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N. 18
SESSÃO DE 21 DE AGOSTO DE 1897
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Julio Carlos de Abreu e Sousa
Secretarios - os dignos pares
Julio Carlos de Sousa
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O sr. Hintze Ribeiro pede a palavra para quando seja presente o sr. ministro da fazenda. - Annunciando o sr. presidente que se ía entrar na ordem do dia, trocam-se considerações e explicações entre o sr. ministro da marinha e os srs. Moraes Carvalho, Hintze Ribeiro e visconde de Chancelleiros. - O sr. Hintze Ribeiro manda para a mesa, pedindo documentos, um requerimento. Responde o sr. ministro da fazenda.
Ordem do dia - Continua o seu discurso o sr. Moraes Carvalho, que o termina. - O sr. Baptista de Andrade manda para a mesa um parecer da commissão do ultramar. - É encerrada a sessão.
(Estava presente o sr. ministro da marinha, entrando depois os srs. ministros da fazenda, da guerra e presidente do conselho.)
Ás duas horas e vinte minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Officio do sr. presidente do conselho e ministro do reino, datado de 21 de agosto corrente, remettendo, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares, 100 exemplares do orçamento do fundo da instrucção primaria para o exercicio de 1897-1898.
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, não vejo presente o sr. ministro da fazenda, ao qual tenho especialmente de me dirigir. Peço a v. exa. o obsequio de me reservar a palavra para logo que s. exa. chegue, pois desejo tratar de um assumpto urgente.
O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia. Continúa com a palavra o digno par o sr. Moraes Carvalho.
O sr. Moraes Carvalho: - Eu não posso continuar nas minhas apreciações, visto estar ausente o sr. ministro da fazenda.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Barros Gomes): - O sr. relator está presente, o governo está representado por minha parte, e tomarei nota das observações que s. exa. fizer, e sobretudo d'aquellas que mais especial resposta exigirem do meu collega para lhas communicar.
O que peço a s. exa., como membro d'esta casa, é que não insista n'este momento pela presença do sr. ministro da fazenda, que, como todos nós sabemos, está occupado em discussões nas duas casas do parlamento.
Como já disse, eu poderia tomar nota de quaesquer observações sobre o que mais particularmente s. exa. deseje ser esclarecido pelo sr. ministro da fazenda, a quem as transmittirei para que s. exa. venha pessoalmente responder ao digno par.
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, nós temos a maior consideração pelo sr. ministro da marinha, que já dirigiu a pasta da fazenda; mas a verdade é que não é costume continuar-se um debate sobre a fazenda publica sem estar presente o ministro da pasta respectiva.
Não é este um assumpto em que o ministro se possa substituir por qualquer dos seus collegas, por muito competente e auctorisado que seja, como é o sr. ministro da marinha; alem de que, sr. presidente, v. exa. viu que eu pedi a palavra antes da ordem do dia, porque tenho de me referir a um assumpto urgente que se relaciona com a discussão do orçamento, e não posso, portanto, usar da palavra sem estar presente o sr. ministro da fazenda.
V. exa. passou á ordem do dia, e, visto isso, eu não posso fazer uso da palavra, porque não está presente s. exa., vendo-me assim privado de fazer considerações de sua natureza urgentes e para as quaes não posso prescindir da presença de s. exa., porque estou bem certo que o sr. ministro da marinha me não póde responder ao que tenho de perguntar.
Eu desejo pedir uns esclarecimentos, que reputo da maxima urgencia para o assumpto que está em discussão. Parecia-me, pois, muito mais conveniente e curial, que v. exa., sem n'isso envolver menos consideração pelo sr. ministro da marinha, suspendesse a sessão até que chegasse o titular da pasta da fazenda, visto que a sua presença é absolutamente indispensavel.
(O digno par não reviu.)
O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - A camara resolverá na sua sabedoria, e conforme entender mais conveniente; mas eu desejo accentuar bem, e já o fiz ha pouco, que da falta do sr. ministro da fazenda não poderá resultar inconveniente algum n'este momento, porque as considerações do sr. Moraes Carvalho serão, naturalmente, pela importancia do assumpto, largas e extensas, e não seria eu que me atreveria a substituir o sr. ministro da fazenda e a responder sobre um assumpto em que a presença do meu collega estava naturalmente indicada, para poder dar a s. exa. os esclarecimentos que deseja. Mas eu posso incumbir-me de ser o echo fiel das palavras de s. exa. que depois transmittiria ao meu collega, e elle viria aqui responder-lhes, ou logo, ou em qualquer altura do debate, porque, creia o digno par, tanto elle como eu temos muita consideração pela camara, e é muita a consideração que a todo o governo inspira a pessoa do digno par.
