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N.º 18
SESSÃO DE 27 DE MAIO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa
Secretarios — os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. — Não houve correspondencia. — Ordem do dia: continuação da resposta ao discurso da coroa. — Usa da palavra o digno par Barbosa du Bocage, que termina o seu discurso, mandando para a mesa uma proposta. — Usa da palavra largamente o digno par Thomás. Ribeiro, que termina o seu discurso, mandando para a mesa uma moção. — O sr. ministro dos negocios estrangeiros responde ao digno par que o precedera. — O sr. presidente observa aos dignos pares que já deu a hora.— O sr. conde de Castro manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda, approvando o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados. Mandou-se imprimir. — O digno par Hintze Ribeiro estranha que o sr. presidente continuasse a sessão sem consultar a camara, tendo dado a hora. — O sr. presidente responde á observação apresentada pelo digno par, e seguidamente levanta a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã, 28, a continuação da de hoje.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 37 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa
O sr. Presidente: — Como nenhum digno par pede a palavra para antes da ordem do dia, vae passar-se á continuação da discussão da resposta ao discurso da corôa.
Tem a palavra o digno par o sr. Bocage.
O sr. Bocage: — Sr. presidente, vou mandar para a mesa a minha moção, que é uma proposta de substituição ao periodo da resposta ao discurso da corôa, que se refere á concordata. A minha moção é a seguinte.
(Leu.)
Nas observações que tenho de apresentar, abster-me-hei completamente de apreciar a resposta ao discurso da coroa,- porque a voto como uma simples manifestação de respeito para com o chefe do estado. Não a discuto, e é esta a resolução unanimemente adoptada pelos membros da opposição regeneradora, de que tenho a honra de fazer parte. Cingir-me-hei ao assumpto que aqui se tem debatido, isto é, ao exame da concordata assignada e ratificada pelo actual ministro dos negocios estrangeiros.
Ao entrar n’esta questão, cumpre-me declarar que assumo toda a responsabilidade que me compete como iniciador das negociações e seu continuador até ao momento em que a Santa Sé apresentou a proposta que serviu de base á actual concordata. Esta responsabilidade pertence-me pelo cargo que então exercia, fazendo parte do ministerio regenerador, mas d’ella partilham tambem os meus collegas n’esse ministerio e estou seguro de que nenhum se recusará assumir a parte que lhe compete. (Muitos apoiados.)
As considerações, porém, que hoje, tenciono apresentar á camara, a apreciação que vou fazer do procedimento do actual governo, em relação á concordata, tudo que disser com respeito a este assumpto, é só da minha exclusiva responsabilidade.
Não me sujeito aqui a nenhuma especie de disciplina partidaria, porque, no meu conceito, este assumpto é completamente estranho á politica e não envolve responsabilidades partidarias. Mas, por isso mesmo que a minha opinião é individual e livre de toda a influencia partidaria, é claro que o seu enunciado não tolhe aos dignos pares da minoria regeneradora o direito de terem opiniões diversas ou contrarias.
Este assumpto, sr. presidente, é daquelles que precisam ser estudados com muita reflexão e discutidos com muita serenidade; até me parece necessario que evitemos toda a exageração nos termos de que nos servimos, para não auxiliarmos com as nossas exagerações o desvairamento da opinião.
Em assumptos d’estes não se deve procurar fazer vibrar a corda do sentimento popular.
Eu, sr. presidente, tratarei, portanto, este assumpto, com a serenidade de animo que devem ter todos aquelles que o desejem discutir, e com a sinceridade de que deva usar todo o homem de bem, como eu me prezo de ser.
Disse, sr. presidente, que era preciso muita cautela, até nos termos, ao tratar desta questão. Effectivamente assim é.
Diz-se, sr. presidente, que o padroado é o mais valioso padrão das nossas passadas glorias portuguezas, que é um monumento que precisa ser conservado com a maxima reverencia.
Associo-me a esta apreciação, comtanto que se comprehenda bem o sentido figurado de taes palavras,
Tomadas, porém, ao pé da letra, considerado o padroado como um monumento das nossas antigas glorias, então como monumento precisaria ser conservado intacto, não se lhe poderia consentir o mais pequeno cerceamento ou mutillação, que seria uma deshonra para o paiz e um motivo de vituperio para quem o consentisse.
O padroado da corôa de Portugal é, não um monumento, mas um privilegio singularissimo (e não duvido occultar a qualificação da Santa Sé, interpretando-a diversamente), é um previlegio singularissimo, alcançado com largo despendio de oiro e de sangue portuguez em tempos já bem afastados.
Esse privilegio, concedido pela Santa Sé aos Reis portuguezes, dava-lhes o direito demandarem missionarios e de estabelecer igrejas nas vastas regiões do oriente pela mesma fórma por que as estabeleciam no reino,
Este privilegio foi reconhecido pela Santa Sé, e durante o tempo em que nós exerciamos a preponderancia absoluta em todo o oriente, usufruimol-o em toda a sua plenitude.
As difficuldades sobrevieram depois á medida que se foi accentuando a nossa decadencia, promovendo-se em epochas mais recentes a completa extincção do padroado, com o principal argumento da insufficiencia dos nossos recursos, para o exacto cumprimento das obrigações, inherentes ao exercicio dos nossos direitos.
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Não tendes, nos repetia constantemente a Santa Sé, recursos pecuniarios sufficientes, nem pessoal adequado, para cumprirdes exactamente as vossas obrigações como padroeiro num territorio immenso, não inferior ao de toda a Europa.
O dominio que exerciamos nas Indias orientaes passeara para as mãos da Inglaterra, e este facto imprimiu no nosso padroado uma feição especialissima: exerciamos em territorio de uma potencia estranha funcções consideradas geralmente como inherentes ao direito da soberania.
Havia da parte da Inglaterra um grande respeito por convenções antigas, e sobretudo uma grande soberania benevola, que seria impossivel talvez obter de qualquer, outra nação. Desta singularidade da nossa posição, a que me acabo de referir, quiz ainda ultimamente prevalecer-se contra nós a Santa Sé.
O periodo decorrido desde 1834 a 1857 foi, como todos sabem, o periodo agudo das nossas discussões da propaganda no nosso padroado..
A esta lucta violenta, que não preciso historiar, é que veiu pôr termo, a concordata de 1807, que tem sido alvo de censuras, a meu ver, em grande parte immerecidas.
A concordata de 1857 teve, em meu humilde conceito, o grande merecimento de pôr termo á situação violenta em que nos encontravamos, e levou ao mesmo tempo a Santa Sé ao reconhecimento de direitos que nos contestava e a cujo exercicio se oppunha deliberadamente.
Houve esse reconhecimento explicito dos nossos direitos.
A concordata de 1857 mantem integro o nosso padroado nas Indias orientaes.
Accusa-se sim com melhor fundamento o negociador daquelle importante tratado por não haver acautelado sufficientemente a fiel execução das suas clausulas, deixando-a dependente da circumscripção das dioceses- e consentindo que o arcebispo primaz não ficasse desde logo na plena posse da sua jurisdicção metropolitica sobre todas as igrejas sujeitas ao nosso padroado. Contra a concordata de 1857 levantaram se desde logo suspeitas, que infelizmente se virificaram depois, ácerca da sinceridade das intenções da Santa Sé.
É preciso confessar, que houve uma confiança demasiada na Santa Sé, confiança que a principio pareceu justificada, pela promptidão com que nomeou um commissario para a circumscripção das dioceses; mas que os seus actos ulteriores desmentiram completamente.
Admittira-se a principio que o praso de tres annos seria suficiente para a circumscripção das dioceses, é para este periodo concedera a Santa Sé uma jurisdicção extraordinaria ao arcebispo de Goa nos logares comprehendidos no statu quo isto é, nas igrejas do padroado em territorio estrangeiro; depois concedera a Santa Sé mais tres annos por se reconhecer insufficiente aquelle praso, e nas notas reversaes estipulou se claramente que a referida delegação das, faculdades extraordinarias, continuaria por todo o tempo necessario até á conclusão final da circumscripção. Por esta fórma se proveu de remedio ao perigo que deixámos apontado; e por esta fórma póde a concordata de 1857 manter illesos os nossos direitos, a despeito dos continuos esforços da propaganda em favor de uma expoliação violenta e iniqua.
Releve-me a camara este rapido esboço historico de factos que me pareceu conveniente recordar para mais segura apreciação da concordata de 1886.
É n’essa apreciação que vou entrar.
Eu desejo ser o mais breve possivel para não cansar a attenção da camara.
Ao, iniciar-se a negociação invocou a Santa Só as mesmas rasões que haviam invocado contra o nosso padroado anteriormente á concordata de 1857, mas que parecia ter abandonado pelo facto de haver formado esta concordata.
Esquecendo os seus compromissos, vinha de novo a Santa Sé declarar que não podia consentir na prorogação da situação actual, e que a jurisdicção extraordinaria sobre as dioceses que estavam por demarcar não seria mais concedida alem de um anno para umas e de seis mezes para as outras.
Foi assim, que começaram as negociações.
Não me cabe a mim apreciar desde já a marcha d’essas negociações, de que assumo a completa responsabilidade. Aguardarei que sejam censurados os meus actos para me defender.
Somente direi que a minha responsabilidade está claramente definida em uma proposta que procurava conciliar os direitos incontestaveis do padroado com os interesses legitimos da Santa Sé e que por isso me pareceu que podia ser acceita por Sua Santidade. Esta proposta é a que se acha consignada a paginas 147 do 2.° volume do Livro branco.
N’ella se acham exaradas em termos precisos e claros as instrucções que o nosso embaixador havia recebido do governo portuguez.
O pensamento fundamental d’esta proposta era manter na nossa jurisdicção as christandades do padroado e fazer a circumscripção das dioceses por forma que abrangessem as nossas igrejas. Essa circumscripção devia ser territorialmente feita.
Reconhecendo as difficuldades que haveria para sujeitar á nossa jurisdicção christandades e importantes, estabelecimentos que estavam na posse da propaganda, o governo portuguez entendeu poder ir até á concessão de que essas christandades continuassem sujeitas á propaganda, sob a fórma de isentos, mas dentro dos limites jurisdiccionaes das nossas dioceses.
Esta era a concessão que se fazia e que ao governo portuguez pareceu que não podia deixar de fazer, depois de haver attentamente considerado alguns dos muitos alvitres apresentados para se chegar a accordo com a Santa Sé. Entre esses alvitres devo mencionar especialmente os que se comprehendem n’uma Memoria que já aqui tem sido citada por vezes, sempre com louvor, e que realmente o merece.
É a Memoria publicada pelo benemerito arcebispo resignatario de Braga, que foi tambem arcebispo primaz do oriente. Tenho a satisfação de o ver presente.
N’essa memoria já se consideravam as difficuldades que havia, para se obter uma circumscripção vantajosa ás nossas dioceses suffraganeas, uma vez que por qualquer modo se não conseguisse trazer a accordo a propaganda, possuidora de estabelecimentos importantes, cuja expropriação não seria por ella nem pela Santa Sé facilmente consentida.
