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N.º 18
SESSÃO DE 27 DE FEVEREIRO DE 1880
Presidencia do exmo. sr. Buque d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia tem o seu destino. - O digno par Sequeira Pinto manda para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes relativo á carta regia que elevou ao pariato o sr. visconde de S. Januario. - Leitura e discussão na generalidade do parecer n.° 23 sobre o projecto de lei n.° 5 para o governo ser auctorisado a cobrar, por arrematação, o imposto do real de agua. - Considerações dos srs. Antonio de Serpa, ministro da fazenda (Barros Gomes) e conde de Valbom.
Ás duas horas e um quarto, sendo presentes trinta e seis dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda, e entraram durante a sessão os srs. ministros da justiça, marinha, reino é guerra.)
Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Um officio do sr. ministro da Russia n'esta côrte, agradecendo á camara dos dignos pares ter approvado unanimemente a proposta apresentada em sessão de 21 do corrente pelo exmo. sr. presidente.
Ficou a camara inteirada.
O sr. Sequeira Pinto: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes relativo á carta regia que elevou ao pariato o sr. visconde de S. Januario.
O sr. Presidente: - Manda-se imprimir e distribuir pelas casas do dignos pares para entrar na ordem do dia da proxima sessão.
O sr. Camara Leme: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que não assisti á ultima sessão por motivo de doença; e ao mesmo tempo para pedir a v. exa. que tenha a bondade de me dizer se os esclarecimentos muito simples, muito singelos, que requeri pelo ministerio da justiça, já foram enviados.
O sr. Presidente. - Vieram na ultima sessão.
Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.º 23.
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 23, que é do teor seguinte:
Parecer n.° 23
Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou o projecto de lei da iniciativa do poder executivo, vinda da camara dos senhores deputados, que tem por fim auctorisar o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua; e
Considerando que este methodo de arrecadação não é novo entre nós, nem desusado em outros povos que professam doutrinas liberaes em materia economica;
Considerando que as condições sociaes que fizeram em outro tempo, possiveis e odiosas as violencias dos contratadores das rendas publicas desappareceram com a legislação contemporanea, que protege à liberdade e à fazenda dos cidadãos e tem a opinião por implacavel vingadora de todas as oppressões;
Considerando que o proposto methodo de cobrança geralmente adoptado pelos municipios, na arrecadação dos impostos indirectos, tem feito demonstração pratica, em casos numerosos, da insufficiencia do fisco para este serviço; e que o estado conhecido da fazenda publica justifica toda a diligencia de melhorar as receitas do thesouro, uma vez que de taes esforços, se não aggrave a justiça distributiva, nem o trabalho creador da riqueza social;
Considerando que o governo declarou no seio da commissão (para ser aqui expressamente consignado), que é seu proposito não usar d'esta auctorisação senão nos casos e nos logares em que o defeito da acção fiscal do estado se mostra persistente, accusado por uma depressão notavel d'este rendimento comparado com as cobranças municipaes da mesma natureza; empara o fim de obter avultada melhoria no producto do imposto, visto que tem a faculdade de recusar os lanços que hão satisfizerem a esta condição;
Considerando, finalmente, que ainda nos casos excepcionaes da applicação d'esta lei, a licitação permittida ás camaras municipaes com as precisas garantias, chama á praça uma concorrencia protectora do interesse publico, geral e local; é de parecer que o projecto de lei póde ser adoptado por esta camara e subir por ella á sancção real.
Sala da commissão, em 21 de fevereiro de 1880. = Carlos Bento da Silva = Conde de Castro = Antonio de Serpa (vencido) == João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Barros e Sá = José de Mello Gouveia.
Projecto de lei n.° 5
Artigo l.° E auctorisado o governo a cobrar por arrematação o imposto do real de agua.
Art. 2.° A arrematação poderá ser feita por concelhos ou grupos de concelhos do mesmo districto, conforme o governo julgar conveniente.
§ unico. Só poderá fazer-se a arrematação por grupos de concelhos, quando não se haja effectuado por concelho.
Art. 3.° É permittido ás camaras municipaes arrematar o imposto do real de agua nos seus concelhos, em concorrencia com quaesquer particulares, podendo sublocal-o em praça no todo ou em parte, quando assim o julguem conveniente aos interesses dos seus municipios.
Art. 4.° O governo fará uso da auctorisação concedida pelo artigo 1.° quando julgar que a occasião é opportuna, e poderá não acceitar o lanço, quando entender que o preço offerecido não convem.
Art. 5.° Á auctorisação concedida por esta lei só, caduca por força de outra que a revogue.
Art. 6.° O governo fica tambem auctorisado a regular as condições para a arrematação, attendendo ao maximo proveito e garantia possiveis para a fazenda publica e para os contribuintes.
§ 1.° A base da licitação nunca poderá ser inferior á media do rendimento liquido do real de agua nos ultimos tres annos.
§ 2.° O praso da arrematação em cada concelho ou grupos de concelhos, não poderá exceder a dois annos.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
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Palacio das côrtes, em 12 de fevereiro de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente - Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.
Proposta de lei n.º 65-M
Artigo l.º É auctorisado o governo a cobrar, por arrematação, o imposto do real de agua.
Art. 2.° A arrematação poderá ser feita por districtos ou por concelhos ou grupos de concelhos, com relação a todos os de um districto ou sómente áquelles em que o governo o julgue conveniente.
Art. 3.° É permittido ás camaras municipaes arrematar o imposto do real de agua nos seus concelhos, em concorrencia com quaesquer particulares.
Art. 4.° O governo fará uso da auctorisação concedida pelo artigo 1.° quando entender que a occasião é opportuna.
Art. 5.º A auctorisação concedida por esta lei só caducará por força de outra que a revogue.
Art. 6.° O governo fica tambem auctorisado a regular as condições para a arrematação, attendendo ao maximo proveito e garantia possiveis para a fazenda publica e para os contribuintes.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, em 13 de janeiro de 1880. = Henrique de Barros Gomes.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
Tem a palavra o sr. Serpa Pimentel.
O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, tendo assignado vencido o parecer que v. exa. acaba de submetter á discussão, pedi a palavra unicamente para declarar as rasões do meu voto.
Sinto, sr. presidente, e sinto muito não poder acompanhar com o meu voto este projecto, porque tendo apresentado, ainda na sessão legislativa do anno passado, na qualidade de ministro da fazenda, varias propostas de lei cujo pensamento foi constantemente combatido, embora contribuissem para o augmento da receita, e tendo apenas conseguido, depois de longo tempo de sessão e depois de grandissimo debate, fazer com que se votasse uma unica d'essas propostas, que era a que dizia respeito ao augmento do imposto do tabaco, augmento que está calculado no orçamento que o governo apresentou este anno ao parlamento, em mais de 600:000$000 réis, desejava, em contraposição a estes factos, poder votar todos os projectos apresentados pelo meu successor no sentido de melhorar as nossas finanças.
Já votei alguns, hei de votar outros, mas o que não posso é votar o que está em discussão; e não posso votal-o por tres rasões.
A primeira é que o systema que se vae restaurar me parece ter gravissimos inconvenientes.
O sr. ministro da fazenda diz que vae fazer uma experiencia.
Eu comprehendo, sr. presidente, que se faça a experiencia de uma cousa nova, mas de uma cousa velha, já experimentada e já condemnada, não é uma experiencia, é uma restauração e uma triste e infeliz restauração.
O sr. ministro da fazenda disse que queria fazer uma experiencia, que pretendia ensaiar um novo methodo de cobrança; mas a arrematação é o methodo mais antigo que se conhece, é o methodo primitivo, é o methodo de que se usou durante muitos seculos, não só no antigo regimen, das que chegou até ao nosso tempo.
Considerar como um methodo novo o systema de arrematação para a cobrança dos impostos, equivale a conceder auctorisação ao sr. ministro da guerra para substituir no exercito o armamento moderno pelas espingardas de pederneira.
Sei que ha nações aonde existe ainda o systema de arrematação, e creio que o proprio sr. ministro cita a Hespanha e a Turquia. Na Hespanha ha estadistas eminentes e economistas distinctos. Creio que tambem os ha na Turquia; ruas, francamente o estado financeiro d'estes dois paizes não auctorisam o exemplo e a situação.
Mas prescindamos do exemplo, levemos a nossa isenção e o nosso scepticismo a prescindir de toda a auctoridade, da opinião de todos os economistas e dos exemplos das nações mais adiantadas. Recorramos unicamente á rasão e ao raciocinio.
Em que consiste a arrematação?
Em transferir para um particular, para uma empreza, para o arrematante, n'uma palavra, todos os direitos do estado em relação ao contribuinte.
Quaes são os meios que tem o arrematante para cobrar o imposto?
Exactamente os mesmos que tem o estado, menos a auctoridade moral e até material que tem sempre o governo; menos a circumstancia do que tudo; o que cobram as auctoridades do governo é para o estado, e tudo o que cobra o arrematante, alem da parte que contratou com o governo, é para elle proprio; menos á circumstancia de que as auctoridades têem (e em muitos casos devem tel-as) certas contemplações pelos contribuintes, contemplações que o arrematante não tem, porque não convem aos seus interesses, nem á cubica natural do lucro, que foi o seu incentivo para arrematar.
Eu bem sei que o sr. ministro da fazenda diz que esta arrematação agora não é a antiga arrematação por districtos.
Diz-nos por sua parte a commissão que o contribuinte tem hoje garantias, que não tinha n'outra epocha, que hoje se manifesta livremente a opinião publica, e que isto é um obstaculo aos antigos vexames.
Oh! sr. presidente, isto o que prova é que hoje os inconvenientes da arrematação não são tão grandes como antigamente; mas não prova que o systema seja bom. É verdade tambem que a legislação actual garante melhor, aos contribuintes que as suas reclamações sejam attendidas nos limites da justiça, e que a imprensa livre representa um correctivo ás demasias dos arrematantes; mas isto não prova mais que o systema seja bom.
Se admittissemos estas circumstancias como obstaculos, a todos os abusos, poderia o sr. ministro da fazenda vir tambem propor-nos a restauração do contrato do tabaco, porque s. exa. poderia allegar que não era verdadeiramente uma restauração, porque hoje existem, outros meios que removeriam os inconvenientes d'esse systema.
Ora, nós já tivemos este imposto arrematado no nosso tempo, no tempo constitucional, quando já havia estas garantias, systema de arrecadação que provou muito mal; e se em vista das garantias que hoje já se espera que os vexames sejam menores, a mim parece-me que o vexame ha de por outro lado crescer em consequencia da taxa ser hoje muito mais elevada, e os vexames hão de augmentar na rasão directa do augmento da taxa e do lucro do arrematante.
É esta tambem uma circumstancia a que não podemos deixar de attender; o imposto do antigo real de agua sobre o vinho era de 1 real em canada e hoje é nada menos do que 7 réis em litro; por consequencia o vexame ha de necessariamente crescer na rasão d'este augmento e do interesse por consequencia maior do arrematante.
Cousa notavel! Clamou-se contra a cobrança do imposto nas barreiras, que é um vexame que soffrem os habitantes de Lisboa, do Porto e de París, que é um systema usado em muitos paizes civilisados, e que, direi mais, é eminentemente justo e até democratico, porque paga igualmente o rico e o pobre.
Clamou-se contra este systema, contra os vexames dos impostos de barreira, e agora vae-se crear um systema que
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é tido por toda a gente e por toda a parte, e em todos os paizes, como é mais vexatorio que se conhece! Façam-se as considerações que se fizerem, attenuem quanto quizerem os inconvenientes d'esse systema, que o resultado da arrematação dos impostos ha de ser sempre necessariamente, e em maior ou menor grau, o vexame, a especulação, a agiotagem, os processos, as letras protestadas, os pedidos de indemnisações, emfim todo este cortejo de cousas desagradaveis que tem acompanhado, em todas as epochas e em todos os paizes, a arrematação dos impostos de consumo.