Visto o adiantado da questão, parecia-me que a camara procederia bem se assim fizesse e iria de accordo com as conveniencias publicas; continuar-se-ía o debate para poder mesmo dar-lhe maior amplitude.
Emquanto ás perguntas que o digno par deseja dirigir ao sr. ministro da fazenda, como s. exa. pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, o meu collega então lhe responderia, podendo aproveitar-se este tempo antes da ordem do dia em qualquer assumpto sobre que algum digno par deseje esclarecimentos do governo.
Parece-me que assim fica satisfeita a vontade de todos.
(S. exa. não reviu.)
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O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, acabo de entrar n'esta camara e de cumprimentar a v. exa. com todo o respeito devido á pessoa de v. exa., ao seu caracter e á profunda estima que lhe consagro, e soube que se tinha entrado na ordem do dia sem estar presente o sr. ministro da fazenda.
Sr. presidente, não é admissivel que n'uma questão grave, como é a do orçamento, não esteja presente o sr. ministro da fazenda.
Não póde ser.
Dou toda a rasão ao digno par sr. Moraes Carvalho, por não querer continuar o seu discurso sem estar presente aquelle sr. ministro.
Peco a s. exa. que não desista da sua intenção.
Mas, como no adiantado da sessão não devemos perder o tempo inutilmente, não podendo o sr. Moraes Carvalho continuar o seu discurso, eu peço a palavra para dirigir ao sr. ministro da marinha algumas perguntas.
O que digo é que nas condições actuaes discutir-se o orçamento sem estar presente o sr. ministro da fazenda, não se comprehende, não se justifica.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, parece-me que ha uma maneira de conciliar todas as vontades, a qual consiste em v. exa. nos dar, nos termos do regimento, o tempo que este marca para antes da ordem do dia, visto que póde haver algum digno par que deseje dirigir qualquer pergunta ao sr. ministro da marinha, e esperarmos assim que o sr. ministro da fazenda venha.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Se o sr. ministro da fazenda é demissionario, concordo com o digno par, mas, se é ainda ministro da fazenda, tem de comparecer a esta sessão.
O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - O digno par, permitte que eu o interrompa?
O Orador: - Tenho muito gosto em que s. exa. me interrompa.
O sr. Ministro da Marinha (Barros Gomes): - É para dizer a v. exa. e á camara que o sr. ministro da fazenda está em caminho para esta casa.
Como disse, eu entendia que se podia continuar na discussão do orçamento, visto estar presente o sr. ralator da commissão, assim como um dos membros do governo, que informaria o sr. ministro da fazenda, logo que elle chegasse, d'aquillo que aqui se dissesse.
Mas parece-me que podemos chegar a uma solução.
Esperaremos o sr. ministro da fazenda, que não póde demorar-se, e, entretanto, se algum digno par deseja dirigir alguma pergunta ao governo antes da ordem do dia...
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze. Ribeiro: - Se não houver quem se dirija ao sr. ministro da marinha, que é o unico membro do governo que está presente, e visto que eu só ao sr. ministro da fazenda me posso dirigir por ser elle o unico que me póde prestar os esclarecimentos de que careço, v. exa. suspende a sessão até que o sr. ministro da fazenda chegue e em seguida dá-me a palavra até que esgotado o tempo que o regimento marca se entre na ordem do dia continuando o seu discurso o sr. Moraes Carvalho.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu estou de accordo com as idéas apresentadas pelo sr. Hintze Ribeiro, mas para aproveitar o tempo, que é capital, e o governo não tem zelado a applicação d'esse capital, emquanto não vem o sr. ministro da fazenda, que está a caminho, eu peço licença para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha. E como um dos pontos a que tenho de referir-me, com grave consideração, é a questão colonial, desejo que s. exa. me diga com que elementos quer habilitar o parlamento a ter uma opinião segura com respeito ás verbas inscriptas no orçamento, e n'esta conversa que não tem outro fim que não seja elucidar o meu espirito, insisto ainda na primeira pergunta que fiz n'uma das sessões passadas.
Vejo que no orçamento figura a verba de 150 contos de réis como garantia do cabo submarino para Loanda.
(Entra na sala o sr. ministro da fazenda, Ressano Garcia.)
