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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 18

EM 5 DE SETEMBRO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente. - O Digno Par Sebastião Baracho envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda. Em seguida apresenta uma representação contra a lei de 13 de fevereiro de 1896 e a synopse dos decretos promulgados pelo Ministerio da Marinha á sombra do artigo 15.° do 2.° Acto Addicional. Requer que a representação seja publicada no Diario do Governo e a synopse nos Annaes. Por ultimo insiste na remessa de documentos que pediu pelo Ministerio do Reino. A Camara annue ás publicações requeridas pelo Digno Par. - O Sr. Ministro do Reino promette enviar os esclarecimentos requisitados por S. Exa. - O Digno Par Conde de Paraty participa que está installada a commissão de negocios externos.

Ordem do dia. Primara parte. - Continuação do incidente a proposito da ultima crise ministerial. - Usam da palavra o Sr. Presidente do Conselho e o Digno Par Hintze Ribeiro. - O Digno Par Marquez de Lavradio participa que a commissão de verificação de poderes se acha constituida. - Sobre o assumpto da ordem do dia discursa o Digno Par João Arroyo.

Segunda parte da ordem do dia. - Discussão do projecto de resposta ao Discurso da Corôa. - Usam da palavra o Digno Par Hintze Ribeiro e o Digno Par Sebastião Baracho, que justifica uma moção que envia para a mesa. S. Exa. fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. - O Digno Par Teixeira de Sousa insiste pela remessa de documentos que solicitou, e pede que seja posta em ordem do dia a sua interpellação acêrca da execução do decreto de 14 de janeiro do corrente anno. - O Sr. Ministro do Reino declara-se habilitado para responder á interpellação do Digno Par. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bera como a respectiva ordem do dia.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros, do Reino, Fazenda e Negocios Estrangeiros.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando se a presença de 30 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Sebastião Baracho: - Mando para a mesa a synopse respeitante aos decretos promulgados pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, durante o adiamento das Côrtes. Peço a sua publicação nos Annaes 1.

Envio igualmente para a mesa um requerimento, a fim de me ser fornecida pelo Ministerio da Fazenda a nota da divida fluctuante, concernente a 31 de agosto ultimo.

Posto isto, vou ler, para mandar tambem para a mesa, a representação elaborada no comicio realizado em Lisboa, no começo do anno, contra a lei perversa de 13 de fevereiro de 1896.

(Leu a representação)2.

Encontra se esta petição muito bem fundamentada, e redigida em termos de eu requerer a sua publicação no Diario do Governo. É o que faço desde já; e com tanta maior satisfação quanto é certo que se torna indispensavel que a opinião do paiz se manifeste intensamente, a fim de que da legislação patria desappareça a nódoa da lei scelerada, que nos diminue e exautora perante os povos civilizados.

Ainda hoje, no decorrer da sessão, e quando se tratar da resposta ao Discurso da Coroa, espero reforçar a minha argumentação, até com factos, contra a existencia de semelhante lei. Agora passo a outro assumpto, e peço a presença, n'uma das proximos sessões, do Sr. Ministro das Obras Publicas, no intuito de saber de S. Exa. quaes os motivos por que ainda não satisfez os meus pedidos de documentos pelo seu Ministerio.

Relativamente á mesma materia, e na parte referente ao Ministerio do Reino, devo declarar que não me conformo com a resposta dada pelo respectivo titular, acêrca dos documentos que solicitei concernentemente á Imprensa Nacional.

Não é admissivel que elles não existam na sua totalidade. Insisto, portanto, pela sua remessa, porque careço d'elles em todo o ponto.

(S. Exa. não reviu).

Consultada a Camara, deliberou que a synopse fosse publicada nos «Annaes» e a representação no «Diario do Governo».

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Obras Publicas será avisado do pedido do Digno Par o Sr. Baracho.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Pedi a palavra para declarar ao Digno Par que ainda hoje dei ordem no meu Ministerio para que, com a maxima promptidão, sejam enviados todos os documentos que S. Exa. requisitou.

O Sr. Conde de Paraty: - Participo a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão de negocios externos, tendo escolhido para presidente o Sr. Arcebispo de Calcedonia e para secretario a mim, participante.

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210 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ORDEM DO DIA

PRIMEIRA PARTE

Continuação do incidente sobre a ultima crise ministeral

O Sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Sr. Presidente: quando hontem pedi a palavra, era na intenção de responder a algumas das considerações de ordem politica que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro tinha apresentado no seu discurso; mas, passada a impressão de momento, e visto o cansaço da Camara, parece-me que o mais conveniente é que eu me limite a responder ás perguntas que S. Exa. me fez.

Começou S. Exa. por alludir aos telegrammas trocados entre a Presidencia do Conselho e o nosso Ministro em Paris, a proposito da cotação das novas obrigações dos tabacos, estranhando que eu desse publicidade a esses documentos. D'esse facto assumo inteira responsabilidade, como assumiria a que me resultasse de não enviar esses documentos, se porventura não quizesse attender ás reiteradas exigencias do Digno Par Sr. Baracho.

As suspeições que se levantariam contra mim, se eu me recusasse a mandar aqui esses documentos, seriam maiores do que a responsabilidade que assumi mandando-os, de mais a mais sendo elles publicados depois de estar assignado o contrato dos tabacos.

Depois da assignatura do contrato de 4 de abril, parece-me que esses documentos teem apenas uma importancia historica, são como que um subsidio para a apreciação do modo como as negociações correram. Entendi, pois, que havia muito menos inconveniente em os entregar á publicidade, do que em recusar-me a satisfazer as instancias do Sr. Baracho. Entendi que podia e devia supportar a responsabilidade que d'ahi me proviesse, adoptando a resolução de os mandar ao Sr. Baracho e dando a S. Exa. o direito de requerer ou não a sua publicação.

Pergunta o Sr. Hintze Ribeiro qual a razão por que eu telegraphei ao nosso Ministro em Paris inquirindo sobre a cotação eventual das obrigações dos tabacos.