Aqui está uma das rasões que me parece importante e fundada, na qual eu não posso dar o meu voto á restauração do systema de arrematação na cobrança do imposto do real de agua. A segunda rasão, igualmente muito importante, e para alguns importantissima, sobretudo financeiramente fallando, é que este systema não dá nada. Se ainda por elle nós tivessemos a certeza, ou pelo menos a probabilidade, de augmentar em centenares de contos de réis a receita publica, comprehendia-se e poder-se-ia acceitar esse systema, embora fosse com sacrificio dos nossos principios, uma vez que chegassemos por via d'elle ao fim desejado de, pelo menos, nos approximarmos do equilibrio das nossas finanças. Então, ao contrario d'aquelles que dizem «morram as colonias, mas salvem-se os principios», poderia-mos dizer: «padeçam os principios, mas salvem-se as finanças».
Mas, repito, este systema não dá nada, e o proprio sr. ministro da fazenda é d'esta opinião como se póde inferir do seu substancioso, erudito e desenvolvido relatorio, o qual faz honra á sua intelligencia, aos seus conhecimentos, ao seu estudo, e aos seus desejos de bem servir a causa publica. S. exa. calculou dezena por dezena de contos toda a receita que lhe póde vir dos projectos que apresentou, e é natural que assim fizesse. Tratou s. exa. de avaliar o estado da fazenda publica e o deficit entre a receita e a despeza, a qual até avolumou um pouco para pintar com as cores mais carregadas até que ponto chegou entre nós o desequilibrio das finanças.
Creio mesmo até que s. exa. de proposito descreveu, sob um ponto de vista demasiadamente aterrador, o nosso estado financeiro, aterrador não só para o contribuinte mas tambem para os credores estrangeiros. Afigura-se-me que s. exa. n'esta parte não fez um grande serviço ao paiz; mas emfim entendeu que assim devia proceder, e de certo foi levado a isso pelo seu patriotismo e desejos de occorrer a um estado inconveniente que é necessario remediar.
Depois apresentou os seus projectos, discutiu-os um por um, e tratou de demonstrar que da approvação d'elles resultaria para a fazenda publica uma situação desafogada. Portanto, nada mais natural que s. exa. calculasse a receita que em especial podia provir de cada um d'esses projectos.
Chegou ao projecto dos emolumentos da alfandega e diz: «este projecto dá em resultado uma receita de 26:000$000 reis.» Um outro projecto dá 30 e tantos contos, um outro dá tanto, e até a respeito do imposto do sêllo, onde se trata de taxas mininas applicadas a certos actos, cuja estatistica é difficil de fazer, e até d'esse calcula a importancia que ha de produzir. Chega-se porém ao real de agua e deduz-se das phrases do relatorio que o sr. ministro não conta com cousa nenhuma, ou pelo menos não conta achar grandes recursos n'este projecto.
Ha quem seja de opinião que a arrematação é preferivel á administração directa, e talvez o sr. ministro seja intimamente d'esta opinião, fundado n'uns factos, que têem na realidade importancia, apontados no excellente, judicioso e modesto relatorio do nosso collega e meu amigo, o sr. José de Mello Gouveia, apresentado ás camaras em 1878, quando era ministro da fazenda. Ha, por exemplo, alguns concelhos em que o imposto de 2 réis ou de 2 1/2 réis em litro de vinho arrematado pela camara municipal rende tanto ou quasi tanto como o imposto de 7 réis cobrado pelo estado.
Ha até um concelho, aliás insignificante, em que o imposto de 1 real em cada meio litro rendeu quasi o dobro do que rendeu para o estado o imposto de 7 réis.
Mas concluir d'estes factos que o imposto dá mais por arrematação que por administração é empregar aquelle antigo argumento, ou antes aquelle antigo sophisma: post hoc, ergo propter hoc. Porque n'alguns concelhos a arrematação para os municipios deu mais do que a administração directa para o estado, está demonstrado que a arrematação é melhor e mais productiva de que a administração directa. Ainda se não conhecessemos outros factos, estes poderiam constituir, quando muito, uma probabilidade.
Mas ha outros factos a que attender, mas nós conhecemos perfeitamente as rasões pelas quaes o imposto do real de agua cobrado directamente pelo estado não tem produzido o que devia produzir, nem talvez metade do que devia produzir. E estes factos e estas considerações lá vem apontados no citado relatorio do sr. Mello Gouveia.
Quando ha quinze ou dezeseis annos se acabou a arrematação do real de agua e passou este imposto a ser cobrado pelo estado, por administração, o imposto, comquanto diminutissimo porque era, de 1 real por canada sobre o vinho, logo no primeiro anno deu mais do que quando era por arrematação. E bom notar este facto, porque tambem é importante. Temos á experiencia dos nossos dias de que o real de agua administrado directamente deu em todos os districtos maior receita do que por arrrematação.
E note-se que o estado não tinha uma fiscalisação competentemente montada, para cobrar este imposto, tinha todavia em todos os concelhos do reino as repartições de fazenda porém estas não tinham sido creadas para a arrecadação dos impostos de consumo, mas principalmente para a cobrança e fiscalisação dos impostos directos.
Na administração do concelho, o escrivão de fazenda com os seus escripturarios dentro do seu escriptorio, de, accordo com as juntas repartidoras, organisa as matrizes, faz os lançamentos e extrahe os conhecimentos que são remettidos ao recebedor. Este na cabeça de comarca, e os seus propostos nos outros concelhos, tambem sem saírem dos respectivos escriptorios, cobram a receita do estado. E cobram-na d'esse modo, porque se annuncia a epocha do pagamento e aquelles que não pagam então, alem de incorrerem no pagamento dos juros da móra, são executados.
Mas isto não se póde dar com o imposto do real de água. Quem compra um litro de vinho não vae á recebedoria pagar 7 réis. Este imposto cobra-se do vendedor a retalho, ou por manifesto ou por avença.
É necessario, portanto, examinar o que entra e o que sae da loja, precisa-se de uma fiscalisação, para assim dizer, externa, fiscalisação que não póde ser feita pelo escrivão de fazenda e seus escripturarios dentro da repartição.
Por consequencia as repartições existentes não eram as mais aptas para fiscalisar. Mas o que fez o governo d'essa epocha?
Fez uma cousa boa para o momento, é tão boa em relação ao que existia, que logo o imposto deu maior rendimento. O governo disse aos escrivães de fazenda: Fiscalisae, cobrae o imposto, e tereis não uma percentagem de alguns decimos ou millesimos, porém 3 a 10 por cento. (Creio que houve alguns concelhos em que se deram 10 por cento.)
Cobrae como quizerdes, nomeae para a fiscalisação os empregados que vos aprouver, e quanto maior cobrança fizerdes, tanto maior será a vossa percentagem.
Como procederam, na maior parte, os escrivães de fazenda? Em primeiro logar é sabido que nem todos os escrivães de fazenda são homens tão illustrados que podessem organisar o melhor systema de fiscalisação, e em segundo, estão sobrecarregados com o trabalho das contribuições directas e pouco tempo lhes restava para se occuparem d'este novo encargo. Que fizeram, pois? Foram ter
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com os vendedores a retalho e avençaram-se por metade, ou por 1/3 ou por menos do rendimento provavel que deviam receber. Como a percentagem não era pequena, sempre lhes resultava algum lucro d'aquelle contrato. É verdade que o mesmo lucro podia ser muito maior se estabelecessem por sua conta um systema de fiscalisação, mas, por outro lado, dispensavam-se de pagar a empregados que fiscalisassem.
Eu estou fallando na generalidade; não digo que acontecesse o mesmo com todos os escrivães de fazenda. Alguns houve que montaram uma fiscalisação mais ou menos regular.
A este respeito encontrará o sr. ministro da fazenda no seu ministerio um interessante relatorio. Ahi se vê que diversos escrivães de fazenda tinham empregados a quem davam cinco tostões cada mez, e até dois tostões, pelo serviço, da fiscalisção do imposto do real de agua.
Era quasi uma esmola que o escrivão de fazenda dava a troco de qualquer pequeno serviço comparavel ao preço por que era pago.
Eis aqui está a rasão por que o imposto do real de agua não tem rendido o que devia render. Se esta causa é manifesta, reconhecida e demonstrada, para que havemos de ir buscar outra? Para que havemos de suppor que o imposto não rende porque não é arrematado, como o são os impostos de consumo municipaes?
Ha talvez ainda uma outra rasão que explique o ser mais productivo o imposto para o municipio.
O imposto cobrado pelas camaras municipaes é um imposto minimo, de 1 real a 2 1/2 réis, emquanto o imposto cobrado pelo estado é de 7 réis. As camaras municipaes pela maior parte arrematam a cobrança dos impostos, é um facto que não contesto; mas em primeiro logar é preciso attender que em geral aquellas corporações não têem homens com a illustração que possuem os chefes das repartições do estado, para poderem organisar um bom systema de fiscalisação.
Alem d'isso é uma questão de rotina; as camaras municipaes seguem o systema que seguiram sempre as vereações anteriores, os seus membros entendem que devem fazer o que os seus pães e seus avós praticaram.
Demais, quando homens illustradissimos ainda hoje suppõem que o systema de arrematação é conveniente, não admira que essa seja a opinião trivial entre os vereadores de grande numero de municipios.
Alem d'isto o contribuinte do municipio vê qual é o emprego immediato que se dá ao imposto, o isso faz com que o pague de melhor vontade.
Vê-o, por exemplo, applicado á construcção da estrada que lhe passa ao pé da porta, ao concerto da ponte ou do chafariz, e a outras obras que lhe são uteis, emquanto do que paga para o estado não vê, não apalpa os beneficios immediatos.
Só muito de longe é que se lhe apresentam as vantagens é utilidade que resultam do producto das contribuições que o estado recebe; o caminho de ferro passa-lhe a 20 ou 30 leguas de distancia, e nem todos os contribuintes são homens assás illustrados para comprehenderem o proveito que o paiz e elles proprios indirectamente podem tirar de certas despezas, como por exemplo as que se fazem com subsidios para a navegação e outras que concorrem para o desenvolvimento da riqueza publica.
Em todo o caso o que me parece não provado, não demonstrado, é que dos factos apontados no relatorio do sr. Mello Gouveia se possa concluir que o systema de arrematação ha de dar mais que o systema de administração por conta do estado, uma vez que este systema seja estabelecido discretamente. E digo discretamente, porque não póde logo no principio ser montado como se se houvesse dito já a ultima palavra n'este assumpto; mas sim de modo que pouco a pouco se vá conseguindo chegar ao grau de perfeição possivel.
Em materia tão importante como é esta que diz respeito aos impostos de consumo é sempre conveniente praticar com toda a prudencia. Como a camara sabe, principiou-se por conceder aos escrivães de fazenda uma grande porcentagem, para que elles estabelecessem á sua custa a fiscalização; era por assim dizer uma empreitada.
Este systema produziu no começo bons resultados; mais tarde, porém, reconheceu-se que era insufficiente, e tanto assim que sendo ministro o sr. Mello Gouveia, s. exa. apresentou uma proposta a fim de ser auctorisado a estabelecer um novo systema de fiscalisação, pedindo para isso os meios convenientes. Esse systema ainda não foi ensaiado, ou para melhor dizer ainda se não podem conhecer os seus resultados praticos; e todavia o actual sr. ministro da fazenda tem tanta fé n'elle, que no seu relatorio calcula, e creio que modestamente, que em virtude d'elle o imposto do real de agua dará um rendimento de 200:000$000 réis para o thesouro.
Certamente que o systema a que me refiro terá ainda de soffrer alterações, porque nada se póde dizer perfeito, e só a experiencia é que ensina a corrigir os defeitos.
O sr. ministro da fazenda não foi exagerado, quando calcula que o imposto havia dar mais 200:000$000 réis. E com os aperfeiçoamentos possiveis, necessariamente daria muito mais; é possivel que chegasse á verba de réis 800:000$000, em que o sr. Mello Gouveia calculou o augmento de receita a que se póde chegar, pagando todos os que devem pagar.