Como chega o sr. ministro da fazenda, termino por hoje as minhas considerações, que reservo para occasião opportuna.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: - Mando para a mesa um requerimento que diz respeito ao ministerio da fazenda e para o qual chamo a attenção do sr. ministro.
É o seguinte. (Leu).
A rasão do meu requerimento está em que os esclarecimentos que peço me são indispensaveis para discutir o orçamento e, como v. exa. sabe, o orçamento já está em ordem do dia.
A rasão por que peço hoje estes esclarecimentos deriva dos proprios documentos que o sr. ministro da fazenda me enviou e que só hontem recebi. Já vê v. exa. que o meu requerimento não podia ter vindo mais cedo.
Entre os documentos que o sr. ministro da fazenda enviou a esta camara, respeitantes ao contrato do supprimento de 600:000 libras feito em 20 de fevereiro d'este anno, entre esses documentos encontro o seguinte. (Leu.)
Este documento veiu, como disse, entre os que eu pedi e me foram enviados, referentes ao contrato de 20 de fevereiro, em que se trata do supprimento de 600:000 libras, feito ao governo. Em todo esse contrato, que tenho aqui, não ha uma palavra relativa a prata.
Evidentemente, a par do contrato de supprimento das 600:000 libras, deve ter havido um outro contrato da mesma data, relativo a acquisição ou a amoedação de prata. É claro que esse outro contrato se conjuga com o do supprimento das 600:000 libras que o sr. ministro da fazenda mandou para a camara; e tanto se conjuga que entre os documentos referentes ao contrato do supprimento vem este que me revela a existencia de um outro contrato, que o sr. ministro da fazenda deixou de enviar. É o que eu venho pedir, mesmo porque me parece que o conhecimento do contrato relativo a acquisição, amoedação de prata ou o que quer que é ácerca de prata, deve explicar o procedimento do governo no contrato do supprimento das 600:000 libras.
Aqui. tem v. ex.3. porque hoje, em vista d'estes documentos, peço o contrato que ainda não veiu e que, repito conjugado com a outro, evidentemente o deve esclarecer em muitas das suas clausulas.
Entre os documentos que requeri, um d'elles foi a nota dos titulos de divida publica pertencentes ao estado que tivessem sido vendidos ou por qualquer fÓrma alienados desde 7 de fevereiro em diante.
Não especifiquei se eram titulos de divida interna, ou se eram de divida externa, nem de que natureza eram; pedi nota de qualquer alienação de titulos que se tivesse feito desde 7 de fevereiro para cá. Em satisfação a este meu pedido enviou hontem o sr. ministro da fazenda um documento pelo qual se vê que em 20 de março foram vendidas inscripções de 3 por cento pertencentes ao estado, na importancia nominal de 4:207 contos e na importancia effectiva de 1:386 contos; e como a nota não menciona a venda ou alienação de outros quaesquer titulos alem d'estes, a conclusão que devia logicamente deduzir-se é que o governo, desde 7 de fevereiro para cá, tinha feito venda sómente d'estes titulos.
Mas entre os documentos, a que já me referi, e que acompanharam o contrato de 20 de fevereiro relativo ao supprimento das 600:000 libras, encontro os seguintes, que são realmente interessantes.
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Assim, em 23 de fevereiro, o sr. ministro da fazenda, dizendo quaes eram as quantias de que carecia por conta do supprimento das 600:000 libras e quaes as epochas em que carecia d'ellas, especifica o seguinte: - que, entre essas quantias, uma era de 250:000 libras para pagar á casa Baring os supprimentos vencidos em 1 e 10 de março, cuja reforma era obrigatoria, e acrescenta:
(Leu.)
O que quer dizer que devendo o governo á casa Baring dois supprimentos na importancia de 200:000 libras, não só indicou que, por conta do supprimento das 600:000 libras, queria pagar esses dois supprimentos, mas declarou que á conta d'essas 600:000 libras levaria o producto da venda dos titulos externos que estavam servinno de caução, e auctorisou essa venda mandando que taes titulos fossem entregues á firma com quem contratara, a fim de serem vendidos. Ora, em seguimento d'essa auctorisação, encontro dois officios, ambos da firma com a qual o governo contratou, e um d'elles, de 20 de maio de 1897, diz o seguinte:
(Leu.)
O que quer dizer que a firma, com a qual o governo contratou o supprimento das 600:000 libras, em vista da auctorisação que lhe foi dada pela direcção geral da thesouraria, requisitou que lhe fossem effectivamente entregues os titulos que estavam servindo de caução aos supprimentos, a fim de os vender.
