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N.º 18
SESSÃO DE 5 DE MARÇO DE 1883
Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo
Secretarios - os dignos pares
Eduardo Montufar Barreiros
Antonio Francisco Machado
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Correspondencia. - O sr. Daun e Lorena pede que lhe seja reservada a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda. - O sr. Larcher justifica as suas faltas nas sessões e manda para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas sobre assumptos relativos á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. - O sr. Henrique de Macedo propõe que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do digno par Joaquim Filippe de Soure. - O sr. visconde de Seabra chama a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre a necessidade de mandar copiar uma inscripção que se encontra no alto Douro. - Responde o sr. ministro das obras publicas (Hintze Ribeiro). - O sr. Mello e Carvalho pede á commissão de fazenda que de o seu parecer sobre o projecto de lei n.° 117. - O sr. Vaz Preto dirige perguntas ao sr. ministro das obras publicas ácerca das aguas de Bellas, da ponte de Villa Velha de Rodam e do serviço postal no districto de Castello Branco. - Responde aquelle sr. ministro. - O sr. conde de Bertiandos chama a attenção do governo sobre a necessidade de proteger os portuguezes residentes em Marrocos. - Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros (Serpa Pimentel). - O sr. visconde de Chancelleiros manda para a mesa uma nota de interpellação sobre a rasão constitucional da saida do sr. Mello Gouveia do actual gabinete, e requer copia da acta da sessão do conselho de estado convocada para a discussão da proposta apresentada para a ultima nomeação de pares. - Ordem do dia: discussão do parecer n.° 158 sobre o projecto de lei n.° 161, relativo á illuminacão e balizagem dos portos maritimos do reino e ilhas adjacentes. - Usaram da palavra os srs. Franzini, Pereira de Miranda, ministro das obras publicas, Aguiar, Pires de Lima, Placido de Abreu, visconde de Chancelleiros e ministro da marinha. - Foi approvado o projecto, tendo sido retiradas pelos seus auctores as propostas que se apresentaram durante a discussão.
Ás duas horas e dez minutos da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Um officio do ministerio do reino, participando que, em virtude da recommendação da mesa da camara dos dignos pares do reino, houve Sua Magestade El-Rei por bem fazer mercê ao conselheiro Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira, director secretario geral da secretaria da mesma camara de o nomear commendador da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa.
Para o archivo.
Outro da presidencia da junta do credito publico, enviando oitenta exemplares do relatorio e contas da mesma junta sobre a gerencia do anno economico de 1881-1882 e sobre o exercicio de 1880-1881, relativamente á administração da divida publica fundada e ao desenvolvimento das operações sobre desarmortisação.
Mandaram-se distribuir.
(Assistiram á sessão os srs. ministros das obras publicas, dos negocios estrangeiros e da marinha.)
O sr. Daun e Lorena: - Peço a v. exa. que me conceda a palavra, quando esteja presente o sr. ministro da fazenda.
O sr. Jayme Larcher: - Sr. presidente, pedi a palavra para me desculpar perante v. exa. e a camara das minhas faltas de comparencia ás sessões, o que tem sido devido a incommodo de saude.
Aproveito esta occasião para mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro dás obras publicas.
É a seguinte:
Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas sobre assumptos relativos á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. - 5 de março de 1.883. = Jayme Larcher.
Foi lida na mesa e a camara approvou que fosse mandada expedir.
O sr. Placido de Abreu: - Mando para a mesa o parecer da commissões de obras publicas e de fazenda, ácerca do caminho de ferro da Beira Baixa, de Tua a Mirandella e ramal de Vizeu.
Mandou-se imprimir.
O sr. Henrique de Macedo: - Sr. presidente, o meu fim pedindo a palavra é unicamente obter da camara que reparemos uma falta em que todos nós incorremos, e que póde ter um caracter de gravidade, apesar de não passar de uma simples é involuntaria omissão, se continuarmos n'ella indefinidamente.
Refiro-me ao facto de ter fallecido no intervallo das sessões parlamentares o digno par o sr. Joaquim Filippe de Soure, e de não se ter prestado n'esta casa o natural testemunho de sentimento e de respeito que lhe era devido em memoria dos serviços prestados por aquelle cavalheiro ao partido liberal.
Não pense v. exa. que esta minha indicação envolva, quer directa, quer indirectamente, o minimo pensamento de censura a v. exa. ou ao illustre varão que foi seu antecessor n'essa cadeira. Nem tal cousa me poderia passar pela mente, porque as circumstancias excepcionaes em que v. exa. tomou posse do logar que tão dignamente occupa, e em que o deixou o sr. Mártens Ferrão, explicam perfeitamente a omissão de que fallo.
Este cavalheiro saiu da presidencia logo no principio d'esta sessão legislativa, e v. exa. veiu substituil-o quando regressava do estrangeiro, onde tinha desempenhado altas funcções de serviço publico, ignorando de certo por essa causa muitos dos factos da nossa historia diaria que, de ordinario não têem uma larga notoriedade.
Não houve, pois, senão uma omissão involuntaria da parte da presidencia, e pelo que toca aos membros da camara, cada um de por si estava, para assim dizer, á espera de que uma voz mais auctorisada do que a sua prestasse á memoria do nosso illustre collega fallecido o natural preito de homenagem e respeito.
Porém o tempo ia decorrendo sem se fazer esta manifestação, e para não a demorar mais, é que me resolvi a tomar a liberdade de propor se consigne na acta das nossas sessões um voto de sentimento pela perda do nosso collega o sr. Joaquim Filippe de Soure, e se communique á sua familia esta demonstração da camara. (Apoiados.)
Faço esta proposta, e peço a v. exa. a queira submetter á consideração da camara.
O sr. Presidente: - Eu devo dizer ao digno par, que quando tive a honra de vir occupar esta cadeira, pedi uma relação dos pares fallecidos no intervallo da ultima sessão, e que propuz á camara, que se lançasse na acta um voto de sentimento por aquellas perdas, que a camara tinha a
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lamentar; mas se o digno par tem a certeza de que houve essa deploravel omissão, não tenho duvida nenhuma em propor um voto de sentimento pela morte do digno par a que s. exa. se referiu. Os dignos pares que approvam que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do nosso collega o sr. Joaquim Filippe de Sousa, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado unanimemente.
O sr. Henrique de Macedo: - Eu já tinha feito justiça ás intenções de v. exa., mas estimei que continuasse o que por mim foi dito com relação a este ponto. São houve senão uma simples omissão involuntaria, a que deu logar naturalmente uma inadvertencia da secretaria.
(O orador não reviu os seus discursos.)
O sr. Visconde de Seabra: - Chamou a attenção do sr. ministro das obras publicas para a necessidade urgente de mandar tirar copia da antiquissima inscripção, que se encontra no Alto Douro, no sitio denominado Cachão da Rampa.
Esta inscripção, em caracteres desconhecidos, parecia ser do tempo dos phenicios; e hoje, que tanto se tratava de estudar as cousas remotas, seria um desaire para o paiz não evitar a destruição de um monumento tão importante como aquelle a que acabou de referir-se.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)
O sr. Ministro das Obras Publicam (Hintzs Ribeiro): - Sr. presidente, ouvi attentamente as doutas considerações que o digno par, o sr. visconde de Seabra, acaba de expender ácerca do monumento graphico a que se referiu, monumento a que s. exa. attribue uma larga importancia historica por suppor ou presumir que elle tem origem phenicio-carthaginense.
Em resposta ao digno par e conformando-me inteiramente com o seu modo de ver quanto á necessidade que- ha de se apurar o que haja de verdade ácerca d'aquelle monumento, direi s. exa. que mandarei promptamente alguem que possa offerecer garantias de competencia e ilustração tirar as copias a que s. exa. deseja, a fim de que só possa exercer a devida apreciação critica, quanto á origsem d'aquelle monumento, e mesmo para que a historia possa tirar as legitimas consequencias de um descobrimento que póde ser de bastante importancia para o mundo scientifico.
O sr. Visconde de Seabra: - Agradeceu ao sr. ministro a sua resposta, e pediu que tudo quanto se podesse apurar com relação ao monumento graphico a que se referiu seja enviado á academia real das sciencias.
O sr. Mello e Carvalho: - Já n'uma das sessões passadas solicitei da illustre commissão de fazenda que se dignasse dar com brevidade o seu parecer ácerca do projecto de lei que tem por fim conceder á camara, municipal de Bragança o edificio do extincto convento das freiras de Santa Clara d'aquella cidade, a fim de estabelecer ali um mercado.
Renovo hoje esse pedido, e espero que os dignos membros da mesma commissão o queiram tomar em consideração, de modo que não se demore a solução da um negocio que é da maior simplicidade.
O sr. Vaz Preto - Sr. presidente, pedi á, palavra para fazer algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas sobre assumptos importantes, usarei pois d'ella n'esse intuito.
Desejava que s. exa. me dissesse qual o motivo por que, tendo sido adjudicada, ha mais de um anno, a ponte sobre o Tejo, que liga o districto de Castello Branco com o de Portalegre, até hoje ainda não começou?
Desejava saber qual a rasão de tão grande demora, sendo esta obra instante e indispensavel.
Passando a outro assumpto, tambem muito importante, desejava que o sr. ministro das obras publicas me dissesse se o governo já veiu a um accordo com a companhia das aguas ácerca das aguas exploradas pelo governo para acudir aos descuidos da companhia, que não cumpriu as condições do seu contrato?
A esta pergunta pó de sem duvida o illustre ministro responder-me já, porque o assumpto é muito conhecido de s. exa., porquanto, no anno que passou, chamei por vezes para elle a attenção de s. exa., e s. exa. prometteu que trataria com a companhia de fórma que esta questão ficasse resolvida por uma vez.
Desejava, finalmente, saber qual é o motivo por que, estando aborto á circulação o ramal de Caceres, as malas do correio para Castello Branco continuam a ir para o Crato e não para o Valle de Pese, adiantando-se d'esta fórma umas poucas de horas, não só os passageiros, mas as correspondencias.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Em resposta ás perguntas que o digno par o sr. Vaz Preto acaba de me dirigir, direi, com relação á primeira, que a adjudicação feita em concurso para a construcção da ponte sobre o Tejo, a que s. exa. se referiu, já se realisou, como o digno par sabe, e que, da minha parte, não tenho posto obstaculo algum ao andamento dos trabalhos.
Agora, quanto á rasão por que os trabalhos não teem tido o seguimento que deviam ter, não posso de prompto dizer nada a tal respeito, porque não estou informado, mas tratarei cio colher os esclarecimentos precisos.
Com referencia á segunda pergunta formulada pelo digno par, tenho a declarar que effectivamente procurei entabolar as basca do um accordo entre o governo e a companhia das aguas, para se resolverem por uma vez as questões que de uma e de outra parte se tinham levantado, ou podiam levantar, sobre varios pontos.
Não pude por emquanto chegar a esse accordo; mas, tão depressa, se chegar a uma solução, communicarei o que houver á camara e ao digno par, para que possam exercer plenamente o seu direito de exame.
Pelo que diz respeito á terceira pergunta refere-se ella a um detalhe do nosso serviço do correio, de que não tenho conhecimento. O que posso e perguntar qual o motivo por que aquelle serviço se faz, nas circumstancias que o digno par mencionou, para depois dar a s. exa. as explicações que deseja, e remediar qualquer inconveniente que possa haver, ou justificar a rasão do facto.
O sr. Conde de Bertiandos: - Vou tomar muito pouco tempo á camara. Desejo apenas chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros para um assumpto que reputo do grande importancia para a honra nacional.
Li ha pouco tempo num jornal a noticia de que alguns israelitas residentes em Marrocos e naturalizados portuguezes vieram pedir ao nosso governo a protecção a que têem direito e que não lhes tem sido dada até hoje pois se vêem completamente desfavorecidos d'ella, e, portanto, compre ludibriados pelas justiças mahometanas em todas as pendencias que têem com os mouros.