Sr. presidente, a terceira rasão que eu tenho para não approvar este imposto, é porque receio muito que o systema de arrematação vá indispor mais os povos contra o imposto do real de agua. Para mim, esta rasão é muito importante.
Nós devemos procurar destruir no animo dos povos ás más impressões que a especulação politica n'elle tem creado. E effectivamente, 800:000$000 réis de augmento na receita do estado, era um formidavel golpe dado no deficit; e isso de certo ajudava muito a resolver as nossas difficuldades financeiras.
Mas o que é verdade, é que a arrematação mais ou menos ha de trazer vexames, e não póde deixar de os trazer; o que necessariamente vae influir no animo dos povos, produzindo maior irritação contra um imposto necessario, de que não podemos prescindir e que promette muito para o futuro.
Eu considero de grande importancia não só o imposto do real de agua, como todos os impostos indirectos; e n'este ponto sigo a opinião de um eminente estadista, que já não existe, e que por algum tempo governou a França com gloria sua e vantagem d'aquelle paiz. Este estadista era Thiers. Este estadista dizia que o imposto directo era o imposto do antigo regimen, e o imposto indirecto era o das sociedades modernas.
E assim é.
O sr. ministro da fazenda já deve conhecer até certo ponto, e por experiencia propria, as difficuldades que ha em augmentar o imposto indirecto, e muito mais em crear um novo imposto directo. Alem da pouca elasticidade d'este imposto, é tal a influencia que tem na imaginação dos contribuintes a ameaça de um novo imposto directo, que produz um sobresalto geral.
Nós sabemos, por exemplo, que quando um dos governos transactos quiz augmentar entre nós apenas em réis 85:000$000 o imposto predial directo, quasi todos os contribuintes reclamaram contra elle. Em 1870, depois das grandes desgraças por que passou a França, quando se tratou de pagar uma enormissisima contribuição do guerra, recorreu-se a todos os meios para crear receita, lembrou tudo, até o imposto do rendimento, até o imposto sobre as materias primas, que aliás não foram approvados, até o monopolio da fabricação dos phosphoros, mas não se tocou na arca santa do imposto directo predial.
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Não é porque este imposto esteja em França bem organisado. Pelo contrario, as desigualdades e injustiças da distribuição d'aquelle imposto são flagrantes. Não se lê um só auctor francez que não falle n'ellas. Mas apesar d'isso não se lhes tocou.
Já vê o illustre ministro as difficuldades que ha em melhorar consideravelmente as nossas finanças por meio do augmento do imposto directo; emquanto que o indirecto, em vista da sua elasticidade, cresce espontaneamente, e é d'elle principalmente que devemos esperar o melhoramento das nossas finanças. Isto observa-se por pouco que se estude a nossa estatistica financeira nos ultimo trinta annos. Basta que o desenvolvimento da viação dê alguma animação, como tem dado, ao commercio e á producção. Basta uma aragem de prosperidade, o emprego de mais alguns milhares de trabalhadores nas obras publicas, a melhoria do cambio do Brazil, que faz com que venham todos os annos para Portugal uns poucos de mil contos de réis, para que os impostos indirectos se resintam de uma maneira vantajosa para o paiz. Basta percorrer as estatisticas financeiras dos ultimos tempos para ver de um anno para o outro, e sem alterar as taxas das alfandegas, augmentarem os impostos indirectos 500:000$000, 600:000$000, 900:000$000 réis por anno. Ora, d'aqui é que ha de vir o remedio ao nosso mal financeiro.
Sr. presidente, é do augmento espontaneo dos impostos indirectos que ha de vir em grande parte, na principal parte, o recurso para as nossas finanças; e por este motivo é que eu não gosto de um projecto, que me parece que ha de trazer como resultado uma maior desaffeição da parte do contribuinte por este genero de imposto.
V. exa. sabe, sr. presidente, que durante alguns annos se especulou com o imposto do real de agua.
Não lerei agora nenhum dos numerosos artigos, um dos quaes aqui tenho diante de mim, incitando o povo á revolta por causa d'este imposto, que não era augmentado pois que, pelo contrario, eu propuz, e foi approvado, que se pagassem 7 réis por cada litro de vinho, em logar de 10 que se pagavam até ali. E não obstante esta diminuição na taxa do imposto, o seu rendimento augmentou. A triste especulação politica que se fez com o imposto do real de agua para indispor contra elle os povos vae ficar completa com a arrematação.
Eu bem sei que o illustre ministro nos vae dizer que não quer a arrematação como um fim e sim como um meio para chegar á avença com as camaras municipaes. Mas a isto respondo eu que a avença com as camaras não é o meu ideal, nem o póde ser.
As camaras municipaes não podem ter geralmente a illustração que têem o governo e as repartições do estado, que podem servir-se de methodos de administração muito mais perfeitos para effectuar a cobrança. Eu comprehendo a avença com o particular, com o vendedor a retalho, o que está na nossa legislação e na de quasi todos os paizes. E o abonement dos francezes.
O empregado do governo avença-se com o vendedor a retalho. O estado póde receber um pouco menos, mas livra-se de fiscalisar, e o avençado, embora ás vezes possa pagar um pouco mais, livra-se do vexame da fiscalisação.
Esta avença comprehende-se; mas a outra não, e tem o seu tanto ou quanto de aliatoria.
O que eu desejava, e n'este ponto não teria duvida em votar uma auctorisação ao sr. ministro da fazenda, era que fizessemos uma economia, e vinha a ser supprimir uma das duas fiscalisações que hoje existem para este imposto. A economia era grande. O contribuinte paga por cada litro de vinho 7 réis para o estado, e 1 ou 2 1/2 réis para o municipio.
Para cobrar e fiscalisar os 7 réis ha uns certos empregados, e para cobrar e fiscalisar os 2 réis ha outros, que são da camara municipal ou do arrematante. Nada mais rasoavel do que acabar com esta dupla fiscalisação e cobrança, de modo que houvesse só uma classe de empregados para esse fim.
Isto poderia conseguir-se fazendo com que o contribuinte, em logar de pagar 7 réis por um lado, 2 1/2 réis por outro, pagasse estas duas fracções de impostos encorporadas n'uma só verba, isto é, pagasse de uma só vez 9 1/2 réis. Por este modo o contribuinte não vinha a pagar mais, e economisava-se a despeza que se faz com esta duplicação de empregados para a fiscalisação e cobrança do imposto por parte, do estado e por parte das camaras municipaes.
N'este sentido não teria duvida de mandar para a mesa uma emenda ou substituição; mas não o faço porque creio que o sr. ministro da fazenda não a acceita, e eu não gosto de fazer cousas inuteis. Não fallo por ostentação, nem quero complicar e prolongar o debate, apresentando emendas ou substituições que antecipadamente sei que não são acceitas.
Eu desejaria que a fiscalisação e a administração do imposto fosse toda do estado, e que este, depois de feita a cobrança, desse para os cofres do thesouro a somma do imposto que lhe competia, e desse ás camaras municipaes a sua parte correspondente.
Digo isto tanto a respeito do vinho como dos outros generos sujeitos ao imposto.
Mas, sr. presidente, dizia eu que estava persuadido que o sr. ministro da fazenda não acceitava este alvitre, e disse-o por causa de um artigo que vejo no proprio projecto, que é o artigo 5.°
(Leu.)
Este artigo é completamente novo na nossa legislação, e não me lembra dever documentos similhantes em nenhum outro projecto.
Na minha opinião, e na de bons jurisconsultos, este artigo é completamente inutil.
Eu entendo que a auctorisação dada ao governo não caduca nunca em quanto o governo não faz uso d'ella, e, portanto, não é necessario que se diga que ella subsiste em quanto não for revogada por uma lei.
Até o sr. ministro da fazenda pareceu ser d'esta portanto, porque n'um acto seu conformou-se com ella.
O sr. Mello Gouveia quando foi ministro, apresentou uma proposta de lei concedendo uma certa, auctorisação ao governo.
S. exa. saíu do ministerio, e essa proposta foi votação sendo eu já ministro da fazenda; bastantes mezes depois de votada a lei saí do ministerio sem chegar a fazer uso da auctorisação de que estava investido, e agora o sr. ministro da fazenda, sete mezes depois de estar no ministerio, entende dever usar d'ella; logo o sr. ministro da fazenda suppõe que a auctorisação não caduca nem com a saída do ministro que a pediu, nem com a d'aquelle a quem foi votada.
O illustre ministro sabia que este projecto apresentado não podia ser votado immediatamente, e que mesmo depois de votado não se podia pôr em execução no dia seguinte, e que ninguem póde contar com o dia de ámanhã; mas s. exa. tinha tanta fé n'este methodo de arrematação que quiz que sobre a auctorisação não podessem levantar-se duvidas de interpretação, e que o principio ficasse na legislação in perpetuum até que algum dos seus successores se servisse d'elle, se s. exa. não tivesse tempo para isso.
Resumindo, para não cansar mais a camara, direi que estou convencido de que este projecto, sendo convertido em lei, irá restaurar um systema que em toda a parte tem provado mal, e que receio que a arrecadação d'este imposto por arrematação vá produzir muito pouco e levantar resistencias da parte dos povos.
Se eu podesse, pois, acreditar que os meus rogos podiam fazer peso no animo do sr. ministro da fazenda, pedir-lhe-ía que renunciasse a esta sua idéa, persuadido de que se este
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pedido fosse satisfeito, eu lhe prestaria um grande serviço; porque estou persuadido que a execução d'este projecto lhe ha de causar graves embaraços, e eu não folgo com os embaraços do governo, quando elles se podem traduzir em embaraços para o paiz.
O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, tendo de responder ao digno par que acaba de sentar-se, eminente financeiro, publicista distincto, cavalheiro que possue uma longa pratica da administração publica e que exerceu por largo tempo o cargo que eu hoje desempenho, sinto-me naturalmente acanhado o receioso. Sirva-me isso de desculpa para com a camara, se porventura na minha exposição eu não responder por sua ordem e cabalmente a todos os argumentos com que s. exa. me combateu.
Sr. presidente, declarou s. exa. que em vista da situação desfavoravel em que se encontra a fazenda publica, não bastariam para a melhorar as propostas que eu apresentei; e tambem asseverou que não podia dar a sua approvação ao projecto que actualmente se discute. Acrescentou todavia que prestaria de boamente o concurso do seu voto e acompanharia de bom grado o governo em todas as outras propostas com que podesse conformar-se, baseando-se no principio de que, sem se votarem os meios que devem crear receita e melhorar o estado da fazenda publica, não póde governar-se. Esta declaração honra a s. exa. e prova o seu patriotismo.
Quando entrei para a camara dos senhores deputados, como membro d'aquella casa segui as mesmas idéas, e tendo ali assento durante alguns annos quasi não tratei infelizmente senão de reformas tributarias e propostas tendentes a melhorar o estado da fazenda publica, não me acobardando o receio de carregar com o odioso, que recáe sempre sobre aquelles que se vêem obrigados a pedir ou votar novos impostos.
A primeira discussão em que entrei referia-se á distribuição do contingente da contribuição predial, e mais tarde como membro da commissão de fazenda quasi sempre fui relator de projectos tributarios.
Foi assim que em 1870, quando se tratou da elevar o imposto de 1 a 5 réis por litro do vinho, sendo ministro o meu particular amigo o sr. Carlos Bento da Silva, relatei a proposta que foi mais tarde approvada pelas camaras, mais tarde relatei ainda a contribuição bancaria e a transformação da contribuição pessoal convertida depois em lei pelo sr. Fontes quando este digno par entrou no poder; e por assim dizer quasi não existe acto parlamentar em que eu interviesse, que não se referisse infelizmente, repito, para mim e para o paiz, á questão de fazenda, quer para reduzir as despezas, quer para augmentar as receitas do estado e fornecer aos poderes publicos os meios de manter alto o nosso credito. Sei que nunca fiz mais do que o meu dever me impunha; e n'esta ordem de idéas tenho muito quem me acompanhe no seio do partido a que pertenço.