E isto mesmo ainda é confirmado por outro officio de 29 de maio, em que se diz:
(Leu.)
V. exa. bem comprehende o que eu concluo d'estes documentos: é que o governo ou vendeu ou mandou vender aquelles titulos da divida externa, pertencentes ao estado, e para isso os mandou entregar.
Mas é certo que, perguntando eu quaes foram os titulos vendidos pelo governo, pertencentes ao estado, depois de 7 de fevereiro, o governo apenas enuncia a venda de inscripções, ou titulos da divida externa, na importancia de 1:386 contos de réis.
O que eu desejava, pois, saber era o seguinte: Em primeiro logar, se effectivamente, alem do contrato de 20 de fevereiro relativo ao supprimento de 600:000 libras, o governo fez outro contrato, de que ainda não deu conhecimento ás côrtes, na mesma data e com a mesma firma, ácerca de compra ou amoedação de prata, ou qualquer outra cousa parecida.
E se o fez, queria eu que o sr. ministro da fazenda d'esse ordem para que o contrato e documentos respectivos viessem immediatamente para esta camara.
Em segundo logar, por alguns documentos aqui recebidos, e que se referem á venda de titulos, conclue-se que o governo só vendeu titulos da divida interna, mas por outros documentos, tambem remettidos a esta camara, deduz que o governo vendeu os titulos da divida externa que serviram de caução aos supprimentos feitos por Baring, ou os mandou vender.
Sendo assim, é evidente que os documentos respectivos devem juntar-se aos outros, porque o assumpto é muito importante.
Isto se, porventura, ha fundamento no que eu acabo de expender; se o não ha, se effectivamente o governo não vendeu, nem mandou vender mais nenhum titulo. S. exa. que o declare.
Careço de uma resposta do sr. ministro da fazenda, para saber se qualquer d'estes factos é exacto.
(Pausa.)
Peço, emfim, ao sr. ministro da fazenda, que não me parece disposto a responder desde já, que não demore o dar ordem terminante na sua secretaria para me serem com urgencia enviados os documentos que peço, porque preciso d'elles para a discussão do orçamento.
Foi lido na mesa e mandou-se, expedir o seguinte:
Requerimento
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam enviados, com a maior urgencia, os seguintes esclarecimentos:
Quaes os debitos do thesouro ao banco de Portugal e ao monte pio geral, na data de hoje, por desconto de escriptos;
Copia do contrato feito em 20 de fevereiro ultimo, com Henry Burnay & C.ª, ácerca de compra ou amoedação de prata, e correspondencia que haja, respeitante a esse contrato;
Nota dos titulos de divida externa, pertencentes ao estado, que hajam sido por este vendidos, posteriormente a 7 de fevereiro ultimo, ou entregues a outrem, a fim de serem vendidos, ou por qualquer fórma alienados.
Sala das sessões, em 21 de agosto de 1897. = Hintze Ribeiro.
O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Sr. presidente, se ainda ha pouco eu não tinha já pedido a palavra, é porque queria deixar acabar de fallar o digno par. Se a pedi depois foi para assegurar a s. exa. que me apressarei a dar ordem para a prompta remessa dos documentos que s. exa. requer, o que é impossivel ser já hoje em vista do adiantado da hora.
De resto, o digno par o sr. Hintze Ribeiro sabe que eu não me nego nunca a mandar os documentos que me sejam pedidos.
Agora, só na segunda feira é que poderei dar as precisas ordens.
O sr. Presidente: - Entrâmos na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da proposição de lei que tem por fim fixar as receitas e despezas do estado na metropole, para o exercicio de 1897-1898
O sr. Presidente: - Continua com a palavra o digno par o sr. Moraes Carvalho.
O sr. Moraes Carvalho: - Continuando o seu discurso começado na sessão antecedente, analysou os tres exercicios dos annos economicos de 1893-1894 a 1895-1896, os unicos por completo da responsabilidade do governo regenerador.
Mostrou com as contas apresentadas já pelo sr. Ressano Garcia, que esses tres exercicios tinham apresentado um saldo positivo, entre as despezas e as receitas ordinarias, de 7:550 contos de réis, e comprehendendo as despezas extraordinarias um deficit total nos tres exercicios apenas de 3:031 contos de réis. Notando-se, porém, que se tinham amortisado de obrigações dos tabacos, de titulos de divida publica de 4 e 4 1/2 por cento e do emprestimo ao banco de Portugal das classes inactivas e da penitenciaria e hospital Estephania, cerca de 1:090 contos de réis por anno, não contando o que se amortisou do emprestimo ao municipio de Lisboa, chega-se á conclusão de que aquelles tres exercicios se encerraram sem deficit, apesar de nas despezas se terem incluido gastos avultados com as expedições ultramarinas de Moçambique e da India.