Diz a noticia a que alludo que os individuos que se naturalisam cidadãos de outras nações conseguem sempre, e com brevidade, toda a justiça, ao passo que os portuguezes não têem a mais pequena garantia!
A representação refere-se especialmente a um caso altamente grave e do qual têem já resultado deploraveis consequencias para os nossos compatriotas. Eu pedia ao governo que tivesse em attenção o facto que vou referir á camara em breves palavras.
Alguns portuguezes moradores em Casa Branca foram n'uma noite espoliados de grande parte das suas fazendas, e sabendo que tinha sido o vice-governador do [...], districto proximo, quem tinha mandado fazer esse roubo, foram immediatamente queixar-se ao governador da provincia.
Esta auctoridade mandou uma mensagem ao tribunal marroquino, o qual, tendo ouvido os queixosos, ajoelhados conforme o costume d'aquelle paiz, onde a justiça ou in-
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justiça se aguarda ainda n'esta humilhante postura, e os depoimentos das testemunhas, condemnou o vice-governador a jurar que tal crime não praticÁra, ou a pagar iMmediatamente uma indemnisação bastante grande.
Foi intimada esta sentença ao vice-governador, mas o governo marroquino demittiu logo o juiz que a proferiu, e o condemnado nem jurou nem pagou a indemnisação, facilitaram-lhe a escapula e elle, aproveitando-a, evadiu-se.
Passados mezes voltou para a séde do seu governo, onde continua a estar.
A camara comprehende perfeitamente qual deverá ser o estado de inquietação e de receio de novos vexames em que se encontrarão os queixosos, tendo como inimigo declarado um homem tão poderoso.
Ignoro se o nosso agente diplomatico tem procurado conseguir que a sentença seja dada á execução, e no caso affirmativo, qual o motivo por que as suas instancias têem sido improficuas durante um espaço de tempo tão longo, pois parece que o facto se passou ha tres ou quatro annos.
D'esta demora, sr. presidente, tem resultado que a colonia portugueza, composta de negociantes, vê os seus creditos invalidados completamente, porque hoje em Marrocos, segundo me asseveram, dizer "eu sou portuguez" é a mesma cousa que dizez "não tenho ninguem que me proteja".
Isto é muito triste, sr. presidente, para uma nação que tão notavel se tornou n'aquellas paragens.
Por emquanto não accuso ninguem, lamento apenas o facto, pois não sei se a culpa é do governo ou dos seus agentes, se haverá exageração na queixa, ou se isto será tudo devido a esta fatalidade portugueza que nos persegue ha tantos annos em todas as nossas crises, e continuadamente nos amesquiuha aos olhos dos estrangeiros!
O que eu peço ao sr. ministro, que tem, com certeza, conhecimento d'este assumpto, é que tome as devidas informações e faça valer a justiça, fazendo ao mesmo tempo considerar a bandeira portugueza.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Antonio de Serpa Pimentel): - Sr. presidente, os negocios não se passam em Marrocos exactamente do mesmo modo que nos paizes da Europa, sobre tudo quando elles dizem respeito a processos!
Ora o facto a que se referiu o digno par, o sr. conde de Bertiandos, prende justamente com o resultado de um processo.
No ministerio dos negocios estrangeiros ha, com effeito, conhecimento d'este assumpto, e a primeira cousa que se fez foi mandar pedir informações circumstanciadas ao nosso representante em Marrocos, depois d'ellas obtidas, e á vista d'ellas e das allegações dos reclamantes, ordenou-se logo áquelle funccionario que fizesse a devida reclamação, em nome do governo de Portugal, para que fosse feita justiça aos- cidadãos portuguezes de que se trata, e que effectivamente o são, embora naturalisados; deixou-se porém ao nosso agente a liberdade de escolher a occasião e o modo de fazer valer os direitos d'aquelles cidadãos.
É preciso notar que n'aquelle paiz as sentenças dos tribunaes não se escrevem, são oraes, e por consequencia, para se provar a existencia d'essas sentenças, não ha outro meio senão a prova testemunhal, que ás vezes é muito difficil de obter.
Ora, sendo d'esta ordem as bases de reclamações, é por isso que eu digo que os negocios ali são mais difficeis de tratar, e não correm como com outras nações, onde as reclamações se fazem á vista das sentenças e outros documentos escriptos, e por conseguinte com taes fundamentos nenhum governo poda deixar de querer fazer executar as decisões dos tribunaes.
Entretanto, o digno par póde estar certo que o governo não descurou este negocio e que mandou, como eu disse já, ao nosso agente diplomatico em Marrocos, e nas condições que mencionei, as devidas instrucções para que elle reclamasse justiça a favor dos cidadãos que n'aquelle paiz estão ao abrigo da bandeira portugueza.
Posso asseverar a v. exa. que o nosso representante junto do governo d'aquelle paiz é um funccionario muito zeloso pelos interesses que tem a seu cargo defender e é, de mais a mais, muito bem acceito e considerado pelas auctoridades d'aquelle paiz.
Portanto, estou certo que não ha de deixar de ser feita inteira justiça aos nossos compatriotas.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, vou mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. presidente do conselho de ministros, com o fim de procurar saber de s. exa. quaes as rasões constitucionaes que motivaram a saida do sr. Mello Gouveia dos conselhos da corôa, e a sua substituição pelo sr. Barbosa du Bocage.
Tenho tambem de mandar para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio do reino, que seja enviada com urgencia a esta camara a copia da acta da sessão do conselho d'estado, em que foi proposta pelo actual gabinete a ultima nomeação de pares do reino.
Creio que para este fim não será necessario provocar nenhuma resolução da camara, porquanto é esta uma questão que foi já controvertida na camara dos senhores deputados, se me não engano, em 1858, quando eu tinha a honra de fazer parte d'ella.
Creio mesmo que em presença das declarações expressas feitas pelo sr. presidente do conselho n'uma das ultimas sessões d'esta camara, não deve haver duvida em ser mandado para aqui o documento que peço, sem o qual eu não posso de certo tornar effectiva a responsabilidade que por áquelle acto s. exa. tomou sobre si, como chefe da actual situação.
Peço ainda a v. exa., sr. presidente, que logo que tenha participação da parte do sr. presidente do conselho de que s. exa. está habilitado a responder á minha interpellação, queira v. exa. ter a bondade de mandar ordem á secretaria para eu ser prevenido d'esse facto, a fim de eu vir aqui immediatamente.
Eu não sei se o que peço a v. exa. estará perfeitamente de accordo com a praxe seguida até aqui, porque a camara tem julgado sempre uma infracção do nosso dever politico a falta de comparencia dos seus membros ás sessões d'esta casa; mas desde que esta camara, foi collocada para assim dizer em condições de interinidade pela apresentação das propostas de reformas politicas e constitucionaes de que o governo impensada, irreflectida e inesperadamente tomou a iniciativa, cada um de nós póde julgar-se desobrigado de estar adstricto ao cumprimento dos seus deveres como par do reino.
É por isso que eu deixarei de ser tão assiduo ás sessões d'esta camara, como tenho sido nos outros annos; mas prometto que hei de vir aqui discutir a reforma eleitoral, ainda que esteja longe.
Tambem hei de vir quando o sr. presidente do conselho se der por habilitado a responder á minha interpellação, e v. exa. queira mandar-me um aviso, pois, embora eu estivesse na India, correria aqui immediatamente.
Da mesma maneira prometto comparecer n'esta casa assim que me constar que se discutem as reformas politicas.
Muito distante que eu estivesse d'este paiz, na America que fosse, onde eu me achasse, viria logo a toda a pressa.
Vou escrever a nota de interpellação e o requerimento que indiquei, a fim de os mandar para a mesa, pedindo a urgencia na remessa, do documento que peço, o qual me é indispensavel para determinar bem a minha convicção a respeito da necessidade das reformas politicas e constitucionaes.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu ouvi as explicações do sr. ministro das obras publicas, e muito estimei
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que s. exa. declarasse que ia determinar que as obras da ponte em Villa Velha de Rodam começassem.
É, porém, um facto, que a ponte sobre o Tejo junto ás portas do Rhodam, em Villa Velha, foi adjudicada ha mais de um anno, e não obstante, as obras ainda não começaram. Até este momento não se tem collocado lá uma pedra sequer.
Aquella ponte torna-se tanto mais indispensavel, quanto é certo que o rio, nas occasiões de tempestades, é muito caudaloso n'aquelle sitio, e não dá passagem.
Succede que todas as vezes que o Tejo sóbe até certa altura, é impossivel a passagem e as communicações entre o districto de Castello Branco e o Alemtejo.
N'essa occasião, é costume naquella localidade dizer-se que as portas estuo fechadas.
Quanto á questão das aguas de Bellas, peço ao sr. ministro que a não descure.
Não vejo rasão para que a companhia, que faltou aos seus compromissos, e que tirou utilidade d'aquellas aguas, se recuse a indemnisar o governo das despezas que fez.
Para se fazer idéa como a companhia serve o publico, basta dizer que, apesar do governo ter gasto 500:000$000 réis, para explorar agua em favor da companhia, e apesar de já entrar em Lisboa as aguas do Alviella, assim mesmo no anno passado, e n'este, houve dias em que num grande numero de casas a agua foi suspensa. A mim succedeu-me isto muitas e repetidas vezes.
Este desleixo, negligencia, ou como lhe quizerem chamar, não póde continuar assim.
Por agora, sobre este assumpto nada mais acrescentarei, esperando que o sr. ministro apresse a solução.
Passarei á recusa que a companhia do norte e leste tem apresentado para não levar as malas do correio do districto de Castello Branco pelo Valle de Peso. A culpa é do governo, que não tem obrigado a companhia do norte e leste a fazer esse serviço, a que ella está obrigada pelo menos moralmente.
Eu entendo que o governo tem na sua mão os meios de obrigar a companhia a este pequeno sacrificio. No desempenho d'este pequeno serviço não faz mais do que e seu dever; porquanto ella é uma companhia que tem gosado altamente da protecção dos poderes publicos d'esse paiz. (Apoiados.)
Sr. presidente, a companhia do norte e leste tem correspondido aos favores que os poderes publicos lhe têem feito, favores sem os quaes ella não teria prosperado, com o maximo egoismo e a maior das ingratidões, levantando conflictos, creando difficuldades, e regateando miserias, como esta que eu agora referi. O governo, pois, deve tomar a sua posição e cumprir o seu dever, obrigando a companhia a renovar o material que está deteriorado, a fazer essas pontes que estão arruinadas, e se ella continuar a regatear miserias, ainda tem na mão uma arma poderosissima - a segunda via. O que se não póde tolerar, é este procedimento pequeno e mesquinho de uma companhia, que tem sido beneficiada pelos governos desta terra com centenas de contos, de recusar a conducção nos seus wagons de umas insignificantes malas.
Espero pois que o sr. ministro tome a peito esta questão, e que faça cumprir á companhia as suas obrigações. A companhia zela cuidadosamente os seus interesses, e quer que o governo lhe pague serviços que se deduzem dos contratos. Faça o governo outro tanto; zele cuidadosamente os interesses do publico; faça com que a companhia o sirva o melhor possivel; com que ella tenha material capaz, a fim de evitar qualquer sinistro, e emfim que ella cumpra, os seus compromissos e seja rasoavel.
Eu não posso tolerar que uma companhia se imponha e governe mais do que o proprio governo. Espero pois que o sr. ministro das obras publicas olhará com attenção para este assumpto.
O sr. Conde de Bertiandos: - Pedi de novo a palavra para agradecer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a sua resposta e dizer-lhe que fico esperando o resultado das suas averiguações; como s. exa. não está presente nada mais acrescento.
O sr. Presidente: - O sr. visconde de Chancelleiros vae mandar para a mesa a nota de interpellação, e o requerimento, que ha pouco annunciou.