Respondo a S. Exa. que enviei esse telegramma porque, na ordem de ideias do Governo, entendi que era conveniente obter do nosso Ministro em Paris a informação que se pediu. E o Governo entendeu que era conveniente pedir essa informação, porque lhe pareceu que não era indifferente, para adoptar qualquer resolução na questão dos tabacos, saber antecipadamente se podia ou não contar com o mercado de Paris. Esta foi a razão por que o Governo telegraphou para Paris.

Perguntou mais S. Exa. por que é que o telegramma foi assignado pelo Presidente do Conselho, e não pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros?

Respondo a S. Exa. que, alem da expedição do telegramma ter sido resolvida em Conselho de Ministros, e constituir um acto collectivo do Gabinete, pareceu-me que era conveniente dar-lhe caracter menos official do que teria se o telegramma fosse assignado pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Tambem S. Exa. disse a este proposito que fôra erro grave da parte do Governo o substituir-se aos negociadores do emprestimo, quanto ás exigencias para a cotação das novas obrigações.

Tenho a responder a S. Exa. que, segundo o contrato actual, a obrigação de empregar as diligencias para a cotação das novas obrigações, não é dos contratadores, é do Governo; mas a verdade é que o Governo se limitou a obter a informação do seu Ministro em Paris.

Nada mais.

Perguntou o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro se o Governo parou, depois da resposta que obteve do nosso Ministro Portuguez, ou se expediu áquelle nosso representante outro telegramma.

Respondo a S. Exa. que o Governo não dirigiu nenhum outro telegramma ao nosso Ministro em Paris, porque viu que o Sr. Thomaz Rosa declarava que não podia dar uma resposta definitiva sem que o Governo pudesse informar sobre determinados pontos, e estes pontos eram, alem da questão Reilhac, o facto de se resolver o Governo a adjudicar o exclusivo dos tabacos á mesma companhia ou a outra, ou tomar para si a administração d'aquelle rendimento ou resolver-se emfim a fazer juntas ou separadamente as duas operações.

O nosso distincto representante em Paris, o Sr. Thomaz Rosa, tornava dependente a sua resposta e dizia que não podia dar uma resposta precisa porque a cotação dependia do accordo entre os Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Fazenda, e a Camara Syndical de Paris.

Em vista d'esta resposta desistimos de fazer qualquer outra pergunta. Não ha, pois, mais nenhum telegramma.

Tambem S. Exa. disse que a nota franceza a que alludiu tinha sido a resposta á pergunta que Governo Portuguez havia feito ao nosso representante em Paris.

Peço licença a V. Exa. para affirmar que tal asserção não é exacta.

O Governo Francez nunca teve conhecimento, nem official nem officioso, do telegramma que foi dirigido pela Presidencia do Conselho ao Sr. Thomás Rosa. Pode o Governo Francez sabel-o agora, porque foram publicados os telegrammas, mas na data em que dirigiu a nota ao Governo Portuguez nada sabia. A nota do Governo Francez foi originada pelo officio de 31 de janeiro de 1905, que o Governo dirigiu ás duas Companhias de Tabacos e Phosphoros.

Foi n'esse officio que o Governo Francez se fundou para redigir a nota que mandou ao Governo Português.

Tambem o Digno Par alludiu á questão Reilhac, dizendo que não sabia ao certo o que ha a este respeito. Já disse e repito que, o certo é que no contrato de 4 de abril não ha qualquer clausula que permitia dar a Reilhac nem 1 real.

O Governo já declarou que nada se deve a Reilhac, e que não reconhece qualquer direito que Reilhac pretenda ter com respeito a qualquer indemnização.

Sr. Presidente: o Sr. Hintze Ribeiro referiu se a uma palavra que eu proferi, n'esta ou na outra Camara, não sei bem onde, a respeito da questão Reilhac. S. Exa. estranhou que eu tivesse chamado internacional a essa questão. Se as minhas palavras tivessem a intenção que o Sr. Hintze Ribeiro lhes attribue, eu associar-me-hia de bom grado aos protestos de S. Exa.

Mas, Sr. Presidente, eu entendo que isto é apenas uma questão de palavras. Desde que um subdito estrangeiro reclama do Governo Portuguez uma avultada quantia como indemnização, entendi que, sem grave incorrecção, podia suppor que essa reclamação era de natureza internacional. (Apoiados).

Simplesmente isto e nada mais. As minhas palavras não podem, nem devem ter, outra significação.

Sr. Presidente: são estas as explicações que eu tenho a dar á Camara e ao Digno Par e ponho-lhes aqui termo, porque se a questão não estivesse tão fatigada como está, e se o assumpto não estivesse esgotado, aproveitaria o ensejo para responder a outras considerações de ordem politica a que o Sr. Hintze Ribeiro se referiu, mas nós havemos de ter outra occasião de nos encontrarmos nos debates parlamentares e então será mais opportuno o ensejo para eu replicar a algumas observações que S. Exa. hontem aqui fez, e com as quaes estou em desaccordo.

Por hora nada mais. Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Como é a terceira vez que o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro fala, tenho de consultar a Camara sobre se permitte que S. Exa. use da palavra.

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Vozes: - Falo, fale.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, em vista da manifestação da Camara.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente, agradeço a attenção da camara e serei extremamente breve no que tenho a dizer, não só porque outra cousa me não pede a resposta do Sr. Presidente do Conselho, mas porque tambem eu pela minha parte não desejaria deixar á Camara a impressão de um largo debate.

Agradeço ao Sr. Presidente do Conselho a resposta simples que me deu. Sinto não poder conformar-me com ella, sinto que ella não houvesse produzido no meu espirito uma impressão que apagasse a má disposição em que n'este debate me tenho mantido até agora.

O Sr. Presidente do Conselho limitou se a responder a perguntas minhas; limito me tambem a referir-me á resposta de S. Exa.

O Sr. Presidente do Conselho remetteu á Camara telegrammas e notas, reconhecendo que isso é da sua inteira e absoluta responsabilidade, por entender que esses documentos tinham hoje apenas uma importancia historica.

Sr. Presidente, eu queria conformar-me com a allegação de S. Exa.; mas não posso.