Não tenho tambem a menor duvida em declarar, com a maxima franqueza, e lealdade, que, comquanto reservasse na mencionada proposta o direito, do governo declarar, ácerca da creação das dioceses a que se refere q artigo 14.° da concordata de 1857, se a quer. ou não dotar nos termos da, mesma concordata, eu entendo que por considerações obvias o governo portuguez não deveria, e mesmo não poderia, usar de similhante direito. Entendi, pois, que deveriamos limitar, o padroado ás quatro dioceses suffraganeas.
Não quero apreciar, com um qualificativo qualquer a actual concordata; mas cumpro um, dever de consciencia declarando que, embora eu tenha de fazer alguns reparos, de oppor considerações que me parecem, valiosas ao procedimento do governo, não me parece que a este documento se possa considerar um acto deshonroso para o governo.. (Apoiados.)
Tenho o maior respeito pelo caracter, do illustre prelado, que proferiu estas palavras, aprecio altamente os serviços por s. exa. prestados ao seu paiz; mas creio que foi n’um momento de irreflexão, natural effeito da sua mágua, por ver fora do padroado christandades que lhe eram tão affectas, que por todos os modos procuravam conservar-se nelle, creio que foi só como expressão d’essa mágua que a s. exa. escapou uma qualificação tão excessivamente severa, diria, mesmo tão cruel e tão immerecida.
Nem o nobre ministro dos negocios estrangeiros, nem o
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nosso embaixador em Roma, firmariam com os seus honrados nomes um documento deshonroso para o nosso paiz.
Quero para mim toda a responsabilidade de haver escolhido para negociador de um tão arduo accordo, e em tão difficeis circumstancias, como. eram as que se apresentaram no começo da negociação, o sr. conselheiro Mártens Ferrão; tive e tenho por excellente a minha escolha, porque o sr. Mártens Ferrão, com uma larga vida de serviços relevantes prestados ao seu paiz, como jurisconsulto, como funccionario e como estadista, era precisamente a pessoa que melhores condições, offerecia para o bom desempenho de tão difficil missão.
A opinião, publica, a mais auctorisada, designava-o para ella como o mais competente. (Apoiados.) Essa escolha cabe á minha inteira e completa responsabilidade, e com isso me ufano, porque me julgo auctorisado a dizer que o sr. Mártens Ferrão não punha a sua assignatura em um documento que importasse deshonra ou desaire para o paiz a que elle tem constantemente prestado assignalados serviços, honrando o sempre com o seu talento, com o seu patriotismo e com a sua inquebrantavel força de vontade. (Apoiados.)
Permitia-me, pois, a camara, que eu, inteiramente convencido, da verdade das minhas asseverações, aproveite a occasião, para deixar consignado o profundo, pezar que experimentei ao ouvir qualificado de deshonroso, um documento, onde se acham consignados os resultados dos esforços d’este dignissimo funccionario.
Para se avaliarem as difficuldades da lucta que o nosso embaixador sustentou e os esforços intelligentes e energicos que teve de empregar para alcançar os resultados que vejo avaliar com immerecida parcialidade e injustiça, bastará que se confronte a primeira proposta da Santa Sé, exarada a pagina 6.ª do 2.° volume do Livro branco, com a proposta definitiva da Santa Sé que serviu de base á concordata de 1886.
Não se conclua porém, das minhas palavras que eu me conforme, inteiramente com todas as disposições e com os termos da nova concordata, nem que approve o modo por que, se procedeu, á sua ratificação.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros referiu-se aos esforços empregados pelo governo com. o intuito de levar a bom termo esta difficil negociação; mas eu, pela força dos factos, e pelos dictames imperiosos da minha consciencia, sou forçado a dizer bem alto que não posso concordar na precipitação com que se poz termo á negociação, e vou ser renamente, e terra a terra, analysar a concordata e fazer sobre ella algumas considerações.
Antes de tudo cumpre-me dizer ao illustre ministro dos negocios estrangeiros e meu antigo amigo, que, nas observações que vou fazer, procurarei ser sempre justo, e que em algumas d’ellas lhe darei os testemunhos de louvor que lhe são devidos.
Ao illustre. ministro repugnou a redacção de algumas das disposições que eu condemno.
S. exa. desejou, ou propoz, certas modificações; mas a verdade é que não teve a firmeza que eu entendo que era preciso que tivesse, para levar á realisação os seus intuitos.
Eu bem sei, sr. presidente, que nesta occasião, em presença de circumstancias que julgo desnecessario referir, não era possivel levar as nossas exigencias alem dos limites que nos impunham o nosso decoro e os nossos interesses bem comprehendidos; mas cumpria tambem não ficar aquem.
Era, bem o sei, o Summo Pontifice, quem mui especialmente se occupava da negociação, e Sua Santidade mostrava o maximo empenho em a ver concluida.
Tambem não deve esquecer que o Summo Pontifice, pela sua elevada posição, pelas suas eminentes qualidades, tinha conquistado um grande predominio e influencia na politica europea, mas essa mesma situação, o facto de lhe ter sido conferida a elevada missão de arbitro em difficeis questões politicas, esse juizo imparcial e superior a todas as paixões que manifestara na resolução de difficeis pleitos internacionaes, todas essas qualidades deveriam ser-nos segura garantia de que saberia attender as nossas justas reclamações é forte incentivo para insistir n’ellas.
Perguntarei ao nobre ministro dos negocios estrangeiros: Que rasão houve para não conservar no artigo 1.° da nova concordata os mesmos termos que estavam no artigo correspondente da antiga concordata?
Porque se falla aqui em concessões e se supprime o direito?
(Leu.)
Porque é que se alterou a redacção d’este artigo?
(Continuando a leitura.)
N’estas palavras póde estar alguma intenção reservada, póde não estar; mas convinha insistir pela conservação da antiga redacção.
O artigo 2.°, no seu final, não deixará ao Summo Pontifice a faculdade de annullar a concessão que ali se assigna?
(Leu.)
O artigo 4.° foi modificado. Supprimiu-se o final do mesmo artigo no projecto definitivo, e supprimiu-se bem, a instancias do nobre ministro. Assim como está, parece-me superfluo. Se o não é, não o entendo e torna-se-me suspeito.
No artigo 5.° não encontro formulada a obrigação de prover as igrejas portuguezas das dioceses não suffraganeas do arcebispo de Goa em padres portuguezes, em termos que assegurem o exacto cumprimento d’esta obrigação. Entende o nobre ministro que não haveria modo de assegurar melhor o exacto cumprimento desta estipulação?
O artigo 6.° diz o seguinte:
(Leu.)
Pergunto eu, teve o illustre ministro tempo e occasião de verificar se a instituição das outras dioceses, das dioceses da propaganda, obedece ás mesmas prescripções, está sujeita aos mesmos encargos? Pois não lhe cumpria averigual-o antes de mandar assignar a concordata?
No artigo 8.° diz-se:
(Leu.)
Haveria motivo que determinasse a fazer-se esta concessão á Santa Sé?
Poderia o primeiro provimento das quatro dioceses de Bombaim, Mangalor, Ceylão e Madure fazer-se por outra forma mais de accordo com o espirito e a letra do artigo?
O principio fundamental do artigo era que, nas quatro mencionadas disceses a nomeação dos bispos seria feita sobre proposta do padroeiro.
A parte porem mais importante, aquella que de certo deveria merecer maior cuidado ao governo, e que foi causa do não cumprimento da concordata de 1857, é a circumscripção das dioceses. Essa circumscripção não está bem definida nos diversos numeros do annexo á concordata. Aqui estou plenamente de accordo com o illustre arcebispo resignatario de Braga.
A circumscripção das dioceses só póde ser feita territorialmente. Na concordata de 1886 as dioceses estão difinidas em parte territorialmente, em parte não. Ha mesmo uma que eu duvido muito que esteja demarcada territorialmente; é a de Cochim.
Não me refiro á archidiocese de Goa, quasi toda em territorio portuguez e que abrange tambem territorio estrangeiro continuo. Contra a demarcação acceita havia porem a objectar a exclusão do varado de Saunt-Wary e das nossas christandades de Poonah, que só mais tarde e como favor especial se recuperaram. Nas dioceses porem de Damão e de S. Thomé de Meliapor ha uma parte demarcada territorialmente e continua e alem d’isso incluem se n’ellas igrejas situadas dentro dos limites das dioceses da propaganda, assumindo por conseguinte n’estas a situação de isentos. Póde o nobre ministro convencer-se por um exame attento e seguro de que nada havia a reclamar, nenhuma
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melhoria a exigir em relação ás demarcações territoriaes d’estas duas dioceses, e sobretudo em relação á segunda, a diocese de Meliapor, que parece reduzida, pela, inspecção do mappa das Indias, a duas exiguas porções de territorio, emquanto que as dioceses confinantes da propaganda têem extensos dominios territoriaes?
E a diocese de Cochim?
Essa comprehende, alem da cidade1 de Cochim, uma lista de nomes. A que correspondem esses nomes? São aldeias, são igrejas? São povoações confinantes ou dispersas? Se são confinantes, porque se não mencionou o districto ou districtos em que se comprehehdem, como se fez para as outras dioceses?
Não são confinantes?
Então a quem fica1 sujeito o territorio intermediario?
Não encontro, sr. presidente, a, maior parte desses nomes mencionados na concordata n’uma carta da India ingleza, que pude consultar; tambem noto que esses nomes não correspondem aos das igrejas ou christandades mencionadas no annuario da India.
Daqui resulta que fico ignorando absolutamente como é constituida a diocese de Cochim.
Foi o nobre ministro dos negocios estrangeiros mais feliz do que eu?
Considero, pois, defeituosa a circumscripção das dioceses e quizera que se tivesse sido menos solicito em approval-a.
O sr. Ministro dos Negocios Estranheiros (Barros Gomes): — N’esse ponto está tudo exactamente como v. exa. tinha admittido, e que se vê na pagina 168 do Livro branco.
O Orador: — Estava proposto; mas não definitivamente acceito.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Perdão, foi acceito em principio.
O Orador: - Estava por mim acceito em. principio que fóra da sua circumscripção. territorial, ás dioceses ficassem annexas outras igrejas portuguezas situadas, fóra da demarcação.
N’isso concordo com o illustre ministro, que me interrompi mas o que não estava acceito era que a circumscripção territorial de cada diocese fosse essa, que depois
se acceitou.
Com esta concessão attendia-se á impossibilidade de comprehender n’uma dada circumscripção todas as igrejas do padroado em territorio inglez, que devessem pertencer-lhe.
Foi isto o que eu acceitei em principio.
Carece, como disse, do algumas explicações este ponto.
Tem o illustre ministro conhecimento exacto da demarcação das dioceses da propaganda que alternam com as nossas dioceses?
Pois esse conhecimento parece me essencial e indispensavel.
Sabe. o illustre ministro o que e a demarcação da diocese de Cochim?
Póde acaso affirmar que foram uma diocese perfeitamente continua e bem definida?
E se assim é, porque se não indicou em termos precisos, com demarcações territoriaes, os limites d’essa diocese e só apparece apenas no annexo á concordata uma lista de localidades?