Leram-se na mesa. São do teor seguinte:
Requerimentos
1.° Requeiro que pela mesa seja com urgencia prevenido o sr. presidente do conselho de ministros de que desejo interpellar s. exa. sobre a rasão constitucional da saída do sr. Mello Gouveia do ministerio, e da sua substituição pelo actual ministro, o sr. Bocage. = Visconde de Chancelleiros.
2.° Requeiro que, pela secretaria do reino, me seja enviada, com urgencia, a copia da acta da sessão do conselho de estado, convocado para a discussão da proposta apresentada pelo governo para a nomeação de novos pares.
Sala das sessões da camara dos dignos pares, 5 de março de 1883. = Visconde de Chancelleiros.
Mandaram-se expedir.
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 158, sobre o projecto de lei n.º 161.
É o seguinte:
PARECER N.° 158
Senhores. - As commissões de fazenda, marinha e obras publicas reunidas examinaram o projecto de lei n.° 161, vindo da camara dos senhores deputados para a illuminação e balizagem das costas maritimas, portos do reino e das ilhas adjacentes.
Este projecto de lei foi motivado por uma proposta do governo, apresentada áquella camara em 15 de janeiro d'este anno.
Os clamores publicos com respeito á escuridão em que geralmente se achavam os nossos portos e costas maritimas, levaram o governo a incumbir a commissão de pharoes e balizas de elaborar um plano geral do seu alumiamento e balizagem.
A commissão cumpriu esse difficil encargo, e o seu trabalho foi a base da proposta apresentada pelo governo.
Está esclarecida com os planos geraes de alumiamento e balizagem da costa maritima do continente, portos e barras, e tambem da costa maritima e portos do archipelago dos Açores e da Madeira, e com as plantas respectivas aos ditos planos.
Indicam-se igualmente nos mesmos planos as marcas maritimas, boias, balizas e signaes de maré e de nevoeiro, a posição e ordem dos pharoes, caracter distinctivo, sector illuminado, alcance em milhas no estado medio e brumoso, distancia intermedia, e a de cada pharol ao primeiro do mesmo caracter, etc.
Finalmente, a proposta do governo está bem esclarecida e fundamentada, como podereis concluir do seu exame, pois faz parte dos documentos juntos a este parecer, e tambem o das commissões de fazenda, marinha e obras publicas da camara dos senhores deputados.
E foi approvado por áquella camara modificando unicamente a disposição do imposto addicional de 50 por cento sobre os direitos de tonelagem e ancoragem por uma auctorisação para o governo levantar pelos meios que julgar mais convenientes para os interesses do thesouro, os fundos necessarios para a successiva execução do plano de alumiamento e balizagem, dando couta ás côrtes do uso que fizer da dita auctorisação; provando em tempo opportuno
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a creação de recursos que façam face aos encargos totaes provenientes da completa realisação do dito plano.
As commissões, considerando quanto fica ponderado n'este parecer, julgam que o projecto de lei n.º 61 importa um grande beneficio e um melhoramento notavel á navegação em geral, e merece portanto a vossa approvação.
Sala das commissões dos dignos pares do reino, em 23 de fevereiro de 1883. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Francisco Joaquim da Costa e Silva = Conde de Gouveia = A. X. Palmeirim - Visconde de Soares Franco = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo (com declaração) = Marino João Franzini (com declaração) = Visconde da Azarujinha = Francisco Simões Margiochi - Antonio Augusto de Aguiar - Visconde de 8. Januario = José Antonio Gomes Lages = Barros e Sá = Thomás de Carvalho = Marquez de Ficalho - José Baptista de Andrade - A. Telles de Vasconcellos = Conde de Linhares = Visconde de Bivar = Jayme Larcher = Placido Antonio da Cunha e Abreu.
Projecto de lei n.ºs 161
Artigo 1.° É o governo auctorisado a executar successivamente, por administração, e no periodo de cinco annos, as obras e melhoramentos constantes do plano, que fórma parte integrante da presente lei para o alumiamento e balizagem dos portos e costas maritimas do continente de Portugal e das ilhas adjacentes.
§ 1.° O governo levantará, pelos meios que julgar mais convenientes e sem prejuizo para os interesses do thesouro, os fundos necessarios para a successiva execução do plano de alumiamento e balizagem, dando conta ao parlamento do uso que fizer d'esta auctorisação, e em tempo opportuno proverá á creação dos recursos, que façam face aos encargos totaes provenientes da completa realisação d'aquelle plano.
§ 2.° O governo, inscreverá no orçamento geral do estado as sommas, que annualmente se reputarem necessarias para a realisação d'aquellas obras e melhoramentos e para o custeamento dos serviços respectivos, em harmonia com a auctorisação conferida por esta lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 13 de fevereiro de 1883. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
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PLANO GERAL DE ALUMIAMENTO E BALIZAGEM
CONTINENTE
Costa maritima
Plano geral
Designação da posição dos pharoes Ordem do pharol Caracter distinctivo Sector illuminado (approximado) Alcance em milhas Estado medio Estado brumoso Distancias intermedias em milhas Distancia de cada pharol ao primeiro do mesmo caracter que se lhe segue Ordem e caracter actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
(a) Estes pharoes são acompanhados de signaes sonoros pura, os nevoeiros (sereias de vapor), caracterisados quanto possivel por sons fortes grupados com intervallos de silencio.
(b) Estes pharoes são acompanhados de signaes sonoros para os nevoeiros (trompas de ar comprimido, systema Holmes, Sautter, Lemonnier & C.ª, de Paris).
(c) Estes pharoes são acompanhados de signaes de nevoeiro (sinos tocados por movimento de relojoaria).
(d) N'estes pharoes serão estabelecidos postos meteorológicos.
(m) A distancia approximada d'este pharol ao da ilha de Cies, em Hespanha, de 2.ª O, com eclip. de l em l, 6 de 30 milhas.
(n) A distancia approximada deste pharol ao da Cartaya em Hespanha, fixo com clarões brancos de 4 em 47, é de 20 milhas.
Os signaes convencionacs adoptados são 1 B para designar luz scintillante;
2-3-4 B - Luz distribuida em clarões grupados 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4;
1 B 1 V - Luz distribuida em grupos de 2 clarões dos quaes um é branco e outro vermelho; F fixo branco.
Portos e barras
Plano geral
Designação da posição dos pharoes Portos Locaes Classificação da luz segundo o fim a que se destina Ordem Diamentro do apparelho Numero de torcidade Caracter distinctivo Sector illuminado (approximado) Alcance em milhas Estado medio Estado nrumoso Ordem e caracter do actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 131
[ver valores da tabela na imagem]
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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 132
Designação da posição dos pharoes Portos Locaes Classificação da luz segundo o fim a que se destina Ordem Diametro do apparelho Numero de torcidas Caracter distinctivo Sector illuminado (approximado) Alcance em milhas Estado medio Estado Brumoso Ordem e caracter do actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
Uma trompa de ar comprimido, destinada á torre do Bugio.
Oito sinos com apparelho de relojoaria, destinados a Caminha, Espozende, Povoa
Signaes de nevoeiro de Varzim, Felgueiras, Cabo Raso e um ou outro ponto em que se reconheça a manifesta conveniencia do seu estabelecimento
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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS APRES DO REINO 133
ARCHIPELADO DOS AÇORES
Costa maritima e portos
Plano geral
Designação das posições dos pharoes Ilha Local Ordem do pharol Caracter distinctivo Sector illuminado (approximado) Alcance em milhas Estado medio Estado brumoso Ordem e caracter actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
Signaes de nevoeiro
Tres sereias de vapor. (Estes signaes serão estabelecidos nas ilhas de S. Miguel, Fayal e Flores, nos pontos mais adequados.)
Sete sinos com apparelhos de relojoaria, para serem estabelecidos nas Formigas, Santa Maria, S. Miguel, Terceira, Graciosa, Pico e Corvo.
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134 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Variante
Designação das posições dos pharoes Ilha Local Ordem do pharol Caracter distinctivo Sector illuminado (approximado) Alcande em milhas Estado medio Estado brumoso Ordem e caracter actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
ARCHIPELADO DA MADEIRA
Costa maritima e portos
Plano geral
Designação das posições dos pharoes Ilha Local Ordem do pharol Caracter distinctivo Sector illuminado Alcance em milhas Estado medio Estado brumoso Ordem e caracter actual Observações
[ver valores da tabela na imagem]
Palacio das côrtes, em 13 de fevereiro de 1883.
Signaes de nevoeiro
Uma sereia de vapor
Tres sinos com movimento de relojoaria
O primeiro signal será estabelecido no ponto mais adequado da ilha da Madeira, e os sinos nos pharoes do archipelago mais convenientes para a sua collocação.
Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente.
Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario.
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
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O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Franzini: - Sr. presidente, eu approvo o projecto de lei que está em discussão, porque elle vem satisfazer uma necessidade de ha muito reclamada e é o cumprimento de um dever de humanidade; mas assignei-o com declarações, porque, obedecendo aos principios de boa administração publica, desejava que, ao mesmo tempo que se vae crear uma nova despeza, se creasse a receita para occorrer a estes encargos, que são importantes, porque devem onerar o orçamento com sommas bastante avultadas, como se lê no bem elaborado relatorio da camara dos senhores deputados.
Concluidas as obras a executar, teremos de inscrever annualmente no orçamento, em periodo excedente a meio seculo, a annuidade para juro e amortisação do capital na importancia de 71:000$000 réis, e perpetuamente a verba para o custeamento, calculada em 10 por cento, ou réis 110:000$000.
Portanto, vê-se que ha motivo de sobejo para nos preoccuparmos ácerca da conveniencia de crear a receita necessaria para occorrer a um encargo tão avultado.
A proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas na outra casa do parlamento satisfazia-me muito mais, porque n'ella s. exa. propunha o augmento de 50 por cento sobre os direitos de tonelagem e ancoragem para occorrer a estas despezas, por isso sinto que s. exa. tenha acceitado uma modificação tão radical á proposta inicial do governo.
Se se reconhecesse que o augmento de 50 por cento sobre o direito de tonelagem podia prejudicar a navegação, podia esse augmento de imposto ser diminuido e mesmo recorrer a outras fontes de receita, subsistindo, comtudo, a idéa de crear receita nova.
Eu não mando n'este sentido nenhuma proposta para a mesa, porque não é da competencia d'esta camara o fazel-o, sendo, não só estes os motivos que me levaram a assignar o parecer com declarações, como tambem porque, examinando o ultimo relatorio de fazenda e o orçamento rectificado de 1882-1883, vi que, segundo o nosso velho costume (que não é louvavel), as despezas augmentam constantemente.
N'este orçamento temos um augmento de despeza de 448:768$707 réis, alem das previsões do respectivo orçamento ordinario, não entrando n'este computo o acrescimo das despezas do ministerio da guerra, porque o augmento d'estas despezas está compensado com as receitas provenientes dos differentes estabelecimentos dependentes d'este ministerio, e que agora estão descriptas no orçamento da receita do thesouro, na importancia de 53:137$SOO réis, de modo que resulta ainda uma diminuição de despeza de 1:501$535 réis, com relação áquelle ministerio.
Ora, se forem approvados todos os projectos de lei que estão pendentes, sobre caminhos de ferro, sobre a reorganisação da engenheria e da secretaria das obras publicas, sobre o quadro dos empregados para a penitenciaria, e outros, ainda mais se augmentará a despeza e mais nos afastaremos do desejado equilibrio orçamental.
Convem observar que os augmentos de receita que se observam no orçamento de 1883-1884 são por emquanto simples hypotheses, e no actual anno economico a receita proveniente de alguns impostos tem diminuido, com relação á dos correspondentes mezes do anno anterior.
Os augmentos de despeza, esses são reaes e positivos pelo contrario.
E eu devo confessar que não tenho a menor esperança de chegar ao dia feliz de ver desapparecer o deficit, quer dizer, o deficit ordinario.