Se a questão dos tabacos fosse uma questão finda, liquidada, se sobre ella se tivesse o Parlamento pronunciado, se se tivesse publicado e sancionado uma lei, se o contracto estivesse elaborado com o concenso unanime das Cortes, poderiam esses telegrammas ter uma importancia historica, se bem que, no meu entender, bem triste; mas a questão está pendente da apreciação do Parlamento e não podem ter só importancia historica documentos d'esta importancia, e que respeitam a um assumpto de tanta magnitude.

O Sr. Presidente do Conselho declarou que enviou aquelle telegramma ao nosso representante em Paris porque desejou o Governo a que S. Exa. preside saber antecipadamente se podia contar com o mercado francez.

Permitia me S. Exa. que lhe diga que não era essa, e nem devia ser, a preocupação do Governo. A sua preocupação devia ser fazer um contracto que satisfizesse ás exigencias da opinião publica e aos interesses da nação.

O pedido da cotação das obrigações impendia ao Governo por uma simples diligencia official, nada mais. Tudo quanto respeitasse a tornar effectiva essa cotação era da responsabilidade dos contratadores.

Declarou o Sr. Presidente do Conselho que assignou o telegramma para lhe tirar o caracter official que elle pudesse ter. Ora a verdade é que não podia dar-lhe caracter mais official do que sendo S. Exa. quem o assignasse. Pois um telegramma dirigido ao representante em Paris deixa de ter caracter official quando é o chefe do Governo que o dirige? Pelo contrario:

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não tem para com o nosso representante em Paris mais cunho official nas perguntas que faz, ou nas informações que pede, do que tem o Sr. Presidente do Conselho. Pelo contrario, se alguma cousa podia dar mais importancia, mais relevo, mais alcance a esse telegramma, era o ser assignado pelo Sr. Presidente do Conselho de accordo com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Presidente do Conselho disse-nos que pediu apenas uma informação confidencial. Perdão. O Sr. Presidente do Conselho não pediu ao nosso representante em Paris a sua impressão individual, fez mais: ordenou-lhe que soubesse, e o nosso representante não podia saber sem perguntar ao Governo junto do qual estava acreditado, que era o Governo Francez, quaes as suas intenções a respeito da cotação das obrigações. O nosso representante não podia habilitar-se a dar as informações que lhe eram pedidas senão depois de fazer as diligencias necessarias para saber com segurança e firmeza quaes eram as disposições do Governo Francez e se em determinadas circumstancias se podia ou não contar com o seu apoio.

O Sr. Presidente do Conselho declarou que mais nenhum telegramma dirigiu ao nosso representante em Paris. É uma questão de facto. Não tenho o direito de lhe perguntar mais nada sobre esse ponto, mas tenho o direito de observar o seguinte:

Se a intenção do Governo Portuguez era inteirar-se das disposições do mercado francez no tocante á cotação dos titulos e se, bem ou mal, entendeu que para isso devia dirigir-se ao nosso Ministro em Paris, não se comprehende que não tivesse seguimento o telegramma, porque, ou era escusado envial-o, ou era necessario, e neste caso, sobre a primeira informação apenas, não podia o Governo dar-se por satisfeito.

Disse o Sr. Presidente do Conselho que a nota do Governo Francez não foi em resposta ao telegramma que dirigiu ao Sr. Rosa, porque o Governo Francez nunca, nem official nem officiosamente, teve conhecimento d'esse telegramma. Uma de duas: ou o Sr. Rosa não cumpriu o seu dever, porque, recebendo do seu Governo instrucções pari proceder a umas determinadas diligencias, não lhe obedeceu; ou, se o cumpriu, não podia deixar de inteirar-se do Governo Francez sobre o que elle pensava acêrca do assumpto do telegramma, e desde logo aquelle Governo ficava conhecedor do desejo manifestado pelo Governo Portuguez.

Ainda o Sr. Presidente do Conselho fez a affirmação terminante de que no contrato de 4 de abril nada se estipulou no tocante ao pagamento a Reilhac.

Consigno a declaração do Sr. Presidente do Conselho.

Registo a. Já a tem feito por mais de uma vez. Hoje, como ha dias, não impugno nem contesto aqui o que S. Exa. disse. Mas o Sr. Presidente do Conselho fez tambem uma observação que entendeu dever explicar. Sinto muito não poder acceitar essa explicação. O Sr. Presidente do Conselho n'uma phrase infeliz, que porventura se desprendeu dos seus labios sem que de momento lhe medisse bem o alcance e significação, classificou de internacional a questão Reilhac.

Eu quero acceitar a explicação do Sr. Presidente do Conselho, n'aquillo e ella tem de proveitoso e util para meu paiz.

O Sr. Presidente do Conselho declarou que nunca a questão Reilhac teve um caracter internacional, e que só foi ima questão officiosa entre os dois Governos.

Ora a questão Reilhac nunca foi uma questão internacional e ainda bem, pois o Sr. Presidente do Conselho disse que o Governo Francez nunca fez reclamação alguma ao Governo Portuguez, mas sim entre os dois Governos só tinha havido resoluções officiosa s e que apenas essa questão tinha sido tratada particularmente.

A questão Reilhac nunca assumiu um caracter internacional. O Governo Portuguez perante essa questão respondeu nos termos em que o devia fazer; isto é dizendo que não devia nada ao Sr. Reilhac.

O Sr. Presidente do Conselho foi bem claro, foi bem expresso. Eu pela minha parte não direi mais nada.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Marquez de Lavradio: - Pedi a palavra a V. Exa. para participar que se acha constituida a commissão de verificação do poderes, tendo sido escolhido o Sr. Sá Brandão para presidente e eu para secretario.

O Sr. João Arroyo: - Creio que o Sr. Presidente do Conselho está profundamente enganado. O Sr. José Luciano de Castro está equivocado singularmente quando diz que isto é um debate cansado, que é uma questão fatigante para a Camara e que os Dignos Pares estão sufficientemente orientados

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sobre o assumpto. S. Exa., repito, equivocou-se singularmente.