O illustre ministro justifica e encarece os resultados da negociação pelo numero de individuos de que se Compõem as christandades que ficam sob a nossa jurisdicção.
Não basta porém, dizer que cada uma das nossas dioceses iica.com 70:000, 80:000 ou 100:000 almas. O que é absolutamente necessario é que abranja na area da sua circumscripção o maior numero possivel das christandades que lhe são sujeitas, por fórma que a jurisdicção diocesana possa ser exercido de modo mais util e conveniente.
Duvido que se possa affirmar que assim se fez, tanto mais que o illustre arcebispo resignatario de Bragado contesta positivamente.
Julgo ter justificado a minha asserção, de que houve demasiada pressa em fazer assignar a concordata.
Com algumas instancias mais, talvez se conseguisse uma melhor demarcação das dioceses e não se teriam perdido as christandades que ficaram excluidas do padroado.
Para isto bastava, apresentar á Santa Sé bons argumentos, e que de certo não faltavam a nosso favor.
Agora, quanto a haver-se feito a ratificação sem a prévia sancção legislativa, é um procedimento que, a meu ver, não tem justificação plausivel.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros entendia a principio, e entendia bem, que a sancção do parlamento era indispensavel:
Mesmo, quando podesse haver a menor duvida a tal respeito, convinha-lhe insistir na necessidade da sancção par lamentar, porque assim ficava-lhe até ao ultimo momento um recurso de que poderia lançar mão para melhorar algumas das disposições da concordata, e obter da Santa Sé algumas concessões que se considerassem indispensaveis.
Aconselhava-o à que assim procedesse o succedido com a primeira concordata; prova-nos que procederia acertadamente o que lhe aconteceu agora com esta.
Allega-se que a Santa Sé tinha pressa.
Ora a Santa Sé conhece um argumento que emprega muitas vezes em seu proveito, e cujo uso não devia contestar á parte com quem contratava, é o non possumus.
Tinha pressa o Summo Pontifice de .que & concordata fosse ratificada; mas nós não podiamos ratifical-a, porque a nossa lei expressamente nos obrigava a submetel-a primeiro á sancção parlamentar.
Abstenho-me de confrontar os artigos-2.° e 14.° dá antiga concordata, com os que lhes correspondem na concordata actual.
Esse confronto mostra bem claramente que perdemos uma diocese, a de Cranganor, que abandonámos o direito que tinhamos aos bispados que se erigissem alem das quatro dioceses suffraganeas; temos pois uma nova concordata, e não simplesmente um accordo tendente a regular a execução da concordata de 1857.
Não quero porem alongar-me na analyse juridica deste ponto.
Deixo á consciencia, ao bom juizo de todos considerar se a nova concordata cabe na antiga.
Tenho o maior respeito pela opinião do eminente jurisconsulto, que aconselhou a ratificação immediata da concordata; mas as suas rasões não me convencem, e a minha consciencia não me consente que occulte a minha convicção contraria a similhante alvitre.
Á ratificação da concordata deixou o governo na triste situação de se declarar impotente para acudir ás queixas e instancias das christandades excluidas do nosso padroado.
E comtudo, sr. presidente, entendo que devemos interceder energicamente pelas christandades de Ceylão.
Na verdade, é doloroso que as deixemos fóra do padroado, (Apoiados.} quando, pelos esforços incessantes que empregam para se conservar nelle, estão attestando quanto merecem que nos empenhemos com todas as forças no deferimento das suas supplicas. (Apoiados.}
Seria fazer injuria aos sentimentos generosos da1 nossa * terra imaginar, sequer, que os abandonariamos.
Na exposição que acabo de fazer, não tive outro intuito que não fosse manifestar conscienciosamente o que penso ácerca do assumpto.
Approvo a concordata, mas lamento que o governo, por culpa sua, por demasiada precipitação e em consequencia de a haver ratificado ilegalmente, não podesse obtel-a mais favoravel aos interesses do paiz.
Reservo-me para usar novamente da palavra, se porventura a isso me obrigar a resposta aos meus argumentos.
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Pelo que respeita á minha moção de ordem, o seu confronto com o periodo da resposta ao discurso da coroa, a que ella se refere, servir-lhe-ha, espero eu, de cabal justificação.
(O orador foi muito comprimentado.)
Leu se na mesa e foi admittida a seguinte:
Moção
Proponho que no artigo que se refere á concordata se substitua o final, a contar das palavras «dignidade nacional», pelas seguintes palavras: «e a camara folgará de reconhecer que este documento diplomatico mantem o padroado portuguez em harmonia com as gloriosas tradições da nossa historia.» = Barbosa du Bocage.
O sr. Thomás Ribeiro (sobre a ordem): — Vejo bem agora que estamos celebrando exéquias, que não posso, infelizmente. Dizer solemnes, ao padroado portuguez no oriente!
A camara está compungida, e até o governo emmudece como em officio de trevas.
Levanta-se o ex-ministro iniciador da concordata, dirige perguntas graves e importantes ao seu successor, signatario da concordata, e o governo não tem uma palavra de resposta que dê ás suas perguntas, uma simples explicação ás duvidas que formulou, duvidas aliás fundamentadas e auctorisadas, como de quem são!(Apoiados.)
É que ao luto convem a mudez. Resigne-se o meu illustre collega e antigo companheiro de trabalhos no ministerio e tome como resposta o silencio do governo.
Com elle estou, como estive sempre, e ainda agora o acompanho nas palavras sentidas e patrioticas com que se dirigiu ao illustre arcebispo resigantario de Braga e antigo primaz do oriente: Não temos diante de nós uma vergonha nacional. Não temos; o que temos é uma grande macula para a historia, illustre por muitos titulos do pontificado de Sua Santidade Leão XIII, um remorso pungente para a sua consciencia e uma desillusão para as suas vistas como chefe da Igreja.
O que se nos apresenta é uma extensa e lisa mortalha ingente, longa, fria, sem bordaduras nem franjados.
Essa mortalha encobre um tumulo, diante do qual nos prostrâmos com saudade reverente e pungentissima, celebrando funebres officios, a que apenas assiste um prelado, um só, da igreja portugueza, pois que n’elles se recusam a officiar os outros prelados portuguezes!
Não são solemnes as exequias, porque falta aqui o nosso episcopado, aqui, onde tem logar de honra, aqui, onde faria renovar reverente as agradecidas saudações ao Santo Padre, por este beneficio que nos fez, e pedir contas ao governo pela censura com que reprovou o seu agradecimento. (Apoiados.)
Não são solemnes as exéquias, porque até o representante da Santa Sé se retira (retirava-se da tribuna diplomatia o sr. arcebispo de Sardia) e deixa só, a officiar, o sr. arcebispo primaz, resignatario. (Apoiados.)
Triste symptoma, sr. presidente, e facto deploravel! Trata-se de uma questão maxima para a honra nacional, e as galerias estão desertas, e até na sala se nota a. falta de muitos dignos pares; trata-se de uma questão eminentemente ecclesiastica e religiosa, e o episcopado portuguez deserta das suas cadeiras, e tendo louvado e agradecido a obra de Roma, recusa-se a defendel-a!
Continuemos nós a funebre commemoração, e não com apoucado animo, mas com o coração dorido e profundamente maguado.
Podia perder-se o padroado, mas era dever nosso honral-o, ao menos na sua morte, ao menos junto do seu jazigo funerario.
Sr. presidente, quando o paiz se não preoccupa com uma das nossas mais poderosas questões; quando os pares, a quem pela sua dignidade sacerdotal, cabia logar de honra n’este debate, se tornam assim notaveis pela sua ausencia; quando os clamores afflictivos das chistandades do oriente se repercutem n’uma solidão tão descaridosa e tão ingrata, não admira que o governo emmudeça diante das perguntas ou das arguições que lhes dirigem os seus adversrios.
Eu pertenço ao numero dos que se honram com o nome de portuguezes; pertenço ao numero dos que, acima de tudo, presta, culto á sua patria honrada, porque no dia em que ella não podér affirmar e aguardar ciosamente a sua honra, não a quero para nada. (Apoiados.)
Todos conhecem quaes são as minhas crenças, e até me têem sido ellas, por vezes, arguidas como exageradas. (Riso.)
A apreciação é livre; o que eu sou, acima de tudo, é respeitador e propugnador da dignidade, da gloria, da ventura, honrada sempre, do meu paiz e da nobreza e inteireza dos podres publicos que o representam.
Vou ler a minha moção de ordem, e peço aos dignos pares que a meditem.
Declaro que não tenho esta questão como politica, no sentido de partidaria, e que traduzo só nas minhas palavras uma opinião minha.
Se acaso rejeitarem esta noção que apenas affirma a necessidade de uma legalisação impreterivel e recorda um preceito constitucional, julgo-me no direito de pensar que se perdeu completamente entre nós a noção d ajustiça e do direito.
A minha moção não tem intuitos politicos, repito, e fiz a diligencia por dar-lhe a fórma mais benigna ou mais insuspeita:
«A camara, attendendo a que o artigo 10.º do primeiro acto addicional a carta, delimitou, quanto aos tratados, concordatas e convenções, as attribuições diversas essenciaes que pertencem ao poder legislativo e ao executivo;
«Considerando que a approvação dos tratados ha de anteceder necessariamente á sua ratificação a approvação do poder legislativo;
«Considerando que os tratados não têem mais que uma ratificação, e que os actos puramente executivos não carecem d’essa formalidade constitucuional;
«Confiando que o governo ha de cumprir o disposto no artigo 10.º do citado acto addicional de 5 de julho de 1852, passa á ordem do dia. = Thomás Ribeiro.»
Nós estamos perfeitamente fóra da ordem; nós estamos a discutir no incidente o que é preciso discutir essencialmente; estamos a discutir apenas uma referencia que se encontra na resposta ao discurso da corôa, quando forçoso se torna avaliar, detida e pausamente, todo esse documento; porque a verdade é que, segundo o que está expressamente estatuido na carta e no artigo 10.º do seu primeiro acto addicional, o governo não póde ratificar um tratado ou uma concordata sem a prévia approvação das côrtes.
EU disse ha dias ao sr. Ministro dos negocios estrangeiros qual, n’esta hypothese, a minha opinião, e pedi-lhe que m’a contrariasse, se podia S. exa. não respondeu, e creio que não responde hoje tambem, ao menos satisfactoriamente.
Mas ha de responder-me a camara, porque desde já requeiro que a votação seja nominal sobre a minha proposta. Ha de responder-me a camara, visto que o governo me não responde, e ha de responder dignamente porque eu não sei fazer injuria aos homens que aqui se sentam.
Vou defender a minha moção, ou antes, vou fundamentar a minha moção.
Não tenho que a defender, porque ninguem a atacou.
O governo perdoe-me; mas desde a sua entrada no poder tem manifestado sempre a sua má vontade ao poder legislativo.
Pois faz mal, porque os triumphos ephemeros da dictadura passam depressa, e o governo, se não se mantiver nos principios constitucionaes, se não respeitar os outros po-
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deres do estado, nem fará obra de gloria, nem concluirá obra de proveito.
