SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1887 263
Pelo que respeita á minha moção de ordem, o seu confronto com o periodo da resposta ao discurso da coroa, a que ella se refere, servir-lhe-ha, espero eu, de cabal justificação.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leu se na mesa e foi admittida a seguinte:
Moção
Proponho que no artigo que se refere á concordata se substitua o final, a contar das palavras «dignidade nacional», pelas seguintes palavras: «e a camara folgará de reconhecer que este documento diplomatico mantem o padroado portuguez em harmonia com as gloriosas tradições da nossa historia.» = Barbosa du Bocage.
O sr. Thomás Ribeiro (sobre a ordem): — Vejo bem agora que estamos celebrando exéquias, que não posso, infelizmente. Dizer solemnes, ao padroado portuguez no oriente!
A camara está compungida, e até o governo emmudece como em officio de trevas.
Levanta-se o ex-ministro iniciador da concordata, dirige perguntas graves e importantes ao seu successor, signatario da concordata, e o governo não tem uma palavra de resposta que dê ás suas perguntas, uma simples explicação ás duvidas que formulou, duvidas aliás fundamentadas e auctorisadas, como de quem são!(Apoiados.)
É que ao luto convem a mudez. Resigne-se o meu illustre collega e antigo companheiro de trabalhos no ministerio e tome como resposta o silencio do governo.
Com elle estou, como estive sempre, e ainda agora o acompanho nas palavras sentidas e patrioticas com que se dirigiu ao illustre arcebispo resigantario de Braga e antigo primaz do oriente: Não temos diante de nós uma vergonha nacional. Não temos; o que temos é uma grande macula para a historia, illustre por muitos titulos do pontificado de Sua Santidade Leão XIII, um remorso pungente para a sua consciencia e uma desillusão para as suas vistas como chefe da Igreja.
O que se nos apresenta é uma extensa e lisa mortalha ingente, longa, fria, sem bordaduras nem franjados.
Essa mortalha encobre um tumulo, diante do qual nos prostrâmos com saudade reverente e pungentissima, celebrando funebres officios, a que apenas assiste um prelado, um só, da igreja portugueza, pois que n’elles se recusam a officiar os outros prelados portuguezes!
Não são solemnes as exequias, porque falta aqui o nosso episcopado, aqui, onde tem logar de honra, aqui, onde faria renovar reverente as agradecidas saudações ao Santo Padre, por este beneficio que nos fez, e pedir contas ao governo pela censura com que reprovou o seu agradecimento. (Apoiados.)
Não são solemnes as exéquias, porque até o representante da Santa Sé se retira (retirava-se da tribuna diplomatia o sr. arcebispo de Sardia) e deixa só, a officiar, o sr. arcebispo primaz, resignatario. (Apoiados.)
Triste symptoma, sr. presidente, e facto deploravel! Trata-se de uma questão maxima para a honra nacional, e as galerias estão desertas, e até na sala se nota a. falta de muitos dignos pares; trata-se de uma questão eminentemente ecclesiastica e religiosa, e o episcopado portuguez deserta das suas cadeiras, e tendo louvado e agradecido a obra de Roma, recusa-se a defendel-a!
Continuemos nós a funebre commemoração, e não com apoucado animo, mas com o coração dorido e profundamente maguado.
Podia perder-se o padroado, mas era dever nosso honral-o, ao menos na sua morte, ao menos junto do seu jazigo funerario.
Sr. presidente, quando o paiz se não preoccupa com uma das nossas mais poderosas questões; quando os pares, a quem pela sua dignidade sacerdotal, cabia logar de honra n’este debate, se tornam assim notaveis pela sua ausencia; quando os clamores afflictivos das chistandades do oriente se repercutem n’uma solidão tão descaridosa e tão ingrata, não admira que o governo emmudeça diante das perguntas ou das arguições que lhes dirigem os seus adversrios.
Eu pertenço ao numero dos que se honram com o nome de portuguezes; pertenço ao numero dos que, acima de tudo, presta, culto á sua patria honrada, porque no dia em que ella não podér affirmar e aguardar ciosamente a sua honra, não a quero para nada. (Apoiados.)
Todos conhecem quaes são as minhas crenças, e até me têem sido ellas, por vezes, arguidas como exageradas. (Riso.)
A apreciação é livre; o que eu sou, acima de tudo, é respeitador e propugnador da dignidade, da gloria, da ventura, honrada sempre, do meu paiz e da nobreza e inteireza dos podres publicos que o representam.
Vou ler a minha moção de ordem, e peço aos dignos pares que a meditem.
Declaro que não tenho esta questão como politica, no sentido de partidaria, e que traduzo só nas minhas palavras uma opinião minha.
Se acaso rejeitarem esta noção que apenas affirma a necessidade de uma legalisação impreterivel e recorda um preceito constitucional, julgo-me no direito de pensar que se perdeu completamente entre nós a noção d ajustiça e do direito.
A minha moção não tem intuitos politicos, repito, e fiz a diligencia por dar-lhe a fórma mais benigna ou mais insuspeita:
«A camara, attendendo a que o artigo 10.º do primeiro acto addicional a carta, delimitou, quanto aos tratados, concordatas e convenções, as attribuições diversas essenciaes que pertencem ao poder legislativo e ao executivo;
«Considerando que a approvação dos tratados ha de anteceder necessariamente á sua ratificação a approvação do poder legislativo;
«Considerando que os tratados não têem mais que uma ratificação, e que os actos puramente executivos não carecem d’essa formalidade constitucuional;
«Confiando que o governo ha de cumprir o disposto no artigo 10.º do citado acto addicional de 5 de julho de 1852, passa á ordem do dia. = Thomás Ribeiro.»
Nós estamos perfeitamente fóra da ordem; nós estamos a discutir no incidente o que é preciso discutir essencialmente; estamos a discutir apenas uma referencia que se encontra na resposta ao discurso da corôa, quando forçoso se torna avaliar, detida e pausamente, todo esse documento; porque a verdade é que, segundo o que está expressamente estatuido na carta e no artigo 10.º do seu primeiro acto addicional, o governo não póde ratificar um tratado ou uma concordata sem a prévia approvação das côrtes.
EU disse ha dias ao sr. Ministro dos negocios estrangeiros qual, n’esta hypothese, a minha opinião, e pedi-lhe que m’a contrariasse, se podia S. exa. não respondeu, e creio que não responde hoje tambem, ao menos satisfactoriamente.
Mas ha de responder-me a camara, porque desde já requeiro que a votação seja nominal sobre a minha proposta. Ha de responder-me a camara, visto que o governo me não responde, e ha de responder dignamente porque eu não sei fazer injuria aos homens que aqui se sentam.
Vou defender a minha moção, ou antes, vou fundamentar a minha moção.
Não tenho que a defender, porque ninguem a atacou.
O governo perdoe-me; mas desde a sua entrada no poder tem manifestado sempre a sua má vontade ao poder legislativo.
Pois faz mal, porque os triumphos ephemeros da dictadura passam depressa, e o governo, se não se mantiver nos principios constitucionaes, se não respeitar os outros po-