(Leu.)
Eu li com a maxima attenção o relatorio do sr. ministro da fazenda apresentado na outra casa do parlamento, e já publicado, e vejo por elle que no orçamento de 1883-1884
o saldo ordinario é calculado em 470:642$368 réis, e as despezas extraordinarias em 4.089:000$000 réis, de onde resulta um deficit de 3.613:307$632 réis. Sommando com o desequilibrio do orçamento rectificado de 1882-1883, que é de 2.520:636$646 réis, temos um total, para os dois annos economicos, o corrente e o futuro, de 6.138:307$632 réis, que será levantado por meio de emprestimo.
Mas, com os augmentos de despeza resultantes dos projectos de lei que estão pendentes no parlamento, e provavelmente serão approvados, vejo que estes desequilibrios entre as receitas e as despezas, ordinarias ou extraordinarias, serão ainda aggravados.
A supposição contraria não posso deixar de a reputar optimista.
(Leu.)
À mim preoccupa-me muito o estado da fazenda publica, sobretudo attendendo á enorme divida com que já está sobrecarregada a nação portugueza. E quando considerámos o estado da fazenda, devemos attender, não só ao presente e a uma situação normal, mas ter sempre em vista que nós não estamos ao abrigo de complicações anormaes, porque a verdade é que uma divida como a que temos é um perigo para o futuro. Uma nação que tem divida tão grande e tão fora de. proporção com a sua riqueza, está n'uma situação muito precaria.
Nós não podemos contar sempre com a paz inalteravel; podem occorrer factos extraordinarios, que nos obriguem a recorrer largamente ao credito. E, pergunto eu, uma nação que tem uma divida enorme e tão desproporcionada com os seus recursos, poderá em boas condições recorrer ao credito, se nos virmos n'essas circumstancias que acabo de indicar? De certo que não.
São estes os motivos por que assignei com declaração o projecto que se discute.
O sr. Pereira de Miranda: - Dá o seu voto ao projecto, e crê mesmo que a camara o approvará, porque elle corresponde a uma necessidade publica reconhecida.
Se podesse haver divergencia a respeito do projecto seria sobre dois pontos: sobre a opportunidade de tratar da illuminação das costas e da balizagem, na occasião em que as circumstancias do thesouro não são as mais favoraveis, e sobre o reconhecimento da superioridade da proposta do governo, com relação ao projecto vindo da outra camara. Julgava aquella proposta preferivel ao projecto, porque ella creava os meios de receita para occorrer ás despezas que se iam fazer, o que era um principio de boa administração. Entretanto, julga do seu dever não recusar a sua approvação ao projecto.
Julga que é opportuna a occasião para mandar para a mesa uma proposta que, pelo fim altamente benefico a que visa, de certo não deixará de ter o voto do governo e da camara.
A sua proposta é a seguinte:
"Proponho que no artigo 1.° se acrescentem as seguintes palavras:
"E bem assim a estabelecer no mesmo espaço de tempo, nos pontos convenientes da costa e portos do continente do reino e ilhas adjacentes, estações e postos de soccorros a naufragos."
"Proponho que ao § 1.°, depois da palavra "balizagem", se acrescente: "e do estabelecimento da estação e postos de soccorros".
"Proponho que as palavras finaes do mesmo § 1.°: "d'aquelle plano", sejam substituidas por: "de todas as obras".
"Sala das sessões, em 5 de março de 1883. = Pereira de Miranda.
Desenvolvendo o pensamento da sua proposta, expoz as rasões que justificam uma aspiração de tão largo alcance, como a que se traduzia n'aquella proposta.
Leu-se na mesa a proposta, foi admittida, e ficou em discussão com a materia principal.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Os dignos
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pares que têem tomado parte no debate não impugnaram a proposta de lei que está em discussão, e, em verdade, o pensamento d'ella é tão humanitario, tão elevado, visa tanto ao incremento do commercio, ao desenvolvimento das relações mercantis, e facilidade da navegação, que me parece não poder deixar do estar no animo de todos os membros da camara.
Algumas considerações fizeram, porém, s. exas., referindo-se em especial a dois pontos: 1.°, a um elemento de receita que, na proposta de lei que o governo apresentou, se enunciava, e que foi modificado na outra casa do parlamento; 2.°, relativamente á organisação dos serviços de salvação, conforme a proposta que o digno par, o sr. Pereira de Miranda, acaba de mandar para a mesa.
É, pois, sr. presidente, só a estes dois pontos que eu tenho de me referir na breve resposta que desejo dar aos dignos pares.
Pelo que toca ao primeiro, é certo que na proposta que elaborei, pedia auctorisação para que o governo podesse lançar um addicional de 50 por cento sobre os direitos de tonelagem, e isto para fazer face aos encargos resultantes das despezas com a construcção dos pharoes e os outros estabelecimentos accessorios, e com um systema de illuminação e balizagem que propuz.
A rasão por que eu recorria a esse addicional fundava-se no desejo que tinha de que a par da despeza que se ia crear, subsistisse uma receita correspondente.
Para esse effeito escolhi os direitos de tonelagem, por ver que sempre tinham sido considerados como recurso natural para se fazer face ás despezas de construcção de pharoes. Foi esta exactamente a applicação que na sua origem esses direitos tiveram.
O alvará de 1 de fevereiro de 1708, devido á iniciativa do illustre ministro marquez de Pombal, que instituiu o imposto de 200 réis por tonelada, especificava que seria applicado á construcção de novos pharoes.
Posteriormente o decreto de 24 de abril, as instrucções de 20 de maio d'esse anno e o decreto de 17 de setembro de 1833, conservaram a applicação especial que os direitos de tonelagem tinham para aquellas construcções. Vem porém o decreto de 14 de novembro de 1836, que englobou esses direitos na receita geral do estado, fazendo com que deixassem de ter o destino especial que primeiro se lhes havia attribuido.
A rasão d'este facto facilmente se encontra, se nos recordar-mos de que na historia da construcção dos nossos pharoes ha dois periodos essencialmente distinctos: o primeiro, o que vae desde 1755, em que se estabeleceu o primeiro pharol, que foi o do Bugio, até 1790; o segundo é o que decorreu desde 1841 a 1882.
Quer isto dizer que, quando se promulgou o decreto de 14 de novembro de 1836, havia quarenta e seis annos que nem uma só luz se tinha accendido no littoral do continente ou nas ilhas adjacentes. Vendo que durante quarenta e seis annos os direitos que haviam sido decretados com uma applicação especial, não tinham effectivamente dado em resultado a creação o estabelecimento de novos pharoes, entendeu-se que mais lógico e coherente com o estado de cousas em que nos encontravamos então, era applicar esses direitos ás despezas geraes do paiz.
Em todo o caso, na sua origem os direitos de tonelagem foram creados para occorrer ás despezas da construcção de pharoes, e é obvia a rasão d'esta determinação. Se os pharoes aproveitam á navegação, se os direitos de tonelagem são pagos pela navegação, justo era que ella, que aproveitava do beneficio resultante da construcção dos pharoes, supportasse os encargos d'esse melhoramento.
Por outro lado, sr. presidente, pareceu-me pelo estudo que fiz d'este assumpto, que a importancia do addicional proposto não affectaria sensivelmente o estado actual da nossa navegação, por isso que 50 por cento sobre noventa e tantos contos de direitos de tonelagem, correspondendo a uma verba entre 45:000$000 réis e 50:000$000 réis, não iria perturbar o seu regular movimento.
Entretanto nas commissões reunidas da outra casa do parlamento apresentaram-se considerações, com as quaes o governo concordou, no sentido de eliminar da lei o addicional proposto pela rasão de haver n'isso por emquanto maior conveniencia do que em o estabelecer desde já, o que poderia até certo ponto prejudicar a navegação, tanto nacional como estrangeira.
Sr. presidente, se nós consultarmos as estatisticas, vemos que o movimento geral das embarcações e mesmo a sua tonelagem, longe de decrescer tem augmentado; mas ha a notar que pelo que toca á navegação nacional os documentos officiaes não accusam no seu movimento um estado lisonjeiro.
E o movimento da navegação estrangeira que tem augmentado, e sobretudo a sua tonelagem.
No mappa com que elucidaram o seu parecer as ilustres commissões da outra casa do parlamento vê-se claramente quaes são as circumstancias em que se encontra a navegação não só nacional como estrangeira.
A camara encontra n'esse parecer os seguintes algarismos com relação ás embarcações saidas do porto de Lisboa no periodo que decorre de 1871 a 1881.
(Leu.)
Vê-se, pois, que não é prospero o estado em que se encontra a navegação nacional, e n'estas circumstancias ir affectar com um addicional de 50 por cento os direitos de tonelagem, sobre as nossas embarcações, podia na verdade ser causa para um decrescimento ainda mais rapido da mesma navegação.
Pelo que diz respeito á navegação estrangeira, o que nos convem é attrahil-a aos nossos portos e não afugental-a.
Se elevassemos o direito de tonelagem iria esse augmento pesar em grande parte sobre ella, e principalmente nos grandes vapores da carreira transatlantica, o que poderia ser motivo para elles se afastarem do nosso porto com sensivel prejuizo para o commercio e, por consequencia, para a riqueza publica.
Basta ver o mappa que temos presente, e acompanha o parecer da outra camara, para se ajuizar approximadamente do movimento da navegação.
Encontra-se ali que os direitos de tonelagem nacional foram, nos ultimos onze annos de 1871 a 1881, de 82:378$102 réis, emquanto os direitos de tonelagem em relação aos navios estrangeiros foram de 548:438$790 réis.
Peço licença para ainda com relação a este ponto ler os seguintes dados estatisticos.
(Leu.)
Isto mostra que a navegação estrangeira se exerce em mais larga escala do que a navegação nacional.
N'estas condições, convencendo-me de que o imposto addicional de 50 por cento sobre os direitos de tonelagem poderia affectar o movimento da navegação com sensivel prejuizo para o paiz, não tive duvida em concordar em que se eliminasse da lei esse addicional.
Demais, nos primeiros annos a despeza que resultará deste projecto não será elevada, e o governo terá tempo de procurar os meios necessarios para occorrer da fórma que julgar mais conveniente aos encargos que vão ser creados.
Aqui terá v. exa. expostas as rasões do procedimento do governo.
Em todo o caso parece-me que as condições financeiras a que s. exa. alludiu não devem pezar no animo de ninguem, tratando-se de um melhoramento de alcance tão largo, e cuja resolução é tão urgente, porque na verdade o alumiamento da nossa costa é de tão grande interesse para navegação e para o commercio, que a meu ver não nos devemos affrontar com um augmento de despeza que aliás não póde ser improductivo de modo algum, e com o
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qual não procuramos senão satisfazer a uma necessidade inadiavel, seguindo o exemplo das nações mais civilisadas, que não têem hesitado em se sujeitar a grandes sacrificios para alumiar os seus portos e barras.
O outro ponto de que se occuparam os dignos pares foi o relativo á salvação dos náufragos.
O sr. Pereira de Miranda, apresentou uma proposta para que neste projecto se inserisse uma clausula pela qual o governo ficasse auctorisado a estabelecer o serviço de soccorros aos náufragos.
O assumpto é importante, a camara conhece de certo o alcance que elle tem, e por consequencia não póde estranhar que eu seja o primeiro a associar-me em principio a uma idéa que é eminentemente humanitaria, e me parece, que posta em pratica, produzirá larguissimos beneficios nas occasiões em que as calamidades que affligem os que navegam nas nossas costas fazem com que muitas vidas se percam e muitas riquezas desappareçam.
Reconheço, pois, a importancia que tem o estabelecimento de serviços de salvação e soccorros a náufragos: e se n'esta parte não póde haver hesitação, todavia alguma discrepancia se póde suscitar sobre a maneira de realisar esta tão util instituição.