Seriam isto finanças prosperas, se não fosse 8, reducção ainda existente nos juros da divida publica e a pequena verba gasta n'esses annos em melhoramentos materiaes, que se reduziram ao indispensavel.
No começo do anno economico de 1897-1898, a situação aggravou-se com uma má colheita agricola, seguindo-se a outra que não fóra boa, mas para contrabalançar a maior exportação de oiro que esse facto poderia produzir, havia o exito favoravel dos esforços para cotar em Paris aã obrigações da companhia real da caminhos de ferro. Só as
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que pertenciam a particulares eram 70:000, que á cotação media de 265 francos podiam produzir 1.755:000 francos.
Mas accentuou-se então uma nova campanha de descredito contra a administração financeira do governo, pintando-se com as mais negras cores o estado do paiz.
Estando o mercado do cambio susceptivel pela previsão de grandes importações de cereaes, comprehende-se que essa campanha havia de produzir os seus fructos. As cotações do agio tornaram-se menos a cotação do oiro do que a cotação do panico.
Ainda assim a gerencia dos primeiros oito mezes do anno economico de 1896-1897 até fevereiro de 1897, segundo as contas já publicadas pelo sr. Ressano Garcia, apresentava um saldo positivo entre as receitas e as despezas ordinarias dos 1:582 contos de réis e um deficit total de 1:546 contos de réis.
Tal foi a situação que herdou o governo actual.
O que se passou depois é sabido.
O orador analysou o decreto de 25 de fevereiro, o relatorio de fazenda, as declarações do governo no parlamento ácerca do estado do paiz e diz que tudo isto augmentou a desconfiança e aggravou a crise.
Era a proclamação do terror das cadeiras do poder, era o salve-se quem poder nas vésperas dos cataclysmos, era o grito de fujam, fujam, que a derrocada está imminente.
Mas por mais funesto que fosse o effeito do relatorio e das declarações do governo, mais funda, mais pungente mais afflictiva foi a impressão causada pelas propostas financeiras.
Ellas echoaram no paiz como um dobre de finados. Não eram tonicos salutares para regenerar um organismo depauperado, eram remedios extremos para prolongar uma agonia; eram os ultimos objectos de valor que se empenham para adiar a fallencia inevitavel, as ultimas pratas da casa para affastar por poucos dias a miseria que se avizinha.
Essas propostas eram o annuncio previo de uma derrocada proxima, e d'este modo contribuiram, pelo panico que produziram, para aggravar ainda mais a situação já de si tão tensa tão cheia de perigos. No seu conjuncto não representam uma solução, apenas um adiamento. Emprestimos no presente, antecipações de receitas, impostos no horisonte. Eis todo o plano financeiro.
E espera o sr. Ressano Garcia, com um tal plano, uma; diminuição no agio do oiro.
Quanto se illude.
De todos os elementos, que influem no agio, o mais importante é o panico. A acção material da necessidade; das liquidações do commercio internacional ou de outras1 transacções com o estrangeiro obra n'um sentido só, na offerta ou na procura do oiro. A acção moral do panico obra nos dois sentidos; a desconfiança determina uma menor offerta de metal, quem tem oiro aferrolha-o mais; e ao mesmo tempo determina uma maior procura para novos enthesouramentos. O dinheiro dos emprestimos irá em, grande parte augmentar os thesouros individuaes, e a situação permanecerá a mesma.
Que fazer então?
Em França, depois dos dias terriveis da lucta com a Prussia, quando foi necessario cicatrizar as feridas da guerra, e pagar uma enorme indemnisação, ao vencedor, perante um orçamento desorganisado, um deficit colossal, a questão de fazenda apresentava-se com um aspecto ameaçador. O parlamento francez deu então um espectaculo de admiravel patriotismo, ninguem fez monopolio das, suas idéas, todos vieram n'um concurso louvavel de indicações e de alvitres, facilitar a missão do governo do seu paiz.
Pois, façamos entre nós o mesmo, façamos um appello a todas as boas vontades, e calando as nossas paixões politicas procuremos todos colloborar na resolução d'esse problema, a que estão ligadas á felicidade das nossas familias, o futuro da nossa patria, façamos como que uma subscripção de idéas.