A questão dos tabacos tem de ser para a administração actual um dolorosissimo Calvario. A questão dos tabacos deve fazer succumbir tantos Gabinetes, quantos forem precisos para que ella entre nos seus verdadeiros carris.

A nós, representantes da nação, incumbe-nos o vir aqui acompanhar os seus incidentes, dia a dia, hora a hora, e vir relatar o que nos vae no espirito, o que se passa dentro da nossa alma. A questão dos tabacos não é uma questão fatigante para o Parlamento Portuguez, porque agora é que a questão começa a nascer para a opinião publica, que acorda e se orienta, e que começa a ver que necessita, de uma vez para sempre, que sejam acatados os verdadeiros principios pelo Governo d'este paiz. Não é preciso resuscital-a das cinzas, não.

Ella está bem viva; e o que é preciso é recordal-a perante o Parlamento e a opinião publica.

O Digno Par que acabou de usar da palavra respondeu proposição a proposição ao que o Sr. Presidente do Conselho deveu entender ser a sua desculpa, a sua explicação sobre o incidente dos telegrammas referidos n'esta Camara, na ultima sessão, pelo Digno Par e meu amigo o Sr. Dantas Baracho.

Não vou repetir as considerações tão eloquentemente expostas pelo Digno Par que acaba de usar da palavra. Seria inutil fazel-o. O que venho é accrescentar mais algumas ás que o Digno Par emittiu.

O que venho é procurar pôr em relevo o verdadeiro, o principal e o mais tremendo aspecto que este incidente dos telegrammas offerece á nossa analyse e á nossa observação.

Disse o Sr. Presidente do Conselho, sobre a questão Reilhac, que o Parlamento estava já esclarecido com as suas explicações.

Os telegrammas lidos aqui pelo Digno Par o Sr. Baracho trazem como condição fundamental a liquidação de Reilhac.

Sr. Presidente: este incidente Reilhac dura ha perto de quinze annos, e eu nunca vi esse pretendente calado senão quando se sentia sufficientemente esperançado.

Os telegrammas lidos pelo Digno Par o Sr. Baracho, alem da gravidade que o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, chefe do partido regenerador, acaba de expor á Camara, mostram o caminho nefasto seguido n'esse momento pela chancellaria portugueza. Para mim tanto me faz que o telegramma fosse expedido pelo Sr. Presidente do Conselho como pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. No fundo o que esses telegrammas conteem é para mim bastante deploravel. É este o meu sentir intimo.

Sr. Presidente: o Sr. José Luciano de Castro é sem duvida um dos homens mais lidos em cousas da nossa administração; o Sr. José Luciano de Castro é um homem de faculdades intellectuaes que successivamente teem augmentado; o Sr. José Luciano de Castro é um homem de Estado com meio seculo de vida politica. O Sr. José Luciano de Castro é, pois, um homem de Estado, chefe de um Gabinete chefe de uma situação; e quando lhe acudiu pela primeira vez á cabeça a ideia de dirigir-se a Paris, por força havia de dizer comsigo: «Mas o que é que eu vou fazer? Consultar officialmente o Governo Francez sobre a eventualidade de uma cota que tem de ser dada a titulos de uma operação financeira que nem sequer negociada está?

Naturalmente o nosso representante em Paris, no cumprimento do seu de ver, procurou saber qual a disposição em que estavam os mercados de Paris com respeito á cotação dos titulos; e tudo isto, Sr. Presidente, quando a negociação não está concluida, quando ella está no seu primeiro periodo e quando não se sabe ainda qual será a forma a adoptar!

«Como é que hei de ir eu, chefe do Governo Portuguez, dizer ao Ministro de Portugal em Paris que trate de saber se um facto se dará, quando é um facto que depende de condições de tempo, de circumstancias de occasião, de homogeneidade de opiniões, na qual influe muito, Sr. Presidente, a politica economica e financeira? Como havia de eu adivinhar n'aquelle momento todas essas condições?

Pois ha alguem que possa suppor que estas impressões, que eu n'este momento procuro produzir bem nitidas, não avassalassem o pensamento do Sr. Presidente do Conselho ao expedir o telegramma? Ha alguem que possa suppor que S. Exa., homem de espirito lucido, intelligente e sagaz, não antevisse os perigos, os inconvenientes, mais do que isso, a impossibilidade absoluta de alguem poder responder ao seu telegramma? Só quem não passou pelas cadeiras do poder é que não sabe o que são as agruras, as amarguras, as dores cruciantes que se experimentam no decorrer de certos lances.

Só quem não sabe o que a imprudencia e a falta de reflexão de um instante podem fazer perder o que em mezes se tinha feito de bom para os interesses do paiz! Só um individuo alheio a assumptos internacionaes e sobretudo financeiros é que pode deixar de reconhecer quanto errada e irreflectivamente procedeu o Sr. Presidente do Conselho.

Qual de V. Exas. ignora que as mais graves difficuldades das nossas relações com a França se prendem sempre com assumptos que directa ou indirectamente respeitam a materia financeira? Qual é dos Dignos Pares o que ignora que nenhumas dificuldades mais graves nascem para a chancellaria portugueza do que aquellas que proveem dos accordos financeiros.

São essas, repito, que hoje, amanhã e sempre se apresentam por uma acção constantemente incommoda e algumas vezes afflictiva da chancellaria do Quai d'Orsay que devem merecer a maxima ponderação do Governo.

Quem é que ignora que o grupo dos tabacos tem ligações estreitas com os grupos financeiros da França?

Qual dos dignos membros d'esta Camara é que ignora que a historia internacional portugueza, que os archivos da nossa diplomacia de ha 15 annos, são mais do que ferteis, são uberrimos na apresentação de documentos que attestam as difficuldades incessantes que os antecessores do Sr. Conselheiro Villaça teem tido para oppor a nossa autonomia e administração financeira á exagerada influencia das chancellarias estrangeiras.

V. Exa. vê como eu, através da minha palavra, procuro pôr todos os euphemismos, todas as attenuações de vocabulos e de fazer todas as eliminações de factos que porventura, Sr. Presidente, dessem á minha expressão a ideia de inconveniencias.

