264 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
deres do estado, nem fará obra de gloria, nem concluirá obra de proveito.
Desde que entrou o actual gabinete, que alcançou o direito de ser governo nas pugnas gloriosas da tribuna parlamentar, todos os dias successivamente tem pretendido desconsiderar e amesquinhar o poder legislativo. E eu apontaria apenas dois ou tres documentos, bem frizantes e significativos, do seu irrespeitoso desdem.
V. exa. ha de lembrar-se que uma das suas primeiras medidas, intituladas de economia, foi desdizer e contrariar o que tinha determinado a camara dos senhores deputados a respeito de umas commissões por ella eleitas para trabalhos, não sei se de muita se de pequena significação, alguns de conhecida conveniencia, durante as ferias parlamentares. E os commentarios que fez a sua imprensa mostram bem o profundo desprezo que elle desde o principio tem pelas côrtes da nação portugueza.
Não averiguarei agora se havia abusos da parte das camaras; haveria, mas estamos acostumados a ver respeitadas as suas deliberações, até hoje, por todos os governos. O actual podia, sem faltar ao respeito devido ás côrtes, apresentar uma proposta de lei ou pedir a algum amigo seu que a apresentasse para cohibir, taes abusos, se os havia. Preferiu seguir o caminho mais significativo do seu desprezo.
Depois d’isso, no grande volume de medidas dictatoriaes ha uma, só uma, que se decreta, inculca e fundamenta, no intento de fazer uma economia, mesquinhissima economia aliás: é a reforma que diz respeito ao poder legislativo, reforma que reduz a quatro mezes improrogaveis as sessões das camaras; improrogaveis, não no trabalho, mas nas ajudas de custo aos senhores deputados! Já são reformadores!
Agora apresenta uma concordata que fez, approvou e ratificou, usurpando as exclusivas faculdades de outro poder, como podia ter feito. .. Não quero faltar ao decoro que é devido a esta camara, e prescindo da, comparação.
O poder executivo, pelo seu quero, posso e mando — approva e ratifica um tratado com a Santa Sé. E depois, note v. exa., que ha a circumstancia aggravante de nem sequer vir a approvação da concordata mencionada como acto da dictadura.
Nem isso. O governo leva tão longe o seu desprezo pelas attribuições do parlamento, e até, seja dito á puridade, pela validade do seu tratado, que nem pede para elle o bill de indemnidade!
. Pois, era-lhe facil, era-lhe mesmo commodo, era mais que tudo isso — util, — não repetindo por desnecessario que lhe era essencial, pedir, para aquella usurpação de faculdades, bill de indemnidade. Quem pede por cem pede por cento e um; em todo o caso salvava-se uma das prerogativas do poder legislativo e validava-se um acto importantissimo, que já produziu, imprudentemente, effeitos de execução, sem poder defender-se da imputação de irrito e nullo.
Não se fez porque ha o proposito firme de desconsiderar o parlamento, desconsideração contra a qual terei sempre o cuidado de protestar.
Na menção dos factos que provam a sanha do governo contra o parlamento, não fallo nem quero fallar do mandado recente de prisão, mandado que o governo passou contra um deputado, em flagrante delicio, depois de passados tres quartos de hora, e prisão effectuada depois de cinco.
Não fallo, que para nós agora essa questão acabou.
Sr. presidente, vou mostrar á camara que á concordata precisa de ser approvada pelo poder legislativo, e para isso vou ler o seguinte na propria concordata.
Logo no periodo inicial:
«Sua Santidade... e Sua Magestade Fidelissima... têem resolvido fazer uma concordata. (Estou lendo no Diario do governo de 28 de julho de 1886, n.° 167, paginas 2:004) nomeando para esse fim dois plenipotenciarios, etc.»
E no artigo, 12.°
«O presente tratado... será ratificado pelas altas partes contratantes e as ratificações serão trocadas em Roma dentro de tres mezes.» . ...
É ou não um tratado ou concordata este diploma a que se refere a minha moção? Não estão ahi as condições essenciaes de um tratado? Plenipotenciarios; designação expressa de que são para fazer uma concordata os plenos poderes, e necessidade de ratificação pelas altas partes contratantes? Ninguem o póde negar. E ainda o negociador portuguez lhe chama nova concordata a paginas 2:008 do mesmo Diario; ainda no começo do § 4.° da sua Memoria, paginas 2:009.
Se é um tratado, ou uma concordata, que requisitos legaes e essenciaes exige para valer e executar-se?
Ser approvada pelas côrtes (artigo 10.° do acto addicional de 5 de julho de 1852) e depois de approvada pelas côrtes ser ratificada pelo poder executivo.
Fazer uma concordata, não é executar uma velha concordata, e por isso eu peço á camara que não deixe progredir esta discussão antes da concordata aqui vir, como deve vir, para ser discutida é approvada. Assim o exige terminantemente a lei fundamental da monarchia.
Estes diplomas eram discutidos em sessão secreta, mas veiu a lei de 2 de maio de 1882 ordenar que por via de regra a discussão tenha logar em sessão publica.
Na discussão d’essa lei ficou bem affirmado que o artigo 10.° do acto addicional é materia constitucional quanto ao preceito que delimita as attribuições dos dois poderes e só o não era o processo da execução d’aquelle preceito. Como ousa o governo contrariar assim uma disposição0con-stitucional?
Como póde a Acamara consentir-lh’o?
Se a concordata de 23 de junho de 1886 é apenas a execução da outra de 21 de julho de 1857, a que vem a ratificação das altas partes contratantes? Actos exclusivos do poder executivo fundados em auctorisações legaes não carecem de ratificação.
O governo é, pois, contradictorio no seu proceder, como tambem na sua argumentação.
E não é só aqui, n’este diploma, que se considera nova concordata esta de 23 de junho de 1886; em todo o Livro branco assim a considerou o governo e o nosso illustre negociador. Em officios, em notas, em telegrammas sempre a idéa prevalecia de que o parlamento tinha de approvar antes da ratificação.
Esta era, nem podia ser outra, a idéa do nosso embaixador em Roma, a cujo caracter e qualidades, a cujo saber e a cujo patriotismo eu faço justiça e de quem sou amigo antigo. Era esta a idéa do governo que lhe pedia incessantemente apressasse a conclusão d’estas negociações por que se ía reunir o parlamento, a quem ellas tinham de ser submettidas.
Para que vem então agora este sophisma transparente, esta subtracção injustificada, aos direitos do parlamento, e ás suas obrigações?
Mas, sr. presidente, vamos ver agora pelas mesmas disposições das duas concordatas se effectivamente esta é ou não, e na sua essencia, um tratado novo.
Por esta concordata nós ficâmos com a archidiocese de Goa, e n’ella, suas suffraganeas, com as dioceses de Cochim, de S. Thomé de Meliapor e com a de Damão e Cranganor; tres dioceses, exclusivamente, suffraganeas de Goa; emquanto pela concordata de 1857 nós tinhamos: a sé primacial de Goa e as dioceses suas suffraganeas, Cochim, Cranganor, Meliapor, Malaca e Macau, que agora fica independente; e tinhamos alem d’estas, uma que havia de fundar-se de accordo com a Santa Sé. Será o mesmo tres dioceses que seis dioceses? E tinhamos alem d’isto na India e na China, exceptuando Hong-Kong, Poulo-Pe-