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N.º 18

SESSÃO DE 20 DE FEVEEEIRO DE 1892

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- O sr. marquez de Vallada insta por documentos já pedidos. - Responde-lhe o sr. ministro do reino.- O digno par o sr. Rebello da Silva pergunta se as portarias do ministerio das obras publicas, referentes aos institutos commerciaes e industriaes, fariam extensiva a sua doutrina ao instituto de agronomia e veterinaria. - Responde-lhe o sr. ministro do reino. - O sr. condo de Gouveia manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei que tem por fim occorrer ás circumstancias do thesouro, procurando extinguir o desequilibrio entre as receitas e as despezas. Vae a imprimir para ser distribuido por casa dos dignos pares, a fim de, na proxima segunda feira, entrar em discussão. - O digno par o sr. Luciano de Castro protesta contra a prisão do sr. Mendonça Côrtez. - Responde-lhe o sr. presidente. - Usam da palavra sobre este mesmo assumpto: o digno par o sr. Hintze Ribeiro, que manda para a mesa uma moção, e o sr. Marçal Pacheco, a quem replíca o sr. presidente, que, com o sr. Luciano de Castro, se alterna ainda em varias considerações. - É lida e approvada a moção do digno par o sr. Hintze Ribeiro. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e quarenta e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 30 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão. Não houve correspondencia.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Ha muito tempo que eu pedi, e repetidas vezes solicitei, uma declaração da parte do governo, ou uma informação, relativamente aos emprestimos ou adiantamentos, ou como em direito melhor nome se possa dar, ao extravio das quantias designadas no relatorio do sr. ministro da fazenda, feito a muitas companhias, officinas, emprezas, etc., ctc., porque é natural que alguem assuma a responsabilidade d'esses actos. Actos sem responsabilidade; actos sem lei?!

Eu entendo, sr. presidente, que sem lei os governos não podem praticar certos actos.

Pedi, em primeiro logar, uma relação das quantias emprestadas ao banco lusitano.

O sr. D. Luiz da Camara Leme pediu tambem uns esclarecimentos referentes a este negocio, e eu creio que s. exa. já os recebeu; mas eu, sr. presidente, não estou ainda de posse d'aquelles que pedi e que são urgentemente precisos.

Pedi esses esclarecimentos ao ministerio transacto, e não aos cavalheiros que se sentam actualmente nos bancos do poder, mas o certo é que o meu pedido é muito antigo e que ainda não foi satisfeito.

Veiu uma declaração para o sr. D. Luiz da camara Leme, mas não veiu para mim, e eu creio que os meus direitos não são inferiores aos de qualquer outro membro d'esta camara.

Á excepção do sr. marquez de Ficalho, eu sou actualmente o mais antigo membro d'esta camara.

Sei que foram para o caminho de ferro 2:000 ou 3:000 contos de réis, sei que todos os adiantamentos sommam a importante quantia de 13:000 contos de réis e, portanto, indispensavel é averiguar a rasão que levou o governo a usar d'esta liberalidade, indispensabilidade que mais se justifica no momento em que vão ser exigidos ao paiz pesados tributos.

É preciso saber como o governo ha de receber aquillo que lhe é devida e indevidamente dado.

Hei de discutir largamente esta questão, porque não é possivel que as cousas publicas continuem como até aqui.

Preciso d'essa informação ou desses esclarecimentos, e peço a v. exa. que me diga se elles já vieram.

O sr. Presidente: - Até este momento ainda não chegaram, porque do contrario teriam sido já entregues ao digno par.

O Orador: - Insta novamente por esses documentos, e pede ao sr. presidente lhe reserve a palavra para quando esteja presente algum dos srs. ministros.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, peço a v. exa. me conceda a palavra quando estiver presente algum dos membros do governo.

(Entrou o sr. presidente ao conselho José Dias Ferreira.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Diz que o facto a que se vae referir não é da responsabilidade d'este governo, mas é do seu dever dar as providencias que lhe vae pedir.

Em tempo ainda do ministerio transacto solicitára uma lista dos papeis de credito que tinham servido de penhor aos 13:000 contos de réis que saíram do thesouro para diversos bancos e companhias.

Igual pedido, com relação ao banco lusitano, fizera o sr. D. Luiz da Camara, já em tempo do actual ministerio e fora attendido.

Pergunta, pois, ao sr. presidente do conselho, se, como par do reino, tem direito de instar pelos documentos que já pedíra, mas que ainda lhe não tinham sido remettidos.

Pondera em seguida que effectivamente se deve saber quaes os titulos e cauções aos 13:000 contos de réis que saíram do thesouro e aqui é que começa a responsabilidade do actual ministerio, visto como elle entrara para governar e tomar a responsabilidade dos actos dos governos passados, e, por consequencia, dos dinheiros do estado dados indevidamente ao banco do povo, ao banco lusitano, á companhia dos caminhos de ferro e a uma quantidade enorme de syndicatos que são a desgraça d'este paiz e a causa do estado em que nos encontramos.

Entende que antes de se pedir o auxilio do povo com pesadissimas contribuições, é necessario saber-se aquillo com que o governo conta.

Faz votos para que Deus afaste o absolutismo d'este paiz, mas vê com mágua que ha diversas tendencias e sob diversas formas para elle, porque o absolutismo é um fim que se póde conseguir por diversos meios.

Em homenagem aos principios liberaes, ao direito e á justiça, roga ao sr. presidente do conselho não consinta que se occultem documentos que possam elucidar os dignos pares e o paiz e lhe sejam, portanto, enviados os que pe-

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dirá. Pergunta por ultimo se o governo está firme no proposito de restabelecer a moralidade, no poder.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. o restitua.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Sr. presidente, não póde haver inconveniente nenhum em que venham a esta camara ou á dos senhores deputados os documentos pedidos por quaesquer dos seus membros, por isso que têem o direito de apreciar a situação da fazenda e da politica do paiz.

O governo seguirá, pois, sempre a norma de facilitar ao parlamento todos os documentos de que dispõe, com a simples excepção d'aquelles que versem sobre negociações pendentes.

Portanto, eu lembrarei ao meu collega, o sr. ministro da fazenda, o requerimento do digno par.

Devo, porém, dizer ao digno par que o governo, pelo facto de manter quaesquer contratos feitos anteriormente á sua gerencia, não toma a responsabilidade de todos elles.

O sr. Marquez de Vallada: - Muito bem.

O Orador: - A herança governativa não se toma a beneficio do inventario.

Havemos ds liquidar tudo o que achamos feito e regular o futuro.

A proposta de lei que se acha affecta á illustre commissão de fazenda da camara dos dignos pares contem uma parte que auctorisa o governo a reformar os convenios que for conveniente reformar. Comprehende, todavia, a camara, e o digno par comprehenderá tambem, que se nós formos a exigir de prompto todos os creditos, poderemos, arrumar as companhias, sem lograrmos reembolsar o the-souro.

Portanto o governo providenciará da melhor maneira que lhe for possivel.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - Agradece a resposta do sr. presidente do conselho e declara não ignorar que as responsabilidades não se tomam todas seguidamente, que ellas não pertencem de certo a s. exa.; mas entende ser preciso que alguem tome a responsabilidade gravissima de deixar estar o paiz á mercê dos desconcertos que se fizeram.