Mas guardadas essas precauções, resalvadas as conveniencias diplomaticas, tenho mais que o direito, tenho o e ver, de dizer que o telegramma assignado pelo Sr. Presidente do Conselho ou é incompativel com a sua reputação de homem de Estado, ou então foi adrede forjado para proteger a solução da questão dos tabacos a favor de uma companhia poderosa.

Sr. Presidente: se houve um homem que não se enganou, um cavalheiro que não teve a mais pequena duvida sobre a significação e as intenções do telegramma, um diplomata que, na sua levada comprehensão, viu logo o que se queria dizer, esse homem foi o nosso Ministro em Paris, o Sr. Thomaz Rosa.

Tome V. Exa. o telegramma do Sr. Thomaz Rosa, leia-o meditadamente, e veja V. Exa. como d'elle rebentam as mais pungentes duvidas. Aprecie V. Exa. esse telegramma e veja o ar doloroso como elle está escripto, veja V. Exa. afflicção d'esse espirito absolutamente imparcial, que parece guiar a sua penna ao escrever esse telegramma. Veja V. Exa. como elle não se esquece accrescentar: «que em todo caso será difficil de alcançar com precisão essas

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informações visto que isso depende do accordo do Ministro da Fazenda, do Ministro dos Negocios Estrangeiros, e da camara Syndical, e eu não posso dizer nada, porque ninguem o pode dizer, porque nunca o Governo Portu-guez me devia obrigar a escrever esta resposta!»

Se isto se não tivesse dado entre pessoas que estão separadas por milhares de kilometros, se em vez d'isto se effectuar entre duas capitaes da Europa, que apesar de estarem ligadas entre si por um comboio rapido, ainda assim gasta trinta e seis horas; se entre o Sr. Presidente do Conselho e o Ministro em Paris não houvesse a separal-os o espaço do Reino vizinho, a Hespanha, creio que esse funccionario, sem faltar ao devido respeito ao chefe do Governo, e aos seus deveres de funccionario distincto, teria respondido por uma outra forma.

Sr. Presidente: pouco importa que em Portugal haja ou não lei de responsabilidade ministerial. Tanto como V. Exa. respeito o Governo Portuguez, mas precisamente por isso é que eu choro e me envergonho de que a suprema magistratura portuguesa incarnada na pessoa do Sr. Presidente do Conselho ousasse redigir um papel que só um apaniguado da Companhia dos Tabacos poderia assignar.

Sr. Presidente: em continuação da minha demonstração de que a questão dos tabacos não está morta eu quero ainda dizer a V. Exa. e a Camara alguma cousa sobre um diploma de caracter publico, que ha dias viu a luz da publicidade.

Refiro-me ás declarações publicadas por todos os jornaes, aos cavalheiros que constituem a maioria de uma commissão parlamentar. Sou sufficientemente conhecedor das praxes parlamentares, para saber que não me pertence, n'este logar, o intervir em assumptos que respeitam ás relações entre o Sr. Presidente do Conselho e esses cavalheiros. Tomo o documento pelo que elle tem de publico.

Como é um documento d'essa natureza sobre elle pode recair a minha analyse.

A Camara assiste a este espectaculo verdadeiramente prodigioso de Reilhac ser liquidado, sem nada se lhe pagar!

Mas o Sr. Presidente do Conselho, di-lo a palavra de um grupo de homens de bem, não se limitou a esta declaração.

Houve um membro do Parlamento que, tendo a ideia de um concurso para a adjudicação do exclusivo, formulou a hypothese de a companhia arrendataria dos tabacos de Hespanha a elle poder concorrer. O Sr. Presidente do Conselho porém, repetindo as palavras proferidas por esses cavalheiros, diz: (Leu).

A minha referencia a este assumpto deve por certo agradecel-a o Sr. Presidente do Conselho.

O aspecto extraordinario d'esta asseveração, a natureza absolutamente sem exemplo nos annaes da politica portugueza, de uma affirmação de tal importancia, por certo já deveria ter feito com que o Sr. Presidente do Conselho, espontaneamente, explicasse tão estranhas palavras. S. Exa., não contente ainda com o fazer esta referencia á companhia arrendataria, lembrou aos proponentes a conveniencia de elles, retirando a sua proposta, indicarem a forma de tudo se arranjar.

Sr. Presidente, V. Exa. vê que a minha expressão é curta, que as minhas palavras são difficeis e que o ennunciado da minha palavra é tardo; e devo dizer a V. Exa. o motivo d'isso. Talvez n'essa explicação eu formule os melhores commentarios sobre o assumpto. O motivo por que a minha palavra é tarda é porque, emfim, não me sinto muito á vontade n'este assumpto é porque, devo dizer, o facto é tão extraordinario que a linguagem parlamentar não se faz para elle. No uso da palavra ao approximar-me de tal assumpto encontro-me n'um dilemma profundamente desolador, porque ou hei de tomar a palavra portugueza e por ella significar a monstruosidade de tal declaração - e n'esse caso teria de saltar para fora do regimento d'esta casa, do respeito que tenho a V. Exa., a toda a camara e a mim proprio; ou teria de lançar-me em commentarios que, qualquer que fosse a indignação que n'elles puzesse, ficariam muito áquem do que eram chamados a traduzir. Nada mais digo sobre tal assumpto desejando só que haja ainda uma maneira de arrancar isso de cima da nossa atmosphera politica por uma explicação que não vejo qual seria a não ser a da clássica negação do Mephisto de Gõthe. Repito, faço votos por que haja ainda uma maneira de tirar, da nossa atmosphera politica, essa leviandade, de horrorosa comprehensão dos deveres parlamentares, que parece ter constituido uma ultima phase nos processos governativos e parlamentares do Sr. José Luciano.

Antes de continuar, permitta-me a camara que eu faça uma leve referencia a um telegramma publicado n'um dos jornaes d'esta manhã O Seculo, onde se diz: (Leu),

A redacção d'este periodico faz immediatamente a rectificação de tal falsidade, mas considero o facto tão grave que, não pela minha pessoa, mas pelo facto de se referir a um membro da Camara alta, pode ter extrema categoria; por isso entendo que é do meu dever affirmar que nada disse no meu discurso que se parecesse com o que aqui está escripto.