Teria baixado tanto a intelligencia d'este povo, que foi grande na historia, e que tantos emprehendimentos glorioisos levou a cabo, que de tantos cerebros potentes não possa chispar uma idéa que nos sirva de luz na immensa escuridão que por todos os lados nos cerca?
Não o acredita, se todos se quizerem dedicar a esse problema com todo o esforço do seu trabalho.
Para essa obra commum, e mesmo para que se não diga que prega mais com a palavra do que com o exemplo, vem trazer tambem um pequeno contingente.
Não quer contrapor um programma financeiro aos planos ou antes á ausencia de plano do sr. ministro da fazenda: vem simplesmente, singelamente, expôr algumas idéas que o estudo da situação financeira e do estado economico do paiz lhe suggeriu.
Quaes são as necessidades que se impõem?
Debaixo do ponto de vista financeiro restabelecer em bases solidas o equilibrio orçamental e resolver a questão da divida externa.
Mas é impossivel augmentar os impostos, as forças tributarias podem dizer-se excedidas, os impostos actuaes pesam já demasiado, contrahindo a producção.
Não é facil diminuir as despezas. Podem sempre fazer-se algumas economias, é uma illusão pensar em reducções consideraveis.
Seria conveniente uma conversão da divida externa, mas no estado de descredito em que se encontra o paiz, só póde fazer-se com uma administração estrangeira mais ou menos disfarçada, e ainda não nasceram os pares do reino e os deputados que hão de votar essa vergonha.
É esta a situação. Não fabricou elixires, nem descobriu a pedra philosophal para tornar o oiro abundante.
Mas como está convencido de que a situação do paiz não é o que geralmente se suppõe, julga que as difficuldades desappareceriam por um modo visivel, por um modo palpavel, se podesse persuadir a nacionaes e a estranhos de que seria, relativamente facil equilibrar o nosso orçamento, do mesmo modo que a poderosa, a opulenta Inglaterra equilibra os seus orçamentos da metropole.
O orador desenvolveu o seu plano e apresenta as seguintes considerações:
O governo mandará proceder a um apuramento, por provincias ultramarinas, de todas as despezas ordinarias e extraordinarias do ultramar pagas na metropole nos exercicios de 1891-1892 a 1896-1897.
Pelas contas publicadas fez a somma do que se gastou nos exercicios de 1871-1872 e 1895-1896, juntou-lhe a despeza auctorisada para 1896-1897 e chegou á somma de 36:992 contos de réis. Como, porém, entre as despezas escripturadas algumas ha que rasoavelmente devem ser pagas pela metropole, como por outro lado não podesse colligir os elementos para fazer o calculo do despendido nos vinte annos decorridos de 1851-1852 a 1871- 1872, suppõe que o apuramento total não será inferior a 40:000 contos de réis.
E isto sem computar os juros compostos, apesar de não se ter gasto cinco réis no ultramar que não fosse pedido ao credito; se computasse os juros, seriam talvez 80:000 ou 90:000 contos de réis que teria de estabelecer como base do seu plano.
Feito o apuramento, seriam emittidas obrigações de divida de cada uma das provincias de juro de 5 por cento, e entregues ao thesouro, que as collocaria empregando o seu producto: 1.°, a pagar a divida fluctuante externa da metropole, em 30 de junho de 1897, que era de 4:083 contos de réis; 2.°, e em relação a todo o excedente, á amortisação da divida consolidada externa de 3 por cento por compra no mercado.
Por outro lado, a partir do exercicio de 1897-1898 to
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das as despezas ordinarias e extraordinarias que eram pagas pela direcção geral do ultramar, e foram proprias das provincias ultramarinas, serão inscriptas nos orçamentos das provincias a que disserem respeito.
O deficit d'estes orçamentos, quando adiantado pela metropole, dará logar á emissão de correspondentes obrigações de divida das mesmas provincias.
As obrigações das provincias ultramarinas não terão consignação nem hypotheca especial; terão a garantia geral dos rendimentos da provincia a que respeitarem, sendo tambem garantida pelo thesouro da metropole.
O orador julga que d'este modo, alem de toda a divida fluctuante externa existente em 30 de junho de 1897, se poderá amortisar 130:000 contos de réis nominaes de divida externa consolidada de 3 por cento, á cotação media de 27 por cento, quando a actual é de 22 por cento, pois suppõe que a execução d'este plano terá por consequencia uma grande valorisação nas cotações da divida externa
Debaixo do ponto de vista orçamental, não contando com a diminuição da verba para agio do oiro, o deficit da metropole, calculado em 2:313 contos de réis, transformar-se-ha n'um saldo positivo de 2:411 contos de réis. E tão positivo será este saldo como os que a Inglaterra apresenta nos seus orçamentos.