Quando ultimamente, por exemplo, se tratou do augmento do imposto do tabaco, o sr. Braamcamp levantou a sua voz tão auctorisada na outra camara, combatendo em verdade a proposta do governo, mas não para votar contra o imposto; s. exa. o que não desejava era ir tão longe receiando que um augmento do direito em tão larga escala determinasse um acrescimo de contrabando; tratava-se apenas de divergencias de opiniões em parte secundaria, mas não se pretendia negar ao governo os meios de gerir recorrendo ao augmento de impostos; e essas divergencias de apreciação, quando filhas de convicções, por todos devem ser respeitadas.
Sr. presidente, direi em primeiro logar, que e governo nunca pensou em condemnar o systema de administração directa d'este imposto, e se tal fosse a minha intenção, eu não teria publicado nas vesperas da abertura ao parlamento o regulamento do real de agua, usando da auctorisação contida na proposta do sr. José de Mello Gouveia, convertida em lei em 1878. Por esse regulamento tornaram-se providencias de natureza, diversa, o alterou-se essencialmente o modo de fiscalisação do imposto. E por minha parte folguei muito de ouvir o sr. Antonio de Serpa, auctoridade para mim insuspeita, dizer que das disposições do mesmo regulamento deverá provir para o thesouro um beneficio que s. exa. assevera ser modestamente calculado em 200:000$000 réis. Esta declaração foi para mim em estremo agradavel, porquanto se da publicação d'aquella providencia, firmada com o meu nome, resultar um acrescimo tão notavel da receita publica, sem agravamento de taxas, e mudança radical nos methodos de fiscalisação, parece-me que terei feito um bom serviço ao meu paiz.
Todos sabemos a extraordinaria difficuldade que existe para a fiscalisação rigorosa d'este imposto. Quando não tivessemos todos conhecimento de um sem numero de factos que o demonstram, bastaria para d'isso convencer a camara, a lucida exposição apresentada pelo digno par que acabámos de ouvir, exposição em que s. exa. fez como que uma resenha historica do imposto do real de agua, narrando as successivas transformações por que nos ultimos annos terá passado a sua cobrança, começando pelo systema de arrematação districtal até chegar á administração directa; pela fórma por que recentemente se achava em vigor.
A fiscalisação como até aqui se effectuava não era só inefficaz, estava sendo inefficacissima.
O rendimento d'este imposto tem decrescido nos ultimos annos, descendo em 1878-1879 a 776:000$000 réis, apenas. Sei perfeitamente que o anão passado se deve considerar como excepcional. A produção do vinho, por exemplo, foi muito diminuta; n'estas condições o seu preço elevou-se na mesma, ou ainda em maior proporção da escassez ao genero. Até certo ponto não nos podemos, portanto, admirar que o rendimento do imposto soffresse diminuição; havia circumstancias accidentaes que determinaram essa diminuição. Mas é certo que independentemente d'ellas, e n'isto estão concordes todos os delegados do thesouro com quem fallei sobre o assumpto, o imposto rende muito pouco, porque o systema que se estabelecêra de confiar aos escrivães de fazenda a sua fiscalisação nos concelhos respectivos, dando-lhes uma percentagem, deixava muito a desejar nos seus resultados praticos.
A remuneração dada pelos escrivães de fazenda aos fiscaes por elles nomeados, era, como o disse o sr. Antonio de Serpa, em muitos casos, irrisoria. Mas não parava n'isso; casos havia, em que os escrivães de fazenda não gastavam absolutamente cousa alguma da verba destinada a compensal-os pelas despezas da fiscalisação do imposto.
E se este não deixava ainda assim de produzir alguma receita para o thesouro, era, porque os contribuintes, por um lado, pelo habito, e por outro, pelo receio natural, de que em uma ou outra occasião podessem ser incommodados, por se reconhecer que defraudavam a fazenda, desencaminhando os direitos dos generos que se consumiam nas suas vendas, íam espontaneamente manifestar os mesmos generos ou avençar-se.
De acto, porém, não se exercia nenhuma, fiscalisação, e tudo caminhava na dependencia de uma problematica boa fé do vendedor dos generos.
Estimei, como disse, ouvir ao digno par a confirmação dos calculos por mim feitos, com relação ao producto a esperar d'este imposto, em virtude da melhor fiscalisação estabelecida pelo regulamento de 30 de dezembro.
Todavia reconheço, e sou o primeiro a confessal-o, que essa fiscalisação, embora mais incompleta, do que a actual, deixa ainda muito a desejar.
Direi mais. Pensei até, por minha parte, em inaugurar um systema de fiscalisação no transito, o qual deveria produzir um augmento muito consideravel no rendimento do mesmo imposto sem comtudo se transformar n'uma origem de vexames para os povos.
Para esse fim, era porém indispensavel que em cada fre-
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guezia existisse pelo menos um empregado encarregado de dar cumprimento a esses processos de fiscalisação; mas como d'ahi resultaria necessariamente uma despeza avultadissima, recuei diante d'ella, e resolvi seguir o methodo que adoptei no regulamento de dezembro do anno passado, do qual espero tirar a receita a que me referi no meu relatorio; se bem que, torno a dizer, julguei imperfeito esse methodo.
E por assim o estudar é que me pareceu conveniente lançar mão d'esse meio indirecto de apreciar a elasticidade natural a que o imposto em questão póde attingir entre nós, meio formulado no prejuizo da lei que a camara discute n'este momento.
Disse, porém, o digno par que o systema de arrematação que propuz era uma restauração, e não um melhoramento. Responderei a s. exa., que se nós tratassemos de restaurar os antigos fermiers généraux, os velhos almoedeiros com todos os seus horrores, ou ainda mesmo os mais modestos, mas ainda incommodos arrematantes por districtos, talvez fosse bem cabido o argumento de s. exa.; não se trata, porém, de nada d'isso.
Em primeiro logar, s. exa. sabe que a camara dos senhores deputados modificou, de pleno accordo com o governo, a proposta de lei por mim apresentada, attenuando quanto possivel o que podesse haver n'ella que auctorisasse o receio de abusos analogos aos que o digno par condemnou com rasão, excluindo, por exemplo, a hypothese da arrematação poder ser feita tambem por districtos, como eu estabelecia, e preceituando que ella se verificasse sómente por concelhos em grupos de concelhos, e em condições de assegurar uma melhoria no rendimento do imposto para o estado.
Não tive a menor duvida em acceitar as modificações, assim introduzidas na minha proposta, porque são de accordo com o meu pensamento; que consistia apenas em fazer um ensaio, a fim de ver se por um tal systema era possivel tirar melhores resultados para o thesouro, excluida naturalmente a idéa de crear, por esse facto, vexames para os povos, que de nenhum modo hoje poderiam ser supportados.
Em segundo logar cumpre-me declarar que não se trata aqui de imitar o que se faz na Hespanha, e muito menos de transplantar para Portugal os processos financeiros da Turquia. Sei bem o que é o arrematante turco, porque estive n'aquelle paiz, e conheço como as cousas ali se passam a tal respeito, não porque fosse estudar finanças áquelle imperio, mas porque residindo alguns mezes, aconteceu-me o que succederia a qualquer dos dignos pares, isto é, ser levado por uma natural curiosidade, a querer informar-me do que era a administração de um paiz em condições de vida religiosa, politica, administrativa e civil tão particulares e diversas das de todas as restantes nações da Europa.
Na Turquia o arrematante dos impostos é o pachá, o governador da provincia, a quem se ordena por parte do poder central que extraia d'essa provincia, cuja administração lhe está confiada, e que muitas vezes têem maior area do que a do nosso paiz, uma determinada somma, ou tributo, cuja importancia total elle tem infallivelmente de apresentar, seja qual for o modo por que consiga cobral-a. De facto ali é sobretudo o municipio que paga, porque o municipio conserva n'aquelle paiz notaveis elementos de força e de energia, e essa vitalidade é tamanha que tem podido resistir a todas as transformações politicas, a todas as alterações no predominio do raças, religiões e fórmas de governo por que aquelle imperio tem passado no decorrer dos seculos. Ali, o pachá limita se a dizer aos contribuintes: «Dae-me tanto, e procurae entre vós entender-vos sobre a maneira de levantar as sommas que vos exijo.»
Ora, eu não quero de certo implantar este systema no meu paiz, com o cortejo da arbitrariedade e de vexames de que elle póde ser origem. E ninguem me acompanharia n'esse intento, quando eu o tivesse; nem os meus collegas, nem o parlamento, e muito menos a nação. Deixemos, portanto, a Turquia em paz, e prescindamos, de armar ao effeito evocando o seu nome.
O exemplo da Hespanha, porém, é que me parece não ser tanto para desprezar. A Hespanha é um paiz que se rege por instituições, similhantes ás nossas, onde a instrucção do povo não é inferior á existente em Portugal, e em cujo parlamento têem assento homens eminentes, e que professam os principios mais liberaes. E tanto assim é, que por ninguem poderá ser contestado existirem hoje na legislação economica da Hespanha certos principios que eu bem desejaria ver implantados no meu paiz, e basta para exemplo, referir-me á reforma, da pauta, feita pelo sr. Figuerola em 1869. Um paiz em taes condições não me parece que possa ser facilmente condemnado, quando se trata de escolher nações onde por comparação se procuram elementos de estudo para apreciar problemas de administração.
Por isso, digo a s. exa. o sr. Serpa, que pondo de banda com o digno par o exemplo da Turquia, não engeitaria comtudo, e do mesmo, modo, o da Hespanha. Mas o que eu não careço, de modo algum é sair do meu paiz para discutir a questão do arrematante. E para isso, e em primeiro logar, perguntarei a s. exs. se procurou alguma vez retirar da nossa legislação o principio da avença com as camaras? Não o retirou, antes o deixou subsistir, aproveitando, por exemplo, no concelho de Lamego. E realmente, não sei em que posição ficaria collocado o sr. Serpa, sendo ministro, rejeitando uma avença de que não resultasse inconveniente, antes v vantajem para o thesouro, quando pedida por uma camara municipal.
A avença existe na nossa, legislação, e julgo-a de toda a conveniencia; porque a facilidade de relações entre as corporações municipaes e o contribuinte, dá grandes resultados no sentido de facilitar e suavisar a fiscalisação. Aquellas corporações conhecem os interesses e as necessidades dos povos; entre ellas e o contribuinte existem dependencias reciprocas, contacto permanente, e por isso se explica a nenhuma antipathia para com a avença, e a sua consequencia logica, a arrematação municipal do imposto.
De accordo com estas idéas declarei já na outra casa do parlamento, e repito-o agora, que vi com muito, satisfação algumas camaras municipaes apresentarem-se espontaneamente para se avençarem com o thesouro no imposto do real de agua.
Disse, porém, o sr. Serpa, que não approvava este projecto, porque não dava augmento de receita para o thesouro, e vinha levantar resistencias contra o real de agua e crear attritos para a sua cobrança.
Ora, sr. presidente, é certo que desde o momento em que um governo apresenta um projecto qualquer que se refira ao real de agua, immediatamente apparecem representações contra elle de todos os pontos do paiz. Não digo que o povo se agite; mas a imprensa, pela sua voz auctorisada, e os membros das duas casas do parlamento, vem logo dar força a esse começo de resistencia.
E para me referir unicamente a factos recentes, s. exa. sabe perfeitamente que não conseguiu fazer approvar o projecto que apresentou em 1873, e que estabelecia a subdivisão do imposto e a cobrança de uma parte d'elle no acto da circulação dos generos.
Viu tambem s. exa. que nem sequer lhe foi possivel publicar o regulamento que devia traduzir na pratica as idéas consignadas no projecto do sr. Mello Gouveia.
Ha pois uma resistencia natural todas as vezes que se pensa tocar n'este imposto.