O digno par referiu-se a um trabalho muito completo sobre este assumpto, que foi elaborado por uma commissão nomeada pelo sr. marquez de Sabugosa, pouco tempo depois de lhe ser confiada a pasta da marinha. A commissão estudou detidamente a questão e formulou um relatorio, de que eu não tinha conhecimento, mas que, devido á benevolencia do digno par o sr. Pereira de Miranda, que m'o facultou, pude examinar e estudar.
N'esse relatorio encontram-se muitos esclarecimentos importantes e de muito alcance, que mostram o aturado estudo que se fez da questão.
Acham-se ali formuladas as bases para o estabelecimento de estações e postos de salvação e soccorros aos naufragos e até calculada a despeza a fazer com esse serviço, a qual, como disse o sr. Pereira de Miranda, pelo orçamento da referida commissão, andaria approximadamente por réis 140:000$000, devendo importar o custeamento em réis 4:000$000 a 5:000$000 annuaes.
Mas, sr. presidente, a commissão que estudou este importante assumpto sob todos os aspectos e pontos de vista, não esqueceu tambem um ponto de certo não menos ponderoso, qual é o que diz respeito aos meios de levar a effeito esta idéa, que está, nem podia deixar de estar, no animo de todos e por todos ser bem acceita.
Para que a camara veja qual o resultado a que a commissão chegou depois dos largos estudos a que procedeu e das informações e esclarecimentos minuciosos que procurou colher e obteve das sociedades estrangeiras que tomaram a seu cargo o serviço de que se trata, sobretudo em Inglaterra e França; para que reconheça qual foi a conclusão relativamente á organisação pratica do mesmo serviço a que foi levada a commissão, peço licença para ler as proprias palavras do seu relatorio, que muito melhor do que eu podia fazer, esclarecem o assumpto.
Temos aqui um. capitulo que tem o seguinte titulo: A cargo e por conta de quem se deve fazer esta despeza.
Ouça a camara o que n'esta parte diz a commissão.
(Leu.)
Aqui tem v. exa. qual é o pensamento da commissão. Foi ella a primeira a reconhecer, que este serviço não deve estar exclusivamente a cargo do governo, nem deve pertencer só á sua iniciativa o estabelecel-o. Mas diz mais ainda a commissão.
(Leu.)
Depois d'isto a commissão examina os differentes alvitres que se podem apresentar, sendo um d'elles o crear o governo um elemento de receita para fazer face á despeza, na hypothese de tomar a seu cargo a despeza com este serviço, e referindo-se aos direitos de tonelagem diz o seguinte.
(Leu.)
Aqui tem v. exa. como a propria commissão, depois de ter lembrado este alvitre, se pronuncia contra elle, entendendo que nós não devemos difficultar a navegação, nem ser menos justos com os estrangeiros.
Um outro alvitre era o de tomar sobre si o governo as despezas, sem crear receita especial. A este respeito diz a commissão o seguinte.
(Leu.)
A commissão entende pois que, estando nós a braços com a despeza da illuminação das costas do continente e ilhas, e tendo de occorrer á que resulta da necessidade de construir portos artificiaes de abrigo em differentes pontos do reino e ilhas adjacentes, não era justo nem conveniente, nem mesmo logico e acceitavel, que o estado fosse tomar sobre si a iniciativa de um melhoramento que lhe traria novos encargos.
Ora, sr. presidente, depois d'isto que mais e melhor poderia eu adduzir para convencer a camara de que devemos deixar á iniciativa particular a installação e conservação do serviço de soccorros aos náufragos? Que motivo temos para duvidar que essa iniciativa não seja bastante efficaz para levar a cabo a realisação d'esta idéa, embora com algum auxilio do governo?
Ainda sobre este ponto eu peço licença para ler o que diz a illustre commissão.
(Leu.)
Portanto, a commissão julga que não será inefficaz no caso de que se trata o recorrer á liberalidade e sentimentos humanitarios do governo portuguez.
Em ultima analyse, a opinião da commissão é pelo alvitre de deixar á iniciativa particular a organisação das estações e postos de salvação e soccorros aos náufragos. E se é esta a melhor solução, se é a que indica a commissão, só está em harmonia com o que se pratica lá fóra, com ella respondo ao digno par, e isto sem azedume, na melhor boa paz e desejo de ver realisada convenientemente a idéa de s. exa.
Pela leitura do relatorio da commissão, convenci-me de que o alvitre de se organisar uma administração central, com delegações em differentes pontos da paiz, a qual tenha a seu cargo vigiar e fiscalisar o serviço de soccorros maritimos, é aquelle que se pôde. considerar mais acceitavel, procurando tornar effectivo esse alvitre por via da iniciativa particular.
De resto, peço permissão para lembrar á camara, que quando a Inglaterra, quando a França, que têem meios muito mais largos do que nós, que não têem recuado perante sacrificios de especie alguma para a illuminação das suas costas, quando estes paizes entendem, que devem chamar a iniciativa particular para pelo menos cooperar na realisação de um pensamento tão benéfico como o de que estamos tratando, nós, que não temos muitos recursos pecuniarios, nós que não podemos ir tão longe, não devemos chamar sobre o estado os encargos que essas nações entendem dever declinar sobre os particulares.
A Inglaterra tem uma forte associação, devida á iniciativa particular, cujos serviços de soccorros e salvação dos naufragos têem produzido excellentes resultados, sendo ella e só ella quem dirige estes trabalhos.
Na França tambem estes estabelecimentos têem tomado incremento, porque ha, uma associação formada para esto fim, que dirije todos esses serviços.
Portanto, sr. presidente, o que devemos é seguir estes exemplos, conformando-nos com as indicações dadas pela illustre commissão a que tenho alludido, a qual tão detidamente estudou o assumpto.
Appellemos, pois, em primeiro logar para a iniciativa particular, e o governo não terá duvida em a auxiliar com
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os meios que tiver ao seu alcance para que possa conseguir-se o fim desejado,
Experimentemos, e se a experiencia não der os resultados apetecidos, então o governo tratará de ver o meio de pôr em pratica uma aspiração que é de nós todos.
O governo, nem pessoa alguma póde desconhecer a grande utilidade da organisação d'estes serviços, tão indispensaveis, tanto para a salvação d'aquelles cujas vidas corram risco, junto das costas do nosso paiz, como para evitar a total perda de muitas e valiosas mercadorias.
O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Não tencionava entrar n'este debate; dando-se, porém, a circumstancia do parecer que se discute ser o primeiro, desde que tenho a honra de me sentar n'este logar, que assignei sem declarações, determinei-me a vir expor á camara as rasões por que assim procedi.
Ha muito tempo, sr. presidente, que eu entendo que deviamos ter intentado pôr em pratica alguma providencia para que as costas d'este paiz tivessem a illuminação precisa.
É uma vergonha - e emprego esta palavra porque outra não encontro que melhor possa definir o meu pensamento - é uma grande vergonha para nós todos, quando passamos das costas de Hespanha para as de Portugal, não ver aqui nenhum pharol nas condições de poder garantir aos navios que demandem os nossos portos a segurança que lhes offerecem por via dos variados meios de prevenção, as costas maritimas de todos os outros paizes civilisados.
É um espectaculo tristissimo para aquelles que têem de navegar, encontrarem, ao approximarem-se do seu paiz, as costas maritimas em quasi absoluta escuridão, como se fóra o litoral de uma terra de selvagens.
Sr. presidente, associando-me ao pensamento d'este projecto de lei, que importa um melhoramento de interesse tão geral, não deixo comtudo de reconhecer o valor das graves ponderações que apresentou o meu illustre amigo o sr. Franzini, sobre o estado da fazenda publica; porem a questão é de tal ordem, é de tanta urgencia resolver o problema que está submettido neste momento á nossa consideração, e a realisação do pensamento que n'elle se contém, alem de rios elevar muito aos olhos dos estrangeiros, devo trazer beneficios de tanto alcance, que me parece dever preoccupar menos o nosso animo a consideração da despeza que vae fazer-se, do que a grande utilidade que d'ella póde resultar.
Sabe muito bem v. exa., sr. presidente, que eu ha muitos annos me empenho em que se adopte um systema completo de illuminação das costas maritimas do reino, e que por mais de uma vez fiz grandes diligencias junto de um ministro, meu particular amigo, para se lazer o que agora propoz o sr. Hintze Ribeiro.
Alem das rasões de interesse geral, que são obvias para todos, eu tenho uma rasão especial para ter esse empenho, e é que eu fiz um voto no alto mar, de não contrariar nenhum plano que se referisse á illuminação das costas maritimas do reino, e isto pelas tristes circumstancias em que me encontrei.
Em 1876 embarcava eu em Bordéus num navio a vapor da companhia do Pacifico chamado o Corcovado. O nome por si era já pouco esperançoso para quem se atrevesse a entrar n'esse barco que, alem d'isso, tinha uma fórma de construcção menos vulgar. Era muito esguio, de modo que vogava com grande rapidez por cima das ondas, e ainda que houvesse vendaval navegava perfeitamente contra o tempo, resaltando com grande facilidade por sobre o mar encapellado, ao passo que, quando estava dentro dos portos e bahias, mesmo com as aguas socegadas, jogava como uma ligeira casca de noz.
Uma noite, estando a chegar ás costas de Portugal, levanta-se rapidamente uma tempestade furiosa. Eu estava deitado no meu camarote, e não podia conservar-me um minuto quieto no beliche; ouvi um grande barulho a bordo, as mulheres soltavam gritos afflictivos, e eu com difficuldade pude chegar ao tombadilho.
Dirigi-me ao commandante, que era um inglez, e pedi-lhe que me dissesse se estavamos em perigo. Não me respondeu cousa alguma, o que me fez crer que corriamos risco.
A escuridão era enorme, nem uma estrella no céu, nem um signal no horisonte que indicasse que a tempestade tendia a amainar.
De novo me dirigi ao capitão, para lhe perguntar se já estavamos proximos das costas de Portugal, e elle então, com um sorriso sardonico, respondeu-me estas palavras: "Não vê que está tudo ás escuras? Está o senhor no seu paiz ".
Estas palavras maguaram-me profundamente, e foi então que fiz o voto de, assim que chegasse a Portugal, pedir instantemente que se tratasse da illuminação das nossas costas maritimas. E se eu podesse unir á minha voz as vozes de todos os membros d'esta casa, fal-o-ia para pedir que no mais curto praso de tempo possivel se realisasse um melhoramento de tanta vantagem, porque não quero tornar a ouvir dizer a um estrangeiro: "Não vê que está no seu paiz, porque tudo está ás escuras".
Está, pois, chegada a occasião de applaudir o governo por ter trazido ao parlamento um projecto que trata da realisação de uma obra tão vivamente reclamada; mas devo tambem declarar que o primeiro projecto apresentado pelo governo e assignado pelo sr. Hintze Ribeiro, era, no meu entender, preferivel ao que estamos discutindo. (Apoiados.)
Não quero dizer que fossemos crear um imposto de 50 por cento sobre a tonelagem; podiamos, porém, crear um imposto verdadeiramente acceitavel, que d'esse maiores garantias de que se realisasse a illuminação das costas sem novos encargos para o thesouro, nem prejuizo da navegação.
Entretanto approvo o projecto, porque não quero levantar a menor difficuldade á execução de um melhoramento de tamanho alcance.
O sr. Hintze Ribeiro acaba de reconhecer que nas circumstancias actuaes seria pouco conveniente a creação de um imposto de 50 por cento sobre a tonelagem, e fez esta declaração com toda a lealdade que é propria do seu caracter, e sendo eu inteiramente da opinião de s. exa. n'este ponto, nada mais direi, porque não posso ser mais ministerial que o proprio sr. ministro.
Passemos agora á proposta mandada para a mesa pelo meu amigo o sr. Pereira de Miranda, e que s. exa. justificou com argumentos tão solidos, que eu nem uma só palavra terei de acrescentar ao que s. exa. disse para a justificar.