Referindo-se á companhia real dos caminhos de ferro, accentua que ella não se governa só por si, mas que tem um fiscal por parte do governo, que é o sr. Antonio de Serpa, financeiro distinctissimo, a quem tudo se occultou, de contrario s. exa. teria prevenido o governo.

Estranha que os estatutos da companhia permittissem que ao sr. conde de Burnay fossem dados 5:000 contos de réis, segundo-o affirmara o sr. Antonio Centeno.

Invectiva contra monopolios e monopolistas e affirma que se nos continuarmos a administrar assim, o paiz passará de portuguezes a ser de syndicateiros.

Narra o modo como em França se procedia contra os syndicateiros e pergunta se o nosso governo não é o fiscal da lei, se não tem os seus delegados do procurador régio, o seu governador civil e os seus commissarios de policia?

Pondera quanto urge cortar fundo por todos os abusos, por isso que ao ministerio dão o epitheto de salvador, e quanto importa fiscalisar as juntas geraes e as camaras municipaes por lançarem excessivos impostos.

Promette pedir ao governo na primeira sessão uma nota dos emprestimos contrahidos por aquellas corporações.

Alonga-se em varias considerações a proposito de notas falsas, de contrabando, de bancos arruinados, de casas de jogo, e com referencia a este ultimo abuso conta o caso de um provinciano ter perdido em Cascaes, em o nosso higglife, a somma de 4 contos de réis, que comsigo trouxera para pagar uma divida de familia, vendo-se depois na necessidade de empenhar o relogio para pagar á hospedaria.

Felicita-se por não terem conseguido rehabilitar o jogo, supposto houvesse em mente fazel-o e transformar essa immoralidade n'um commercio para ruina das familias.

Por ultimo, torna a instar por documentos já pedidos.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - Sr. presidente, a pergunta que vou dirigir a s. exa. o sr. presidente do conselho ha já dias que estou para a fazer ao illustre ministro das obras publicas, e é por esse cavalheiro se não achar presente que me dirijo ao sr. presidente do conselho.

Tendo eu visto na folha official de 13 do corrente uma portaria mandando rever a organisação do instituto commercial e industrial de Lisboa, e tendo visto na mesma folha, em 17, outra portaria mandando tornar extensivo ao instituto industrial do Porto o que determina a primeira portaria, desejava saber se o governo tenciona seguir o mesmo processo em relação ao instituto geral de agronomia e veterinaria, que tambem representou aos poderes publicos a respeito da ultima reforma dos serviços agricolas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Dias Ferreira): - Não posso dizer, n'este momento, ao digno par se o meu collega, o sr. ministro das obras publicas, pensa em tornar extensivo ao estabelecimento scientifico, a que o digno par se referiu, o mesmo expediente que adoptou com relação aos outros. Mas o que posso assegurar ao digno par é que, sendo o pensamento do governo reformar todos os serviços, que careçam de reforma, e onde ella se possa fazer com reducção de despeza e melhor aproveitamento do ensino, não será exceptuado, se estiver n'essas circumstancias, o estabelecimento a que s. exa. se referiu.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Gouveia.

O sr. Conde de Gouveia: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto n.° 57.

O sr. Presidente: - Vae ler-se.

(Foi lido.)

O sr. Presidente: - Este parecer vae a imprimir e será distribuido hoje mesmo por casa dos dignos pares para poder entrar em discussão na proxima segunda feira. Se não ha mais quem peça a palavra vou encerrar a sessão.

O sr. José Luciano de Castro: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, dizem os jornaes de hoje que foi hontem capturado um membro d'esta camara.

Acho tão grave esse assumpto, que desejo chamar para elle a attenção de v. exa. e a da camara, não com o animo de censurar as rectas intenções de v. exa., mas com o desejo de deixar lavrado o meu protesto contra o precedente que se estabeleceu. (Apoiados.)

Sr. presidente, por um simples despacho de um juiz de primeira instancia, póde ser arrastado ao banco dos réus qualquer membro d'esta camara; isto é, ficam os dignos pares sem as garantias que a lei concede a todos os cidadãos! (Apoiados.)

Um par do reino pronunciado e preso nas circumstancias em que o foi o cavalheiro que hontem capturaram, é um precedente que póde occasionar tristes consequencias.

Sr. presidente, não protesto contra as rectas intenções de v. exa. que eu sei que foram boas, visto que eram dictadas pelo sentimento do dever e pela consciencia da sua

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respeitabilidade; mas, repito, não posso deixar passar o precedente sem. chamar para elle a attenção de todos os membros d'esta camara porque, se as consequencias que d'elle derivarem ou possam derivar, forem sanccionadas e acceitas sem protesto, ficará estabelecida para nós uma excepção odiosa em relação a todos os outros cidadãos. (Apoiados.)

Pois não póde um cidadão qualquer ser levado ao banco dos réus sem que haja uma instancia superior que avalie os fundamentos do despacho de pronuncia, e ha de este facto anormal e contrario ás leis do reino passar sem protesto?

Não, sr. presidente, porque d'esta maneira os membros d'esta camara estão abaixo do mais insignificante cidadão, (Apoiados.) porque esses gosam de um direito que as leis garantem a todos, e o par do reino, por um simples despacho de pronuncia, é arrastado ao banco dos réus e encarcerado, como foi o digno par, por ordem de v. exa.

Isto não póde ser, isto não deve ser!

E se os dignos pares imaginam que, cruzando os braços diante d'este attentado, consolidam e fortalecem a sua auctoridade enganam-se. (Apoiados.)

Celebram talvez as suas exéquias, e cavam diante de si um abysmo, onde podem caír, quando menos o esperarem.

Sr. presidente, não ha de ser com o meu voto, nem com o meu silencio, que esse precedente se ha de estabelecer. Não trato do sr. Mendonça Cortez, que está entregue aos tribunaes, que lhe hão de fazer justiça. Trato dos membros desta camara que são esbulhados de uma prerogativa que lhes pertence, da garantia de poderem recorrer de um despacho de pronuncia para uma segunda instancia superior áquella em que forem pronunciados.

É pequena esta questão, sr. presidente?

Para mim é muito grande.

Eu não posso continuar a occupar n'esta camara o logar de par do reino em condições de independencia, sem que v. exa. e a camara me garantam que a minha liberdade não está á mercê do primeiro juiz que se lembre de lavrar contra mim um despacho de pronuncia que ha de produzir todos os effeitos, desde a ratificação até á prisão, sem que eu tenha o direito de recorrer d'esse despacho.

Eu não censuro o acto de v. exa., que procedeu nas melhores intenções, assignando o mandado de captura contra o sr. Mendonça Côrtez; mas, perdôe-me v. exa. que lhe diga com toda a franqueza que foi illegal o que fez. Vou proval-o á camara. Ha uma lei que regula este assumpto, que é a lei de 15 de fevereiro de 1849.

No artigo 4.° d'essa lei encontra-se o seguinte:

"Observar-se-ha n'estes processos (os que são julgados pela camara dos pares), em tudo o que for applicavel, o que se acha estabelecido na novissima reforma judicial e demais legislação em vigor, para o julgamento dos crimes e erros de officio, de que conhece o supremo tribunal de justiça em primeira e ultima instancia."