Pretendi demonstrar, usando da palavra, que nunca poderia a Inglaterra tentar oppor-se á realização do nosso emprestimo e disse que não acreditava n'isso; mas, ainda que fosse verdade, o Governo não o deveria consentir. Isto e só isto é que eu disse. A minha opinião em tal assumpto não pode ser mais insuspeita porque, alem das ligações especiaes que me prendem á nossa entente com a Inglaterra, eu não saberia ser desagradecido áquella nação pelo facto pouco vulgar de, quando deixei os Conselhos da Corôa, me ter feito cumprimentar pelo seu Ministro.

Isto dito, vou, para terminar...

Mas agora vejo eu que aquelle cavalheiro que está á direita do Sr. Montenegro, do Sr. Ministro da Justiça, é o Sr. Espregueira!

Eu affirmo a V. Exa. que este facto me causa verdadeiro espanto; sinto a mais extrema admiração em ver S. Exa. aqui no meio de nós todos, no meio dos vivos politicos! Como é que S. Exa. volta a este logar?

Porventura não estamos nós ha doze dias a discutir a questão dos tabacos?!

Durante essa discussão já se ouviu dizer que existe o Sr. Ministro da Fazenda?

Fala e torna a falar o Sr. José Luciano repetindo a sua defesa; fala o Sr. Presidente do Conselho e volta ainda a falar, fala o Sr. Ministro da Justiça, fala o Sr. Ministro do Reino, fala o Sr. Ministro da Marinha, mas quem positivamente morreu ha muitos dias foi o Sr. Espregueira.

Como é que S. Exa. está aqui?

Todavia, não tenho duvida em dizer - é elle. É o mesmo, com a sua apparencia sympathica, a sua esplendida barba branca, a sua mesma tez, a sua mesma figura...

Isto não será visão?

Sr. Presidente: V. Exa. sabe que Portugal, desde os tempos da sua desgraça, foi muito dado ás visões. Ellas começaram com Alcacer Kibir; depois a superstição nacional fez nascer o sebastianismo.

É claro que, no principio, foi uma visão superior do espirito que deu origem, talvez, a um movimento collectivo da opinião; mas depois foi-se tornando plebeia, foi-se democratizando e quando, finalmente, começou a nascer o constitucionalismo portuguez, o sebastianismo estava reduzido a sapateiros de vão de escada.

Foi então n'essa miseria de duendes, de visões e allucinações que Soares de Passos, n'uma visão de romantismo, inventou o Noivado do Sepulcro, que eu ainda ouvi em Coimbra recitar ao

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piano com commentarios fagueiros de cavalheiras, meninas, e donas de casa.

Depois da morte do poeta, a primeira allucinação que surge em materia de direito governamental e administrativo, a primeira que vejo deante de mim é a mesma que em 16 de agosto vivia na outra casa do Parlamento, é o mesmo Sr. Manoel Affonso Espregueira.

«És tu que ousas vir aqui?»

V. Exa. desculpe, mas os duendes tratam-se por tu.

«Para que voltaste, desgraçado?

Em nome da boa ordem dos trabalhos, em nome dos bons principios que devem ser guardados n'esta casa, eu limito-me a pedir que voltes ás profundas... de Vianna do Castello!»

(Riso).

Sr. Presidente: as minhas considerações approximam-se do fim.

Eu disse acêrca do telegramma do Sr. José Luciano e da resposta do Sr. Rosa aquillo que em minha opinião sincera e franca significa a sua intenção intima, o seu proposito averiguado, o seu significado verdadeiro e a sua unica efficacia; eu disse acêrca da attitude do nosso Ministro em França que ella representava ao mesmo tempo espirito de disciplina para com o chefe, e verdadeiro soffrimento moral ao ter de pôr o seu nome deante de uma resposta que elle exigia.

Eu pedia ao Sr. José Luciano, para honra e prestigio, já não direi das instituições parlamentares mas das instituições politicas em geral, que S. Exa. desse uma explicação regular, não a negativa clássica em que S. Exa. é eximio, perante o Parlamento Portu-guez, confiando até agora, sem excesso, na delicadeza, na generosidade e no respeito que o Parlamento lhe tributa, que o Sr. José Luciano, para honra do prestigio do Parlamento Portuguez, desse uma explicação áquella extraordinarissima affirmação que um papel de carecter publico lhe põe ha dias na boca.

Feito isto eu vou terminar.

Eu fiz até ao momento presente o inventario da questão dos tabacos com os incidentes que ella offerece; d'aqui para o futuro eu sei o que nos espera, ou por outra, voltando-me para o paiz, eu sei o que o espera: espera-o uma jurisprudencia, espera-o uma tentativa de resistencia passiva, espera-o a ideia de que o procedimento do Parlamento se cansará, espera-o ainda um resto de suspeita de que o paiz se não levantará, como um só homem, para estigmatizar pela forma a mais publica esse malfadado contrato.

Mas o Governo enganou-se quanto a essa formula negativa de resistencias porque a indignação do paiz, hoje mais do que hontem, e ámanhã mais do que hoje, ha de levantar-se n'um impeto de desespero, e impedir que se pratique a iniquidade da approvação de um contrato tão ruinoso.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguem inscripto.

Portanto vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, que é a discussão da resposta ao Discurso da Corôa.

Vae ler-se.

Foi lido e é ao teor seguinte:

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portugueza. - Venho hoje, no desempenho dos meus deveres de Rei constitucional, e portanto com grande aprazimento meu, abrir uma nova sessão legislativa, sendo-me profundamente grato o ver reunidas mais uma vez as Côrtes Geraes da Nação Portugueza.

São de todo o ponto cordiaes as relações de Portugal com as potencias estrangeiras.

Durante o interregno parlamentar occorreram factos que Me deram viva satisfação e merecem especial referencia pelo alto alcance que teem para o paiz.