Desde que entrou o actual gabinete, que alcançou o direito de ser governo nas pugnas gloriosas da tribuna parlamentar, todos os dias successivamente tem pretendido desconsiderar e amesquinhar o poder legislativo. E eu apontaria apenas dois ou tres documentos, bem frizantes e significativos, do seu irrespeitoso desdem.
V. exa. ha de lembrar-se que uma das suas primeiras medidas, intituladas de economia, foi desdizer e contrariar o que tinha determinado a camara dos senhores deputados a respeito de umas commissões por ella eleitas para trabalhos, não sei se de muita se de pequena significação, alguns de conhecida conveniencia, durante as ferias parlamentares. E os commentarios que fez a sua imprensa mostram bem o profundo desprezo que elle desde o principio tem pelas côrtes da nação portugueza.
Não averiguarei agora se havia abusos da parte das camaras; haveria, mas estamos acostumados a ver respeitadas as suas deliberações, até hoje, por todos os governos. O actual podia, sem faltar ao respeito devido ás côrtes, apresentar uma proposta de lei ou pedir a algum amigo seu que a apresentasse para cohibir, taes abusos, se os havia. Preferiu seguir o caminho mais significativo do seu desprezo.
Depois d’isso, no grande volume de medidas dictatoriaes ha uma, só uma, que se decreta, inculca e fundamenta, no intento de fazer uma economia, mesquinhissima economia aliás: é a reforma que diz respeito ao poder legislativo, reforma que reduz a quatro mezes improrogaveis as sessões das camaras; improrogaveis, não no trabalho, mas nas ajudas de custo aos senhores deputados! Já são reformadores!
Agora apresenta uma concordata que fez, approvou e ratificou, usurpando as exclusivas faculdades de outro poder, como podia ter feito. .. Não quero faltar ao decoro que é devido a esta camara, e prescindo da, comparação.
O poder executivo, pelo seu quero, posso e mando — approva e ratifica um tratado com a Santa Sé. E depois, note v. exa., que ha a circumstancia aggravante de nem sequer vir a approvação da concordata mencionada como acto da dictadura.
Nem isso. O governo leva tão longe o seu desprezo pelas attribuições do parlamento, e até, seja dito á puridade, pela validade do seu tratado, que nem pede para elle o bill de indemnidade!
. Pois, era-lhe facil, era-lhe mesmo commodo, era mais que tudo isso — util, — não repetindo por desnecessario que lhe era essencial, pedir, para aquella usurpação de faculdades, bill de indemnidade. Quem pede por cem pede por cento e um; em todo o caso salvava-se uma das prerogativas do poder legislativo e validava-se um acto importantissimo, que já produziu, imprudentemente, effeitos de execução, sem poder defender-se da imputação de irrito e nullo.
Não se fez porque ha o proposito firme de desconsiderar o parlamento, desconsideração contra a qual terei sempre o cuidado de protestar.
Na menção dos factos que provam a sanha do governo contra o parlamento, não fallo nem quero fallar do mandado recente de prisão, mandado que o governo passou contra um deputado, em flagrante delicio, depois de passados tres quartos de hora, e prisão effectuada depois de cinco.
Não fallo, que para nós agora essa questão acabou.
Sr. presidente, vou mostrar á camara que á concordata precisa de ser approvada pelo poder legislativo, e para isso vou ler o seguinte na propria concordata.
Logo no periodo inicial:
«Sua Santidade... e Sua Magestade Fidelissima... têem resolvido fazer uma concordata. (Estou lendo no Diario do governo de 28 de julho de 1886, n.° 167, paginas 2:004) nomeando para esse fim dois plenipotenciarios, etc.»
E no artigo, 12.°
«O presente tratado... será ratificado pelas altas partes contratantes e as ratificações serão trocadas em Roma dentro de tres mezes.» . ...
É ou não um tratado ou concordata este diploma a que se refere a minha moção? Não estão ahi as condições essenciaes de um tratado? Plenipotenciarios; designação expressa de que são para fazer uma concordata os plenos poderes, e necessidade de ratificação pelas altas partes contratantes? Ninguem o póde negar. E ainda o negociador portuguez lhe chama nova concordata a paginas 2:008 do mesmo Diario; ainda no começo do § 4.° da sua Memoria, paginas 2:009.
Se é um tratado, ou uma concordata, que requisitos legaes e essenciaes exige para valer e executar-se?
Ser approvada pelas côrtes (artigo 10.° do acto addicional de 5 de julho de 1852) e depois de approvada pelas côrtes ser ratificada pelo poder executivo.
Fazer uma concordata, não é executar uma velha concordata, e por isso eu peço á camara que não deixe progredir esta discussão antes da concordata aqui vir, como deve vir, para ser discutida é approvada. Assim o exige terminantemente a lei fundamental da monarchia.
Estes diplomas eram discutidos em sessão secreta, mas veiu a lei de 2 de maio de 1882 ordenar que por via de regra a discussão tenha logar em sessão publica.
Na discussão d’essa lei ficou bem affirmado que o artigo 10.° do acto addicional é materia constitucional quanto ao preceito que delimita as attribuições dos dois poderes e só o não era o processo da execução d’aquelle preceito. Como ousa o governo contrariar assim uma disposição0con-stitucional?
Como póde a Acamara consentir-lh’o?
Se a concordata de 23 de junho de 1886 é apenas a execução da outra de 21 de julho de 1857, a que vem a ratificação das altas partes contratantes? Actos exclusivos do poder executivo fundados em auctorisações legaes não carecem de ratificação.
O governo é, pois, contradictorio no seu proceder, como tambem na sua argumentação.
E não é só aqui, n’este diploma, que se considera nova concordata esta de 23 de junho de 1886; em todo o Livro branco assim a considerou o governo e o nosso illustre negociador. Em officios, em notas, em telegrammas sempre a idéa prevalecia de que o parlamento tinha de approvar antes da ratificação.
Esta era, nem podia ser outra, a idéa do nosso embaixador em Roma, a cujo caracter e qualidades, a cujo saber e a cujo patriotismo eu faço justiça e de quem sou amigo antigo. Era esta a idéa do governo que lhe pedia incessantemente apressasse a conclusão d’estas negociações por que se ía reunir o parlamento, a quem ellas tinham de ser submettidas.
Para que vem então agora este sophisma transparente, esta subtracção injustificada, aos direitos do parlamento, e ás suas obrigações?
Mas, sr. presidente, vamos ver agora pelas mesmas disposições das duas concordatas se effectivamente esta é ou não, e na sua essencia, um tratado novo.
Por esta concordata nós ficâmos com a archidiocese de Goa, e n’ella, suas suffraganeas, com as dioceses de Cochim, de S. Thomé de Meliapor e com a de Damão e Cranganor; tres dioceses, exclusivamente, suffraganeas de Goa; emquanto pela concordata de 1857 nós tinhamos: a sé primacial de Goa e as dioceses suas suffraganeas, Cochim, Cranganor, Meliapor, Malaca e Macau, que agora fica independente; e tinhamos alem d’estas, uma que havia de fundar-se de accordo com a Santa Sé. Será o mesmo tres dioceses que seis dioceses? E tinhamos alem d’isto na India e na China, exceptuando Hong-Kong, Poulo-Pe-
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nang, e Quamsi na provincia de Cantão, todas as Índia orientaes, para expansão do nosso padroado. E agora?
Pela concordata de 1807, ao fundarmos qualquer nova diocese, o que nos era permittido, sairiam d’ella os vigarios apostolicos, dando logar á jurisdicção effectiva do padroado. E agora, repito? Agora reconhemos o que nunca se havia reconhecido, o direito á propaganda de tomar posse de uma grande parte das igrejas do padroado, e acceitámos restricções territoriaes e limitações de direito, que equivalem á cedencia, que são a cedencia da maior parte das faculdades do padroeiro.
Não podémos obter mais? Affirmo que não; e facilmente o provarei quando discutir a concordata, que não agora; mas querer chamar execução da concordata de 1857 a esta de 1886, é dizer por dizer, mas não é digna do governo a insistencia, nem do parlamento a acceitação do argumerito.
Pois a lei não é expressa?
A carta constitucional diz que o poder executivo póde fazer tratados com as potencias estrangeiras, e ratificai os depois, de approvados pelas côrtes. É expresso o artigo 10.° do primeiro acto addicional que já citei. Só este governo das dictaduras podia lembrar-se de approvar e ratificar, sem mesmo querer chamar a isto um acto de dictadura! Já é escrupulo constitucional!
A minha pergunta ao governo é simples: tem elle ou não tem tenção de trazer aqui a concordata, como manda o artigo 10.° do acto addicional?
Aqui tem v. exa. o sentido da minha proposta, que termina, por um voto de confiança ao governo.
Sr. presidente, eu não quero crer- que o governo se exima ao cumprimento d’este dever impreterivel; s. ex. devem lembrar-se, de mais a mais, de que, como lhe diz o honrado negociador portuguez, ella traz a responsabilidade, mais ou menos completa, de duas situações successivas.
Isto é garantia de que ha de ser discutida serena e ma- duramente. Ha pouco ainda, o sr. Bocage, que foi ministro dos negocios estrangeiros na situação passada, offereceu ao governo o teor da discussão que podia haver por parte do partido regenerador e dos seus collegas que têem compartilhado n’este assumpto a sua inteira responsabilidade.
N’estas circumstancias, sr. presidente, quererá o governo furtar-se a esta discussão e quererá obrigar-nos a prescindir dos nossos direitos e a não protestar pelo cumprimento do nosso dever? Não posso crer.
No ministerio que tem assento n’aquellas cadeiras ha um homem, que infelizmente não é ministro dos negocios estrangeiros, e que, se o fosse, com immensa mágua teria acceitado a exclusão do padroado, a cuja sombra sempre serviram, como benemeritos, a nação portugueza, algumas christandades que nos levaram. Não faria mais, de certo, que o nosso negociador em Roma; o decreto fatal estava lavrado, mas ao assignar o pacto pelo qual Roma nos expolia, com grande desvantagem sua e da religião, havia de tremer-lhe mais a mão do que ao seu collega. Isto por uma rasão somente. É porque s. exa. esteve na India. Refiro-me ao nobre ministro da guerra, o sr. visconde de S. Januario. Os miseros que fomos forçados a engeitar, estendem para nós mãos supplicantes e, pedem resgate em altos gritos; que elles sabem que qualidades evangélicas têem os poderes em cujas mãos vão cair; e os que ouvem esses lamentos, aqui, julgam que tudo aquillo são palavras, palavras, palavras, como diz um personagem notavel de um drama de Shakespeare.
Os sentimentos de amor por Portugal e o orgulho com que se chamam portuguezes os christãos do nosso padroado, não são menos affectivos nem menos fervorosos que os nossos.
E quantas vezes são mais!
Podem attestal-o os srs. visconde de S. Januario e o sr. arcebispo resignatario de Braga, que foi primaz da oriente. (Apoiados.)