Quer dizer: manda que n'estes processos se observe o mesmo que se pratica nos processos dos juizes, de que conhece o supremo tribunal de justiça, instaurados por erros de officio commettidos fóra do exercicio das suas funcções.

Agora vamos a ver o que sé diz no artigo 820.° da novissima reforma judiciaria.

N'esse artigo diz-se:

"O supremo tribunal de justiça em plena reunião conhece dos crimes e erros de officio dos juizes e membros do ministerio publico, de que trata o artigo 20.°, n.° 5.°, julga-os em primeira e ultima instancia."

E logo a seguir, no artigo 821.°:

"Nos crimes por elles commettidos fóra do Exercicio das suas funcções seguir-se-ha o processo estabelecido no capitulo V do titulo XVIII."

E o artigo 765.° d'esse, titulo diz assim:

"Julgada procedente a accusação, o juiz ficará logo suspenso do exercicio das suas funcções e contra elle se passará ordem de prisão. Se, porem, ao crime couber fiança, não será o juiz preso, mas sómente intimado para dentro de certo praso comparecer no tribunal, a fim de responder á accusação."

Portanto a lei que se devia applicar ao crime do sr. Mendonça Côrtez, era a lei de 15 de fevereiro de 1849, segundo a qual aquelle digno par não podia ser preso, porque foi pronunciado, com fiança, que tinha de ser substituida por uma intimação feita ao réu para se apresentar em certo praso perante o tribunal.

Agora vejâmos o regimento.

O regimento da camara é posterior a esta lei, é verdade, mas o que não soffre contestação é que o regimento feito pela camara dos dignos pares não póde derogar uma lei feita pelos corpos legislativos.

Mas o que é que diz o regimento no seu artigo 13.°?

Diz o seguinte:

"Se a pronuncia for de prisão e livramento, passar-se-ha mandado de captura assignado pelo presidente, o qual requisitará do governo, pelo ministerio respectivo, a sua execução; mas se for de livramento sob fiança, será esta tomada ao réu por simples despacho do presidente, na conformidade da lei commum."

Qual é a lei commum para os pares do reino?

Certamente que não é a lei commum applicavel a qualquer cidadão; é a lei commum a que se refere o artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849, que manda julgar estes processos pela mesma fórma por que têem de ser julgados os dos juizes.

A par d'isto, a constituição do estado determina que nenhum par ou deputado póde ser preso sem ordem da sua respectiva camara.

Portanto, sr. presidente, como é que sem ordem expressa d'esta camara se mandou prender o sr. Mendonça Cortez, invalidando-se uma das mais importantes prerogativas.

V. exa., que é um homem de sã consciencia, de certo não procedia assim se não tivesse sido aconselhado pelos jurisconsultos, que n'este caso a lei põe ao lado do relator do processo e do presidente do tribunal.

E como é que v. exa. foi aconselhado em boa fé a postergar uma garantia claramente expressa n'uma disposição terminante da lei de 15 de fevereiro de 1869?

Sr. presidente, o artigo 3.° do acto addicional diz que nenhum par ou deputado póde ser preso, depois de pronunciado, sem ordem da respectiva camara.

Onde está essa ordem?

Qual dos dignos pares, que votaram ha dias as conclusões do parecer da commissão de legislação sobre o seguimento do processo relativo ao sr. Mendonça Cortez, pensou que votava a prisão d'aquelle digno par?

Nenhum, de certo.

Quem viu o processo?

Quem examinou as provas, pelas quaes aquelle digno par foi pronunciado?

Quem cotejou os depoimentos das testemunhas com os outros documentos que constam do processo?

Sr. presidente, pois esta camara podia porventura, sem provas, sem ter folheado o processo, precipitada e tumultuariamente, ratificar a pronuncia d'aquelle digno par, e votar como consequencia dessa ratificação a sua prisão?

Não é possivel.

Eu digo, sem receio de que me desmintam, que nenhum dos dignos pares que approvaram as conclusões do parecer da commissão de legislação, o fez com a consciencia de que votava desde logo a ratificação da pronuncia e a prisão do réu.

Sr. presidente, a carta constitucional e o segundo acto addicional á carta exigem expressamente ordem d'esta camara para que qualquer dos seus membros seja preso.

Onde está essa ordem?

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Se a camara a votou, digam-me os dignos pares qual foi a sessão em que a camara resolveu que o digno par sr. Mendonça Cortez fosse capturado?

Eu não conheço essa resolução, e o silencio da camara a esta minha interrogação mostra claramente que todos aquelles que votaram o parecer da commissão de legislação, não julgaram de certo que votavam desde logo a prisão d'aquelle digno par.

Não houve, portanto, ordem desta camara para ser preso aquelle digno par, e as declarações que v. exa. fez na occasião de se proceder á votação das conclusões do parecer não podem supprir uma votação da camara.

Por consequencia, v. exa. não podia auctorisar a captura de um membro d'esta camara sem infringir as disposições da nossa constituição politica.

Eu não quero censurar ninguem. V, exa. acceitou a resolução da camara em todas as suas consequencias; entendeu que procedia regular e legalmente ordenando a captura do sr. Mendonça Cortez, em conformidade com a resolução da camara e os precedentes aqui adoptados.

Mas a camara de certo não viu até onde podia ir essa resolução e as consequencias que d'ella se podiam tirar, e é por isso que eu, usando do meu direito, eu, o seu mais infimo membro, um dos que aqui têem assento ha menos tempo, mas que por isso mesmo não prézo menos as suas prerogativas, nem a sua dignidade; eu entendi do meu decoro levantar esta questão perante a camara não para lhe pedir nenhuma reconsideração das sitas resoluções, mas para impedir que este precedente fique de algum modo estabelecido como um aresto, no qual se podem firmar futuras aggressões e ultrages contra as nossas prerogativas e contra os direitos d'esta camara.

Está encarregada a. commissão de regimento de propor uma reforma do regimento; e essa commissão trará de certo, dentro de poucos dias á camara o seu parecer, no qual seguramente serão acautelados este e outros inconvenientes da, a meu ver errada, intepretação que se tem dado ao regimento da camara e ao acto addicional. Não sei porém se a esse trabalho acontecerá o que aconteceu ao parecer da commissão apresentado em uma das, sessões passadas, e que ainda não foi discutido.

Por isso, eu protesto contra a interpretação que se deu ao regimento e á lei.

O sr. Presidente: - A camara comprehende aposição excepcional em que me acho collocado, depois do discurso do digno par o sr. José Luciano de Castro, tendo obrigação de responder aos argumentos do digno par e ás accusações, que tão amavelmente me dirigiu. Se acamara consentir que eu falle mesmo d'este logar assim o farei; se não consentir pedirei ao digno par, a quem compete, venha substituir-me na presidencia e irei occupar a minha cadeira a fim de discutir com o digno par, que talvez mesmo sem o querer atirou para cima de mim com grandes responsabilidades.

Vozes: - Falle d'ahi, falle.

O Orador: - Primeiro que tudo cumpre-me agradecer ao digno par o sr. José Luciano de Castro as palavras com que teceu os maiores elogios ao meu caracter, e á rectidão das minhas intenções, e consciencia do meu procedimento, e, n'este ponto, devo tambem dizer a s. exa. não me fez mais que inteira justiça.