Direi mais. Reduzindo a fiscalisação ás simples proporções a que o fiz, no regulamento de 30 de dezembro de 1879, ainda assim não tem deixado de haver algumas associações commerciaes, como a de Santarem, cidade a que pertence o circulo que eu tenho a honra de representar no
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parlamento, as de Braga, Bragança, Vianna e outras, que protestaram não só contra as disposições novas d'esse regulamento, mas até e sobretudo contra algumas das que já estavam consignadas na legislação em vigor e que apenas foram agrupadas e codificadas n'aquelle documento. Portanto, está claro que as tentativas, para regularisar a administração directa d'este imposto excitam sempre resistencias.
A arrematação do real de agua, pelo contrario, existe em quasi todo o paiz, levada a effeito pelas municipalidades com grande vantagem fiscal, e superioridade sobre as cobranças do estado, e não tenho visto até hoje levantar clamores contra similhante modo de cobrança.
Por consequencia, não posso receiar que da adopção da proposta e da sua conversão em lei resulte esse fermento de resistencia que o digno par receia ver desenvolver-se; entretanto se eu reconhecer mais tarde que ha inconvenientes no systema de arrematação, não porei duvida em o suspender, e de certo assim procederá qualquer outro ministro que se ache gerindo os negocios da fazenda. Ainda ha mais.
O governo nunca pensou, como eu disse ha pouco, em substituir em todo o paiz o regimen da administração directa pelo regimen da arrematação. Por mais de uma; vez tenho tido occasião de explicar qual foi a origem d'este projecto. O sr. Mello Gouveia reconheceu que em certos concelhos a receita d'este imposto estava muito áquem d'aquella importancia que naturalmente se devia esperar das condições economicas e da população d'esses concelhos comparadas com as de outros que se achavam em condições identicas, e era em muitos casos notavelmente inferior ás receitas que com uma taxa de imposição muito mais limitada os municipios obtinham d'esta, fonte tributaria, pelo processo que seguiam de a arrematar, processo que o novo codigo administrativo do sr. Sampaio continuou a auctorisar. Entendi, por isso, que seria logico para o estado ensaiar tambem o systema da arrematação, em seu beneficio.
O pensamento do governo, claramente expresso na outra casa do parlamento, é chegar a um melhor resultado de cobrança, realisar por esse modo a economia a que o digno par se referiu acabando com uma duplicação de pessoal para a fiscalisação e cobrança d'este imposto, e sobretudo aferir por este meio indirecto a natural elasticidade da contribuição em si, e o que ella deve render quando administrada directamente pelo estado. Alem de que estabelecida por um anno ou dois a arrematação em alguns concelhos, se se reconhecer que o systema levanta as resistencias que o digno par teme, não terei duvida em parar no uso da auctorisação, e estou convencido que nenhum governo, que succeda a este, quererá proceder por fórma diversa, não havendo ministro que, pelo prazer de arrematar o imposto, esteja alimentando resistencias e creando embaraços á marcha governativa.
Sr. presidente, outro ponto a que s. exa. se referiu foi á novidade de formula que eu introduzi na proposta de auctorisação. Direi ao digno par que embora alguns jurisconsultos, e um muito distincto que faz parte da commissão de fazenda, se tenham, pronunciado em sentido contrario, tenho por mais de uma vez visto estabelecer duvida sobre se reunindo-se as camaras annualmente caducavam ou não no fim de cada anno as auctorisações concedidas aos governos. E na verdade quando um projecto de lei já está esquecido, quando as circumstancias que dictaram o pensamento do legislador estão completamente mudadas, ir desenterrar uma velha e obsoleta disposição, e lançar mão d'ella para a pôr em execução, parece a muitos que póde ser origem de inconvenientes é duvidas, e que por consequencia as auctorisações, o particularmente em materia de impostos, devem caducar no fim do anno. Não assevero que esta opinião seja boa ou má, o que digo é que a tenho ouvido sustentar e defender. Acrescentarei mais, que podendo acontecer que eu não lançasse mão desde logo e no primeiro anno d'esta auctorisação que vim pedir á camara, por entender que o imposto por administração directa estava dando resultados superiores áquelles que eu calculava, desejei tornar bem clara a idéa de que a auctorisação subsistia, e que mais tarde e em outro anno me seria sempre possivel a mim ou a outro ministro recorrer a este meio para aferir os resultados da administração directa, pensamento este que principalmente inspirou a proposta em discussão.
E não nos arreciemos, repito, do uso d'essa auctorisação, porquanto a camara bem sabe que dadas as condições politicas em que vivemos, nenhum governo deseja o odioso de crear vexames em materia tributaria, nenhum contribuinte deixará de lançar mão de todos os recursos numerosos que tem ao seu alcance, já representando ao parlamento, já dirigindo-se á imprensa, já empregando-os meios marcados na propria legislação tributaria, para protestar contra esses vexames e annullal-os de prompto, logo que principiassem a manifestar-se.
Diz-se tambem, sr. presidente, que da adopção d'este systema resulta que o arrematante apresentando-se em hasta publica com a idéa de ganhar, o lucro que elle aufere e deixa de vir para o thesouro, e que uma parte do sacrificio assim pedido ao paiz serve unicamente para enriquecer o arrematante. Usando d'este argumento esquece-se, porém, sr. presidente, que se poupa a despeza muito grande da fiscalisação, e que o contribuinte deixando de a pagar, póde ser bem menos aggravado, acontecendo facilmente que a cobrança feita pelo estado por administração directa seja muito mais onerosa para o contribuinte do que o lucro resultante do facto da arrematação para quem a realisou.
Sr. presidente, disse o digno par ha pouco, que tambem não era favoravel á idéa de avenças, processo que implica, meu ver, o da arrematação; citarei, comtudo, a esse respeito uma auctoridade que é de certo insuspeita para o digno par, e que tem no seio do partido a que s. exa. pertence a maior e mais justificada auctoridade. S. exa. o sr. Fontes Pereira de Mello, em 1872, apresentou com o seu relatorio, e entro outras, a proposta de lei n.° 10 que se referia se imposto do real de agua, e no artigo 2.° d'essa proposta estabelecia que nas capitaes dos districtos e nas cidades o imposto se cobraria por barreiras; mas prevendo s. exa. difficuldades e inconvenientes que poderiam sobrevir d'este systema, acrescentou logo:
«Quando as camaras municipaes respectivas quizerem avençar-se com o governo, será permittida essa avença, a qual na sua totalidade pertencerá ao estado. O que o imposto produzir, alem da avença, dividir-se-ha entre as camaras municipaes e o thesouro.»
E parece que s. exa. estava de tal fórma possuido da confiança d'este modo de cobrança, que logo no artigo immediato acrescentou:
«Nas povoações de mais de 3:000 habitantes, cujas camaras municipaes solicitarem o methodo do pagamento estabelecido no artigo antecedente, poderá cobrar-se o imposto nos termos do referido artigo com o abatimento de 20 por cento sobre os generos passiveis do dito imposto.»
Esta idéa da avença afigurou-se, pois, a s. exa., como se me afigura hoje a mim, o meio mais facil de cobrança em virtude das frequentes relações que existem entre as camaras e os seus municipaes; mas a avença o que significa em geral é um meio indirecto de estabelecer a arrematação, e assim se justifica, a meu ver, com a auctoridade do sr. Fontes Pereira de Mello, a doutrina do projecto que estamos discutindo, e que preceitua que em alguns casos a cobrança não seja feita pelo estado, mas por um terceiro, sem inconveniente para os povos e com manifesta vantagem do mesmo estado.
Sr. presidente, sobre o projecto pouco mais acrescentarei; no emtanto occorre-me o que s. exa. asseverou, de que
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nos deviamos recordar dos inconvenientes que se deram n'outras epochas com a arrematação por districtos. Sr. presidente, não ha paridade possivel entre a arrematação segundo os contratos antigos, a que o digno par se referiu, e o ensaio que proponho. Disse s. exa. que bem patentes estão ainda na idéa de todos os vexames que se praticavam, as numerosas letras protestadas, as perdas e falhas consideraveis, que havia.
Ora, sr. presidente, não é só com esta fórma de cobrança que se dão falhas. S. exa. sabe de sobra que infelizmente ellas se verficam, e muito grandes, com aquelles impostos cuja cobrança directa está confiada ao estado, falhas que nos ultimos annos cresceram em uma progressão de muitas dezenas de contos de réis.
Não pretendo destruir com este argumento aquelles que o sr. Antonio de Serpa empregou contra o systema de cobrança por arrematação; mas o que quero indicar é que com a administração directa tambem se dão falhas.
E demais, como o systema que eu proponho é meramente um ensaio, está claro que, quando tambem elle não de sob o ponto de vista financeiro o bom resultado que espero, me apressarei por meu lado a condemnal-o.
Sr. presidente, sem querer n'este momento entrar em uma discussão geral sobre systema de impostos e de administração financeira, não posso comtudo deixar de declarar á camara que tenho sobre esse assumpto um modo de pensar muito diverso d'aquelle que o sr. Serpa sustenta por seu lado, sendo profunda n'este ponto a divergencia das nossas duas escolas. E com quanto eu me curve diante da auctoridade que uma longa experiencia e um talento superior dão a s. exa., não póde nem deve admirar que militando nas fileiras de um partido diverso nas idéas sobre administração financeira, eu divirja muito do sr. Serpa.
Direi em primeiro logar a v. exa., sr. presidente, que me parecem menos justas estas apreciações do digno par a meu respeito, visto que eu não tratei de descrever o estado das nossas finanças recorrendo a cores exageradamente negras, nem voltei a minha attenção unicamente para o que podesse ter-se como desfavoravel na situação do nosso thesouro, procurei apenas inspirar-me no estudo consciencioso dos factos e dos algarismos e observar as regras salutares expostas pelo sr. Fontes Pereira de Mello nos seus relatorios sobre a fazenda publica, quando affirma a necessidade de não occultar a verdade; procurei simplesmente, repito, inspirar-me n'essas idéas, confiando plenamente no patriotismo do paiz, para conseguir melhorar a situação do thesouro e manter o nosso credito.
Mas, sr. presidente, se eu carecesse de auctoridade ainda melhor a que me soccorrer n'este momento para me justificar junto ao digno par, referir-me-ía ao proprio sr. Antonio de Serpa, pois s. exa. por mais de uma vez declarou e bem accentuadamente que a grandeza da nossa divida representava um perigo gravissimo para o thesouro.
Se assim é, como póde affirmar-se que descrevi a situação da fazenda com cores negras, quando procurei unicamente dizer a verdade ao paiz, firmando todas as minhas accusações sobre documentos officiaes irrefutaveis? Póde ser que me enganasse. A infallibilidade não é um dom dos ministros. Mas o que é certo é que tratei exclusivamente, com o apoio da minha consciencia, com o exame e estudo dos factos, de descrever ao paiz a sua situação financeira, como suppunha que ella realmente era na esperança de que o mesmo paiz não deixasse de corresponder ao appello que o governo assim lhe dirigia.
Tambem divirjo do sr. Antonio de Serpa nas esperanças nimiamente exageradas que s. exa. formulou ácerca do crescimento espontaneo das receitas provenientes das contribuições indirectas, e por outro lado no receio de resistencia que no paiz se levanta sempre contra o augmento no imposto directo, por menor que seja esses augmento. Em demonstração d'este seu modo de ver alludiu s. exa. a um facto que o sr. conde de Valbom conhece perfeitamente porque teve de supportar as graves consequencias politicas que d'elle se derivaram.
É sabido que em 1864, havendo-se reconhecido que as matrizes do districto de Vizeu estavam muito abaixo, da verdade, havendo grande porção de predios omissos, propoz o governo augmentar o contingente da contribuição predial na proporção do rendimento collectavel d'esses predios omissos; o que perfazia o algarismo de 84:000$000 réis em todo o paiz, e na camara se levantou, porém, desde logo uma resistencia tão grande contra esse pequeno aggravamento, que não foram de mais a palavra e o talento do sr. conde, de Valbom, então ministro, para a dominar, encaminhando as cousas por fórma a que por fim vencessem as difficuldades. Aqui temos effectivamente uma prova de que o aggravamento da contribuição directa excita, natural repugnancia; mas apesar d'isso eu reputo um grave perigo estarmos a esperar o augmento espontaneo e gradual das contribuições indirectas, o remedio para a situação difficil em que hoje nos encontrâmos.