Mas desejo declarar que, pela minha parte, entendo tambem que o governo deve, quanto antes, tratar de estabelecer estações de soccorros aos naufragos, pelo menos n'aquelles pontos da costa que se julgam mais perigosos.
A estatistica dos naufragios é aterradora, e não se póde permittir a uma nação civilisada, que não tenha os meios de acudir aos naufragos, deixando ao acaso a salvação da vida dos que sulcam os mares e procuram os nossos portos, ou para commerciar comnosco, ou para outro qualquer fim.
O nobre ministro citou o que se passa em França e em Inglaterra com relação á organisação do serviço de soccorros aos naufragos; mas permitta-me s. exa. que discorde da sua opinião, e que diga que o que succede n'esses paizes com respeito ao modo por que ali se exerce a iniciativa particular, e a sua efficacia não póde ser trazido como exemplo para Portugal, e muito menos tratando-se de emprezas da ordem d'aquellas a que se referiu.
Está entre nós a phylloxera fazendo uma grande devastação nos nossos vinhedos, e, não obstante, jazem no ministerio das obras publicas, ha um poder de tempo, as
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grainhas de cepas americanas, sem que os nossos viticultores as venham pedir. Estão livremente á sua disposição e é preciso fazer repetidos annuncios, expedir-lhes que as venham buscar.
Direi mais. É necessario que os parochos intervenham com os seus freguezes para os convencer de que lhes é muito util aproveitarem-se do sulfureto de carbone, que lhes é distribuido quasi gratuitamente pelo governo.
N'estas condições poderemos confiar na nossa iniciativa particular, e que ella, á maneira do que succede em Inglaterra e em França, venha a produzir entre nós d'essas associações humanitarias para soccorrer os naufragos?
Não creio.
Se o governo dispozesse de muitos d'esses homens extraordinarios e singulares cujo nome todo o mundo respeita, de homens como o cabo Simão e o velho patrão Joaquim Lopes, aos quaes tanto deve a humanidade; se o sr. ministro das obras publicas póde produzir d'esses homens, se tem por toda essa costa de Portugal muitos d'esses homens que arriscam a vida pelo seu similhante, sem mesmo saberem avaliar a grandeza da acção que praticam, então dedique-se o governo á creação d'essas associações de soccorros maritimos, aproveitando essas vontades energicas, mas de modo que nós d'aqui a alguns annos não possamos encontrar um capitão de navios, como o que eu encontrei, que diga que conhecera ter chegado a Portugal por ver as costas maritimas ás escuras, e que quando tenhamos alguma vez de voltar a esta terra, não nos falta a esperança de ser salvos, de qualquer naufragio, por estarmos á espera que a iniciativa particular se manifeste, e este negocio se resolva da mesma maneira que lá fóra.
O sr. ministro das obras publicas e o governo têem obrigação restricta de aproveitar os homens como aquelles que eu citei.
Já o governo os condecorou e El-Rei pela sua propria mão collocou no peito d'aquelles bravos as condecorações mais honrosas de que podemos dispor. Ponha agora o governo nas mãos d'aquelles benemeritos cidadãos os barcos precisos para que possam salvar as vidas dos outros, arriscando as suas desinteressadamente, e terá feito um alto serviço.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Pereira de Miranda:- Terá de appellar do sr. ministro das obras publicas para a camara. Nunca suppoz que a sua proposta fose rejeitada pelo governo, quando aliás elle está de accordo com o seu pensamento.
Mostrou que não podia haver muita confiança na iniciativa particular; e não se podia estar á espera que ella se manifestasse, deixando abandonadas as costas maritimas do paiz, sem se estabelecerem os postos de soccorros aos naufragos, tão indispensaveis, n'uma costa de mais de seis graus de extensão, onde apenas ha tres ou quatro barcos salva-vidas.
Lastima que as propostas, ainda as mais rasoaveis e convenientes, sejam desprezadas pelo governo quando partem da opposição.
A questão não era politica nem como tal se poderia de modo algum considerar. Elle, orador, levantando-se, apenas tivera o pensamento de completar o projecto em discussão, propondo que se consignasse na lei um pensamento com que o sr. ministro concordava completamente.
Nota que o sr. ministro hesite ante a pouco importante despeza que se iria fazer com o estabelecimento de postos de soccorros maritimos, e por outro lado proponha augmentos de despezas bem dispensaveis.
Por ultimo, espera que por parte do governo não continue a manifestar-se a hostilidade que lhe pareceu ver da parte do sr. ministro das obras publicas contra a sua proposta.
(Os discursos do orador serão publicados quando s. exa. os devolver.)
O sr. Ministro das Obras Publicas: - A questão não é politica (Apoiados.) e n'estes termos que duvida teria eu em acceitar uma proposta de um digno par da opposição, estando perfeitamente de accordo com o pensamento d'essa proposta?
O digno par o sr. Pereira de Miranda sabe perfeitamente a muita consideração que tenho por s. exa., e ha de acreditar de certo que eu teria muito desejo de condescender com o que propoz, se as rasões que expuz com inteira franqueza e lealdade não me levassem a julgar que é desnecessaria.
Ninguem contesta, torno a dizer, a utilidade da organisação de estações de soccorros aos naufragos; a divergencia está sómente quanto ao modo pratico de o realisar. Que duvida póde ter a camara em deixar que o governo envide todos os seus esforços a fim de ver se pela iniciativa particular se póde conseguir a organisação de associações para prestarem esses soccorros, como se faz lá fóra, e quando isso não consiga appelle então para outros meios?
Por mim não vejo que d'esta experiencia possa resultar o menor prejuizo, pelo contrario penso que ella póde trazer-nos umas certas vantagens. Se a iniciativa particular não fizer o que d'ella podemos esperar, então o governo assumirá a direcção d'estes negocios, a fim de que os poderes publicos façam o que não se póde alcançar dos particulares.
Repito, esta questão não é politica, não depende d'ella a queda do governo; é uma questão puramente de doutrina economica, e a camara, soberana como é nas suas decisões; deliberará sobre ella pelo modo que julgar mais conveniente.
Pela sua parte o governo compromette-se a estudar a questão, e a providenciar como julgar conveniente.
O sr. Pires de Lima: - Parece-me que a divergencia que ha entre a opinião do sr. ministro das obras publicas e a do sr. Pereira de Miranda é mais apparente do que real.
Eu vou propor um alvitre em harmonia com as palavras que o sr. ministro das obras publicas acaba de proferir, que ha de salvar esta camara da vergonha de rejeitar a proposta do sr. Pereira de Miranda.
O sr. ministro das obras publicas disse que appellassemos primeiro para a iniciativa particular, e depois, se ella não desse resultado, o governo proporia os meios de resolver a questão. Ora, parece-me que este pensamento póde consignar-se na lei.
N'esta conformidade acabo de escrever uma proposta, e assim se conciliará a opinião do sr. ministro com os bons desejos do sr. Pereira de Miranda. Essa proposta é a seguinte.
(Leu.)
Para que havemos de resolver, ámanhã uma cousa que já hoje póde ser resolvida e o está effectivamente no pensamento do governo? Para que havemos de estar ámanhã outra vez a discutir este assumpto, quando elle está já estudado, e o sr. ministro das obras publicas de accordo com o pensamento do sr. Pereira de Miranda? Para que havemos de estar a divergir sobre um ponto, que não é politico, mas apenas de simples administração?
Mando, pois, para a mesa a minha proposta, sobre a qual peço desde já que haja votação nominal.
O sr. Presidente: - Pela leitura que ouvi fazer da proposta do digno par, parece-me que ella é um adiamento.
O sr. Pires de Lima: - V. exa. póde classificar a minha proposta como quizer, mas a verdade é que ella não póde ser considerada como um adiamento; é um additamento á lei, para ser considerado na sua redacção definitiva, porque não faço mais do que propor que se inclua na lei o pensamento que foi exposto pelo sr. ministro das obras publicas.
O sr. Presidente: - Em todo o caso é um adiamento.
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O Orador: - Não é um adiamento. Peço licença á camara para a tornar a ler.
(Leu.)
Eu proponho á camara que se introduza na lei o pensamento ou idéa do sr. ministro das obras publicas; em conformidade com as observações que todos ouvimos. Depois, se a camara approvar a minha proposta, é que tem de ir á commissão de redacção para inserir na lei, não as minhas palavras, mas quaesquer outras, em harmonia cem o pensamento do sr. ministro.
O sr. Presidente: - Mande o digno par a sua proposta para a mesa, a fim de ser votada.
O Orador: - Mando a minha proposta, salva a redacção, na certeza de que o meu pensamento é o do sr. ministro das obras publicas.
S. exa. disse que se deve recorrer primeiro á iniciativa particular, e se esta não der o resultado desejado, o governo proverá como for necessario. Ora, o que eu desejo é que este pensamento fique já consignado na lei.
Mando, pois, a minha proposta para a mesa, e insisto no pedido de que sobre ella haja votação nominal.
Leu-se na mesa a proposta do sr. Pires de Lima,
É do teor seguinte:
Proposta
Proponho que o governo fique auctorisado a auxiliar o estabelecimento de estacões e postos de salvação, ou a estabelecel-os só por si se a iniciativa particular não der resultado. = Pires de Lima."
Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com a materia do projecto.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Creio que estamos agora ainda mais de accordo sobre o assumpto de que se trata, que quando elle se apresentou na tela do debate. Para que havemos, pois, de fazer questão politica d'aquillo em que nos encontrámos todos conformes?
Por parte do governo declarei eu que achava a idêa da proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda perfeitamente em harmonia com a conveniencia publica de se instituirem os postos de salvação e soccorros aos naufragos, e acrescentarei agora que o governo prestará toda a attenção á realisação d'esta idéa, e procurava traduzll-a em factos pelos meios que julgar mais convenientes. E quando porventura não consiga os seus intuitos, o governo não terá duvida em apresentar ás côrtes as propostas que lhe parecer serem mais adequadas para que o mesmo serviço se possa organisar de harmonia com os interesses que é destinado a proteger.
É evidente pois que mostrei francamente que o governo está de inteira accordo com a idéa fundamental da proposta do digno par, e creio que s. exa., bem como o sr. Pires de Lima, podiam ficar perfeitamente tranquillisados com estas declarações, que são officiaes e devem ficar registadas e archivadas na acta e Diario das sessões d'esta casa.
A auctorisação a que visa a proposta do sr. Pires de Lima é muito vaga. Diz-se na proposta que e governo fica auctorisaão a auxiliar a iniciativa particular, mas não se designa a fórma por que ha de proceder. Diz-se tambem que fica auctorisado a organisar este serviço, mas igualmente não se indica a maneira de o fazer. Ora não era melhor não ir agora consignar na lei o preceito que os dignos pares desejam n'ella introduzir, e deixar ao governo livre a sua acção de tentar obter pelos meios usados em outros paizes o estabelecimento do serviço de soccorros maritimos, e quando não o consiga trate então de trazer ao parlamento as propostas que julgar convenientes?
Isto a final é uma questão de forma, e não serei eu que contrarie abertamente a proposta do digno par o sr. Pires de Lima, nem, como já declarei, a do sr. Pereira de Miranda; o que me parece é que não ha necessidade de alterar a lei.
Em todo o caso a camara resolverá como entender melhor.
O sr. Visconde de [...] ao sr. ministro das obras publicas
O sr. Presidente: - Permitia o digno par que lhe observe que tem de mandar para a mesa a sua moção de ordem.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu propriamente não tenho moção a apresentar; mas simplesmente desejava provocar do governo uma explicação para elucidação do debate.
U sr. Presidente: - O pedido do palavra sobre a ordem não póde ter outro fim senão a apresentação de alguma moção; de contrario seria um meio do preterir os oradores inscriptos anteriormente a esse pedido. Eu tenho de manter o direito adquirido pelos dignos pares que pediram a palavra, e se for a conceder a palavra sobre a ordem, sem fazer observar as prescripções do regimento, de certo não manterei esse direito, porque o pedido de palavra sobre a ordem tem preferencia.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Cedo a palavra.
