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SESSÃO N.° 18 DE 20 DE FEVEREIRO DE 1892 3

respeitabilidade; mas, repito, não posso deixar passar o precedente sem. chamar para elle a attenção de todos os membros d'esta camara porque, se as consequencias que d'elle derivarem ou possam derivar, forem sanccionadas e acceitas sem protesto, ficará estabelecida para nós uma excepção odiosa em relação a todos os outros cidadãos. (Apoiados.)

Pois não póde um cidadão qualquer ser levado ao banco dos réus sem que haja uma instancia superior que avalie os fundamentos do despacho de pronuncia, e ha de este facto anormal e contrario ás leis do reino passar sem protesto?

Não, sr. presidente, porque d'esta maneira os membros d'esta camara estão abaixo do mais insignificante cidadão, (Apoiados.) porque esses gosam de um direito que as leis garantem a todos, e o par do reino, por um simples despacho de pronuncia, é arrastado ao banco dos réus e encarcerado, como foi o digno par, por ordem de v. exa.

Isto não póde ser, isto não deve ser!

E se os dignos pares imaginam que, cruzando os braços diante d'este attentado, consolidam e fortalecem a sua auctoridade enganam-se. (Apoiados.)

Celebram talvez as suas exéquias, e cavam diante de si um abysmo, onde podem caír, quando menos o esperarem.

Sr. presidente, não ha de ser com o meu voto, nem com o meu silencio, que esse precedente se ha de estabelecer. Não trato do sr. Mendonça Cortez, que está entregue aos tribunaes, que lhe hão de fazer justiça. Trato dos membros desta camara que são esbulhados de uma prerogativa que lhes pertence, da garantia de poderem recorrer de um despacho de pronuncia para uma segunda instancia superior áquella em que forem pronunciados.

É pequena esta questão, sr. presidente?

Para mim é muito grande.

Eu não posso continuar a occupar n'esta camara o logar de par do reino em condições de independencia, sem que v. exa. e a camara me garantam que a minha liberdade não está á mercê do primeiro juiz que se lembre de lavrar contra mim um despacho de pronuncia que ha de produzir todos os effeitos, desde a ratificação até á prisão, sem que eu tenha o direito de recorrer d'esse despacho.

Eu não censuro o acto de v. exa., que procedeu nas melhores intenções, assignando o mandado de captura contra o sr. Mendonça Côrtez; mas, perdôe-me v. exa. que lhe diga com toda a franqueza que foi illegal o que fez. Vou proval-o á camara. Ha uma lei que regula este assumpto, que é a lei de 15 de fevereiro de 1849.

No artigo 4.° d'essa lei encontra-se o seguinte:

"Observar-se-ha n'estes processos (os que são julgados pela camara dos pares), em tudo o que for applicavel, o que se acha estabelecido na novissima reforma judicial e demais legislação em vigor, para o julgamento dos crimes e erros de officio, de que conhece o supremo tribunal de justiça em primeira e ultima instancia."

Quer dizer: manda que n'estes processos se observe o mesmo que se pratica nos processos dos juizes, de que conhece o supremo tribunal de justiça, instaurados por erros de officio commettidos fóra do exercicio das suas funcções.

Agora vamos a ver o que sé diz no artigo 820.° da novissima reforma judiciaria.

N'esse artigo diz-se:

"O supremo tribunal de justiça em plena reunião conhece dos crimes e erros de officio dos juizes e membros do ministerio publico, de que trata o artigo 20.°, n.° 5.°, julga-os em primeira e ultima instancia."

E logo a seguir, no artigo 821.°:

"Nos crimes por elles commettidos fóra do Exercicio das suas funcções seguir-se-ha o processo estabelecido no capitulo V do titulo XVIII."

E o artigo 765.° d'esse, titulo diz assim:

"Julgada procedente a accusação, o juiz ficará logo suspenso do exercicio das suas funcções e contra elle se passará ordem de prisão. Se, porem, ao crime couber fiança, não será o juiz preso, mas sómente intimado para dentro de certo praso comparecer no tribunal, a fim de responder á accusação."

Portanto a lei que se devia applicar ao crime do sr. Mendonça Côrtez, era a lei de 15 de fevereiro de 1849, segundo a qual aquelle digno par não podia ser preso, porque foi pronunciado, com fiança, que tinha de ser substituida por uma intimação feita ao réu para se apresentar em certo praso perante o tribunal.

Agora vejâmos o regimento.

O regimento da camara é posterior a esta lei, é verdade, mas o que não soffre contestação é que o regimento feito pela camara dos dignos pares não póde derogar uma lei feita pelos corpos legislativos.

Mas o que é que diz o regimento no seu artigo 13.°?

Diz o seguinte:

"Se a pronuncia for de prisão e livramento, passar-se-ha mandado de captura assignado pelo presidente, o qual requisitará do governo, pelo ministerio respectivo, a sua execução; mas se for de livramento sob fiança, será esta tomada ao réu por simples despacho do presidente, na conformidade da lei commum."

Qual é a lei commum para os pares do reino?

Certamente que não é a lei commum applicavel a qualquer cidadão; é a lei commum a que se refere o artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849, que manda julgar estes processos pela mesma fórma por que têem de ser julgados os dos juizes.

A par d'isto, a constituição do estado determina que nenhum par ou deputado póde ser preso sem ordem da sua respectiva camara.

Portanto, sr. presidente, como é que sem ordem expressa d'esta camara se mandou prender o sr. Mendonça Cortez, invalidando-se uma das mais importantes prerogativas.

V. exa., que é um homem de sã consciencia, de certo não procedia assim se não tivesse sido aconselhado pelos jurisconsultos, que n'este caso a lei põe ao lado do relator do processo e do presidente do tribunal.

E como é que v. exa. foi aconselhado em boa fé a postergar uma garantia claramente expressa n'uma disposição terminante da lei de 15 de fevereiro de 1869?

Sr. presidente, o artigo 3.° do acto addicional diz que nenhum par ou deputado póde ser preso, depois de pronunciado, sem ordem da respectiva camara.

Onde está essa ordem?

Qual dos dignos pares, que votaram ha dias as conclusões do parecer da commissão de legislação sobre o seguimento do processo relativo ao sr. Mendonça Cortez, pensou que votava a prisão d'aquelle digno par?

Nenhum, de certo.

Quem viu o processo?

Quem examinou as provas, pelas quaes aquelle digno par foi pronunciado?

Quem cotejou os depoimentos das testemunhas com os outros documentos que constam do processo?

Sr. presidente, pois esta camara podia porventura, sem provas, sem ter folheado o processo, precipitada e tumultuariamente, ratificar a pronuncia d'aquelle digno par, e votar como consequencia dessa ratificação a sua prisão?

Não é possivel.

Eu digo, sem receio de que me desmintam, que nenhum dos dignos pares que approvaram as conclusões do parecer da commissão de legislação, o fez com a consciencia de que votava desde logo a ratificação da pronuncia e a prisão do réu.

Sr. presidente, a carta constitucional e o segundo acto addicional á carta exigem expressamente ordem d'esta camara para que qualquer dos seus membros seja preso.

Onde está essa ordem?