O digno par referiu-se muito especialmente ao seguinte facto: «basta uma aragem de prosperidade, um melhoramento de cambio no Brazil, para vermos as alfandegas produzirem um rendimento crescente de centenas de contos, sem que ninguem se queixe. Então o credito robustece-se e a situação do thesouro desafoga-se de maneira que surge um periodo em condições tão prosperas como o houve em 1874.»
Que esta doutrina é perigosa, bem o prova o terrivel reverso da medalha, bem o demonstram os factos lamentareis passados em 1876.
Mas ponhamos de banda esses factos, Reportemo-n@3 a 1868. Bem amargas, bem dolorosas foram as provações de v. exa., sr. presidente quando n'esse anno geria com tamanha prudencia os negocios publicos, em condições tão difficeis, provações iguaes áquellas por que depois, em 1869, passou o actual sr. presidente do conselho.
Foi então necessario applicar remedio immediato á situação do thesouro, e esse remedio não proveiu nem podia provir do augmento espontaneo que se não verificava das contribuições indirectas, porque o cambio do Brazil era desfavorabilissimo, porque não vinha de lá a menor remessa em papel ou em dinheiro, porque á guerra do Paraguay retinha nos cofres dos bancos, nas mãos dos correspondentes e nas dos portugueses residentes n'aquelle imperio, todas as suas economias, sommas enormes, que mais tarde, em 1874, affluindo simultaneamente para Portugal, vieram dar ao nosso paiz um grau de prosperidade sem precedente na sua historia economica.
E, apesar d'essa resistencia a que o sr. Serpa allude, como querendo indicar que não é conveniente recorrer ao imposto directo, os factos demonstram que os cavalheiros que no periodo de 1868 a 1872 estiveram á frente dos negocios publicos, não recuaram diante da necessidade de augmentar em larguissima escala esses impostos.
A este respeito adduzirei o proprio testemunho do sr. Fontes, que no seu relatorio de 1872, a que ha pouco me referi, não duvidou asseverar que o augmento dos impostos directos, lançados n'aquelle intervallo de tempo, havia produzido um augmento de receita na importancia de réis. 900:000$000. E não foram sómente os impostos directos que se aggravaram. S. exa. calculando o acrescimo de receita proveniente, não do augmento de materia collectavel, mas das novas imposições que se tinham votado, calculou-o em nada menos do que 2.000:000$000 réis.
Entre esse augmento total de tributos figurava muito especialmente, como disse, o que resultava das contribuições directas; ninguem recuou, com susto, diante d'esse paladio como o digno par quasi o classificou da contribuição predial.
S. exa. alludiu, a proposito d'esta contribuição e para corroborar os seus argumentos, ao que se passou em França, nas circumstancias difficeis em que aquelle paiz se en-
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controu depois de acabada a guerra com a Prussia, e no momento em que necessitava lançar mão de todos os recursos, ainda os mais condenmaveis aos olhos dos economistas e da sciencia, para de prompto haver meios com que satisfazer todos os encargos pesadissimos que lhe legára a oratoria do seu poderoso inimigo. Notou o digno par que a França, mesmo n'essas circumstancias tão afflictivas e por tal fórma excepcionaes não ousara ainda assim tocar n'aquelle palladio; mas a França lá tem os centesimos addicionaes a essa contribuição paga em beneficio dos departamentos e da communa, e que têem augmentado de anno para anno, subindo no orçamento para 1880 a francos 176.083:500, isto é, mais do que o chamado principal do imposto, que é de 173.950.000 francos, somma aquella bastante para satisfazer ás crescentes necessidades da extraordinaria civilisação d'aquelle paiz; e é com o augmento d'esses addicionaes que se tem aggravado enormemente os encargos que pesam sobre a propriedade. Portanto, se em França não se tocou directamente na contribuição predial, recorrendo-se era tão larga escala aos centesimos addicionaes, aggravou-se ainda que por outra fórma, esta origem de rendimento.
E entre nós não se duvidou, como disse, lançar 20 por cento addicionaes sobre a contribuição predial, como já anteriormente o sr. Fontes em 1867 tinha tido a coragem de elevar de 20 a 40 por cento o imposto addicional para viação.
Tambem se lançou 50 por cento addicionaes sobre as contribuições industrial e pessoal, se modificou a legislação sobre emolumentos e direitos de mercê, e se introduziram outras alterações nas contribuições directas, resultando de todas estas providencias um augmento de receita que s. exa. o sr. Fontes computou em 804:464$969 réis.
Por outro lado modificava-se a pauta aggravando os direitos relativos aos generos coloniaes e outros, como o assucar, o chá, o café, o arroz, etc., e estabelecia-se um direito especial sobre o vinho, aguardente, geropiga, etc., entrados no Porto e em Villa Nova de Gaia.
Tambem se elevaram as taxas do real de agua, e como já tive occasião de dizer á camara, sendo ministro da fazenda o sr. Carlos Bento, fui eu que tive a honra de ser relator do projecto apresentado por s. exa., e de o auxiliar assim no empenho de augmentar o rendimento proveniente d'esses direitos de consumo.
Elevou-se igualmente o imposto sobre o tabaco, e foi de todos estes augmentos e não do desenvolvimento da riqueza publica, que resultou uma receita a mais na a contribuições indirectas de 973:345$770 réis, e acrescentando esta verba á dos impostos directos, o augmento pelas reformas nas leis do sêllo e registro perfaz a totalidade de cerca de 2.000:000$000 réis de augmento nas receitas, a que ha pouco me referi.
Ora, isto conseguiu-se na occasião a menos favoravel, quando as circumstancias economicas do paiz eram, sem comparação, peoires do que actualmente, e quando se luctava com as duas companhias dos caminhos de ferro do sueste e do norte.
Por consequencia, em face, repito, de um deficit para este anno que calculo em 7.000:200$000 réis, e que poderá talvez ir alem d'essa cifra, na presença tambem de uma divida fluctuante como a que existe, e que trará por consequencia necessaria um novo recurso ao credito por somma muitissimo elevada, e em vista dos compromissos financeiros com a companhia que está encarregada pelo estado da construcção da linha ferrea da Beira Alta, compromissos que importam no pagamento de uma somma de approximdamente 4.000:000$000 réis, se nós formos esperar uma aragem favoravel do Brazil, um melhoramento do cambio, e não tratarmos de melhorar de prompto as nossas finanças, creio que nos expomos a um grande perigo, para aggravar o qual eu pela minha parte não quero concorrer.
Sr. presidente, emquanto á doutrina de que o imposto indirecto vale muito como recurso financeiro, e mais do que o imposto directo pela difficuldade do lançamento d'este ultimo, confesso que tambem [...] algum conformar com elle, olhando para o exemplo de nações muito notaveis pelo grau elevado de perfeição a que têem attingido nas praticas administrativas.
Tenho sido accusado de trazer para o debate, alem dos nomes e das nações que costumavam ser citadas, mais uma classe de citações, a que tem origem nos paizes germanicos.
Não creio, sr. presidente, que este meu procedimento filho de uma natural sympathia a que sou levado pela ordem dos meus estudos, mereça ser censurado, e ninguem poderá levar-me a mal que eu procure verificar o que se passa n'aquelles paizes, com circumstancias politicas em verdade muito diversas das nossas, mas onde as questões administrativas e financeiras se debatem com toda a lucidez e se estudam pelo modo mais conveniente.
Pela minha parte, confesso que folgaria se visse no nosso parlamento o systema seguido e adoptado pelo parlamento allemão, no que respeita ao estudo consciencioso do assumpto ali submettido á discussão.
Sirva esta convicção que tenho para me relevar a referencia ao facto que ainda não ha muitos annos se verificou na Prussia de se substituir aos impostos de moagem e sobre a carne, a que estavam sujeitas as populações urbanas, um imposto directo sobre o rendimento.
No lançamento d'este procurou-se então que a quantia que se obtivesse compensasse o que se perdia nos impostos de consumo, tendo-se tambem em vista que o contribuinte alcançasse, em virtude d'esta transformação, um verdadeiro conhecimento do que pagava, e com elle um meio indirecto de exame e fiscalisação da fórma por que os negocios publicos estavam sendo geridos. Procurou-se assim que cada qual pagasse em proporção dos seus lucros, diligenciando-se estabelecer a contribuição mais justa, e o mais equitativamente repartida.
Isto são duas escolas, dois pensamentos administrativos differentes. S. exa., o sr. Serpa, referiu exemplos muito notaveis, que póde apresentar em favor das doutrinas que advoga; eu por meu lado adduzo outros, que supponho terem igual importancia. Se espiritos muito eminentes têem divergido n'estes pontos, não deve admirar que eu julgue poder divergir de s. exa.
E não é só entre as nações germanicas que se dá esta preferencia, e que se encontram recursos notaveis no aproveitamento dos impostos directos. Em um paiz analogo ao nosso, não só pelas instituições politicas e administrativas que o regem, como pela raça, que tem a mesma origem, da nossa, refiro-me á Italia, tambem se julgou dever melhorar o imposto predial e lançar mão do imposto sobre o rendimento, que ali está dando resultados para o thesouro iguaes aos que produz o imposto predial, e muito superiores aos que se obtêem pelo imposto de moagem, essa contribuição infeliz, posto que ainda não chegou a Portugal, o que não virá, firmemente o desejo e espero, pesar sobre o contribuinte pobre d'este paiz.
Relevem-me v. exa. e a camara estas reflexões e esta insistencia. Tenho em mente, ao proferir estas phrases, as asserções do digno par com respeito aos impostos existentes e á necessidade do envidarmos todas as nossas forças a fim de melhorar a sua administração, para que elles possam dar os resultados de que em sua opinião são susceptiveis, e que por si bastariam para com elles vencermos as difficuldades que nos assoberbam.
Eu espero dentro em pouco apresentar á consideração e estude dos membros d'esta e da outra camara, um elemento valiosissimo para a apreciação da nossa questão financeira. Refiro-me ao Annuario das contribuições directas. A compilação d'este Annuario está confiada a um digno e exemplar funccionario do meu ministerio, ao sr. Pedro de Carvalho, que todos respeitam e consideram pela sua muita
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intelligencia, zêlo e dedicação inexcediveis pelos negocio publicos.
Aproveitou aquelle funccionario para o seu trabalho os elementos estatisticos, annualmente compilados pela direcção; geral a seu cargo, e que ali se conservam archivados e desconhecidos, não se havendo publicado cousa alguma sobre o assumpto posteriormente aos notaveis mappas de Fradesso da Silveira.
Pelo Annuario sé verá em que circumstancias pouco felizes se encontra a administração das nossas contribuições directas, administração que padece de um mal que todos os ministros da fazenda se têem esforçado por debellar, ou, pelo menos, restringir, Espero, por meu lado, que alguma cousa conseguirei das providencias administrativo que caibam nas minhas faculdades e eu possa tomar sobre o assumpto.
Mas, se até hoje se não têem podido obter os indispensaveis melhoramentos n'este ramo do serviço fiscal, ninguem exija de mim que consiga; em mezes o que ministros tão competentes e com tantos recursos de sciencia administrativa e actividade não poderam até hoje alcançar.
