170 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
governo? Foi evidentemente o governo. Se um membro da maioria não tivesse mandado no meio do tumulto para a mesa uma emenda ao regimento, se o presidente d'aquella camara, de perfeita connivencia, não tivesse dado por votada aquella proposta, aquellas scenas tumultuosas ter-se-íam evitado. Foi regular o procedimento da maioria, foi regular o procedimento do presidente dessa camara? De certo que o não foi. Portanto, foi o governo quem o provocou e parece que de proposito.
O governo quiz achar um pretexto para justificar junto do chefe do estado a questão da dissolução, para entrar no caminho da dictadura, foi inventada uma pavorosa parlamentar, e naturalmente o chefe do estado, que está fóra d'essas intrigas, viu que effectivamente era justificada a dissolução do parlamento e que os srs. deputados eram incorrigiveis. Foi o governo, quero dizer, o illustre ministro do reino, que armou o laço á opposição e ella caíu n'elle e s. exa. aproveitou-lhe as consequencias.
Pois, se em vez d'aquella emenda mandada para a mesa de surpreza, se propozesse abertamente o reformar-se o regimento d'aquella camara, como se fez agora, dando-se poderes ao presidente para evitar tumultos e carteiras partidas, não se teriam dado os factos que se deram, e não teria o governo pretexto para entrar no caminho da dictadura.
Eu tinha tambem tomado nota sobre uma apreciação do sr. ministro do reino, que já foi largamente exposta pelo sr. conde de Lagoaça; mas como o illustre ministro do reino declarou que nunca lhe tinha passado pelo espirito esta apreciação, que nunca fôra intuito seu ferir a parte electiva d'esta camara, desde que não era o seu pensamento a interpretação que o sr. conde da Lagoaça deu a uma parte do seu discurso, e que eu notei tambem, é evidente que devo passar sobre este ponto e sobre elle nada direi.
Sr. presidente, o sr. ministro do reino censurou asperamente os accordos, que os parlamentos não tinham vivido senão de accordos, que isto era inconstitucional, que não era pratico nem digno.
S exa., censurando os accordos, estava em contradicção comsigo mesmo, pois que nos disse que ainda tentara mais uma vez por intermedio do actual sr. ministro da marinha, um accordo com a opposição, pedindo ao seu collega que empregasse todos os seus esforços, a fim de ver se conseguia que a opposição entrasse na ordem, fazendo opposição, mas opposição ordeira.
Isto, sr. presidente, não se comprehende!
Pois o nobre ministro que nos veiu dizer que condemnava os accordos, confessa-nos em seguida que ainda propoz um outro accordo com a opposição?!
E ainda ha mais, sr. presidente, o illustre ministro referiu-se ás fornadas, e disse que uma das rasões que levara o sr. Fontes Pereira de Mello a crear a parte electiva d'esta camara foi para evitar que se fizessem continuadas fornadas, e depois diz-nos que a experiencia tinha demonstrado que as fornadas de pouco ou nada serviam, por isso que um governo que abusou das taes fornadas, mettendo de uma vez n'esta casa vinte e cinco ou vinte e seis pares, acabou por caír.
O que s. exa. não quiz dizer foi que esse governo tinha perdido a confiança da opinião publica e que os pares do reino nomeados, interpretando o sentir d'essa mesma opinião, embora nomeados pelo governo, votaram contra elle. Isto depõe a favor d'esta camara e prova que apesar do abuso a fornada era melhor que a camara electiva.
Já v. exa. vê que as taes fornadas não eram tão más nem tão nocivas como nos quiz fazer acreditar o nobre ministro.
Disse mais s. exa. que as fornadas tinham o inconveniente de não poder haver um numero de pares fixo e que a camara dos pares decidia sempre com numero muito superior de votos á camara dos senhores deputados.
Pois apesar d'essas fornadas, sr. presidente, a camara dos pares, passado pouco tempo, estava abaixo do numero da camara dos senhores deputados, e tanto isto é verdade, que a camara se viu obrigada a introduzir no seu regimento a disposição de poder funccionar com dezenove pares.
S. exa., fallando ainda na parte electiva, disse-nos que o eleito se deixava dominar, por que era ignorante, pois que para ser eleitor bastava ser chefe de familia ou pequeno contribuinte.
S. exa., no seu largo e eloquente discurso, contou-nos cousas extraordinarias sobre este ponto, mas não chegou a uma conclusão que nos lograsse convencer.
O nobre ministro, no seu discurso, até chegou a avançar que as gerações modernas estão decadentes, estão por assim dizer flaccidas!
Oh, sr. presidente, é profundamente lamentavel que o illustre ministro proferisse similhantes palavras n'uma occasião em que os nossos soldados acabam de levantar em Africa o prestigio do nome portuguez. Os nossos soldados, que nunca tinham entrado em fogo a valer, que apenas haviam assistido a manobras commandadas pelo sr. ministro da guerra, conduziram-se como é conhecido de todos.
Assim o disse aqui o sr. ministro da guerra. Uma cousa é combinar a campanha no gabinete, outra cousa é realisal-a no campa de batalha.
Os nossos soldados fizeram a admiração dos estrangeiros. Commandados por bons chefes, conduziram-se debaixo de fogo como se estivessem n'um exercicio.
E é o sr. ministro do reino que nos vem dizer que a nossa geração está decadente. Não insisto n'este ponto.
É extraordinario que esta sentença partisse das cadeiras dos srs. ministros.
Se isto fosse verdade deveriamos pedir aos estrangeiros para nos injectar sangue novo e nos ensinar o meio de levantar uma raça decaída; felizmente essa decadencia existe só no governo.
Disse mais s. exa. que as fornadas successivas justificavam um numero fixo.
Sobre este ponto expuz, na primeira vez que tomei a palavra, as minhas duvidas.
Ainda se não deu uma resposta satisfactoria, apenas o sr. relator baseou a sua argumentação na honradez do sr. ministro.
Eu confio na palavra honrada dos srs. ministros, mas as leis não podem fundamentar-se na sua palavra. Quem tem de interpretar as leis baseia-se na letra d'ellas e não na palavra dos srs. ministros. (Apoiados.)
Ninguem respeita mais do que eu a palavra do sr. ministro do reino, e se eu tivesse de fazer com s. exa. qualquer negocio particular, bastava-me a sua palavra, mas em negocios publicos ou politicos, não.
É extraordinario este argumento do sr. relator da commissão, de um homem que abriu os olhos ouvindo o sibilar das balas para implantar a liberdade no nosso paiz.
Sr. presidente, se amanhã o sr. ministro do reino sair d'aquellas cadeiras e o seu successor preencher as vagas de pares que houver disponiveis, qualquer governo que venha depois ha de pedir a reforma da camara, por que não poderá viver com uma camara cuja maioria lhe for hostil. Isto é fatal.
A isto ninguem me respondeu nem me responderá, porque contra factos não ha argumentos.
Pois uma lei que não se póde cumprir não se apresenta e não se vota.
Sr. presidente, o sr. ministro insistiu muito na nota das fornadas. Desde quando não se fazem fornadas? Desde as ultimas reformas politicas. Ha dez annos, então, para que defender o numero fixo como argumento contra as fornadas?
Eu que sou opposto ao principio electivo da camara, pergunto qual foi o facto que determinou a dissolução da