Accedendo ao captivante convite que Nos fôra feito por Suas Majestades, os Reis de Inglaterra, Imperadores das Indias, Sua Majestade a Rainha e Eu visitámos Londres no outono ultimo. O acolhimento carinhoso e a recepção enthusiastica, que tivemos por parte dos Augustos Soberanos e do povo d'aquella capital, gravaram em nossos corações um sentimento de indelével reconhecimento.

Durante a minha ausencia exerceu a regencia do reino a minha muito amada Mãe, a Rainha, a Senhora Dona Maria Pia, dando mais uma assignalada prova da sua dedicação aos interesses do Estado.

A Augusta. Soberana Rainha de Inglaterra, Imperatriz das Indias, acaba de dar-Nos uma elevada demonstração da sua estima na recente visita a Lisboa. Estão vivas ainda no espirito de todos as calorosas acclamações com que foi recebida e que sempre a acompanharam até a sua partida.

Tambem Suas Altezas os Duques de Connaught distinguiram com a sua presença o nosso paiz, deixando-nos as mais gratas recordações.

Ao atravessar a França na minha visita á Inglaterra, e durante os dias que passei em Paris, a Rainha e Eu recebemos do Presidente da Republica, do Governo e do povo francez, acolhimento muito affectuoso e manifestações bem significativas da cordialidade de relações existentes entre a França e Portugal. Por tão agradavel facto aqui deixo consignada a minha gratidão.

Senhor. - Com respeitosa satisfação ouviu a camara dos Dignos Pares do Reino o discurso que Vossa Majestade se dignou dirigir-lhe ao abrir a actual sessão legislativa.

Agradavel foi á Camara a declaração de que são cordiaes e amigaveis as relações de Portugal com as potencias estrangeiras.

Com vivo prazer e gratidão teve a Camara conhecimento da recepção carinhosa e enthusiastica que Vossa Majestade e Sua Majestade a Rainha tiveram por parte de Suas Majestades os Reis de Inglaterra, Imperadores das Indias, e do povo de Londres, quando ultimamente visitaram áquella capital.

Com muito agrado regista a camara a assignalada prova de dedicação aos interesses do Estado que deu Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria Pia no exercicio da regencia do reino perante a ausencia de Vossa Majestade.

Gostosamente consigna a Camara as calorosas acclamamacões com que foi recebida e acompanhada até á sua partida a Augusta Soberana, Rainha de Inglaterra, Imperatriz das Indias na sua recente visita a Lisboa.

Tambem á Camara deixaram as mais gratas recordações Suas Altezas os Duques de Connaught por occasião da sua presença no nosso paiz.

A Camara não pode deixar de se associar ao sentimento de gratidão de Vossa Majestade pelo acolhimento affectuoso e manifestações inequivocas da cordialidade de relações existentes entre a França e Portugal, que Vossa Majestade e Sua Majestade a Rainha receberam do Presidente da Republica, do Governo e do povo francez, ao atravessar aquelle paiz na sua visita a Inglaterra e durante os dias que passaram em Paris.

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Uma singular prova de estima acabamos tambem de receber de Sua Majestade o Imperador da Allemanha. A visita do Augusto Soberano a Lisboa, que profundamente nos penhorou, foi uma elevada distincção para nós e a demonstração dos sentimentos de amizade que ligam a Allemanha a Portugal, e que d'este modo mais se estreitam ainda com vantagem para o desenvolvimento de interesses communs.

Durante a minha viagem realizou-se o baptizado de Sua Alteza o Principe Real de Italia, nação com que mantemos cordial amizade, e a cuja Familia Real me prendem laços estreitos de parentesco. Fiz-me representar nesta cerimonia por meu Augusto Irmão o Infante D. Affonso.

Foram assignados tratados de arbitragem entre Portugal e a Inglaterra, e Estados Unidos da America do Norte; e convenções analogas estão sendo negociadas com outros paizes. Todos estes diplomas serão submettidos ao vosso esclarecido criterio, bem como outros de natureza internacional, alguns dos quaes haviam ficado pendentes da anterior sessão legislativa.

O alargamento das nossas relações commerciaes tem merecido ao meu Governo particular solicitude, e nesse sentido vos serão presentes as providencias convenientes no momento actual para facilitar a celebração de accordos internacionaes, que favoreçam a exportação dos productos agricolas sem prejuizo das nossas principaes industrias.

Tendo sido dissolvida a Camara dos Deputados, procedeu-se a novas eleições, que se realizaram no meio de geral tranquillidade.

Com o fim de melhorar quanto possivel a situação do professorado primario e de proseguir nas construcções escolares tão necessarias á diffusão e aproveitamento da instrucção popular ser-vos-ha apresentada uma proposta de lei que por certo merecerá a vossa melhor attenção.

Está pendente do exame do Conselho Superior de Instrucção Publica a reforma da instrucção secundaria, que ao Governo merece especial cuidado. Se para a levar a effeito for indispensavel alguma providencia legislativa, ser-vos-ha ainda proposta durante a actual sessão.

Pelo Ministerio da Justiça ser-vos-hão apresentadas propostas de lei tendentes a tornar effectiva a responsabilidade ministerial; a melhorar a organização dos serviços medico legaes; a completar os serviços do notariado; a regulamentar a arrecadação e distribuição das custas judiciaes; a aperfeiçoar e tornar mais rapido o julgamento dos processos nas Relações; e, finalmente, uma proposta de lei estabelecendo processo especial e summario para as acções sobre mobiliarios de pequeno valor, definindo e regulando o processo das acções de damno, e simplificando os processos que mais interessam a libertação e segurança da propriedade.

Tem melhorado consideravelmente a situação da Fazenda Publica, para o que tem concorrido efficazmente a diminuição do agio do ouro que dia a dia se vae accentuando com reconhecida vantagem do Thesouro, e o progressivo augmento das receitas.

Pelo Orçamento Geral do Estado, que em breve vos será apresentado, vereis que os recursos actuaes bastam para attender ás despesas publicas e manter o equilibrio orçamental. Para simplificar os serviços e facilitar a reducção de despesas vos apresentará o Governo diversas providencias, sem prejuizo da proposta que tambem submetterá ao vosso exame para melhorar a situação dos funccionarios publicos, diminuindo-lhes desde já os pesados encargos que circumstancias especiaes impuseram em 1892.