Quando chegámos á India, o sr. visconde de S. Januario e eu não encontrámos já ali s. exa. O que encontrámos foi uma memoria sua n’um dos mais formosos padrões da piedade dos nossos christãos do padroado, em parte devido aos cuidados do nobre arcebispo. Refiro-me ao novo seminario de S. Thomé de Meliapor, para a edificação do qual concorreu em grande parte o sr. arcebispo D. João Chrysostomo, os christãos da respectiva diocese e a junta da fazenda, isto é, o governo de Goa.
O sr. ministro da guerra, que foi governador geral da India, se quizesse fallar, podia dizer qual foi a sua dor quando recebeu a communicação de que se inaugurara o seminario portuguez de Mellapor, e que á ceremonia assistiram, não auctoridades portuguezas, mas tão sómente a ingleza de Madrasta, a quem se prestaram todas as honras, a quem se consagraram, senão todos os festejos, todas as felicitações e todos os brindes, sendo inteiramente esquecido o governo portuguez, o governo da India portugueza e até o nome do sr. arcebispo!
Facto unico, talvez, nas memorias do nosso padroado.
Mas, se os padres então se esqueceram, lembrou-se o nobre governador geral, ao receber a sua participação, e comquanto o acontecimento estivesse longe da area da sua administração, lembrou lhes em termos candentes e patrioticos a sua notavel ingratidão.
O ar. visconde de S. Januario póde dar testemunho d’este facto e deve honrar-se da resposta que mandou para Meliapor.
Caso estranho, talvez unico, repito, porque se multiplicam de dia a dia, hoje ainda, os testemunhos de affecto a Portugal dos christãos do nosso padroado.
Sabe v. exa. como se fizeram este anno em Ceylão as festas da semana santa,?
Fizeram-se, refiro-me aos christaos que foram do padroado, na igreja portugueza que a propaganda havia mandado fechar; nuas as paredes, desornados os altares, vasio o sacrario e o throno desalumiado!
Apenas com os ramos bentos, as palmas do oriente, em cima do altar mór.
Foram os nossos irmãos orar á sua igreja viuva e ali ergueram preces por nós, que parecemos engeital-os, a Deus, de quem unicamente podem esperar justiça. Na torre da pobre igreja fluctuava a bandeira portugueza. Lá dentro entoavam elles na lingua que chamam portugueza, elles, á falta de um sacerdote, porque lh’o não consente a concordata, como outr’ora nas catacumbas de Roma se venerava Deus sem um symbolo, a não ser a cruz, sempre escondida, sem uma alfaia sagrada, tendo tumulos por altares, e sem que o sacerdote, quando o havia, podesse vestir as insignias da sua dignidade!
Alumiando a hóstia menos com cirios que com lagrimas, assim, elles, os nossos irmãos da formosissima Ceylão, commemoraram o martyrio de Jesus e o seu proprio martyrio.
Pobres, que esperam ainda que se lhes faça justiça!
Miseros, que não sabem que todas as diligencias de Portugal pelo seu resgate foram infructiferas!
Que á voz de Roma se prometteu não mais advogar ante ella a causa dos christãos portuguezes do padroado!
É assim, sr. presidente, que Roma trata os direitos mais sagrados para nós! é assim que o governo cede sem protesto a esta violencia, e fecha todas as portas aos seus proprios recursos, suspendendo um direito que ficava sempre de pé, sempre respeitado e garantido, mesmo quando todos os outros direitos estavam suspensos — o direito de petição! a liberdade de pedir! o direito de ser ouvido! (Apoiados.) a esperança de ser attendido! Estão fechadas as portas do governo portuguez! é preciso que o emissario d’essas christandades supplicantes saia daqui; onde o não ouvem, e vá
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a Roma apresentar ao Santo Padre as supplicas desesperadas d’aquelles desprotegidos.
Ao Santo Padre, sr. presidente, não deve desagradar este procedimento, bem o comprehende, mas desagrada-me a mim, escandalisa-nos a nós. Fallaremos, quando houvermos de discutir a concordata. Não hoje.
Tanta deferencia com Roma, e tão mal retribuida, tanta côrtezia paga, quantas vezes P com ousada insolencia da parte dos padres de Roma, obriga-nos a estar menos curvados, que não menos reverentes, ante o chefe da Igreja, quando se falla de governo a governo; e eu por mim tomo esta precaução e assumo desde já este direito, em vista do que se le num curioso documento publicado no Livro branco. Tomemos a lição, que é auctorisada. Os ministros de Portugal não são servos submissos de ninguem, no exercicio das suas funcções; e até nas arguições que lhes dirijo, se zelo a nossa, zelo tambem à sua dignidade.
O Livro branco deve ficar nos archivos de Portugal para lição de ingenuos e exemplo a futuros plantadores da vinha do Senhor.
Tambem póde ficar para documento dó muito que fizemos na fundação das nossas glorias è depois na sua defeza, que dura ha dois seculos!
Neste livro, sr. presidente, ha cousas que eu não teria publicado, referencias e particularidades que têem logar durante as negociações dos tratados em côrtes estrangiras, informações particulares e minudencias intimas, que eu nunca publicaria, ou publicaria por extracto.
E apesar d’isso o sr. ministro dos negocios estrangeiros usa por vezes de reticencias, de mysterios taes nas suas respostas, que ainda prejudicam mais que as inconveniencias ou inconsiderações da publicação. Desde já prometto que, embora deva ter logar a discussão dós tratados pela carta de lei de 1882, em sessão publica, hei de pedir uma hora de sessão secreta para então o sr. ministro nos explicar todas essas reticencias e todos esses tenebrosos mysterios.
S. exa., quando hontem nos fallava com essas reticencias e nos queria fazer sentir que por traz da Santa Sé havia alguma entidade que nos podia molestar, estava-nos envergonhando. Bem devia s. exa. saber que nós não costumámos ser medrosos. (Apoiados.}
Apreciando a concordata, quando vier á discussão, sr. presidente, hei de fazer o possivel para dizer o que tenho a dizer sem esquecer o respeito que devo ao Summo Pontifice, como pae de todas as christandades, posto que para nós, Sua Santidade tenha sido mais padrasto do que pae, e a respeito de quem o acolytar n’esta cruzada contra Portugal.
E direi desassombradamente, tanto quanto devo dizer, porque a Santa Sé assim mo aconselha, ou assim me auctorisa a proceder, n’este inolvidavel Livro branco.
Aqui somos arguidos da côrtezia submissa com que tratamos a Santa Sé ao passo que injuriámos a propaganda, que nada Jaz senão por ordem ou conselho do Santo Padre. Isto impõe-me o dever de dirigir-me sempre á Santa Sé e de a julgar unica responsavel de todo o mal e de. todos os damnos que tem padecido, ha seculos, o padroado portuguez no oriente. E fal-o-hei com o desassombro proprio do logar que n’esta casa me compete.
Eu bem sei que o Summo Pontifice faz tudo isto por bondade, pois que elle é o continuador de Chiisto, e Christo viveu tambem com gente má. Perdoou á Magdalena, atravessou-se diante dos que queriam apedrejar a adultera e bebeu água da bilha dá Samaritana.
Era a sua bondade divina que o levava a proteger os delinquentes e os excommungados; hão admira que o seu vigario lhe siga o exemplo.
Voltemos ás festas da semana santa em Ceylão.
Emquanto com esta pobreza oravam os nossos christãos do padroado, commemorava-se à paixão com muitas luzes, muita riqueza, muitissima pompa nas igrejas da propaganda; e porque appareceram uns christãos que não sabiam orar a Deus senão na lingua portugueza, os padres propagandistas revoltam-se contra elles, trava-se lucta violenta e os portuguezes de Ceylão, como orgulhosos se appellidam, são maltratados e expulsos do templo pelos vendilhões. Christãos contra christãos, todos catholicos, dando este escandalo a protestantes e gentios, é deploravel, mas é logico.
Tenho aqui um livro escripto e publicado no chamado portuguez de Ceylão, livro que é um monumento de gloria para Portugal. Estivemos em Ceylão menos de um seculo; tomaram-nos à ilha os hollandezes, que tentaram por mil modos e com a tenacidade que lhes é propria extinguir ali o cathblicismo. Vieram depois os inglezes e tentaram fazer prevalecer a sua lingua; à propaganda lucta ha longos annos por extinguir os vestigios da lingua portugueza; pois esta biblia é portugueza e esta edição é de 1833. Mal a entendemos nós, é verdade, mas é portugueza. E por ella que os nossos christãos foram orar na igreja dá propaganda é por causa d’ella foram de lá expulsos. E de ser portuguezes se ufanam, que não só de serem christãos do padroado.
E não querem que nos dôà esta perda, que parece uma ingratidão?
Ainda ha pouco uma briosa nação nossa vizinha se levantava toda como um só homem, porque de uma pequenissima é longinqua colonia sua, que mal possuia e escassamente conhecia, pareceu querel-a desapossar outra nação dá Europa. Esse impulso patriotico, esse protesto unanime e espontaneo salvou o seu direito e poz do seu lado b Santo Padre; e nós? Nós assistimos indifferentes a este espectaculo miserando e deixámos de braços cruzados que até o direito de pedir se suspenda) em ultrage manifesto ás leis fundamentaes da monarchia!
Isto não póde ser.
O governo póde tentar o ultrage, a camara não lh’o póde consentir. E se a camara ousar querer passar por cima d’aquelles que advogam uma causa tão patriotica e tão justa, levantaremos bem alto a cabeça para que essa iniquidade nos não attinja.
Quando os padroadistas de Ceylão entregam a um commissionado seu a sua procuração e o encarregam de manifestar ao governo portuguez os seus aggravos e as suas supplicas, este governo na sua anciã de tudo. prohibir, a nhã prohibido o direito de petição!!
A uma pergunta que a este respeito dirigi ao governo respondeu o sr. ministro da fazenda que as portas do paço dos nossos Reis nunca estiveram nem estavam fechadas, nem aos christãos do oriente nem aos do occidente. Esqueceu-lhe acrescentar que p sr. ministro dos negocios estrangeiros havia gravado sobre essa porta com mão ousada e sacrilega um verso do Inferno de Dante:
«Deixae cá fóra a esprança é vós que entraes!»
Fazem-nos um crime da nossa humilde reverencia para com o Santo Padre; acho estranha a advertencia. Christo em ser humilde mostrava a sua divina essencia.
Mas Christo, certamente; quando se atravessou, entre os apedrejadores e a adultera, arriscou-se a ser lapidado, sem intenção dos que a castigavam, certamente.
Eu não hei de apedrejar ninguem mas póde ser que as minhas palavras quando discutir a concordata vão ferir o Santo Padre, visto que se interpõe nas contas que temos a ajustar com a propaganda.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Qual é a nota a que o digno par se refere?
O Orador: — Parece-me que a referencia a que alludo vem proximamente á paginas 61 no volume 2.° do Livro branco.
Não tenho aqui o livro, mas lembro-me de que é num memorandum da Santa Sé que se diz isto.
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O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu tenho-o aqui e já lh’o envio.
O sr. Costa Lobo: — É melhor ler do que citar de cor.