Nada me podia ser, e é ainda, mais doloroso do que ter tido de assignar um mandado de prisão contra um membro d'esta camara.

Dito isto, permitia o digno par que lhe diga que tenho a consciencia de ter procedido com toda a moderação e circumspecção, que O caso pedia, comparando toda a legislação a consultar sobre o assumpto; é certo porém que o digno par a quem respondo, só fez justiça ao meu caracter, mas não á intelligencia com que interpretei as leis e d'ellas fiz applicação. Devo dizer ao digno par, que n'este momento não póde vir para a questão a ratificação ou não ratificação da pronuncia, por isso que a camara votou o parecer da commissão de legislação, e impoz-me a obrigação de dirigir o processo nos termos das leis, e um dos termos era a prisão desde que a fiança prestada pelo indiciado não tinha podido considerar-se idonea.

Por certo que o digno par não ignora a responsabilidade que a lei impõe ao juiz, e portanto a mim, nas indagações sobre a idoneidade dos fiadores e da fiança, são os artigos 930.º e 932.°da novissima reforma judiciaria. Mas em toda a argumentação do digno par só ha de importante o ter s. exa. dito, que eu commetti uma illegalidade, procedendo como procedi, e s. exa. disse isto, nas melhores intenções, de certo, e por laborar em um grande equivoco, e por querer applicar ao caso em questão legislação que o não é, nem podia ser, por mim chamada a reger no assumpto.

O artigo 13.º do regulamento da camara dos dignos pare?, de 1861, manda expressamente que nos casos em que os crimes admitiam fiança, esta seja determinada por simples despacho do presidente, e se siga em tudo o direito commum, e o direito commum não é, como disse o digno par, o capitulo 18.° da novissima reforma judiciaria, que contem garantias e privilegios para a classe dos juizes quando processados, mas sim o capitulo 5.° da mesma reforma, artigos 920.° a 936.°, que marca o processo para todos os cidadãos portuguezes; nunca ninguem chamou direito commum a um privilegio concedido a uma classe. Dizer-se que é direito commum, por que é commum a todos os pares do reino? Muito extraordinario?! E deveras sinto que similhante argumento fosse produzido pelo digno par, que é um jurisconsulto, e nem se lembrou, que esse privilegio concedido aos juizes o é sem haver fiança, porque a lei que o concede expressamente declara que a não ha, e o indiciado não é obrigado a prestal-a.

A lei de 15 de fevereiro de 1849 não é applicavel, e vive e tem vivido sempre perfeitamente com o artigo 13.° do regulamento da camara, desde que esta de seu motu proprio quiz sujeitar-se ao direito commum, e tanto que se seguisse a opinião do digno par, tinhamos que passar um diploma de ineptidão e de ignorancia aos dignos pares do reino que funccionaram em 1861, muitos dos quaes eram jurisconsultos conhecidos, e alguns ainda hoje se conservam na camara, pois é certo que, se o regulamento que fizeram não podesse viver com a lei de 1849, na mão da camara estava o revogal-a.

Tanto não é exacta a opinião do digno par, que, sendo presidente da commissão do regulamento que elaborou um parecer, que se não chegou a discutir, n'este mesmo parecer foi inserida a mesma disposição do artigo 13.° do regulamento de 1861, e não fez embaraço ao digno par a lei de 1849, e é claro que se a lei de 1849 fosse embaraço e o digno par tivesse no seio da commissão a opinião que apresentou hoje, por certo, ou propunha a revogação da lei de 1849, ou acceitava a sua disposição, e não o regulamento de 1861 no artigo 13.°; creio que isto é claro.

A camara não acceitou a ratificação de pronuncia, obedecendo a praxes já estabelecidas, e mandou continuar o processo nos termos do seu regulamento e das leis; que é que ficou? O despacho de pronuncia, que classificou o crime, que declarou ser d'aquelles que admittia fiança; portanto, desde a deliberação da camara ficou de pé o despacho de pronuncia, com todas as suas consequencias e effeitos; desde logo auctorisou o presidente a proceder nos termos do mesmo despacho, e do regulamento de 1861 e novissima reforma judiciaria, capitulo v, artigos 920.° e seguintes, que estabeleceu o direito commum a seguir, os termos do processo, e d'esta auctorisação dependeu, o eu não consultar a camara, ou o tribunal, para mandar proceder a prisão, e nem outra cousa podia ser, pois se o processo de fiança é processo de segredo quando os indiciados não estão presos, como o é todo o processo emquanto os indiciados não estão, ou presos, ou afiançados, como é que eu

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podia pedir á camara auctorisação para mandar prender o indiciado?

A camara, na sua resolução, comprehendeu perfeitamente o assumpto, e por isso delegou no presidente os termos do processo, conforme o seu regulamento.

Sobre a idoneidade da fiança, seu não quiz tomar inteira a responsabilidade, e ouvi o dignissimo procurador geral da corôa, que é um funccionario muito distincto, muito serio, e d'estes que poderão quebrar, mas não vergam, e a sua resposta foi clara e concludente com o que do processo constava, e eu, que podia immediatamente despachar, não julgando a fiança idónea, fiz intimar o indiciado para, dentro em quarenta e oito horas, provar a idoneidade dos seus fiadores; mais ainda, requerendo o indiciado prorogação de praso, porque se havia mettido um domingo de permeio nas quarenta e oito beras, eu concedi-lhe tres dias, e disto é que eu peço á camara me absolva, porque, no rigor de direito, eu não devia nem fazer-lhe tal intimação, nem conceder-lhe aquelle praso; mas acceitei a grande responsabilidade do meu procedimento obedecendo a circumstancias que se davam, e queria que o meu procedimento podia ser levado, como foi pela falta de prova por parte do indiciado, não prendesse por fórma alguma em qualquer má vontade que me podesse ser attribuida.

Mas é certo, que o indiciado durante os tres dias nada fez e no ultimo d'estes tres dias, requereu que os autos se fizessem conclusos, ou para se diminuir a caução, ou para julgar idónea uma fiança, que o não era, fundando-se em que no crime as fianças não eram caucionadas com os teres e haveres dos fiadores, mas só com a idoneidade da pessoa isto com; o completo desconhecimento, do artigo 932.° da novissima reforma judiciaria; pois asada assim ouvi o douto procurador geral da corôa, e só com a resposta d'este magistrado é que despachei, e só no dia seguinte mandei passar e remetter ao ministerio competente os mandados de captura que a lei e o dever me impunham.

A camara vê que eu não posso ser inculpado em que o indiciado não podesse prestar fiança idónea, e que a consequencia fatal de a não poder prestar não podia ser outra senão a prisão.

O digno par, o sr. José Luciano, depois de me render todos os elogios, q"e eu lhe agradeço, ha de concordar que quem está em erro é s. exa., por chamar direito commum ao que o não é, e por querer que a lei de 15 de fevereiro de 1849 fosse applicada, não o devendo ser, como o proprio sr. José Luciano o reconheceu no parecer que, como presidente da commissão do regulamento, veiu trazer a esta camara, e eu não posso nem devo imaginar que s. exa. assignou aquelle parecer com desconhecimento das leis, e do que o proprio parecer contém.