Debaixo do ponto de vista no nosso credito, a grande valorisação nas cotações dos titulos da divida externa proveniente por um lado da procura para a execução do plano, e por outro lado a reducção do capital nominal d'essa divida, que hoje é de 242:604 contos de réis, a pouco mais de 112:000 contos, de réis, devia trazer como consequencia uma melhor apreciação por parte do estrangeiro da nossas circumstancias financeiras, e facilitar uma conversão rasoavel da parte da divida que ficasse por amortisar, e não fosse repatriada.
Debaixo do ponto de vista economico a diminuição de mais de 3:500 contos de réis nos encargos annuaes em oiro do thesouro da metropole, a confiança que, se refletiria com o augmento do nosso credito no estrangeiro, a certeza de que os novos encargos do fomento do ultramar não viriam pesar sobre o contribuinte da metropole, deviam por certo contribuir para diminuir esse panico injustificado, que tanto pesa sobre as cotações do agio.
Mas ficarão os orçamentos das provincias ultramarinas com deficit? É certo, mas deficit têem os orçamentos de todas as colonias inglezas, o que não impede que se considerem prosperas as finanças da metropole.
Mas deficit têem as colonias francezas do Tonkim e de Madagascar, para as quaes ainda ha pouco o parlamento francez votou a auctorisação para contrahirem avultados emprestimos.
Mas pelo credito, só pelo credito, se podem valorisar essas enormes riquezas das nossas colonias, onde a natureza exhuberante, e a mão de obra facil não demandam senão direcção intelligente e capital abundante para se desentranharem em recursos valiosissimos para o paiz.
É uma utopia suppor que o fomento do ultramar se póde fazer á custa do imposto extorquido ao contribuinte da metropole. Esmaguem-n'o com os impostos mais onerosos, arruinem-no com contribuições excessivas que vão pesar sobre a producção, não conseguirão obter mais do que uma gota de agua em comparação com a grande corrente de capital que é preciso lançar no ultramar para valorisar o nosso dominio colonial.
E, além de uma utopia, é uma injustiça, que nenhuma nação colonial pratica, hoje.
A Hespanha não inscreve nos seus orçamentos os gastos de Cuba e de Porto-Rico, a Belgica os do estado do Congo, a França os de Tonkim, de Tunis, de Madagascar.
Quanto á Inglaterra, o que ella tem feito tem o valor de um ensinamento.
As dividas de todas as colonias inglezas de 1872 para 1882-1883 augmentaram 668:430 contos de réis.
D'esta ultima data para 1892-1893 o augmento foi de 535:141 contos de réis. Nem um ceitil, d'estas sommas collossaes pesa sobre a divida da metropole, que vae diminuindo de anno para anno.
Teriam os inglezes a cotação que têem, se lá se adoptasse o systema de administração, se a divida da matropole, em logar de reduzida, estivesse duplicada?
O orador examinou detidamente, colonia por colonia, a situação financeira do dominio ultramarino inglez. Em todas ellas o recurso ao credito constante, quasi sem intermittencias, é o systema de que a Inglaterra se serve para valorisar o seu dominio ultramarino. No Canadá, na India, na Australia, no Natal, no Cabo, em Ilha Mauricia, em Ceylão, em Hong-Kong, em todas quasi sem excepção, as dividas privativas augmentam de anno para anno em proporções consideraveis.
A divida do Natal era de £ 1.205:000 em 1872, saltou para £ 16.098:000 em 1882, remontou ainda a £ 26.006:167 em 1892-1893 e em 1894-1895 estava em £ 27.675:178, A divida do Cabo seguiu a mesma progressão constante. Era apenas de £ 344:000 em 1872, dez annos depois em 1882 já era de £ 2.102:000, passados outros dez annos salta para £ 7.170:354 em 1892-1893, e no anno de 1894-1895 já tinha subido a £ 8.060:354.
A divida da nossa provincia de Moçambique é zero.
Teriam, porém, collocação facil as obrigações das nossas colonias?
O orador suppõe que sim, mas por sua parte não aconselharia que se apressasse a sua collocação vendendo-as ao desbarato. A sua simples creação, o conhecimento do fim a que se destinam e dos effeitos da execução d'este plano produziriam, só por si, parte dos resultados beneficos que haviam de resultar da sua collocação.