O Orador: — V. exa. duvida da minha palavra?
O sr. Costa Lobo: — Eu não duvido da sua palavra, mas sim da sua memoria.
O Orador: — Tem rasão, que eu tambem duvido della; vamos ver. Eu não queria tomar tempo á camara, mas não posso recusar-me ao convite. .. Aqui está, e é felizmente na pagina 61. Ouça a camara:
«... E aqui deve revelar-se a artificiosa distincção entre o Summo Pontifice e a sagrada congregação, que se acha, não só neste, mas em muitos outros documentos portuguezes, produzidos no longo decurso deste malfadado negocio. N’esses documentos contrapõe-se ás frequentes demonstrações de reverencia humilde ao chefe da Igreja Catholica, continuas offensas contra a propaganda, como se fosse uma entidade que procedesse segundo o seu arbitrio e não segundo a inspiração e direcção que recebe dos Pontifices. »
Sr. presidente, veja v. exa. como a minha memoria era calumniada. (Riso.)
Effectivamente é na pagina 61 que vem esta passagem. S. exa. porém, não me injuriava, porque eu não tenho memoria infallivel, comquanto não costume citar de falso. Desta vez, felizmente, até a pagina do livro se me conservou fielmente.
O sr. Costa Lobo: — O que eu dizia ao digno par é que nessa nota não se exprobava ao governo portuguez a sua humildade.
O Orador: — Então como é que s. exa. traduz o que eu acabo de ler? (Apoiados.)
Isto está escripto com todas as letras e em linguagem clara.
A linguagem de hoje, nos documentos de Roma, é já impregnada das paixões mundanas. Não é Christo que falia, nem são os seus apóstolos; aqui, no que acabo de ler, está o homem e a propaganda. (Apoiados.)
O sr. ministro dos negocios estrangeiros tambem duvidou! Já hontem notei que s. exa. não sabia bem de cor as disposições da concordata, hoje vejo que tambem tem esquecido alguns documentos do Livro branco.
Desde que n’um memorandum da Santa Sé se diz o que acabo de ler, nós temos o direito de nos queixarmos da Santa Sé em vez de accusarmos a propaganda.
Quero, comtudo, crer, como já disse, que muitos, actos cuja responsabilidade a Santa Sé attribue a si, não são propriamente della, e que em parte o faz por generosidade, e em parte por medo.
E não é cousa que se possa estranhar, ter medo o Summo Pontifice.
Até Jesus Christo teve medo, e suou suor de sangue- no horto, poucas horas antes de ser arrastado ao patibulo. E S. Pedro, o primeiro Pontifice, o antecessor dos Pontifices, tambem teve medo, muito medo. Por mais de uma vez o manifestou: a primeira quando tres vezes negou o seu. Divino Mestre, a segunda quando fugiu do carcere, em Roma, para não ser crucificado.
Disto dá testemunho uma capellinha construida na Via Apia, onde se representa o encontro de S. Pedro com o Divino Mestre, encontro que a consciencia attribulada figurou ao fugitivo. S. Pedro pergunta ao Salvador: Domine, que vadis? e Christo responde-lhe, arguindo-o da sua fraqueza: Vado Romam, iterum crucifigi.
Lá está edificada a capellinha sobre o pavimento da Via Apia attestando quanto póde uma consciencia attribulada.
O certo é que Pedro voltou para o carcere e se offereceu ao martyrio.
O Santo Padre póde, pois, ter medo sem que isso denigra o seu caracter.
Nem sempre o facto de ser padre da propaganda ou da companhia de Jesus dá uma garantia de virtude de tal modo austera, que não possa receiar-se uma tentação pecca minosa. E depois a .historia tem as suas indiscrições.
De passagem, e para corroborar o que acabo de dizer, que nem sempre era prudente esperar a moral mais austera no homem peceador, embora esse homem seja padre da propaganda, pois que podem duvidar da minha memoria, trago aqui um folheto que se intitula Annaes da propagação da fé. Ora, a gente da propagação da fé é a nossa mortal inimiga na India e se me não engano, o Anti-Christo do Oriente.
O Santo Padre verá e a Santa Igreja, em breve tempo, se é verdade tudo o que eu digo, talvez um pouco rudemente, mas com o coração aberto e sincero. Entregou-se em mãos pouco limpas e a consciencia pouco escrupulosa.
O sr. Agostinho de Ornellas: — É a propagação da fé de Lyon ou a de Roma?
O Orador: — Pois ha mais do que uma? É a sagrada congregação da propagação da fé, para a qual muitos portuguezes estão contribuindo mensal ou semanalmente, e á qual já se referiu o nobre arcebispo, resignatario de Braga, a que recebe de nós, de crentes portuguezes, avultadas subvenções, para nos fazer todo o mal que póde no oriente.
O sr. Agostinho. Ornellas: — Esses annaes devem referir-se á de Lyon, não á de Roma.
O Orador: — E qual d’ellas é peior? (Riso.)
O sr. Agostinho Ornellas: — Depois direi a minha opinião.
O Orador: — Diga s. exa. todas as suas opiniões. Eu disse a minha. Pensei que só havia uma sociedade de propagação da fé. Já se multiplicaram. Pois bastava uma para flagello nosso! Ha duas, de que o digno par sabe. Quantas mais haverá por esse mundo!?
Hão de ter crescido, hão de ter-se multiplicado, que a especie é prolifica.
Quer v. exa. saber para que muitos portuguezes estão pagando?
As vezes não é mau ler tambem as capas dos livros e dos folhetos. Foi o que me aconteceu com este, que tem na capa o seguinte: Tabella geral das indulgencias concedidas á obra da propagação da fé por Suas Santidades os Papas Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregorio XVI e Pio IX.
Peço ao digno par sr. Ornellas que não diga mal d’esta propaganda. Já vê a defendel-a uns poucos de Papas da Igreja.
(Lendo) «Indulgencias concedidas a todos os associados.»
Aqui vem uma tabella abundosa e extensa de indulgencias. Não cansarei a camara com a leitura de todas.
(Lendo) «Favores particulares a alguns associados.»
Esquecia-me dizer que vem aqui uma invocação de que especialmente não gostei. Chamam protector da obra a S. Francisco Xavier, quando todos sabem que elle foi protector de muitas e boas obras», mas não dá obra desta gente.
(Continuando a ler) Indulgencia plenaria para quem fizer entrar na caixa da obra 480$000 réis seja qual for a proveniencia desta quantia!
Veja v. exa. que negruras, que abysmos hão ha em tudo isto; é quantos crimes hão entram na amnistia amplissima d’esta indulgencia, é quanta gente Deus tem de receber no céu só porque deu á propaganda esta quantia, embora seja fructo de um roubo violento ou fraudulento, de um roubo enorme, de um gravissimo crime!
E acrescenta-se:
«Acontecendo que as sommas a recolher estejam por pouco tempo incompletas, Sua Santidade proroga os poderes (do padre.»
É uma prorogação sem limites, emquanto que para o arcebispo de Goa, primaz do oriente, chegou a ser concedida simplesmente por dois mezes! E não eram faculdades
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que dessem o reino do céu aos maiores criminosos da terra. {Apoiados.)
E não havemos de queixar-noS, nós os filhos fidelissimos de Roma, não havemos de queixar-nos desta injustiça flagrante? E não havemos de pedir ao Santo Padre que emende ou remedeie, como é do seu dever, o mal que nos tem feito!
Pois se nós não temos os padres necessarios, segundo elles dizem, se não temos Os nossos bispados com o bispo na sua séde, a culpa de quem é?
Nossa? Mil vezes não!
Ao passo que o Papa concede faculdades amplissimas aos vigarios apostolicos, por exemplo, em materia de dispensas matrimoniaes, nega-a completamente aos nossos bispos e prelados. Ao passo que les confere a jurisdicção discricionaria, deixa em tudo dependentes de si, e o que mais escandalisa, dos proprios vigarios da propaganda, os prelados do padroado.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Dá-lhes todas as faculdades.
O Orador: — Aos actuaes?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Aquelles que foram nomeados e que partiram já para o seu destino.
O Orador: — É caso de parabens!
No fim de contas alguma compensação ha de dar Roma porque, francamente, desde D. João V até hoje não houve um homem tão generoso para com o Papa, como s. exa. (Riso.}
Sabe v. exa. o que pelo oriente tem acontecido? A propaganda, na amplitude das suas faculdades para dispensar impedimentos em materia de matrimonio) achou a lei do divorcio. (Apoiados.}
Casa nas suas igrejas, com o intento de angariar freguezes, alguns casados ou algumas casadas, já antes, nas igrejas do padroado, e com filhos, muitas vezes, do primitivo matrimonio. Já é honrar a Santa Sé e a religião do Crucificado! Desenterra, annos depois da sua morte, os nossos padres para lhes profanar os despojos, como de ex-commungados. Promove, a titulo de familiar amisade e fraternidade, a embriaguez de algum nosso padre, para o expor ao escarneo publico e prival-o da sua residencia e da sua igreja. Ensina do pulpito, da cadeira e na escola que somos um povo indigno, desprezivel e idiota, e insinua ao governo inglez que não consinta nas suas terras o exercicio do nosso padroado, injuriando até o Rei de Portugal:; ousa impor aos nossos, bispos o preceito de desprezarem as bullas pelas quaes são investidos no exercicio das suas faculdades, para se guiarem por breves secretos e epistolares; a propaganda ousou já publicar que os padres de Goa não são catholicos; que ninguem podia ouvir-lhes missa nem receber d’elles sacramentos; que ter communicação com taes padres sacrilegos era perder a sua alma; a propaganda tem, para nos tornar as igrejas e as nossas christandades, edificado capellas e oratorios ao pé das igrejas do padroado como um merceeiro edifica a sua tenda ao pé do estabelecimento de outro merceeiro, para lhe captar a freguezia; a propaganda tem destinado a usos profanos muitas alfaias de igrejas portuguezas usurpadas por ella; a propagapda não foi prégar o Evangelho, foi negociar em nome de Deus; não foi arrotear terrenos novos nem cultivar a vinha do Senhor, foi vindimar, e comer as uvas.
O sr. Miguel Osorio: — Apoiado.
O Orador: — Póde ter edificado uma ou outra igreja, prestado um ou outro serviço, mas não a guia a caridade evangelica; instigam-a cubicas temporaes.
Tudo isto foi dito e provado já n’esta mesma camara antes da concordata de 1857.
Quer a Santa Sé que tudo isto seja de sua responsabilide directa e unica?
Seja. Ella mesma já nos chamou... preclatores.
Sr. presidente, estou admirado eu mesmo do calor com que entro n’estas considerações.
Desculpe-me v. exa. e a camara.
Sei perfeitamente que a maior parte dos que me ouvem acham extraordinario que, já na minha idade, e com alguns annos de trabalho, se bem que pouco productivo, eu manifeste ainda este resquicio de paixões, que alimentei, nunca exaggeradamente violentas mas sempre viris.
Que quer v. exa.? Não me canso de pedir justiça.