O sr. Placido d8 Abreu (relator}: - A questão que se trata de resolver por meio do projecto em discussão é de um alto interesse publico, e ninguem desconhece que importa muito á navegação em geral, e em especial ao commercio portuguez.
As ccmmissões reunidas, tendo em vista o benefico alcance do pensamento d'esta medida, não tiveram duvida em o approvar em todas as suas disposições.
Levanta-se agora, porém, uma questão que é alheia á doutrina do projecto, e d'ella não póde resultar senão embaraço para o andamento do negocio principal que temos a resolver.
Assim, pois, o que me parecia, mais rascarei, era que, em vez de se embaraçar a discussão do projecto, concordássemos todos em por termo a este incidente, tomando-se nota da s declarações do sr. ministro das obras publicas, que podiam ficar consignadas na acta, e pelas quaes o governo só obriga a realisar o pensamento da proposta do sr. Pereira de Miranda.
O que disse o sr. Aguiar com relação á falta de illuminação das nossas costas mostra até á evidencia a necessidade da approvação d'este projecto.
Querermos fazer simultaneamente tudo que n'este assumpto é necessario realisar, augmentando, portanto, uma despeza, que já é avultada, não me parece conveniente nem a proposito.
O melhor será tratarmos de approvar a illuminação gorai das cestas, tanto no continente como nas idas adjacentes, e reservarmos para mais tarde os outros melhoramentos.
De mais, eu lembro á camara que no Porto ha uma associação humanitaria, que tem por fim a salvação dos naufragos, o que, com todo o cuidado que dedica a esse relevantissimo serviço, já estabeleceu varios postos na costa.
Ora, e que se podia fazer era ampliar aquella associação, dando-lhe a séde em Lisboa, e dotando-a com os meios necessarios para alargar a sua esphera de acção.
O digno par, o sr. Aguiar, ponderou que os agricultores do paiz não vão ao ministerio das obras publicas receber; a grainha, para crearem nos seus terrenos as vides resistentes á phyloxera; isso, porém, póde ter uma explicação plausivel - não acreditam.
Mas emquanto a beneficencia publica, devia lembrar-se de que em estabelecimentos de caridade a nação portugueza não deixa nada a desejar, e, em vez de receber, póde dar exemplo n'esse ponto aos outros paizes.
Estou convencido que, se o governo e os particulares se interessarem na questão de prestar soccorro aos naufragos,
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viremos a ter instituições importantissimas n'esse genero, e que hão de produzir excellentes resultados.
Mas por agora entendo que a camara faz bem não pondo embaraços á approvação do projecto nos termos em que se encontra, e deixando para mais tarde todas as indicações que a respeito da salvação de náufragos se têem apresentado.
Entretanto, podem os dignos pares tomar nota das declarações do sr. ministro, as quaes s. exa. de certo quererá tornar effectivas, quando lhe parecer opportuno.
O que convem desde já é approvar o projecto.
Não queiramos fazer tudo de uma só vez, porque nos arriscamos á eventualidade de não fazer cousa alguma.
Era o que eu tinha a dizer, por parte das commissões reunidas.
O sr. Vaz Preto: - Eu não tencionava entrar n'esta discussão, mas tem ella tomado uma feição tão original, que me vejo impellido a dizer tambem algumas palavras.
Entendo que o allumiamento das costas de Portugal e a balizagem nos seus portos é uma necessidade instante, é um melhoramento de ha muito reclamado, é uma despeza que se não póde adiar por mais tempo.
Sendo assim, e como é a meu ver, eu preferia a proposta inicial do sr. ministro, porque para levar a effeito este grande melhoramento, creava conjunctamente uma certa receita.
S. exa., creando uma receita determinada para levar a cabo este grande e importante melhoramento, satisfazia aos bons principios de administração e de governo, e satisfazia tambem aos preceitos de uma lei, que quasi nunca tem sido cumprida.
Confesso, pois, que preferia, o projecto do governo ao projecto da commissão, que leva o governo a recorrer mais uma vez ao credito.
Dadas estas explicações sobre o projecto, e feita a declaração do meu voto, passarei á proposta do sr. Pires de Lima, que está tambem em discussão.
O motivo que. me obrigou a pedir a palavra foi principalmente o pedido do digno par, o sr. Pires de Lima, para que houvesse sobre a sua proposta votação nominal.
Este pedido parecia ser feito para obrigar os dignos pares a votal-o.
Como, porém, o sr. Pires de Lima queria bem manifesta a opinião de todos os dignos pares, eu, para satisfazer a esse seu desejo, vou. emittir a minha humilde opinião.
Eu declaro a v. exa. e á camara que voto contraia proposta do sr. Pires de Lima, porque a julgo inutil, e é um adiamento.
É inutil, em presença das declarações categoricas do sr. ministro, que acaba de dizer terminantemente á camara que tem em consideração a proposta do digno par, o sr. Pereira de Miranda, mas que é conveniente recorrer primeiro á iniciativa particular, como succede nos outros paizes; se s. exa. entende que deve primeiro esgotar esses meios, e que não carece de auctorisação alguma, para que vem o sr. Pires de Lima querer ser mais ministerial do que o proprio ministro?
A proposta é inutil, porque dá uma auctorisação ao governo, de que elle não usa desde o momento, que não quer usar.
Demais, o sr. ministro diz, que depois de examinar attentamente este projecto, apresentará ao parlamento as providencias que julgar indispensaveis; para que 6, pois, dar ao governo uma auctorisação, que elle não pede e não quer?
É caso novo.
S. exa. foi mais que ministerial, foi ultra ministerial!
O sr. ministro disse que ia recorrer á iniciativa particular, que nos paizes estrangeiros essa iniciativa tem obtido grandes resultados, que, se as suas esperanças forem illudidas, n'esse caso proporá ás côrtes as medidas que julgasse convenientes para levar a effeito aquelle serviço; que mais quer s. exa.?
A confiança do digno par no governo é tão grande, que se torna mais que ministerial. Dá-lhe uma auctorisação que o ministro nem quer, nem pede!!!
Voto, portanto, contra a proposta, não só porque é inutil, mas tambem porque ella é um additamento ao projecto.
Se a proposta do, sr. Pires de Lima fosse votada, teria de voltar á outra camara o projecto para ali ser tambem apresentada a proposta, isto dava logar a delongas que podem prejudicar um melhoramento que se julga de necessidade.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. visconde de Chancelleiros.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu não tinha pedido a palavra.
O sr. Presidente: - Pareceu-me que o digno a tinha pedido sobre a materia, visto não poder usar d'ella sobre a ordem.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Agradeço muitissimo a v. exa.
Eu cedi da palavra, mas visto que. v. exa. ma concede, aproveito o ensejo para dirigir uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas.
Desejo saber qual foi a resposta que o sr. ministro deu ao digno par, o sr. Pereira de Miranda, quando s. exa. lhe offereceu o relatorio sobre o, assumpto que faz o objecto da sua proposta?
Se a resposta de s. exa. tivesse sido satisfactoria, de certo o digno par não viria levantar a questão, n'esta conjunctura.
É indispensavel uma declaração do sr. ministro, aliás ficarmos ás escuras tanto como desgraçadamente o estão as nossas costas maritimas.
Aguardo a resposta do sr. ministro para o meu espirito e o da camara ficarem esclarecidos.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - A resposta que dei ao digno par, o sr. Pereira de Miranda, cujo testemunho invoco, foi no mesmo sentido das considerações que ha, pouco tive occasião de apresentar.
S. exa., nem em particular, nem em publico ouviu de mim nenhuma declaração que divergisse d'aquillo que eu tive a honra de dizer á camara.
Nada mais tenho que dizer.
(O orador não reviu os seus discursos.)
O sr. Pires de Lima: - Sr. presidente, estava muito longe de pensar que a minha proposta fosse tão impugnada, quando ella traduzia apenas o pensamento do sr. ministro das obras publicas, ou por outra indicava a maneira por que esse pensamento havia de ficar consignado na lei; porém ao contrario do que eu esperava essa proposta foi combatida pelo sr. ministro das obras publicas, pelo sr. relator da commissão e até pelo meu particular amigo o sr. Vaz Preto. Vou responder a s. exas. e começarei analysando os argumentos apresentados por este meu illustre collega. S. exa. entende em primeiro logar que a minha proposta é inutil, e em segundo logar que é um adiamento disfarçado.
É inutil, porque? Porque, disse o digno par, o sr. ministro das obras publicas declarára que ia estudar o assumpto, e depois de o estudar traria ao parlamento uma proposta a este respeito. Parece-me que ha um equivoco n'esta parte. O sr. ministro das obras publicas não disse que ia estudar; o estudo está feito. O que disse s. exa. foi que primeiramente se devia recorrer ao systema que lá fóra se usava, isto é appellar para a iniciativa particular, e se esse meio não produzisse resultado, o governo apresentaria na sessão seguinte uma proposta para se levar a effeito um pensamento que está no animo de todos.
Logo a minha proposta não é inutil, pelo contrario tende a dispensar-nos de um segundo trabalho.
Para que havemos de guardar para d'aqui a dois ou tres annos o que podemos fazer já?
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Porventura o sr. ministro das obras publicas ficaria privado pela approvação d'essa proposta de recorrer á iniciativa particular?
Não, de certo.
Pelo contrario, s. exa. fica obrigado a recorrer a essa iniciativa, e, se ella não der resultado, se for inefficaz ou insufficiente, o governo terá a faculdade de procurar realisar por outros meios o que não póde conseguir por aquelle.
A minha proposta, pois, não e inutil, antes significa aproveitamento de tempo, o qual, para as nações pouco civilisadas, será uma cousa insignificante; porém, para os povos verdadeiramente civilisados, o tempo é dinheiro.
Vejamos agora a rasão por que o digno par o sr. Vaz Preto diz que a minha proposta importa um adiamento.
É porque, introduzida na lei a alteração que proponho, o projecto tem de voltar á camara dos senhores deputados.
Ora, mesmo que assim seja, o adiamento será de curta duração, e, por uma demora de oito ou dez dias, não deve deixar de se approvar uma proposta que tem inquestionavelmente as sympathias d'esta casa do parlamento e que terá as sympathias da camara dos senhores deputados.
Creio que tenho respondido ás observações apresentadas pelo sr. Vaz Preto.
Agora, cumpre-me responder ao sr. relator da commissão. Disse s. exa., em primeiro logar, que nós vinhamos embaraçar o andamento d'este projecto; mas, o que é certo é que ninguem fez questão politica d'este negocio, e tanto que n'este parecer estão assignados sem declarações membros do partido a que tenho a honra de pertencer, e de todos os partidos representados n'esta casa.
Mesmo os dignos pares que fiz eram algumas observações a respeito do projecto, nenhum d'elles o combateu, pelo contrario, todos lhe deram o seu voto.
Por consequencia, como podia haver idéa de embaraçar o projecto?
O que nós desejámos é completal-o e aproveitar a occasião, que se nos afigura mais asada, para pôr em via de realisação um melhoramento que a civilisação e o nosso bom nome exigem que se faça.
Disse tambem o illustre relator das commissões, que, desde o momento em que o nobre ministro fazia declarações tão categoricas, como as que a camara ouviu, o que nos cumpria era tomarmos nota d'essas deliberações; exigir mesmo que as palavras do sr. ministro fossem consignadas na acta, e termos a paciencia de esperar pelo que o governo julgasse dever praticar.
Devo dizer que tenho a maior consideração pelo illustre ministro das obras publicas, que tenho em subida conta as suas declarações, e ligo a maxima importancia ás actas das sessões da camara; mas tenho o defeito de considerar acima de tudo o que se preceitua nas leis.
Isto não quer dizer que as declarações do sr. ministro não valham muito, mas porque não ha de inserir-se na lei o preceito escripto, em harmonia com as idéas de s. exa.?