Sr. presidente, desculpe v. exa. e a camara esta nova divagação. Estava-me referindo ao imposto indirecto e argumentando n'este campo com o sr. Antonio de Serpa, que via n'elle o nosso principal recurso financeiro á explorar. Diz-se em verdade que ás contribuições indirectas têem uma vantagem muito grande porque o contribuinte não reclama, quer dizer, o contribuinte torna-se victima inconsciente do que é por vezes uma grande iniquidade, e tal qualificação merecem em alguns casos estes impostos. Devemos nós, porém, que temos perfeito conhecimento d'essa iniquidade, sustentar, aggravar e tornar ainda mais difficeis as condições das classes pobres, porque d'ahi resulta maior receita para o thesouro e um modo mais facil de cobrança para os governos, porque não levanta contra elles difficuldades politicas? Pela minha parte entendo que não. O direito, por exemplo, que actualmente recae entre nós sobre o bacalhau, um dos generos que constituem a principal alimentação do pobre, e que attinge 40 por cento do seu valor no mercado, produz em verdade uma receita para o estado de cerca de 500:000$000 réis, mas eu por mim hão posso deixar de entender que é uma necessidade impreterivel elevar os impostos directos para tornar mais suave o peso d'aquelles que vão recaír nos generos mais necessarios para a vida das classes pobres, e se não tenho procurado introduzir até agora uma modificação qualquer n'aquelles direitos é porque as circumstancias do thesouro não poderiam supportar n'este momento o consideravel desfalque que seria à consequencia d'essa modificação, pelo menos nos primeiros annos. E a este respeito ainda recordarei os grandes fastos da historia economica da Inglaterra, a que já em outra parte me referi, factos que se consubstanciam em um nome venerando, o de sir Robert Peel. Este homem d'estado, por tantos motivos illustre, restaurando em Inglaterra o imposto sobre o rendimento, fel-o sobretudo para alliviar os tributos que affectavam as classes pobres. Creio que não foi outro o intuito d'aquelle illustre financeiro, d'aquelle espirito levantado, d'aquelle amigo como não houve outro melhor das classes desvalidas, d'aquelle homem ante cuja memoria se devem curvar reverentes todos os que têem a peito o melhoramento da sorte d'estas classes.
Portanto, sr. presidente, em meu entender nós não podemos deixar de envidar todos os nossos esforços para chegarmos hão só ao equilibrio das nossas finanças, mas tambem a melhorar o systema das nossas contribuições, e não podemos nem devemos estar unicamente adstrictos á esperança de que venha de quando em quando uma aragem benefica do Brazil, e com ella uma modificação nos cambios, que traga como consequencia uma prosperidade momentanea e necessariamente facticia.
É preciso mais alguma cousa, porque se d'essa aragem nos podem provir uns certos annos de bem estar, tambem podem succeder a esses annos periodos de amargas difficuldades, como por mais de uma vez tem acontecido.
Sr. presidente, peço desculpa á camara se fallei com maior calor do que pedia o assumpto do debate; teve esse facto origem na convicção profunda que me anima; asseguro porém que não estava no meu animo offender as susceptibilidades do digno par que me precedeu, ao qual folgo de prestar a homenagem da mais profunda consideração e do grande apreço em que tenho a sua illustração e eminentes qualidades.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - O nosso regimento determina que seja alternada a ordem porque usem da palavra os oradores inscriptos para tomar parte em qualquer discussão; para o que determina que os dignos pares que pedem a palavra devem declarar n'esse acto se é pró ou contra.
O sr. Serpa usou da palavra contra, seguiu-se o sr. ministro da fazenda a favor, e agora estão inscriptos os srs. conde de Valbom e visconde de Chancelleiros.
Pergunto ao sr. conde de Valbom em que sentido pediu a palavra?
O sr. Conde de Valbom: - Contra.
O sr. Presidente: - E o sr. visconde de Chancelleiros?
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu não posso ainda definir se fallarei contra ou a favor.
Se para v. exa. me, dar já a palavra é preciso que eu me inscreva contra fal-o hei. (Riso.)
O sr. Presidente: - N'esse caso quem tem a palavra em primeiro logar é o sr. conde de Valbom, que foi quem a pediu primeiro.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Então inscrevo-me a favor. (Riso.)
O sr. Barros e Sá: - Peço a palavra a favor.
O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Mando para a mesa um pedido de auctorisação para que o digno par o sr. D. Luiz Daun e Lorena possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as que exerce de governador civil de Lisboa.
Leu-se na mesa e foi concedida a licença pedida.
O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem vinda da camara dos senhores deputados.
Leu-se na mesa:
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que auctorisa o governo a despender no actual anno economico, em obras de edificios publicos e de portos e rios 100:000$000 réis alem das verbas destinadas para as mesmas obras, no decreto de 28 de junho de 1879.
Ás commissões de fazenda e obras publicas.
O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, em má occasião me coube a palavra, porque estamos já no fim dá sessão e vou succeder a dois distinctos oradores.
Encetarei; todavia, o meu discurso, offerecendo á consideração da camara algumas reflexões, embora me encontre n'uma situação difficil.
Sr. presidente, quando se trata de crear receita para occorrer aos encargos impreteriveis da governação do estado, sempre ponho de parte a politica, porque entendo que quaesquer conveniencias partidarias devem ceder o passo aos interesses do paiz.
Tenho, pois, o proposito de occupar-me do assumpto que debatemos com inteira imparcialidade, isento de quaesquer paixões, e unicamente inspirado pelo desejo de servir a causa publica no limite das minhas faculdades.
Apresentando-se por parte do governo o alvitre de arrematar o real de agua, em vez de empregar a administração directa do estado, como um dos meios tendentes a resolver as nossas difficuldades financeiras, forçoso é fazer uma apreciação, quando, menos rapida, do estado da fazenda publica para verificar até que ponto a idéa d'este
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retrocesso, a uma pratica condemnada pela boa doutrina e pela experiencia, póde ser efficiente para o fim que se tem em vista attingir.
A nossa situação financeira é grave; não devemos dissimudal-o.
Mas não devemos tambem occultar que, se as despezas têem successivamente crescido, a par d'ellas têem augmentado as nossas receitas; que ao lado da divida publica se tem desenvolvido a riqueza nacional.
É verdade que ha um deficit pertinaz, mas não é menos exacto haverem-se implantado no paiz melhoramentos, que são outros tantos elementos de producção, habilitando os contribuintes a pagar maiores imposições.
Não chegámos ao apogeu da civilisação, mas temos adiantado na estrada do progresso, e a troco dos sacrificios feitos vemos medrar a nossa prosperidade.
Portanto a nossa situação, se não é risonha, tambem não é tão triste, como nol-a querem pintar. (Apoiados.) Já temos atravessado crises muito mais temerosas, temos tido deficits mais assustadores, dividas fluctuantes mais avolumadas, em epochas em que o paiz não possuia tantos meios de producção, não tinha desenvolvido tanto a sua riqueza material, nem estava tão habilitado a occorrer aos seus encargos, como hoje está.
Sr. presidente, ha muitos annos que mis certos aterradores, uns espiritos tristes e melancolicos, vêem tudo negro, que proclamam por toda a parte que o paiz está á beira de um abysmo, para o qual caminha a passos agigantados. Eu não vejo esse horisonte tão tenebroso, nem diviso esse profundo abysmo; e muito longe está elle, e a tão grande distancia, que ainda não pôde, felizmente, exercer sobre nós a sua terrivel attracção.
Sr. presidente, para que taes exagerações? É necessario não ser hyperbolico? e dizer só a verdade, porque a verdade é o que ha de melhor em tudo e sobretudo na sciencia financeira.
Por um lado o sr. ministro da fazenda diz-nos que proferiu só verdades, e eu acredito que essa é a sua convicção, fazendo justiça ás suas intenções; mas, por outra parte, é certo que s. exa. não desconhece a importancia de impressionar o espirito publico de uma certa maneira; a fim de, mais facilmente, fazer acceitar os seus alvitros financeiros, apesar de inefficazes ou inadequados, debaixo da pressão do terror. Figurando-se o paiz em perigo imminente de banca rota, que na realidade não exista embora a situação seja grave, de certo o patriotismo dos portuguesas é mais excitado, e o seu animo fica mais predisposto para quaesquer sacrificios.
Mas essas pinturas, demasiado carregadas, têem tambem alguns inconvenientes com referencia ao credito. (Apoiados.) Se os capitalistas, a quem o governo quer recorrer para levantar emprestimos, acreditassem n'ellas ou quizessem prevalecer-se d'essa leviandade ministerial, tornar-se-íam mais exigentes, com prejuizo do thesouro publico.
Felizmente, os homens que conhecem as nossas circumstancias e se occupem dos nossos ou antes dos seus negocios financeiros não pensam assim; e a prova é que os nossos fundos se mantêem altos na cotação não podendo atribuir este facto á esperança de que se hão de votar novos tributos, pois já estavam, com aquellas cotações antes d'isso; a rasão é por que sabiam que o nosso estado não era tão mau como o descreviam as paixões politicas.
Eis aqui a explicação do nosso credito; havia e ha confiança na solvabilidade do nosso paiz, porque se vê que se empregaram sommas muito importantes em o dotar com melhoramentos publicos que têem desenvolvido a sua riqueza e continuam a habitual-o a produzir muito mais do que produzia em outras epochas. (Apoiados.)
E quando se diz haver herdado difficuldades com que se tem a luctar, deve-se ser bastante justo para advertir igualmente que tambem se receberam meios mais efficazes de as vencer, no incremento incontestavel dos recursos publicos, que assignala a nossa crescente prosperidade. (Apoiados.)
A maior parte, se não a quasi totalidade, d'esses encargos que pesam hoje sobre o paiz, provem das importantissimas despesas que têem sido feitas com os melhoramentos publicos.
Esta é que é a verdade, que se deve dizer toda inteira ao paiz.
Não ha duvida que temos um deficit pertinaz, que tem resistido aos esforços de todos os financeiros para o extinguirem, o que, qual outra Phenix, renasce das proprias cinzas.
É verdade que somos obrigados áquelle trabalho que a mythologia symbolisava no penedo de Sisypho, como é o de estarmos a levantar divida fluctuante para em seguida a consolidarmos, e assim successivamente, resultando d'ahi avolumar-se de um modo consideravel a nossa divida consolidada; mas, apesar d'isso, não nos encontrâmos era circumstancias taes, em tal aperto, que devamos votar toda a, especie de imposto, sem maduro exame, sem reflexão, como quem está sob a pressão de um perigo imminente, e que não tem outro remedio senão lançar mão do primeiro alvitra que se lhe offerece. (Apoiados.)
Felizmente achamo-nos em situação de meditar com madureza sobre o que mais nos convem fazer.
Qual é a perspectiva que nos apresenta o futuro anno economico? Segundo o relatorio do sr. ministro da fazenda, - e n'esta occasião folgo de render justiça ao seu merecimento, á sua illustração, ao muito trabalho que teve para o elaborar - segundo esse relatorio, o deficit total no proximo anno economico de 1880-1881, é de 5.150:000$000 réis.
Esse deficit é composto de duas addicções: o ordinario de 3.425:000$000 réis e o extraordinario 1.725:000$000 réis, que representa a somma destinada a melhoramentos publicos.
Calcula-se que haverá no fim de anno economico uma divida flutuante de 16.000:000$000 réis, e dentro d'elle a pagar, em subvenções á companhia do caminho de ferro da Beira Alta, a quantia de 2.438:000$000 réis.
Terá os de acrescentar a isto a differença entre os actuaes encargos da divida fluctuante e os que hão de pesar sobre o thesouro; resultantes da sua consolidação, que de certo senão maiores e virão augmentar o deficit.
E chamo a attenção do sr. ministro sobre este ponto; parece-me exagerado o seu desejo de contrahir um emprestimo enorme para consolidar a divida.
Quando pela divida fluctuante se paga menor juro do que pela divida consolidada, ha desvantagem na consolidação d'aquella divida, e é o que succederá hoje se se fizer uma tal operação, porque pela nossa divida fluctuante interna pagamos um juro que não excederá 5 por cento, e pela divida fluctuante exterior o encargo não chega a 6 por cento.
Feitas todas as contas do que fica liquido para o thesouro, do emprestimo que s. exa. levantar para a consolidação, ver-se-ha que ha de resultar d'esta operação ficar o estado operado com um juro superior a 6 por cento. Por consequencia teremos uma differença de juro que vae pesar sobre o thesouro, e com tal perspectiva não será nada conveniente ir precipitar a realisação de um facto que não ha rasão nenhuma que aconselhe a consummar-se immediatamente em tão larga escala.
