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263 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a Roma apresentar ao Santo Padre as supplicas desesperadas d’aquelles desprotegidos.

Ao Santo Padre, sr. presidente, não deve desagradar este procedimento, bem o comprehende, mas desagrada-me a mim, escandalisa-nos a nós. Fallaremos, quando houvermos de discutir a concordata. Não hoje.

Tanta deferencia com Roma, e tão mal retribuida, tanta côrtezia paga, quantas vezes P com ousada insolencia da parte dos padres de Roma, obriga-nos a estar menos curvados, que não menos reverentes, ante o chefe da Igreja, quando se falla de governo a governo; e eu por mim tomo esta precaução e assumo desde já este direito, em vista do que se le num curioso documento publicado no Livro branco. Tomemos a lição, que é auctorisada. Os ministros de Portugal não são servos submissos de ninguem, no exercicio das suas funcções; e até nas arguições que lhes dirijo, se zelo a nossa, zelo tambem à sua dignidade.

O Livro branco deve ficar nos archivos de Portugal para lição de ingenuos e exemplo a futuros plantadores da vinha do Senhor.

Tambem póde ficar para documento dó muito que fizemos na fundação das nossas glorias è depois na sua defeza, que dura ha dois seculos!

Neste livro, sr. presidente, ha cousas que eu não teria publicado, referencias e particularidades que têem logar durante as negociações dos tratados em côrtes estrangiras, informações particulares e minudencias intimas, que eu nunca publicaria, ou publicaria por extracto.

E apesar d’isso o sr. ministro dos negocios estrangeiros usa por vezes de reticencias, de mysterios taes nas suas respostas, que ainda prejudicam mais que as inconveniencias ou inconsiderações da publicação. Desde já prometto que, embora deva ter logar a discussão dós tratados pela carta de lei de 1882, em sessão publica, hei de pedir uma hora de sessão secreta para então o sr. ministro nos explicar todas essas reticencias e todos esses tenebrosos mysterios.

S. exa., quando hontem nos fallava com essas reticencias e nos queria fazer sentir que por traz da Santa Sé havia alguma entidade que nos podia molestar, estava-nos envergonhando. Bem devia s. exa. saber que nós não costumámos ser medrosos. (Apoiados.}

Apreciando a concordata, quando vier á discussão, sr. presidente, hei de fazer o possivel para dizer o que tenho a dizer sem esquecer o respeito que devo ao Summo Pontifice, como pae de todas as christandades, posto que para nós, Sua Santidade tenha sido mais padrasto do que pae, e a respeito de quem o acolytar n’esta cruzada contra Portugal.

E direi desassombradamente, tanto quanto devo dizer, porque a Santa Sé assim mo aconselha, ou assim me auctorisa a proceder, n’este inolvidavel Livro branco.

Aqui somos arguidos da côrtezia submissa com que tratamos a Santa Sé ao passo que injuriámos a propaganda, que nada Jaz senão por ordem ou conselho do Santo Padre. Isto impõe-me o dever de dirigir-me sempre á Santa Sé e de a julgar unica responsavel de todo o mal e de. todos os damnos que tem padecido, ha seculos, o padroado portuguez no oriente. E fal-o-hei com o desassombro proprio do logar que n’esta casa me compete.

Eu bem sei que o Summo Pontifice faz tudo isto por bondade, pois que elle é o continuador de Chiisto, e Christo viveu tambem com gente má. Perdoou á Magdalena, atravessou-se diante dos que queriam apedrejar a adultera e bebeu água da bilha dá Samaritana.

Era a sua bondade divina que o levava a proteger os delinquentes e os excommungados; hão admira que o seu vigario lhe siga o exemplo.

Voltemos ás festas da semana santa em Ceylão.

Emquanto com esta pobreza oravam os nossos christãos do padroado, commemorava-se à paixão com muitas luzes, muita riqueza, muitissima pompa nas igrejas da propaganda; e porque appareceram uns christãos que não sabiam orar a Deus senão na lingua portugueza, os padres propagandistas revoltam-se contra elles, trava-se lucta violenta e os portuguezes de Ceylão, como orgulhosos se appellidam, são maltratados e expulsos do templo pelos vendilhões. Christãos contra christãos, todos catholicos, dando este escandalo a protestantes e gentios, é deploravel, mas é logico.

Tenho aqui um livro escripto e publicado no chamado portuguez de Ceylão, livro que é um monumento de gloria para Portugal. Estivemos em Ceylão menos de um seculo; tomaram-nos à ilha os hollandezes, que tentaram por mil modos e com a tenacidade que lhes é propria extinguir ali o cathblicismo. Vieram depois os inglezes e tentaram fazer prevalecer a sua lingua; à propaganda lucta ha longos annos por extinguir os vestigios da lingua portugueza; pois esta biblia é portugueza e esta edição é de 1833. Mal a entendemos nós, é verdade, mas é portugueza. E por ella que os nossos christãos foram orar na igreja dá propaganda é por causa d’ella foram de lá expulsos. E de ser portuguezes se ufanam, que não só de serem christãos do padroado.

E não querem que nos dôà esta perda, que parece uma ingratidão?

Ainda ha pouco uma briosa nação nossa vizinha se levantava toda como um só homem, porque de uma pequenissima é longinqua colonia sua, que mal possuia e escassamente conhecia, pareceu querel-a desapossar outra nação dá Europa. Esse impulso patriotico, esse protesto unanime e espontaneo salvou o seu direito e poz do seu lado b Santo Padre; e nós? Nós assistimos indifferentes a este espectaculo miserando e deixámos de braços cruzados que até o direito de pedir se suspenda) em ultrage manifesto ás leis fundamentaes da monarchia!

Isto não póde ser.

O governo póde tentar o ultrage, a camara não lh’o póde consentir. E se a camara ousar querer passar por cima d’aquelles que advogam uma causa tão patriotica e tão justa, levantaremos bem alto a cabeça para que essa iniquidade nos não attinja.

Quando os padroadistas de Ceylão entregam a um commissionado seu a sua procuração e o encarregam de manifestar ao governo portuguez os seus aggravos e as suas supplicas, este governo na sua anciã de tudo. prohibir, a nhã prohibido o direito de petição!!

A uma pergunta que a este respeito dirigi ao governo respondeu o sr. ministro da fazenda que as portas do paço dos nossos Reis nunca estiveram nem estavam fechadas, nem aos christãos do oriente nem aos do occidente. Esqueceu-lhe acrescentar que p sr. ministro dos negocios estrangeiros havia gravado sobre essa porta com mão ousada e sacrilega um verso do Inferno de Dante:

«Deixae cá fóra a esprança é vós que entraes!»

Fazem-nos um crime da nossa humilde reverencia para com o Santo Padre; acho estranha a advertencia. Christo em ser humilde mostrava a sua divina essencia.

Mas Christo, certamente; quando se atravessou, entre os apedrejadores e a adultera, arriscou-se a ser lapidado, sem intenção dos que a castigavam, certamente.

Eu não hei de apedrejar ninguem mas póde ser que as minhas palavras quando discutir a concordata vão ferir o Santo Padre, visto que se interpõe nas contas que temos a ajustar com a propaganda.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Qual é a nota a que o digno par se refere?

O Orador: — Parece-me que a referencia a que alludo vem proximamente á paginas 61 no volume 2.° do Livro branco.

Não tenho aqui o livro, mas lembro-me de que é num memorandum da Santa Sé que se diz isto.