Já vê a camara que eu procurei cumprir os meus deveres e dirigir a questão segundo as prescripções da lei e as resoluções da camara.

Eu estimei que o digno par levantasse a questão, e desejo mesmo que provoque sobre o meu procedimento uma resolução da camara, porque, comquanto a minha consciencia esteja tranquilla e socegada, bom é que a camara se pronuncie e diga ao paiz qual de nós dois seguia a opinião que mais se ajustarás disposições legislativas chamadas a reger o assumpto.

Podia entender mal, e posso estar em erro, e se a camara assim entender que não procedi convenientemente e legalmente, embora a minha consciencia me esteja dizendo o contrario, sei qual é o meu dever, e desejo mesmo que a tal respeito o digno par provoque, como já disse, uma decisão da camara.

Devo dizer ao digno par, que, examinando, estudando e comparando as leis, não consultei nem jurisconsultos nem amigos; segui a opinião que se coadunou á minha consciencia e intelligencia; portanto, s. exa. não hesite em lançar para cima de mim toda é a mais completa responsabilidade, pois eu a tomo inteira, porque em verdade só eu a tenho e mais ninguem, e sem duvida me será muito agradavel o veredictum da camara sobre a legalidade ou illegalidade do meu procedimento; eu o acato de animo muito sereno e de consciencia muito descansada.

Em todo o caso eu peço a attenção do digno par para o artigo 13.°:

"Se a pronuncia for de prisão e livramento, passar-se-ha mandado de captura assignado pelo presidente; mas se for de livramento sob fiança, será esta tomada ao réu por simples despacho do presidente, na conformidade da lei commum."

Lei, commum, note s. exa. bem; n'estas palavras é que está o equivoco do digno par, e, como já disse, o titulo 18.° da novissima reforma judiciaria refere-se aos juizes quando processados e portanto não é lei commum.

Quer s. exa. saber o que é a lei commum?

(Leu.)

Esta é que é a lei commum applicavel a todos os cidadãos do paiz; mas o artigo que s. exa. citou refere-se especialmente aos juizes processados ante o supremo tribunal de justiça.

Não andei de leve em assumpto tão melindroso, e procurei conscienciosamente adoptar uma jurisprudencia que não desse logar a reparos, e primeiro que tudo fosse a justiça em face das leis.

Creia o digno par, que eu procuro ter sempre a minha consciencia tranquilla e socegada, e que foi com a maior contrariedade que assignei o mandado de captura.

Andei mal? Andei bem?

A camara o decidirá na sua alta sabedoria.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, eu repito, não foi intenção minha pôr em duvida o procedimento correcto de v. exa. Portanto, não é necessario provocar nenhuma resolução da camara sobre a boa ou má interpretação da lei, porque eu estou convencido de que v. exa. deu á lei a interpretação mais conforme com a sua consciencia.

Eu sou o primeiro a dar testemunho de que v. exa. procedeu o mais correctamente possivel. Eu não duvido das boas intenções de v. exa.

Quanto, porém, á interpretação que v. exa. dá a um dos artigos do regulamento desta camara, quando constituida em tribunal de justiça, a nossa divergencia é completa.

Sobre esse ponto, porém, que lucrâmos nós em estar a provocar uma deliberação da camara?

Nada, absolutamente.

Eu não quero de maneira nenhuma que a camara se pronuncie em sentido diverso daquelle por que se pronunciou, quando aqui se votou o parecer da commissão de legislação sobre o processo do sr. Mendonça Cortez, o que eu quero é protestar contra o que se fez, é manifestar a minha opinião contra o precedente, e evitar que o facto, que agora se deu, se possa repetir.

Eu desejei unicamente lavrar o meu protesto bem publico, para que se ficasse sabendo que não me conformo, nem com o precedente, nem com as suas consequencias.

Mas, sr. presidente, disse tambem v. exa. que com respeito á questão de direito, eu não havia comprehendido bem o assumpto, e, para mostrar que eu estava em erro, v. exa. leu o artigo 13.° do regulamento d'esta camara quando constituida em tribunal de justiça, artigo em que se diz o seguinte:

(Leu.)

Ora, diz v. exa. que a lei commum de que trata este artigo, não é a lei que se refere aos pares do reino e aos juizes do supremo tribunal de justiça, e sim que é a lei commum a qualquer cidadão.

Mas, sr. presidente, nós temos lei pela qual nos devemos regular. Nas legem habemus.

24 *

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES REINO

Nós temos lei que nos diz qual é a disposição applicavel ao caso em questão.

Essa disposição é a que se encontra no artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849.

Vejâmos o que diz esse artigo:

(Leu.)

Portanto, é este o artigo applicavel aos. processos que digam respeito aos pares do reino.

Que me importa o artigo do regimento, quando mesmo dissesse cousa differente?

Porventura o regimento da camara poderia prevalecer contra uma disposição da lei? A lei diz expressamente que á camara dos dignos pares se applicam as mesmas disposições da novissima reforma judicial referentes ao processo dos juizes perante o supremo tribunal de justiça. Ora a novissima reforma judicial diz que quando for a pronuncia com fiança, não será o juiz preso, mas sómente intimado para dentro de certo praso comparecer no tribunal, a fim de responder á accusação.

Por isso, como póde v. exa., sr. presidente, fugir a esta disposição da lei? O regimento ha de estar ae accordo com a lei; mas, sé não está de accordo, a lei ha de cumprir-se e não o regimento.

Por isso, a prisão que v. exa. ordenou, salvo o devido respeito á opinião de v. exa., que eu não posso deixar de considerar, é suma prisão illegal. Não posso deixar de dizel-o, e sinto muito que v, exa. assim propendesse; mas ao mesmo tempo que o sinto, não posso deixai1 de reconhecer que v. exa. procedeu com as mais correctas intenções. Diz v. exa. que ouviu o procurador geral da corôa; portanto a sua responsabilidade está salva.

Eu entendo a lei de uma maneira differente da de v. exa. Eu appello para todos os. jurisconsultos d'esta camara, para que elles me digam se, em vista do artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849, póde haver alguma duvida a este respeito.

V. exa. não podia ordenar a prisão, porque a lei prohibe-o expressamente. O digno par de que tratâmos podia ser intimado para num certo praso de tempo se apresentar perante o tribunal; mas v. exa. não podia ordenar a sua prisão.

Portanto, a doutrina de v. exa. sobre a interpretação do artigo do regimento cáe completamente, quando se compara esse artigo com a disposição do artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849.

Sr. presidente, v. exa. fez uma larga exposição da maneira como procedeu na apreciação da idoneidade do fiador.

Eu não discuto agora a questão do sr. Mendonça Cortez. V. exa. deu explicações á camara, que me pareciam desnecessarias, porquanto eu não discuti o procedimento de v. exa. senão no ponto em que v. exa. ordenou a captura d'aquelle cavalheiro, estando certo de que v. exa. procedeu com toda a honradez e em harmonia com ."s dictames da sua consciencia, e que diligenciou fazer ao digno par o sr. Mendonça Cortez todas as concessões compativeis com o seu dever e com as leis, como as entendeu. O que eu discuto n'este momento é uma questão de principieis e não de pessoas. Não entro na apreciação d'esse processo.

Mas permitta-me v. exa. que eu muito do passagem diga que me não admira que o sr. Mendonça Cortez não podesse dar fiança de 200 contos de réis provados; pela matriz, e parece-me que não serei muito exagerado affirmando que em Portugal ninguem póde provar pela matriz que. possua 200 contos de réis. Seria melhor não admittir a fiança, do que admittil-a n'estas condições, o que equivale a negal-a.

Eu sei que v, exa. nos vae dizer que achou já a fiança arbitrada nessa quantia pelo juiz criminal; mas ha uma grande differença, porque o juiz criminal acceitou os fiadores que lhe indicaram, sem exigir provas da sua idoneidade, como sempre se tem praticado em casos identicos, logo que se apresentam testemunhas abonatorias.

V. exa. foi mais rigoroso, exigindo que o fiador provasse a idoneidade por certidão da matriz.

Ora, isto era o mesmo que dizer ao sr. Mendonça Cortez que não lhe dava a fiança, porque, como já disse, em Portugal não ha quem possa provar com certidão da matriz que possue 200 contos de réis.

Já que estou com a palavra direi que acho extraordinario, e que não posso deixar de insurgir-me contra o procedimento dos srs. juizes criminaes, que estão fixando as fianças em quantias fabulosas, sem terem em attenção o objecto e natureza do crime, a importancia da pena e a qualidade do réu, e sem se lembrarem de que se não deve exigir a um réu que occupa uma posição elevada, como a de par do reino, a mesma fiança que se exige a qualquer outro cidadão collocado n'uma classe inferior da sociedade.

Para mim este modo de interpretar a lei é novo. A fixação das fianças em quantias tão importantes é o mesmo que negal-as.

Sr. presidente, não quero alongar-me n'estas considerações. Sou o primeiro a fazer a v. exa. e ás suas intenções completa justiça; (Apoiados.) mas não posso deixar de lavrar um protesto, e um protesto solemne, contra o acto que se praticou, para que com elle se não possa nunca fundamentar doutrina que prejudique esta camara.

Não faço proposta alguma, para não provocar, o que não desejo, conflicto entre mim e v. exa.; e por isso termino, declarando mais uma vez que, pondo de parte o ponto em que estamos em completa divergencia, me satisfazem as explicações de v. exa.

O sr. Presidente: - Está inscripto o digno par o sr. Hintze Ribeiro; mas permitta-me s. exa. que eu, antes de dar-lhe ã palavra, responda a algumas das observações do sr. José Luciano.

Diz a lei de 15 de fevereiro de 1849 - no que for ou poder ser applicavel.

Ora façam favor de me dizer se se póde entender a lei como s. exa. a entende?

Pois a camara em 1861 entendeu inserir no seu regulamento uma disposição terminante, que é a do artigo 13.°, e é claro que não encontrou para o fazer embaraço na lei de 1849; aliás teria proposto a revogação d'ella, e o digno par, como já lhe disse tambem, não encontrou o embaraço, que hoje lhe parece crear a lei de 1849, estando o sr. José Luciano de hontem em completa contradicção com o sr. José Luciano de hoje.

Mas pomos de parte a questão. O digno par fica com a sua opinião e eu fico com a minha.

Com relação aos juizes criminaes, eu não tenho nenhuma responsabilidade que elles marcassem 200 contos de réis para os corréus do indiciado. Eu não tenho culpa nenhuma que elles adoptassem as fianças como entenderam. Quero crer que estas auctoridades andaram de accordo com as leis e com a sua consciencia; faço e devo fazer d'ellas o melhor conceito e não me parece que seja esta a occasião opportuna de se apreciar qualquer procedimento das referidas auctoridades, em relação ao processo que pende n'esta camara. Mesmo em relação á fiança, a lei só marca o minimo, o resto é o arbitrio do juiz. segundo o crime e a qualidade das pessoas que o commetteram; portanto, o juiz arbitrou em 200 contos de réis, naturalmente porque os indiciados eram directores de um banco e responsaveis pela gerencia de mais do que 200 contos de réis; porém, repito, não é occasião para se apreciarem os actos das auctoridades de primeira instancia, com que a. camara se conformou na sua primeira votação. (Apoiados.)

Tem a palavra o sr. Hintze Ribeiro.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente. Não posso, não póde a camara, n'uma sessão ordinaria, apreciar os tramites que vae seguindo um processo sobre que teremos

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SESSÃO N.° 18 DE 20 DE FEVEREIRO DE 1892 7

de nos pronunciar quando constituidos em tribunal de justiça.

Esta camara tem funcções perfeitamente distinctas; funcciona como corpo politico e funcciona como tribunal de justiça.

Processos crimes não são do dominio d'esta camara. quando funcciona em sessão ordinaria; processos crimes são da attribuição d'esta camara, quando funcciona como tribunal de justiça.

Sr. presidente, eu não conheço o processo relativo ao sr. Mendonça Cortez, nem tenho de o conhecer senão quando, constituida a camara em tribunal de justiça, e eu haja de funccionar como membro do tribunal. Até então, não poderia eu saber o que se tem passado, a não ser pelas explicações que v. exa. nos quiz dar, desnecessarias, para mim, n'este momento. Sabia apenas, no tocante a esse processo, que a camara, em obediencia ao segundo acto addicional da constituição politica do paiz, resolveu que elle seguisse os seus tramites, a fim de ser julgado no intervallo das sessões. Tomada esta resolução e nomeado o relator, o processo segue, e só depois de constituida a camara em tribunal, é que me caberá apreciar os tramites que elle seguiu. Sei tambem que, com relação ao processo, foi aqui proposto que houvesse ramificação de pronuncia, nos termos do artigo 9.° do regulamento anterior áquelle acto addicional. A camara não approvou essa proposta e, desde que assim resolveu, não posso eu, e creio que não póde ninguem, contrapor a sua opinião, individual a deliberação que a camara tomou.

Ainda posteriormente se offereceu a esta casa do parlamento ensejo de reconsiderar sobre o assumpto, e todos, segundo creio, decidiram não reconsiderar.

Desde esse momento, uma deliberação ficou, que eu e os meus collegas devemos todos acatar; não póde uma opinião individual contrapor-se a uma deliberação collectiva, qualquer modo de ver particular se tem de subordinar á resolução geral. Tanto mais que quando esta, camara, se constituir em tribunal de justiça terá então ampla occasião e competencia para examinar os termos do processo e tomar sobre elles a resolução que for mais acertada e justa.

Por agora, em sessão ordinaria, e emquanto não funccionar como tribunal de justiça, não póde a camara apreciar devidamente os tramites que o processo vae seguindo.

Para isso, sr. presidente, sei que v. exa. é um homem de justiça, (Apoiados.) um caracter integro, (Apoiados.) todos prestam homenagem sincera e merecida á rectidão do seu espirito; sei mais que o membro d'esta camara que foi nomeado relator da, processo é jurisconsulto distincto, um ornamento do nosso foro, sei que. é uma consciencia sã (Apoiados.); sei tambem quanto é austero e digno o illustrado representante, do ministerio publico que tem de intervir no processa; e, sabendo isto, não tenho, pela minha parte, duvida em declarar que tenho absoluta, confiança no procedimento de v. exa. e dos que o auxiliam na sua missão. Simplesmente acrescentarei que, de toda esta discussão resulta, no, meu entender, o convencimento de que convem firmar definitivamente as bases em que deve assentar qualquer processo crime, para que não mais duvidas se levantem de futuro. (Apoiados.)

Já n'este sentido foi approvada uma proposta para que, sem prejuizo da resolução já tomada sobre Q processo do sr. Mendonça Cortez, a commissão especialmente encarregada de elaborar o regulamento d'esta camara, quando constituida em. tribunal de justiça, se pronuncie sobre a conveniencia da ratificação da pronuncia nos processos crimes.

Parece-me, pois, sobremaneira conveniente que, para evitar questões d'esta natureza, essa commissão prosiga nos seus trabalhos e apresente o seu parecer; sobre elle poderá esta camara ponderar os argumentos adduzidos de um lado e outro, e, em presença d'elles, estabelecer os principios que uniformemente devam reger os processos instaurados contra os membros de uma e outra camara.

N'esta conformidade, mando para a mesa a seguinte moção:

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

A camara, não podendo em sessão ordinaria, entrar na apreciação dos tramites de um processo crime, sobre que terá de se pronunciar constituida em tribunal de justiça; confiando no seu presidente e no relator nomeado para a devida instrucção e seguimento do processo sobre que, na conformidade do segundo acto addicional, deliberou em sessão de 3 d'este mez; e significando o desejo de que e commissão especial, nomeada para elaborar um projecto de regulamento para quando a camara haja de funccionar como tribunal, desempenhe a sua missão com a possivel brevidade, de fórma a evitar de futuro questões em assumpto tão grave, passa á ordem do dia. = Hintze Ribeiro.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - O digno par requer a urgencia da sua proposta?

O sr. Hintze Ribeiro: - Sim, senhor, requeiro a urgencia.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a urgencia dá proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Está em discussão a proposta.

O sr. Marçal Pacheco: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palvra.

O sn Marçal Pacheco: - Sr. presidente, não pedi a palavra para discutir a moção do digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro, moção com cujo espirito mais ou menos concordo. Simplesmente direi que, como todos os membros d'esta camara, faço toda a justiça ao caracter honesto e imparcial de v. exa., sendo minha opinião que ninguem aqui é capaz de suppor que v. exa. podesse ter lavrado um despacho, como o que lavrou, sem estar convencido de que cumpria rigorosamente o seu dever.

Mas ao lado d'esta opinião, sr. presidente, póde haver uma outra, qual é a de ser falivel o juizo de v. exa. a de que v. exa. tenha commettido um erro nas melhores intenções, e na melhor boa fé. E eu sr. presidente, creio que v. exa. errou, que violou a lei do estado, que infringiu flagrantemente a lei.

Não pretendo zelar as prerogativas d'esta camara senão em conformidade com a lei, e para isto o que cumpre indagár é se foi bem ou mal interpretada a lei. Ora eu creio que v. exa., ordenando a prisão do sr. Mendonça Cortez, violou a letra expressa da constituição do estado.

Votou-se efectivamente no dia 9 de fevereiro que seguisse o processo, e eu não volto com a minha palavra a discutir essa resolução da camara, não porque a minha opinião individual não possa contrapor-se á opinião collectiva ou individual dos meus collegas, embora as acate e respeite muito, mas porque eu só obedeço á lei, e para haver lei é preciso o voto dos dois corpos legislativos e a sancção do Rei.

Só á lei devo obediencia e a mais ninguem, quer singular, quer collectivamente.

Diz-se, e com verdade, que por via de regra, o desempenho de certas funcções influencia poderosamente o espirito idas pessoas que as desempenham, e este phenomeno dá-se com os ministros, com os funccionarios, e até com os presidentes das camaras.

Os presidentes das camarás, em geral, não vêem diante de si senão o regimento, e é com elle que argumentam, que discutem, que raciocinam. Eu já tive a prova d'isto na outra camara, e tive-a agora aqui. O sr. presidente diz

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8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que a camara resolveu, e que, por consequencia, deve obediencia a essa resolução. Ora isto afigura-se-me um erro. S. exa. não deve obedecer ás resoluções da camara, senão quando essas resoluções forem conformes á lei. Se a camara resolver uma illegalidade, s. exa. não lhe deve obediencia. Se a camara resolveu uma cousa inteiramente contraria á lei fundamental do estado, s. exa. não lhe deve obediencia, ou então temos a anarchia, e a anarchia é mais perigosa nas côrtes, do que nas praças, porque n'estas ainda póde haver o emprego da força para a dominar, emquanto que á anarchia na região dos poderes publicos só póde responder-lhe a revolução das ruas.

Sr. presidente, o que é que se resolveu no dia 9 de fevereiro?

Resolveu-se que o processo seguisse os seus tramites, conforme o que as leis indicam.

O artigo 26.° da carta constitucional diz que nenhum par ou deputado póde ser preso sem ordem da respectiva camara.

Eu pergunto: é ou não é par do reino o sr. Mendonça Cortez?

Eu pergunto: onde está a ordem da camara?

Em v. exa. me dizendo que o sr. Mendonça Cortez não é par do reino, ou que tem ahi a ordem da camara para o fazer prender, não ha mais nada a discutir, e está tudo resolvido. Mas se não ha ordem da camara, mas se o sr. Mendonça Cortez é par do reino, então foi violada flagrantemente a constituição do estado.

Dizem que a camara tinha resolvido seguir os termos do processo e devia, por isso, observar-se o regimento. Mas o que tem o regimento d'esta camara com tudo isto, desde que ha uma disposição na carta constitucional, onde se estabelecem as garantias dos membros do parlamento, e onde se diz que nenhum par ou deputado póde ser preso sem licença da respectiva camará?

Pergunto: duvida alguem que o sr. Mendonça Cortez fosse membro d'esta camara e de que existia esta disposição da lei? Ninguem o contesta. Logo a lei foi violada.

Impedia isto que o sr. Mendonça Cortez fosse preso? Não. Se o sr. Mendonça Cortez não apresentou fiança nos termos precisos, v. exa. só tinha um caminho a seguir: era pedir á camara licença para elle ser preso. Pedindo v. exa. licença á camara, a camara dava-lha, naturalmente, e o sr. Mendonça Cortez era preso, e feita justiça em nome da lei, porque é sempre em nome da lei que se deve fazer justiça a todos, e em todos os casos.

Portanto, eu, associando-me inteiramente ao espirito da moção que o digno par e meu amigo o sr. Hintze Ri-Ribeiro mandou para a mesa, associando-me igualmente á homenagem de respeito e veneração que toda a camara tributa ao caracter de v. exa., não posso, comtudo, deixar de me associar aos protestos formulados, digna e altivamente, em nome da lei, pelo digno par o sr. Luciano de Castro.

N'estes termos lamento profundamente que a maneira por que v. exa. interpretou o regulamento d'esta camara, constituida em tribunal de justiça, d'esse occasião a que se praticasse uma violação flagrante da lei, e isto em circumstancias que podem fazer crer a muita gente que nem todos têem coragem para fazer justiça, pereat ne pereat munam,

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Eu peço licença á, camara para dizer ainda algumas palavras em resposta ao digno par sr. Marçal Pacheco.

Toda a argumentação que s. exa. acaba de apresentar se reduz a que eu não cumpri uma formalidade, a de consultar a camara sobre a prisão do sr. Mendonça Cortez.

Parece deduzir-se do que s. exa. disse que, ainda que eu a tivesse consultado, tanto a camara, como até o proprio digno par, dariam ordem para que a prisão se effectuasse!!

Ora, se não mo consola o ter eu deixado de cumprir uma formalidade, consola-me, desde que um digno par nas condições do sr. Marçal Pacheco diz: podia recorrer á camara, e esta por certo auctorisaria.

Ora, se ao assignar os mandados tivesse ficado na minha consciencia a menor sombra de duvida, esta tinha desapparecido com uma declaração tão formal e tão completa,; hoje nenhuma duvida ha que a prisão foi o resultado da justiça, fosse ou não praticada com as formalidades que o digno par exige.

Isto consola-me, e estou perfeitamente tranquillo, ainda mesmo que a minha consciencia me dissesse que eu não tinha interpretado bem a carta constitucional nem o segundo acto addicional á carta, em relação ás disposições que regulam para o caso de que se trata.

Como já tive occasião de dizer, eu tratei de observar a resolução da camara, que mandava que o processo seguisse os seus termos segundo o regulamento de 1861 e leis applicaveis.

Em vista d'esta resolução, e dizendo o regulamento da camara constituida em tribunal de justiça, que eu devia proceder em conformidade da lei commum, eu assim o fiz.

A lei que o digno par sr. Luciano de Castro citou não podia ser considerada, na parte de que se trata, como lei commum, porque estabelece uma excepção para os juizes processados perante o supremo tribunal de justiça.

O que eu digo é que, desde que a camara resolveu que o processo seguisse os seus termos, eu tinha de fazer cumprir a resolução da camara.

Não discuto agora se o actual regulamento precisa ou não de ser modificado.

Se a camara me disse, não ratifico a pronuncia, e siga o processo os termos até final, quaes eram estes termos a seguir, se a fiança não era idonea? Era a prisão. Tinha pois eu necessidade de consultar a camara? De certo que não. Isto cala no espirito de todos, e eu sinto que uma intelligencia lucida, como é a do digno par, venha trazer á camara uma questão por esta fórma, abrigando-se á carta constitucional, quando s. exa. devia suppor que eu tambem devia tel-a lido, fazendo assim justiça á minha intelligencia, que é pouca, mas que ainda chega para confrontar duas leis.

Vê portanto o digno par que pela minha parte eu estou perfeitamente tranquillo e descansado, porque cumpri as leis como as entendi, e sinto muito que a camara não as entenda como eu, e se assim se manifestar, eu bem sei o que hei de fazer. Sobre isso não tenho a mais pequena hesitação, e a proposito devo dizer ao digno par que eu tenho procedido sempre durante a minha vida, em todos os meus actos por fórma que me deite tranquillo e de consciencia segura, sem receio de ter feito aggravo a quem quer que seja. S. exa. deve suppor que para mim é custoso sem duvida o encontrar-me na presidencia n'esta occasião, e ter de presidir a um tribunal que tem de julgar um membro d'esta camara, tendo sido já uma situação dolorosa a de privar da liberdade um par do reino. Eu, que tenho sido sempre por todas as liberdades, bem entendidas, porque d'ellas depende o adiantamento dos povos e o seu progresso. (Apoiados.)

Não digo mais nada, e a camara acreditará no grande sentimento que me domina n'esta posição em que me encontro. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Tem a palavra o sr. José Luciano de Castro.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, não pedi a palavra para discutir com v. exa. Desde que v. exa. está na presidencia a discutir comnosco, nós não podemos deixar de nos abstermos de quaesquer considerações que tivessemos de fazer em resposta a v. exa. pela posição especial em que se acha collocado.

Se estivesse discutindo comnosco das cadeiras da cama-

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rã, nós teriamos outra liberdade; mas desde que v. exa., por assentimento da camara, está dando explicações do seu logar, evidentemente nós devemos resumir muito as nossas considerações, e não podemos deixar de pôr termo a esta discussão.

Eu quero apenas declarar a v. exa. que quanto mais v. exa. expõe e reproduz os seus argumentos mais radica em mim a convicção de que os meus argumentos são producentes e que os principios definidos por s. exa. não são conforme a lei.

Dito isto, eu não desejo de fórma alguma lançar sobre v. exa. a accusação de que deixou de cumprir com o seu dever; faço inteira justiça ao rectissimo caracter de v. exa. e acredito nas suas benevolas intenções.

V. exa. diz que a lei de 15 de fevereiro de 1849 não é applicavel a este caso e que procedeu conforme os preceitos estatuidos pelo regimento da camara; mas, sr. presidente, quem é que ha de julgar se a lei de 15 de fevereiro de 1849 é ou não applicavel a este caso?

Creio que eu, v. exa. e todos nós.

Se o regimento da camara contém uma disposição contraria á lei de 1849, e se poder provar-se que essa disposição é applicavel aos pares pronunciados, evidentemente o regimento está era desaccordo com a lei, e, sendo assim, afigura-se-me que a lei é que deverá sei cumprida; comtudo, v. exa. crê na excellencia dos seus argumentos e fica com a sua opinião. Nós ficaremos com a nossa.

Eu não quero nem exijo mais do que lavrar o meu protesto bem solemne e bem publico para que do meu silencio se não possa inferir que eu approvo similhante doutrina como a que v. exa. acaba de expor. Tenho por v. exa. o maior respeito e consideração. Por consequencia approvo a proposta do sr. Hintze Ribeiro, especialmente na parte que diz respeito a v. exa.

O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto, vou pôr á votação a proposta do sr. Hintze Ribeiro.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

"A camara, não podendo em sessão ordinaria, entrar na apreciação dos tramites de um processo crime, sobre que terá de se pronunciar constituida em tribunal de justiça; confiando no seu presidente e no relator nomeado para a devida instrucção e seguimento do processo, sobre que, na conformidade do segundo acto addicional, deliberou em sessão de 3 d'este mez; e significando o desejo de que a commissão especial, nomeada para elaborar um projecto de regulamento para quando a camara haja de funccionar como tribunal, desempenhe a sua missão com a possivel brevidade, de fórma a evitar de futuro questões em assumpto tão grave, passa á ordem do dia. = Hintze Ribeiro."

O sr. Presidente: - Os dignos pares que a approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

A proxima sessão é segunda feira, 22 do corrente, sendo a ordem do dia a discussão do parecer da commissão de fazenda, que será distribuido por casa dos dignos pares.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 20 de fevereiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, de Pomares, de Pombal, da Praia e de Mon-forte, de Vallada, de Fontes Pereira de Mello; Condes, d'Avila, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Castello de Paiva, de Castro, de Ficalho, de Gouveia, de Paraty, de Thomar, de Valbom; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Alemquer, de Castro e Solla, da Silva Carvalho, de Villa Mendo; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho, Sá Brandão, Antonio José Teixeira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Basilio Cabral, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Rodrigues de Azevedo, Jeronymo Pimentel, Calça e Pina, Gusmão, Gomes Lages, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Mathias de Carvalho, Polycarpo Anjos.

O redactor = Ulpio Veiga.

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