ora, sr. presidente, não é só com esta fórma de cobrança que se dão falhas. S. exa. sabe de sobra que infelizmente ellas se verficam, e muito grandes, com aquelles impostos cuja cobrança directa está confiada ao estado, falhas que nos ultimos annos cresceram em uma progressão de muitas dezenas de contos de réis.
Não pretendo destruir com este argumento aquelles que o sr. Antonio de Serpa empregou contra o systema de cobrança por arrematação; mas o que quero indicar é que com a administração directa tambem se dão falhas.
E demais, como o systema que eu proponho é meramente um ensaio, está claro que, quando tambem elle não de sob o ponto de vista financeiro o bom resultado que espero, me apressarei por meu lado a condemnal-o.
Sr. presidente, sem querer n'este momento entrar em uma discussão geral sobre systema de impostos e de administração financeira, não posso comtudo deixar de declarar á camara que tenho sobre esse assumpto um modo de pensar muito diverso d'aquelle que o sr. Serpa sustenta por seu lado, sendo profunda n'este ponto a divergencia das nossas duas escolas. E com quanto eu me curve diante da auctoridade que uma longa experiencia e um talento superior dão a s. exa., não póde nem deve admirar que militando nas fileiras de um partido diverso nas idéas sobre administração financeira, eu divirja muito do sr. Serpa.
Direi em primeiro logar a v. exa., sr. presidente, que me parecem menos justas estas apreciações do digno par a meu respeito, visto que eu não tratei de descrever o estado das nossas finanças recorrendo a cores exageradamente negras, nem voltei a minha attenção unicamente para o que podesse ter-se como desfavoravel na situação do nosso thesouro, procurei apenas inspirar-me no estudo consciencioso dos factos e dos algarismos e observar as regras salutares expostas pelo sr. Fontes Pereira de Mello nos seus relatorios sobre a fazenda publica, quando affirma a necessidade de não occultar a verdade; procurei simplesmente, repito, inspirar-me n'essas idéas, confiando plenamente no patriotismo do paiz, para conseguir melhorar a situação do thesouro e manter o nosso credito.
Mas, sr. presidente, se eu carecesse de auctoridade ainda melhor a que me soccorrer n'este momento para me justificar junto ao digno par, referir-me-ía ao proprio sr. Antonio de Serpa, pois s. exa. por mais de uma vez declarou e bem accentuadamente que a grandeza da nossa divida representava um perigo gravissimo para o thesouro.
Se assim é, como póde affirmar-se que descrevi a situação da fazenda com cores negras, quando procurei unicamente dizer a verdade ao paiz, firmando todas as minhas accusações sobre documentos officiaes irrefutaveis? Póde ser que me enganasse. A infallibilidade não é um dom dos ministros. Mas o que é certo é que tratei exclusivamente, com o apoio da minha consciencia, com o exame e estudo dos factos, de descrever ao paiz a sua situação financeira, como suppunha que ella realmente era na esperança de que o mesmo paiz não deixasse de corresponder ao appello que o governo assim lhe dirigia.
Tambem divirjo do sr. Antonio de Serpa nas esperanças nimiamente exageradas que s. exa. formulou ácerca do crescimento espontaneo das receitas provenientes das contribuições indirectas, e por outro lado no receio de resistencia que no paiz se levanta sempre contra o augmento no imposto directo, por menor que seja esses augmento. Em demonstração d'este seu modo de ver alludiu s. exa. a um facto que o sr. conde de Valbom conhece perfeitamente porque teve de supportar as graves consequencias politicas que d'elle se derivaram.
É sabido que em 1864, havendo-se reconhecido que as matrizes do districto de Vizeu estavam muito abaixo, da verdade, havendo grande porção de predios omissos, propoz o governo augmentar o contingente da contribuição predial na proporção do rendimento collectavel d'esses predios omissos; o que perfazia o algarismo de 84:000$000 réis em todo o paiz, e na camara se levantou, porém, desde logo uma resistencia tão grande contra esse pequeno aggravamento, que não foram de mais a palavra e o talento do sr. conde, de Valbom, então ministro, para a dominar, encaminhando as cousas por fórma a que por fim vencessem as difficuldades. Aqui temos effectivamente uma prova de que o aggravamento da contribuição directa excita, natural repugnancia; mas apesar d'isso eu reputo um grave perigo estarmos a esperar o augmento espontaneo e gradual das contribuições indirectas, o remedio para a situação difficil em que hoje nos encontrâmos.
O digno par referiu-se muito especialmente ao seguinte facto: «basta uma aragem de prosperidade, um melhoramento de cambio no Brazil, para vermos as alfandegas produzirem um rendimento crescente de centenas de contos, sem que ninguem se queixe. Então o credito robustece-se e a situação do thesouro desafoga-se de maneira que surge um periodo em condições tão prosperas como o houve em 1874.»
Que esta doutrina é perigosa, bem o prova o terrivel reverso da medalha, bem o demonstram os factos lamentareis passados em 1876.
Mas ponhamos de banda esses factos, Reportemo-n@3 a 1868. Bem amargas, bem dolorosas foram as provações de v. exa., sr. presidente quando n'esse anno geria com tamanha prudencia os negocios publicos, em condições tão difficeis, provações iguaes áquellas por que depois, em 1869, passou o actual sr. presidente do conselho.
Foi então necessario applicar remedio immediato á situação do thesouro, e esse remedio não proveiu nem podia provir do augmento espontaneo que se não verificava das contribuições indirectas, porque o cambio do Brazil era desfavorabilissimo, porque não vinha de lá a menor remessa em papel ou em dinheiro, porque á guerra do Paraguay retinha nos cofres dos bancos, nas mãos dos correspondentes e nas dos portugueses residentes n'aquelle imperio, todas as suas economias, sommas enormes, que mais tarde, em 1874, affluindo simultaneamente para Portugal, vieram dar ao nosso paiz um grau de prosperidade sem precedente na sua historia economica.
E, apesar d'essa resistencia a que o sr. Serpa allude, como querendo indicar que não é conveniente recorrer ao imposto directo, os factos demonstram que os cavalheiros que no periodo de 1868 a 1872 estiveram á frente dos negocios publicos, não recuaram diante da necessidade de augmentar em larguissima escala esses impostos.
A este respeito adduzirei o proprio testemunho do sr. Fontes, que no seu relatorio de 1872, a que ha pouco me referi, não duvidou asseverar que o augmento dos impostos directos, lançados n'aquelle intervallo de tempo, havia produzido um augmento de receita na importancia de réis. 900:000$000. E não foram sómente os impostos directos que se aggravaram. S. exa. calculando o acrescimo de receita proveniente, não do augmento de materia collectavel, mas das novas imposições que se tinham votado, calculou-o em nada menos do que 2.000:000$000 réis.
Entre esse augmento total de tributos figurava muito especialmente, como disse, o que resultava das contribuições directas; ninguem recuou, com susto, diante d'esse paladio como o digno par quasi o classificou da contribuição predial.
S. exa. alludiu, a proposito d'esta contribuição e para corroborar os seus argumentos, ao que se passou em França, nas circumstancias difficeis em que aquelle paiz se en-