E entretanto o thesouro podia servir-se d'ellas para a creação de uma divida fluctuante especial das provincias ultramarinas, destinada exclusivamente a pagar a divida fluctuante externa da metropole em 30 de junho de 1897 e ás despezas extraordinarias ultramarinas d'essa data em diante.
Essa enorme, massa de titulos, no valor de 40:000 contos de réis, acrescentada pelas emissões annuaes seria mais que sufficiente para garantir essa divida fluctuante deixando libertas as cauções actuaes da divida fluctuante da metropole.
O orador passou depois a occupar-se da questão economica. Sustentou que, só com os nossos recursos em prata e em oiro escondido ou emigrado e collocado no estrangeiro, poderiamos, restabelecida, a confiança, voltar á circulação metallica. Não o aconselharia fazer-se senão gradualmente, porque a subida repentina do valor da nota ao par produziria uma crise industrial medonha, e como reflexo uma crise bancaria e uma crise de trabalho.
Preferiria que de momento applicassemos parte das nossas reservas do oiro a repatriação da divida externa que não fosse amortisada com a emissão das obrigações ultramarinas. E seria possivel promomover essa repatriação. Julga que o sr. ministro da fazenda se illude considerando actualmente a circulação exuberante. A caracteristica de uma circulação exhuberante, disse o orador, é a alta de todos os preços. Assim succedeu em França por occasião dos assignados, quando uma nota de 100 francos alia apenas alguns sous, quando, por exemplo, um par de sapatos custava o correspondente na nossa moeda a réis 500$000. Assim succedeu com a primeira moeda papel que tiveram os Estados Unidos; refere um escriptor que uma ceia para quatro pessoas se pagava pelo correspondente em réis a 900$000. Assim succede hoje no Brazil em que o preço das casas, das rendas, dos salarios, dos creados e dos operarios, todos os preços emfim têem subido de um modo consideravel.
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228 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Entre nós subiram os productos vindos do estrangeiro, por repercussão os similares portuguezes, a alta tem-se repercutido no preço de outros productos, mas não é geral.
Logo não ha circulação exhuberante, mas póde a mesma circulação actual tornar-se exhuberante se, diminuindo as transacções pelo aggravamento do panico, a moeda se tornar excessiva.
A moeda necessaria a um paiz, se tem uma certa relação com a população e a extensão territorial, é sobretudo regulada pela quantidade das transacções e pela rapidez da circulação, do mesmo modo que o numero de wagons necessarios para o transporte de mercadorias é sobretudo regulado pela quantidade de mercadorias a transportar. A economia do emprego da moeda é tambem um factor importante, e, debaixo d'este ponto de vista, nós somos de uma enorme prodigalidade.
O orador, antes de terminar, dirige um appello ao sr. ministro da fazenda. Afaste s. exa. para bem longe de si esse pessimismo doentio, que não lhe deixa ter a clara percepção do estado do paiz, e lembre-se que o sangue frio é a primeira das qualidades do homem d'estado, que as situações difficeis encaram-se com serenidade, e quem não tem a presença de espirito necessaria para as dominar, é fatalmente dominado por ellas.
E conclue com estas palavras: As idéas que expuz são filhas de uma convicção sincera. Se me illudi; se, ao contrario do sr. ministro da fazenda, me deixei inspirar por um optimismo exagerado; se dias mais sinistros têem de raiar para o meu paiz, ao menos, no meio das desgraças da patria, restar-me-ha a consciencia tranquilla por não me ter poupado a esforços nem a fadigas, a fim de contribuir com o meu pequeno contingente para oppor um diqne a essa onda irreffectida e desvairada de desconfiança, que, nos seus vaivens impetuosos, ameaça subverter tudo e todos na sua passagem.
O sr. Baptista de Andrade: - Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar sobre o projecto de lei n.° 23.
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar na proxima segunda feira, 23 do corrente, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje e mais os pareceres nos. 9, 10 e 12.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes á sessão de 21 de agosto de 1897
Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho; Marino João Franzini; Marquezes, de Alvito, da Graciosa; Bispo-Conde de Coimbra; Condes, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Macedo, de Paraty; Visconde de Chancelleiros; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Egypcio Quaresma, Arthur Hintze Ribeiro, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, José Maria dos Santos, Abreu e Sousa, Pimentel Pinto, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Thomaz Ribeiro.
O redactor = Alves Pereira.