Não me contento com advogar friamente causas que tenho por justas, não se me satisfaz a consciencia com verme lavar as mãos, a exemplo de Pilatos.
Quero muito á justiça, porque a justiça é a suprema das virtudes; quando se fizer justiça, nem é precisa a caridade. (Apoiados.}
Sr. presidente, eu estou na intenção de não entrar agora na discussão da concordata; mas terei de dizer, quando ella se discutir, algumas palavrs em obediencia aos deveres que me impõe o logar que occupo, embora essas palavras, por amargas, da amargura da minha dôr e não de peçonha que eu lhes communique, façam doer o meu coração de filho.
Como eu parto do principio de que temos de discutir a concordata, ou pelo menos de a approvar, vou fazer umas perguntas ao illustre ministro dos negocios estrangeiros; e se s. exa. me não podér responder hoje, reservo a sua resposta para uma proxima opportunidade, sé poder ser proxima.
O illustre ministro dos negocios estrangeiros é aquelle parlamentar que se insurgia e bravejava na camara dos senhores deputados contra o caminho que tomava a conferencia de Berlim, a respeito do nosso Congo; é aquelle parlamentar que lastimava em sentidos queixumes, que Portugal estivesse tão mal representado, em Berlim e na conferencia.
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros que se não ouviu, mas que contradizia o orador.)
O sr. Antonio de Serpa: — É verdade! é verdade! lastimou.
O Orador: — Eu estava presente, eu ouvi, e não quero desconfiar agora da minha memoria, que ha pouco me indicou fielmente o numero da pagina do Livro branco onde se encontra o documento a que eu me referi, e de que s. exa. parecia duvidar Pagina 61.
O actual sr. ministro dos negocios estrangeiros é aquelle parlamentar que em phrases violentas se levantava para fulminar o procedimento do governo de então, que não tinha podido salvaguardar todos os nossos direitos no Congo.
Veja v. exa., sr. presidente, o que é a desgraça, ou como são severos os castigos da Providencia. S. exa. insurgia-se, porque tinhamos cedido uma parcella dos nossos direitos no Congo, e não se incommoda hoje quando cede todo ou a maxima parte do nosso padroado. (Apoiados.)
Emfim, sr. presidente, são as eventualidades da fortuna, e todos estamos sujeitos a ellas.
É por isso que a prudencia nunca é demais nos homens publicos.
Vamos ás perguntas:
l.ª Por que motivo se escreveu na artigo 1.°: «em virtude de antigas concessões pontificias», o que parece um favor de Roma, em vez da formula do artigo 1.° da concordata de 1857, que affirmava um direito?
2.ª Que quer na concordata dizer: «indias orientaes?»
Sr. presidente, eu não desejo fazer perguntas insidiosas ou que o pareçam; desejo que o nobre ministro saiba bem aquillo que eu pergunto, e a rasão por que lho pergunto.
Devo, pois, lembrar-lhe que ha contradicção, ao menos apparente, no emprego d’estas expressões em differentes artigos.
Falla-se em indias orientaes no l.° artigo; ha igual referencia no 2.°, assim como no artigo 10.°
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Da comparação de uns com outros d’estes artigos, resulta pelo menos duvida sobre a interpretação d’aquellas palavras.
Uma resposta póde explicar um artigo mas implicar com o sentido do outro.
Em todo ocaso eu deixo isso á habilidade e ao talento do nobre ministro.
E é por isso tambem, sr. presidente, que eu desejava discutir a concordata por ver que ella precisa de notas reversaes como a de 1857, ou mais ainda.
3.ª Macau fica fora do padroado das Indias orientaes, embora fique bispado portuguez? De que archidiocese é suffraganeo este bispado?
Já hontem nos disse aqui o nobre ministro que Macau pertencia á archidiocese de Goa.
A concordata não o diz em1 parte alguma. É n’ella mencionada a diocese de Macau como autónoma; Para onde é o recurso dos seus pleitos canonicos?
Desejo saber isto, mas não desejo só que p governo o diga no parlamento, desejo principalmente que o assentem em documento valido as duas altas partes concordatarias.
Para onde se recorre?
Para Goa?
Aqui é que está a minha duvida.
4.ª Que quer dizer no artigo 2.° «arcebispo pró tempore?».
Eu sei muito bem a explicação que mandou o nosso embaixador em Roma, e sei que é de muitas bulias aquelle latim, aliás facil; comtudo, desde que ao arcebispo Torres se disse que mais que a bulla da sua confirmação valia o breve epistolar secreto1 que coarctava as suas faculdades, desde a publicação inesperada, irregular e attentatoria dos nossos direitos do breve Studio et vigilantia todos os latins de Roma julgo precisados de muito estudo e de muita vigilancia.
5.ª Que dignidades e que attribuições cabem ao patriarcha ad honorem das Indias orientaes f
Eu calculo, pouco mais ou menos, que ha de ser como o, patriarcha das Indias na Hespanha: capellão da casa real.
Teremos que nos resignar a isso.
6.ª Quem presidirá aos concilios das dioceses a que se refere o artigo 10.°?
Eu vou explicar a minha duvida para que s. exa. melhor a comprehenda.
O artigo 10.° diz que nós temos as nossas dioceses do padroado propriamente ditas. Diz ou refere-se a isso.
Essas dioceses são as do artigo 3.° da concordata. Alem dessas temos as quatro dioceses já da propaganda a que se refere o artigo 7.°
Aos concilios d’estas, sete ou oito dioceses, deve presidir o arcebispo de Goa, se Sua Santidade não dispozer o contrario.
Mas ha mais, muitas mais dioceses, só de Roma, nas Indias orientaes; são as do .artigo. 10.° da concordata.
Quem preside aos seus concilios?
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros que se não ouviu.}
Eu peço ao sr. ministro que tenha paciencia de me ouvir. Preciso da attenção do nobre ministro, porque desejo ver sé entendo o artigo , ou se o entendemos.
O artigo diz:
«Regulado assim o padroado da corôa portugueza, em todo o outro territorio das Indias orientaes, a Santa Se gosará plena liberdade de nomear os bispos e de ADOPTARIAS DETERMINAÇÕES QUE JULGAR ÒPPÕRTUNAS PARA O BEM DoS FIEIS.»
Vejamos: regulado assim o padroado da corôa portugueza, refere-se ás dioceses concordatarias e ainda ao que respeita ás; disposições do artigo 7.° e ás quatro dioceses de Bombaim, Mangalor, Quilon e Madure.
Ha outras, muitas outras, revela-o o artigo 10.°
Que fica sendo para essas o arcebispo de Goa e o padroado da corôa portugueza?
Quem preside aos concilios d’aquellas dioceses?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu logo responderei a s. exa.
O Orador: — Eu nem tanto peço ao nobre ministro. Não posso nem quero obrigal-o a responder já. Não levo tão longe as minhas exigencias.
7.ª pergunta. Como, ou desde quando, se contam os seis mezes, dentro dos quaes o Rei de Portugal ha de apresentar ao Papa o bispo, a que se refere o artigo 7.° da concordata?
Contam-se desde a morte do bispo, para cuja sé tem de nomear-se?
Contam-se desde que se faz a eleição dos tres, um dos quaes ha de ser escolhido pelo Rei de Portugal?
Hão de contar-se desde que a lista se entregou ao arcebispo de Goa, ou desde que chegam ás mãos do regio padroeiro?
Este artigo 7.° póde ser o germen de grandes difiiculdades, a não ser precisa e officialmente explicado.
Diz-se n’este artigo 7.° que o Rei de Portugal, recebendo do arcebispo de Goa a lista triplice que lhe ha de ser mandada pelos prelados da propaganda, tem que escolher e enviar a nota da sua escolha a Sua Santidade dentro de seis mezes; e que, se o não fizer n’este praso, Sua Santidade poderá escolher quem quizer.
Repito a minha pergunta: desde quando se contam estes seis mezes?
É o que não está na concordata.
Contam-se da morte do prelado que dá logar á nomeação que tem de se fazer, e cuja proposta pertence ao Rei de Portugal?
Contam se da data da eleição dos tres nomes?
Contam-se da entrega da lista ao arcebispo de Goa, ou contam-se da data da entrada dá lista triplice aqui, na repartição respectiva?
Não se sabe; e no emtanto temos quatro hypotheses a propor e a estudar, não fallando no regulamento que a Santa Sé terá de fazer para a feitura da lista triplice.
Póde ser um germen de futuras e talvez proximas desavenças; proximas, porque a propaganda ha de provocal-as.
E germens e pretextos não lhe hão de faltar.
Vejo-os disseminados pelos diversos artigos, apesar de todos os minuciosos cuidados do negociador portuguez.
Não sou propheta, mas vejo bem que o padroado está morto. O mais que podemos conseguir foi capitular com aã honras da guerra.
A sanha da propaganda não acceita, sem reservadas intenções, estas dioceses fora do nosso territorio, e o Santo Padre é dominado pela propaganda. Nem quer, nem poderia, se quizesse, deixar o pouquissimo que nos deixou, sem, ter mais fé nos breves do que respeito á concordata. Haja. vista á de 1857. Pois esta falta de palavra na Igreja (custa isto ã dizer, mas a Igreja assevera que a propaganda não tem culpa); esta quebra de palavra, que duplicadamente devia ser sagrada, prejudica enormemente &e fidelidade.
O padroado portuguez no oriente morreu. E por isso, que o meu desejo unico era de que se lhe celebrassem aqui so lemnes exéquias. Faltará os prelados, que não querem .assistir a esta ceremonia, e nós não podemos fazer solemnes exéquias só com à presença do sr. arcebispo resignatario de Braga, à quem honra seja pela sua assistencia. (Apoiados.)
Sr. presidente, vou terminar, fazendo um pedido ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, e esse pedido denuncia àquella má qualidade por motivo da qual costumo ser mal avaliado, quando exerço as minhas funcções parlamentares.
S. exa. argumenta muitas vezes copa a riqueza das igrejas com que ficámos, e com a pobreza d’aquellas que per-
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demos. Eu poço a s. exa. um favor, e é que desista d’esse argumento; não falle nos pobres com desdem, quando se trata de uma questão de honra nacional. Muito pobres, ha de lembrar-se, eram os amigos, companheiros e discipulos do Divino Mestre. Elle mesmo nunca foi rico.
Engeitar igrejas e christãos, porque são pobres, não é digno digno de nós, nem da Santa Sé.
Devo lembrar a s. exa. que, apesar de pobres, áquellas igrejas, dos Gattes nós. devemos um dos maiores serviços politicos que se nos podia prestar no oriente.
Ahi está o nobre ministro da guerra, que póde dizer se elle conservou o bastão do commando em sua casa, ou se o achou tdepositado sobre o tumulo de Sr. Francisco Xavier, e sobre esse tumulo o deixou.
Vou contar uma historia verdadeira, á camara, e espero que lhe dêem credito.
guando um governador de Goa, o conde de Alvor, se viu cercado pelas tropas numerosissimas e victoriosas de Savagy, que estava prestes a entrar os muros de Goa, aconselhado talvez por padres d’aquellas igrejas que já então eram pobres, mas sempre, como hoje, verdadeiramente de Portugal, dispondo de um grande valor politico e de influencia incontestavel na côrte de, soberanos poderosos, lançou mão de um remedio extremo.