Sr. presidente, os ministerios não são eternos, e o sr. Hintze Ribeiro, que hoje se acha gerindo a pasta das obras publicas, póde amanhã ser substituido por outro cavalheiro que se não julgue obrigado, pelas palavras de s. exa., a cumprir as suas promessas n'esta casa.
O sr. relator, que tanto se sobresaltou com o estabelecimento das estações e postos de salvação, pelo facto d'essas obras avolumarem a despeza, que a final não excederia a importancia de 160:000$000 réis, parecendo quasi um membro da opposição pugnando por que não se augmentem os encargos do thesouro, não sei como s. exa. não se assustou tambem ao olhar para a despeza que este projecto nos traz, a qual, pelos calculos do sr. ministro, se elevará a 1.100:000$000 réis.
O sr. relator ponderou que a iniciativa particular com respeito a este assumpto já se manifestara, e de um modo importante, no norte do paiz; note, porém, s. exa., que a minha proposta não exclue por modo algum a iniciativa particular, (Apoiados.} como já tenho declarado por mais de uma vez. O governo fica auctorisado a appellar para ella, e ao mesmo tempo a auxilial-a, e quando d'ahi não tire os resultados desejados, é que fará as obras por sua conta.
Sr. presidente, nem as reflexões do meu amigo o sr. Vaz Preto, nem as do sr. relator me convenceram de que eu não tenho rasão no que pretendo, apresentando a proposta que tive a honra de ler á camara.
Por outro lado o sr. ministro das obras publicas declarou que não se oppunha abertamente ao meu pensamento, e que não julgava esta questão politica, nem que d'ella dependesse a queda do governo.
Somente notou que lhe queriamos dar uma auctorisação. Isto o que prova é que a questão não é politica.
Disse tambem s. exa. que essa auctorisação era muito vaga, o que mostra claramente que não queremos levantar obstaculos de especie alguma á lei, e é uma prova de confiança administrativa que n'este assumpto damos a s. exa.
Portanto, parece-me que, longe de ser um motivo de censura, o nosso procedimento devia merecer pelo menos um melhor conceito da parte do sr. relator.
Eu espero que a camara, em harmonia com as idéas que eu expuz, não rejeitará a minha proposta, e que o sr. ministro das obras publicas não deixará de a acceitar por ella partir da opposição.
Quando se trata de assumptos da ordem d'aquelle de que me occupo n'este momento, o decoro e bom nome das pessoas que têem de entender n'elles exigem que se abstenham de toda a influencia dos interesses partidarios.
(O orador não reviu os seus discursos.}
O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sr. presidente, pedi novamente a palavra para significar á camara qual foi o meu pensamento, quando ha pouco me occupei da proposta do digno par e meu amigo o sr. Pereira de Miranda, a quem ouvi com satisfação declarar que não tinha a menor idéa de levantar por essa fórma uma discussão a que de qualquer modo se podesse dar feição politica,
Fallou depois o sr. Pires de Lima, e igualmente declarou que a proposta apresentada por s. exa. não visava a nenhum fim de politica partidaria, e confirmou-o nas considerações tão habilmente feitas pelo mesmo digno par.
É claro pois que não foram intuitos partidarios que trouxeram a campo esta questão. Entretanto quero dar mais um testemunho de que considero este assumpto, pondo de parte inteiramente todo o pensamento politico.
Eu estava prompto a approvar a proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda, como creio que toda a camara estaria, porque ninguem desconhece a utilidade de pôr em pratica o seu pensamento, mas fal-o-ia no caso de que d'ahi não resultasse demora no facto d'este projecto se converter em lei do estado, isto é, se esta questão podesse ser resolvida promptamente; porém, como da approvação d'essa proposta podem provir duvidas, e estas duvidas podem demorar o facto de se converter em lei o projecto que se discute, entendo que este deve ser approvado immediatamente, sem aquelle additamento, reservando-se para ser considerado o seu pensamento n'uma providencia especial.
Parece-me que será esta a melhor solução que n'este momento se póde dar á questão. (Apoiados.)
O sr. ministro das obras publicas declarou que deseja recorrer primeiro á iniciativa particular. Eu, pela minha parte, não confio muito n'essa iniciativa, como disse já, apesar do exemplo que se citou da associação humanitaria do Porto, e de eu reconhecer os importantissimos serviços que ella tem prestado.
S. exa. declarou mais que reputa inutil o additamento proposto, e n'estas circumstancias, eu penso que, como já indiquei, o melhor é separar estas duas questões, se a acceitação d'esse additamento pela camara póde trazer a mais pequena demora ao andamento d'este projecto.
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No caso contrario, eu voto pela proposta do digno par o sr. Pereira de Miranda.
(O orador não reviu os seus discursos.)
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Vou tambem procurar definir os meios de conciliação que ao meu espirito se affiguram os melhores para a solução das duas opiniões divergentes.
Pela leitura que n'este momento acabo de fazer do projecto que se discute, vejo que elle é assignado pelo sr. ministro das obras publicas e pelo, sr. ministro da fazenda, e pela leitura do relatorio apresentado á camara pelo digno par o sr. Pereira de Miranda, vejo que esse trabalho é devido a uma commissão nomeada pelo ministerio da marinha.
Vê-se, pois, que o legislador julgou que, pelo que diz respeito a pharoes, deve entender o sr. ministro das obras publicas, e pelo que se refere a soccorros aos náufragos deve entender o sr. ministro da marinha.
Por consequencia, vamos a ver se resolvemos esta questão de commum accordo. O sr. ministro das obras publicas disse o que a camara ouviu; porém o sr. ministro da marinha esse ainda não disse nada, mas creio que vae pedir a palavra e dizer-nos, que compromette os seus creditos de ministro da marinha, que hão de ser tão levantados como são os de que gosa de homem de sciencia, a apresentar ainda esta sessão á apreciação do parlamento, e por iniciativa propria, uma proposta baseada nos termos indicados pelo sr. Pereira de Miranda.
Se assim o fizer, desde já declaro que, se o sr. Pereira de Miranda ficar satisfeito, eu tambem ficarei; porém se o sr. ministro não tomar esse compromisso, eu, no caso do digno par, não ficaria tranquillo, e a rasão é que, não exercendo o governo dentro d'este periodo legislativo a sua iniciativa para se dar solução a esta questão, poderá acontecer não ter occasião de o fazer mais tarde. E digo isto, não porque espere que s. exa. não continue a gerir a pasta que está confiada ao seu saber; mas porque a actual situação me parece estar nas condições de vida d'aquelle navio em que infelizmente embarcou o nosso digno collega o sr. Aguiar.
Era um navio forte, quando o mar estava encapellado navegava perfeitamente contra o tempo, porém quando o mar estava sereno, e até dentro dos portos, começava a jogar de modo que parecia correr risco de se afundar.
Ora é isto o que succede sempre com as situações regeneradoras. São fortes, quando os mares politicos estão encapellados, e arrostam perfeitamente com as tempestades parlamentares; mas, quando as vejo navegar em aguas adormecidas, receio sempre da sua sorte. Por consequencia, no meio d'esta tranquillidade politica, não seria para admirar que houvesse mais um naufragio politico.-
Espero que s. exa. fará a declaração que pedi, e, se a fizer, ficaremos todos satisfeitos.
(O orador não reviu os seus discursos.}
O sr. Ministro da Marinha (Barbosa du Bocage): - Não tenho duvida nenhuma em declarar ao digno par, e á camara, que estou perfeitamente de accordo em reconhecer, como membro do governo e d'esta casa, toda a conveniencia e necessidade de se realisar um melhoramento tão indispensavel como o de estabelecer postos de soccorros maritimos.
Estando conforme com as idéas contidas no relatorio da commissão, que foi nomeada para estudar este assumpto, e cujos bons serviços é inutil encarecer, acerca da necessidade de tratar da organisação desse serviço em toda a nossa costa, devo todavia dizer que para o estabelecimento dos mesmos postos aconselha a boa rasão e o bom senso que se faça convergir para esse fim utilissimo a iniciativa particular, auxiliada pelo governo.
Se se auctorisasse desde já ò governo a realisar por sua conta aquelle importante melhoramento, a iniciativa julgava-se isso facto dispensada desde logo de o realisar.
E este o defeito que eu acho na proposta do sr. Pires de Lima.
Entendo, portanto, que é melhor que o governo procure o melhor modo de aproveitar a iniciativa particular, auxiliando-a e tratando de ver se se podem organisar pequenas commissões locaes, que se prestem a coadjuvar o governo, se necessario for.
Julgo, pois, que é preferivel que o governo estude primeiro este ponto, e que só depois de ter fixado as suas idéas sobre o modo mais conveniente de montar o serviço de que se trata venha apresentar ás camaras quaesquer propostas que porventura julgue opportunas.
São estas as declarações que eu tinha a fazer á camara.
O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto vae votar-se a generalidade do projecto de lei n.° 161.
Posto á votação, foi approvado na generalidade.
O sr. Presidente: - A proposta do digno par, o sr. Pereira de Miranda, é um additamento ao artigo 1.° Vae, portanto, ler-se, bem como o artigo 1.°
Leu-se na mesa.
O sr. Pereira de Miranda: - Depois das declarações feitas pelo sr. ministro da marinha, elle, orador, querendo dar uma prova de que está disposto quanto possivel a annuir aos desejos de s. exa., não tem duvida de retirar a sua proposta, se. o sr. ministro declarar que virá apresentar ás côrtes uma proposta para resolver esta questão, logo que o governo tenha fixado as suas idéas a tal respeito, mas dentro do periodo d'esta sessão legislativa.
(Os discursos do orador serão publicados quando s. exa. os devolver.}
O sr. Ministro da Marinha: - Parece-me ter sido bastante explicito nas minhas declarações, mas vejo que não me fiz comprehender bem.
Eu disse que julgava preferivel que o governo estudasse primeiro o modo de realisar a organisação do serviço dos soccorros maritimos, e depois de assentar as suas idéas a este respeito viria propor á camara o que julgasse melhor.
O governo vae, pois, occupar-se do assumpto, a fim de procurar o modo mais pratico e conveniente de realisar aquelle melhoramento, e ver se póde fazel-o por meio da iniciativa particular.
Mais tarde, se entender que é preciso, virá ás côrtes pedir a auctorisação necessaria para proceder segundo as circumstancias o permittirem; não pôde, porem, comprometter-se a trazer ao parlamento, n'um praso certo, qualquer proposta a tal respeito.
CO orador não reviu os seus discursos.)
O sr. Pereira de Miranda: - Estando convencido que o sr. ministro da marinha não deixará de cumprir as suas promessas, pede licença para retirar a sua proposta.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que o sr. Pereira de Miranda retire o seu additamento tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Pires de Lima: -- A minha proposta não tem valor desde o momento em que foi retirada a do sr. Pereira de Miranda, e por isso peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu a retire.
Consultada a camara, decidiu affirmativamente.
Em seguida foram approvados os artigos 1.° e 2.°
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã, terça feira, 6 do corrente, sendo a ordem do dia a discussão do parecer n.° 98, que ficou pendente da sessão passada, e trata da organisação do serviço da pilotagem no porto de Setubal.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e um quarto da tarde.
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144 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Dignos pares presentes na sessão de 5 de março de 1383
Exmos. srs.: João de Andrade Corvo; Marqueses, de Penafiel, de Vallada, de Fronteira; Condes, de Alto, de Bertiandos, de Samodães, do Bomfim; Viscondes, da Arriaga, de Chancelleiros, da Grandarinha, de S. Juanario, do Seabra, de Villa Maior; Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Machado, D. Antonio de Mello, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Francisco Cunha, Henrique de Macedo, Larcher, Mártens Ferrão, Gusmão, Braamcamp, Castro, Reis e Vasconcellos, Ponte Horta, Mello Gouveia" Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes.