160 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
sr. José Luciano de Castro, um adversario do governo por mais intransigente que seja, que possa desconhecer que durante a gerencia do actual governo a administração financeira tem melhorado.
No anno passado, na resposta ao discurso da corôa, que o digno par subscrevia tambem, dizia-se na parte que se referia á questão do fazenda o seguinte:
«E fóra de duvida que o assumpto mais momentoso de que as camaras legislativas têem a occupar-se é o da restauração da fazenda publica e o de resolver as complexas difficuldades com que tem a luctar a gerencia do thesouro. As diminuições de despeza são uma necessidade impreterivel. A reducção dos juros da divida publica só se justifica pela impossibilidade absoluta de praticar de outra maneira. Cumpre resolver esta difficil situação financeira em que nos encontrámos.»
Isto dizia-se o anno passado; hoje, um anno depois, é o digno par sr. José Luciano de Castro que vem affirmar que todo o adversario do governo, por mais encarniçado, não póde deixar de prestar preito e justiça em reconhecer que durante os ultimos tempos a questão financeira tem melhorado.»
Grata declaração, sr. presidente, e se esta é uma manifestação de desfavor para o governo, todas assim o sejam!
Em todo o caso, quando se discutirem os problemas de fazenda, quando aqui se insurgirem contra a administração que o actual governo tem feito e contra os actos por elle praticados para o restabelecimento do credito e melhoria da situação financeira, eu hei de lembrar-mo de que o sr. José Luciano de Castro, através de todos os desrespeitos, com toda a sua eloquencia, com toda a sua auctoridade que é innegavel, veiu declarar que todo o adversario do governo, por mais intransigente, não podia deixar de reconhecer que a administração financeira tem melhorado durante estes ultimos tempos.
Porque assignou o digno par sem declarações o parecer que se discute?
Porque, na parte da resposta ao discurso da corôa que dizia respeito aos actos de dictadura, se classificam esses actos como de essencial importancia, e isto lisonjeava o seu criterio?
O que queria o digno par que se dissesse, se o governo é o primeiro a declarar que os actos de dictadura, em materia de administração, são sempre de essencial importancia? Isto ninguem o contesta e o que é preciso reconhecer são as rasões que os determinaram.
Ainda um outro periodo da resposta ao discurso da corôa apontou o digno par; foi o que diz respeito ao exercito e á armada.
«O exercito é um elemento indispensavel de ordem interna e defeza nacional. Convém facilitar por justificadas reformas de serviço o desempenho d’esta missão que elle patrioticamente tem sabido realisar.
«O mesmo diremos da armada, em que se revela igual patriotismo e que, pelo facto de sermos uma nação colonial, tem no nosso paiz especial importancia.»
Nem outra cousa podia dizer a camara depois da discussão que tivemos e das explicações que o governo deu.
Este periodo, da resposta ao discurso da corôa, periodo que muito agradou ao digno par, corresponde ás palavras d’aquelle discurso contra as quaes o digno par se insurgiu, censurando o governo por ter commettido a leviandade de as pôr na bôca do chefe do estado:
«Felizmente tenho tido occasião de apreciar de perto os progressos realisados nos nossos serviços militares, e quanto é honrosa e satisfactoria a situação em que se encontra actualmente o nosso exercito, por todos os titulos digno da solicitude e do interesse dos poderes publicos.»
Isto mesmo disse-o o digno par e não o póde dizer o chefe d’estado; porque!?
Quer ò digno par que o chefe do estado não possa fazer
apreciações no discurso da corôa, porque, se os membros do parlamento tiverem uma opinião diversa, suscita-se um conflicto inconveniente, a que o governo deu causa, chamando as opiniões do Rei para as luctas da discussão parlamentar.
Mas então, durante o intervallo das côrtes, teve o chefe do estado occasião de apreciar de perto as qualidades do nosso exercito, e não lhe é licito dizer algumas palavras em elogio do mesmo exercito, que é o mais solido esteio das instituições e da ordem publica?! Pois é inconveniente que o chefe do estado emitta, na abertura das côrtes, affirmações ou faça apreciações sobre este ou aquelle ramo de serviço publico?
O digno par está desmemoriado.
Em janeiro de 1881 era ministro da corôa o digno par; tem por consequencia responsabilidade pelas palavras então proferidas no discurso da corôa pelo chefe do estado.
Vou ler o que n’esse discurso se encontra com relação ás medidas tributarias:
«Felizmente soubestes elevar-vos á comprehensão dos vossos deveres, e acceitar nobremente diante do paiz as consequencias da vossa dolorosa missão. Por sua parte a nação, compenetrada da gravidade das circumstancias e persuadida da inevitavel urgencia de acudir pelo seu credito e de solver os seus compromissos, sujeitou-se tranquilla e resignada ás provações que em nome do bem publico lhe foram impostas. O paiz e os seus representantes cumpriram briosamente os seus deveres.»
O que é isto senão um elogio do chefe do estado aos membros das duas casas do parlamento?
Ora, quem tem o direito de elogiar, é porque tem o de apreciar, e se o digno par, quando ministro, não achou inconveniente que se pozessem na bôca do chefe do estado aquellas palavras, porque é que agora reputa uma perigosa leviandade a parte do discurso da corôa em que se dá conta dos progressos realisados no nosso exercito?
Diz o digno par que o chefe do estado póde, de facto, divergir ou agradar-se da maneira por que é conduzido qualquer ramo de serviço; mas que o que não póde, é fazer elogios nem censuras n’um documento que, como o discurso da corôa, tem de vir á discussão parlamentar.
Mas, sr. presidente, quem tem a responsabilidade do discurso da corôa é o governo, e para quando haja conflictos entre o parlamento e o governo, lá está o poder moderador para o resolver.
Não é porém só isto; o digno par estava certamente muito desmemoriado no seu ultimo discurso.
Em 1889, quando o sr. José Luciano era, não só ministro, mas presidente da situação, e tinha portanto toda a responsabilidade do discurso da corôa, o que dizia esse discurso? O seguinte:
«Em cumprimento da lei de 12 de setembro, de 1887, foi decretado o recrutamento regional para a arma de infanteria em todo o reino. Com isto e com algumas modificações n’essa lei nos pontos em que a pratica tem mostrado a conveniencia da sua alteração, devem desapparecer os principaes attritos, que no espirito das populações ruraes encontram as obrigações indeclinaveis do serviço militar. »
O que é isto senão uma affirmação ou antes uma apreciação?
É se a camara tivesse uma opinião differente, não surgia o conflicto? Então póde s. ex.a, pela bôca do chefe do estado, fazer uma apreciação em relação a um assumpto de exclusiva apreciação parlamentar, e não póde o chefe do estado proferir palavras de louvor ao exercito, depois de ter assistido aos exercicios d’esse mesmo exercito?
O digno par estava evidentemente muito desmemoriado. t
N’este mesmo discurso da corôa, de que o digno par tem a responsabilidade completa, dizia o chefe da nação:
«Dignos pares do reino e senhores deputados da nação