Convocando todo o clero, da cidade e todos os nobres e auctoridades foi, como. Em acção de preces, da sé á igreja do Bom Jesus, onde, no seu tumulo de prata, repousa o apostolo, das Indias (das verdadeiras Indias, orientaes), e ali ajoelhado ante o apostolo, em acto solemnissimo, depositou o bastão, symbolo da sua auctoridade suprema, sobre o tumulo venerando, confiando lhe com elle a defeza e Goa.
E tal é a veneração d’aquelles povos pelo seu apostolo, que o espirito esmorecido se revigorou, a defeza manteve-se mais firme, e dos Grattes desceu como uma torrente, á voz dos sacerdotes, das nossas pobres igrejas, um exercito aguerrido e bravo de christãos e gentios que punha, Savagy em retirada.
O sr. Arcebispo de Braga (resigwtario): — É verdade, é verdade.
O Orador: — Ainda hoje, graças a esties padres, que se põem de parte, porque não teem riquezas bastantes nas suas igrejas, graças, a estas christandades, que Roma não quer deixar-nos, em memoria d’este facto memorando, está depositado sobre o tumulo de S. Francisco Xavier o bastão de commando dos governadores da India.
Sr. presidente, S. Francisco Xavier era pobre, pobrissimo; sabe Deus as privações por que passou.
E era verdadeiramente grande.
Podia não ter pão, e accudia a todas as miserias; podia não ter sandálias, mas ia a toda a parte do mundo; era de estatura pequena, e não cabia no oriente.
Se lhe perguntassem, para onde vaes, padre? responderia, até onde Deus quizer. Se lhe perguntassem, que levas tu comtigo? responderia, levo o meu rosario, a minha cruz, e isto me basta.
Com essa cruz abriam-se os carceres da India e da China, como os palacios de todos os grandes! Quantas vezes os srs. inglezes, que nos tinham ido no encalço e andavam pelo oriente, pensando na organisação da poderosa companhia das Indias, emquanto vendiam o seu bacalhau e os seu s pannos de algodão, não recorreram áquella cruz do rosario dos padres portuguezes, que entravam com facilidade providencial nas fechaduras dos carceres! Repugna-lhes hoje o nosso padroado? Mais uma ingratidão.
Sua Santidade o Papa Clemente XI commetteu um grande erro, em mandar para a China o patriarcha de Antiochia: foi ali a maior das desgraças para a religião christã. Se lá não tivesse ido, toda a China era hoje christã, porque eram estimadissimos lá os nossos missionarios, e tinham um grande prestigio na côrte.
Chegou o visitador intruso de Roma, e foi o Anti-Christo na China. As invasões de Roma são decretadas pela ambição dos seus padres; e como o espirito que as dicta é impregnado, de temporalidades, a religião padece.
Disse que esta concordata seria um remorso para o chefe da Igreja? Acrescento que será damnosa aos seus interesses e principalmente á religião do Crucificado.
Sr. presidente, eu disse tudo quanto a minha consciencia me consentia e me aconselhava, e... agrade ou não agrade a quem quer que seja, tenho, dito.
Vozes: — Muito, bem.
(O orador foi cumprimentado.}
Leu-se na mesa e foi admittida a moção do digno, par o sr. Thomás Ribeiro.
Apesar de ser a hora de encerrar, a sessão, tendo o sr. ministro dos negocios, estrangeiros mostrado empenho em responder immediatamente ás perguntas precisas que o orador precedente lhe dirigira, prometendo fazel-o em, cinco minutos, e não se oppondo a camara, o sr. presidente concedeu-lhe a palavra.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. presidente, primeiro que tudo. que não se interprete desfavoravelmente o meu silencio de hoje em seguida ao discurso de um dos illustres ornamentos d’esta camara, o sr. Bocage. A rasão não é outra senão a de eu, antes, do meu recente discurso n’esta camara, ter já fallado sobre esta questão na outra casa do parlamento por tres ou quatro vezes; e como naturalmente não sou inacessivel ao cançasso, não posso estar sempre na arena. Outros oradores haverá que respondam ás objecções feitas a este paragrapho do projecto de resposta ao discurso da corôa.
E desde já passo a responder directamente e sem commentarios ás perguntas precisadas pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro.
Quanto á primeira pergunta, o que entende o governo por Indias orientaes, tenho a dizer que essa phrase é empregada na concordata só em relação ao titulo honorifico do arcebispo de Goa, e que por consequencia não tem importancia sensivel para os effeitos da concordata; mas em todo o caso direi que o governo lhe dá a significação, que geralmente sempre teve, isto é: India, Indo-China e China.
Segunda pergunta: Aonde recorrerão os pleiteantes de Macau? Respondo ao empregado para onde recorriam até aqui.
A terceira pergunta refere-se singela e unicamente, á palavra concessão pontificia.
Direi, repetindo o que por vezes tenho dito, que o emprego da palavra concessão não tem inconveniente. A difficuldade que portanto tempo alimentou a discussão entre Roma e Lisboa, provinha das differenças que havia entre a nossa interpretação e a da Santa Sé ácerca do padroado: nós entendiamos que tinhamos adquirido o direito ao exercicio do padroado por titulo oneroso; entende a Santa Sé que, apesar d’isso, o podiamos exercer sem o seu beneplacito, e que concedel-o ou não dependia da sua livre vontade e alvedrio.
É por isso que não tem, importancia o uso da palavra concessão, não basta ella- para annullar a nossa maneira de ver, careca do titulo, porque, essa concessão foi adquirida.
Quarta pergunta: Como se deve entender a phrase arcebispo pro tempore.
Entendo que significa aquelle arcebispo que ao tempo, estiver exercendo as funcções.
Com relação á quinta pergunta do digno par, s. exa. parece-me que não tem conhecimento, de que estão feitas as circumscripções das vinte e uma dioceses, assim como das quatro, que nos ficam pertencendo.
Declaro pois, que estes concilios são nacionaes, e por, conseguinte que a elles concorrerão todos os prelados da India.
Pergunta ainda o digno par para que se retirou Macau, do padroado.
Ora o padroado entendo eu que, em regra geral, é uma
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prerogativa inherente ao Imperante civil. Tem a o Rei de Portugal em toda a extensão dos seus dominios da Europa, Africa, Asia e Oceania. Por um privilegio singular, conquistado á sombra dos maiores serviços prestados á Igreja alarga-se essa prerogativa a regiões estranhas na India ingleza. Como poderá pois o digno par suppor que a perdeu em Macau pelo facto da presente concordata se não referir directamente ás nossas possessões da Asia?
Quanto ao titulo por que o arcebispo de Goa deve ser tratado oficialmente, eu sempre o tratei, e assim o tratarei, por patriarcha ad honorem das Indias orientaes, primaz do Oriente, a propria concordata de 1886, claramente se refere á Sé primacial de Goa.
Mais pergunta o sr. Thomás Ribeiro, desde quando será contado o praso de seis mezes para a apresentação dos novos bispos nas quatro dioceses de Conlão, Mangalor, Bombaim e Madure.
Parece-me que se deve começar a contar esse praso desde o dia em que chega a Lisboa a lista triplice de onde El-Rei deve escolher o novo prelado.
O sr. Thomas Ribeiro: — Note v. exa. que diz parece-me.
O Orador: — Digo parece-me, porque não tenho certeza absoluta n’este ponto; parece-me, comtudo, dever ser assim, e assim é que eu tomei esta clausula.
Quando morre um bispo de qualquer das quatro dioceses onde fica existindo este privilegio da corôa portugueza, reunem-se os outros bispos da respectiva provincia ecclesiastica sob a presidencia do metropolitano; formam a lista triplice, e é encarregado o arcebispo de Goa de a enviar a El-Rei para fazer a sua escolha.
Por consequencia, ou se conta o começo do praso de tres mezes da epocha de participação ao arcebispo de Goa, ou do conhecimente transmittido por este ao rei de Portugal; esta questão não me parece importante, porque até mesmo pelo telegrapho se póde fazer qualquer communicação, que, como v. exa. sabe, leva apenas alguns minutos.
Creio ter respondido singela e claramente ás perguntas que me dirigiu o digno par, e por isso, nada mais acrescentarei por agora.
O sr. Presidente: — O digno par o sr. Thomás Ribeiro acaba de pedir a palavra, mas eu tenho a observar a s. exa. que a hora já deu.
O sr. Thomás Ribeiro: — Eu não preciso usar agora da palavra. V. exa. decidirá se eu devo fallar agora ou noutra occasião.
O sr. Conde de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, approvando um projecto vindo da camara dos senhores deputados, com respeito a á construcção de uma estrada de circumvallação na cidade do Porto.
Foi a imprimir.
O sr. Hintze Ribeiro: — Pedi a palavra unicamente para consignar um precedente parlamentar.
V. exa. depois de ter dado a hora para o encerramento da sessão, deu a palavra ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, sem ter consultado a camara, que era a unica que podia decidir sobre a alteração das praxes regimentaes.
V. exa. deu a palavra ao sr. ministro dos negocios estrangeiros e eu consigno este precedente, parlamentar, e declaro que me reservo o direito de reclamar igual beneficio quando quizer fazer uso da palavra depois de ter dado a hora.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: — Tenho a observar ao digno par sr. Hintze Ribeiro, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tinha pedido a palavra antes de ter dado a hora fixada para o encerramento da sessão, a fim de responder a algumas perguntas que o sr. Thomás Ribeiro lhe dirigira durante o seu discurso.
Pareceu-me que a camara tinha tacitamente annuido a que s. exa. fizesse uso da palavra, e por isso não a consultei.
O sr. Hintze Ribeiro: — Mas devia consultal-a.
Dictadura basta-me a do governo, a de v. exa. não acceito.
O sr. Presidente: — Não consultei a camara, porque a sua annuencia tinha-se tornado manifesta.
A proxima sessão terá logar ámanhã, 28 do corrente, e a ordem do dia será a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e quinze minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 27 de maio de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa, João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquezes, de Pomares, de Sabugosa; arcebispo de Braga (resignatario); condes,, de Alte, de Bomfim, de Castro, de Ficalho, da Folgoza, da Fonte Nova, de Gouveia, de Magalhães, de Paraty, do Restello; viscondes, de Arriaga, da Azarujinha, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Car-nide,[ de S Januario, de Soares Franco; barão do Salgueiro; Ornellas, Agostinho Lourenço, Adriano Machado, Braarncamp Freire, Aguiar, Silva e Cunha, Barros e Sá, Antunes Guerreiro, Couto Monteiro, Senna, Oliveira Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Costa e Silva, Francisco Cunha, Ressano Garcia, Barros Gomes, Candido de Moraes, Melicio, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Bandeira Coelho, Castro Guimarães, Castro, Teixeira de Queiroz, Lobo cTÁvila, Silva Amado, Rapozo do Amaral, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio, Cabral de Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.
Redactor = Carrilho Garcia.