O que é preciso é não deixar exagerar a divida fluctuante. Extinguil-a de um golpe não será prudente, porque d'ali ha de previr um augmento consideravel de encargos para o estado. (Apoiados.)
Assim, pois, não julgo auspicioso para o futuro economico do paiz, o projecto de um emprestimo maior do que todos que têem havido até hoje, como annuncia governo e os seus arautos.
Pelo contrario, reduzindo-se esse emprestimo a menores
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e mais justificadas proporções, o governo mais facilmente, e em melhores condições, poderá, levantar os 2.438:000$000 réis, que são precisos para occorrer ás subvenções do caminho de ferro da Beira; os 1.725:000$000 réis para obras e melhoramentos, e os 3.425:000$000 réis do deficit ou a parte d'elle que ficar a descoberto.
A somma de todas estas addições, com uma parte da divida fluctuante, a externa sobretudo, constituo já um capital bastante avultado, infelizmente, para realisar uma operação de credito que não envergonhe a prosapia de nenhum ministro da fazenda, menos ainda de uma politica que, antes da sua ascensão ao poder, timbrava em atacar todos os emprestimos.
Era para desejar que, n'esta parte, o novel financeiro fosse mais modesto nas suas aspirações, mais respeitador das conveniencias publicas, e mais coherente com as doutrinas do programma do seu partido, quando era opposição. I
Mas quaes são os meios que o sr. ministro da fazenda: propõe para conjurar as difficuldades do thesouro? Depois de as ter exagerado para se dar ao prazer de as debellar, propõe os tres meios que o bom senso indica: reduzir as despezas, fazer render mais os impostos actuaes e crear impostos novos.
Emquanto, ás reducções de despeza, devemos dizer em primeiro logar, com franqueza e verdade, que se s. exa. tivesse economias serias a apresentar ao parlamento e ao paiz, já o tinha feito, porque era do seu interesse e da sua obrigação proceder assim, antes de exigir do paiz qualquer sacrificio. (Apoiados.)
Tendo o proposito serio de realisar economias em que acreditasse, como deveria ter procedido s. exa.? Se eram d'aquellas que não dependem de lei, devia tel-as introduzido logo no orçamento; e se eram de natureza tal que só o parlamento as podia auctorisar, era do seu dever não demorar a apresentação das propostas respectivas na camara dos senhores deputados. Por este modo daria demonstração da boa fé com que o seu partido proclamára na opposição as economias, e mostraria os seus sinceros desejos de as realisar. Mas nada d'isto se fez.
Que economias apresentou o sr. ministro da fazenda? S. exa. diz no seu relatorio que fez uma economia de réis 70:000$000; o que é uma insignificancia em respeito, á questão e á boa vontade de fazer economias. Essa boa vontade creio eu que a tem s. exa., e que a têem tido todos os ministros da fazenda, seja dito em abono da verdade; mas não basta.
Essa preconisada economia de 70:000$000 réis compõe-se de uma verba proveniente da reducção das quotas das escrivães de fazenda, que dá 31:000$000 réis, e da reducção dos emolumentos dos empregados das alfandegas, que dá 26:000$000 réis. Devemos acrescentar a isto a economia que ha de resultar da reforma dos correios o telegraphos que s. exa. disse dever ser importante.
Logo que se apresentou esta reforma, fui vel-a, para conhecer a economia que d'ella resultava. E sabe v. exa. de quanto é essa economia? De 7:000$000 réis. É verdade que se promette o seu crescimento para o futuro, mas é antes de receiar que ella desappareça na pratica.
Ora aqui está o que ha a respeito de economias. Por consequencia, nem mesmo chegam a 70:000$000 réis.
Por outro lado, diz s. exa. no seu relatorio, para justificar o desejo que tem de bem administrar o paiz, desejo que eu acredito, porque não ha ninguem que tenha interesse em gerir mal: «economisei n'estes quatro primeiros mezes do actual anno economico, isto é, de julho a outubro, 512:000$000 reis.»
Fui ver em que era esta economia de 512:000$000 réis; e, comparando a gerencia do anno anterior n'aquelles quatro mezes com os quatro mezes correspondentes a que s. exa. se referia, isto é, comparando as verbas gastas pelos diversos ministerios, vi que a economia consistia em se terem gasto menos mil cento e tantos contos, no ministerio das obras publicas, em melhoramentos publicos. D'isto deprehende-se que não gastar nada em obras publicas é fazer economias. Nos outros ministerios não acontece assim; n'uns gasta-se mais, n'outros menos, a differença é pequena. A verba mais avultada é só no ministerio das obras publicas. Assim é facil fazer economias, á custa dos melhoramentos publicos. Mas as verdadeiras economias, as mais valiosas, são nos serviços ordinarios, nas despezas permanentes dos ministerios.
Por aquella fórma ficamos privados de fazer, na conveniente escala, caminhos de ferro, estradas ou quaesquer outros melhoramentos materiaes de que o paiz careça, o que necessariamente concorrerá para prejudicar as industrias, aggravando assim a nossa situação financeira e economica. A economia não consiste só em, não gastar; consiste em gastar de modo que se reproduza mais do que aquillo que se gasta.
Se qualquer proprietario, por economia, não quizer lançar semente á terra, ou deixar de a lavrar, todos comprehendem o pessimo resultado economico que d'isso lhe ha de provir. (Apoiados.)
Sinto que s. exa. empregasse este argumento da comparação das despezas feitas, em alguns mezes de duas gerencias, para provar a economia administrativa do actual, governo, porque uma tal comparação na realidade não tem valor algum, e só serve para armar ao effeito entre pessoas que desconhecem estes assumptos. O proprio sr. ministro assim o reconhece, no seu relatorio, quando diz: «Deve notar-se que este confronto diz respeito a gerencias e não a exercidos, e portanto não podem ter-se como inteiramente comparaveis os algarismos referidos..»
Comparação de gerencias não, tem effectivamente a significação que se lhe pretendeu dar. Só findo o exercicio, isto é, o praso legal dentro do qual se liquidam todas as contas, é que póde verificar-se o que cada governo gastou, e fazer-se então o confronto exacto. (Apoiados.)
Póde acontecer, e acontece muitas vezes, gastar-se menos n'uns certos mezes e mais em outros; de fórma que, n'este anno economico podia-se ter despendido menos nos, quatro primeiros mezes do que se despendeu em igual periodo do anno anterior, e gastar-se mais nos ultimos mezes do anno do que se gastou nos mesmos mezes do anno passado. Por consequencia não se póde fazer comparação nenhuma sem se liquidarem as contas. Quem sabe se no fim do exercicio, quando tudo se apurar, não se achará que este governo fez uma despeza maior do que a realisada no exercicio anterior? Portanto, a comparação feita por s. exa. não prova nada, nem é um facto que demonstre que tenha havido uma verdadeira economia na sua gerencia. Sinto profundamente que se empreguem argumentos d'esta ordem, que não são serios, que estão abaixo do talento e dos conhecimentos do sr. ministro da fazenda, tanto mais que, no proprio relatorio de s. exa. se encontram ponderações de tal ordem, que não nos permittem acreditar em economias sérias. Disse o illustre ministro n'esse curioso documento que toda a nossa receita ordinaria era de réis 26.106:000$000 e que d'esses absorvem os encargos da divida 14.603:000$000 réis, e as classes inactivas réis 1.602:000$000 ou 16.206:000$000 réis, estas duas verbas, ficando só 9.900:000$000 réis para custear todos os serviços publicos; «e é com esta quantia evidentemente insufficiente, acrescenta s. exa., que tem de se attender ás multiplicadas e crescentes exigencias da civilisação, á segurança publica, á defeza do territorio, á administração ecclesiastica, civil, judiciaria e da fazenda, á representação internacional, á instrucção em todos os seus graus, ás despezas inherentes á posse das colonias e a tantas outras a que não podemos furtar-nos sem sacrificar interesses de ordem a mais elevada».
Em presença d'isto, que esperanças poderemos ter nas decantadas economias?
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128 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Falla-se agora n'uma grande economia, que é a reducção do exercito. Diz-se que o sr. ministro da guerra tem tenção de propor a reducção a 20:000 homens do effectivo do exercito. Essa reducção poderia importar uma diminuição de despeza de 150:000$000 réis, pouco mais ou menos. Mas esta somma será applicada para melhorar as condições do exercito, ou será uma verdadeira economia? O sr. ministro da guerra é que o póde saber. Por ora a proposta ainda não foi apresentada, mas em vista do modo como os jornaes que apoiam o governo tratam o sr. ministro da guerra, não sei se s. exa. chegará a ter o tempo necessario para apresentar perante as camaras essa proposta. O Primeiro de janeiro, que é uma das folhas que sustenta mais o governo actual, tem feito admoestações muito severas ao sr. ministro da guerra, e essas admoestações toda a gente sabe que são significativas pela origem que têem.
Já vimos quaes são as economias do governo. Agora ramos a ver quaes são os meios que o sr. ministro da fazenda emprega para fazer render mais os actuaes impostos.
Tenta s. exa. tornar mais productivos os impostos existentes, lançando mão de diversos expedientes, uns já muito gastos, outros que estão abaixo do talento de s. exa.; e unicamente nos apparece com uma medida nova que é a creação do imposto de rendimento? Tenta s. exa. augmentar a receita com a venda dos bens nacionaes, com a venda de matas e com o rendimento dos conventos supprimidos? Todos estes expedientes se me figuram insignificantes, e o da venda das matas até me parece inacceitavel, porque, em vez de destruir florestas, pelo contrario, convem arborisar mais o paiz.
Pretende tambem s. exa. aggravar a decima de juros. Ora, o imposto sobre o juro tem contra si, alem de muito auctorisados pareceres, até a opinião do sr. presidente do conselho, que no seu relatorio de 1870 sobre a fazenda publica condemnou o imposto sobre o juro.
Quanto ás propostas do sr. ministro, que têem por fim sobrecarregar de direitos certos generos, lastimo sinceramente que as apresentasse; porque esses direitos vão precisamente recaír sobre os artigos que mais affectam o commercio do paiz, como, por exemplo, o imposto sobre a cortiça, cuja exploração e commmercio tendia a desenvolver-se e a tornar-se um valioso elemento da riqueza nacional, mas que hoje decaíu um pouco e lacta com graves difficuldades, pela concorrencia que lhe fazem nos marcados estrangeiros os productos similares de outros paizes.
Esta medida inconsiderada vem aggravar ainda es circumstancias, augmentando o imposto sobre a exportação, o que é contraproducente e anti-economico, pois se deve sempre facilitar a exportação e a venda nos mercados estrangeiros dos productos nacionaes.
Segundo a boa doutrina dos economistas só póde admittir-se, até certo ponto, o imposto sobre a exportação, quando se trata de um artigo que constitue um monopolio natural, que é um producto exclusivo do paiz; porque, como então não ha a temer a concorrencia, o augmento dos direitos só vae sobrecarregar o estrangeiro; e ainda assim é necessario não exagerar, pois o augmento de preço restringe o consumo; mas, quando se trata de um genero sujeito á concorrencia, é um erro fazel-o, porque vae diminuindo o seu consumo nos mercados estrangeiros ou obrigal-o a vender por preços demasiado reduzidos, que arruinam este ramo de commercio e industria. (Apoiados.)
Outro augmento de imposto, que incorre em analogas censuras, é o que s. exa. pretende fazer recaír sobre o carvão de pedra, materia prima das mais importantes industrias.
É contra todos os principios estabelecer impostos sobre materias primas, porque isso difficulta o desenvolvimento da industria nacional.
De mais a mais, nós não temos minas de carvão da pedra, da boa hulha, temos só limites a entracites que não podem de modo algum substituir aquelle carvão mineral; não ha pois o pretexto de uma industria mineira a proteger. O alvitre é radicalmente mau.
Sr. presidente, deu a hora e eu peço a v. exa. me reserve a palavra para ámanhã.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã; fica com a palavra reservada o digno par o sr. conde de Valbom, e a ordem do dia será a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.