Da importante economia e augmento de receita proveniente da proposta sobre a conversão das obrigações dos

Tambem profundamente penhorou a Camara a prova de estima que acabamos de receber de Sua Majestade o Imperador da Allemanha. A visita de Sua Majestade a Lisboa é uma elevada distincção que demonstra os sentimentos de amizade que ligam a Allemanha e Portugal, e que d'este modo mais se estreitam para o desenvolvimento de interesses communs.

Regista a camara a declaração, que Vossa Majestade se dignou fazer-lhe, de se ter realizado o baptisado de Sua Alteza o Principe Real da Nação Italiana, com a qual mantemos cordial amizade, cerimonia em que Vossa Majestade se fez representar por Sua Alteza Real o Senhor Infante D. Affonso.

A Camara examinará com toda a attenção os tratados de arbitragem que foram assignados entre Portugal e a Inglaterra e os Estados Unidos da America do Norte, bem como outros diplomas de natureza internacional que ficaram pendentes da anterior sessão legislativa.

Folga a Camara de saber que merece a particular solicitude do Governo de Vossa Majestade o alargamento das nossas relações commerciaes, e que lhe serão presentes as providencias convenientes para facilitar a celebração de accordos internacionaes que facilitem a exportação de productos agricolas sem prejuizo das nossas principaes industrias. A Camara estudará essas providencias com o criterio e ponderação que exige tão momentoso assumpto.

Folgará tambem a Camara de reconhecer que o acto eleitoral a que ultimamente se procedeu, se realizou com geral tranquillidade.

Com muito agrado ouviu a Camara que o Governo de Vossa Majestade lhe apresentará uma proposta de lei com o fim de melhorar a situação do professorado primario, e de proseguir nas construcções escolares tão necessarias á diffusão e aproveitamento da instrucção publica. A Camara dedicará a melhor attenção ao estudo d'essa proposta, e de qualquer outra que por ventura o Governo tenha de submetter ao seu exame a fim de introduzir na legislação relativa ao ensino secundario as modificações que a experiencia tenha aconselhado.

Tambem a Camara estima que lhe seja apresentada pelo Governo de Vossa Majestade uma proposta de lei tendente a tornar effectiva a responsabilidade ministerial, dando-se assim cumprimento á disposição do artigo 104.° da lei fundamental do Estado. A Camara examinará com o maior cuidado essa proposta de lei bem como as outras que o Governo annuncia lhe serão presentes pelo Ministerio da Justiça.

A Camara foi grata a declaração de que tem melhorado consideravelmente a situação da Fazenda Publica, e que bastam os recursos actuaes para attender ás despesas do Estado e manter o equilibrio orçamental.

A Camara estudará com a mais diligente attenção o Orçamento Geral do Estado, bem como as propostas que o Governo lhe apresentar para simplificar os serviços, facilitar a reducção das despesas, e melhorar a situação dos funccionarios publicos diminuindo os pesados encargos que em 1892 lhe foram impostos por motivo das circumstancias especiaes do Thesouro.

Tambem a Camara apreciará com o seu mais esclarecido criterio as propostas de lei que o Governo annuncia

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Tabacos e da adjudicação do respectivo monopolio, bem como da que respeita ao contrato com o Banco de Portugal, que vos serão apresentadas, resultará uma situação financeira desafogada, que cumpre aproveitar para resolver convenientemente os mais instantes problemas da nossa administração.

Com o proposito de impedir que creditos especiaes alterem as condições do orçamento, propor-vos-ha o Governo que fiquem restrictos a casos perfeitamente definidos. Ser-vos-hão tambem presentes propostas tendentes a melhorar a arrecadação de alguns impostos é a modificar a pauta geral das alfandegas em harmonia com as condições actuaes da industria e do commercio. Com a reforma do regulamento geral da contabilidade tornar-se-ha mais facil e exequivel a fiscalização dos dinheiros publicos.

Merecendo o exercito a maior attenção do meu Governo, ser-vos-hão presentes propostas com o fim de facilitar a sua mobilização e melhorar a situação dos officiaes. Para tanto propor-vos-ha, sem augmento de despesa, antes com economia para o Thesouro, algumas alterações na organização do exercito e na lei do recrutamento, e a regularização do pagamento do material encommendado, modificações na lei da promoção, estabelecendo um pequeno augmento de vencimento por diuturnidade de serviço nos postos subalternos e nos subsidies de marcha e residencia.

Nas nossas possessões ultramarinas continuam, alem de outras obras importantes, as do porto de Lourenço Marques, e vae iniciar-se brevemente a construcção do caminho, de ferro da Swazilandia.

Á vossa apreciação serão submettidas propostas de lei referentes ao porto de S. Thomé, a algumas vias ferreas cuja construcção urgentemente se impõe, e bem assim providencias relativas ás matas da India, ao regimen economico e financeiro de Macau, ao desenvolvimento da cultura algodoeira, ao aperfeiçoamento das ligações telegraphicas tornando-as menos onerosas, ao melhoramento da navegação para as colonias e ao ensino colonial que carece de pratica e profunda remodelação.

Não esquece o Governo o castigo que é mester infligir aos povos rebeldes da provincia de Angola, e procederá de molde a ser este seguro nos seus effeitos, preparando tudo para tal fim.

Sendo justa toda a solicitude dispensada á armada nacional, cuja importancia cada vez mais se accentua, espera o Governo apresentar uma proposta relativa á sua reorganização.

A crise que vae atravessando a agricultura tem preoccupado seriamente o Governo, que, para attender ás suas justas reclamações, publicou diversos decretos que devem produzir importantes beneficios. Algumas providencias com o mesmo intuito vos serão propostas, bem como outras tendentes a alargar os serviços da viação ferro-viaria; a melhorar os do porto de Lisboa, cujo movimento commercial cresce de dia a dia; a desenvolver o ensino industrial e profissional; a aperfeiçoar o regimen da propriedade industrial e as condições do operariado; a fazer que os serviços postaes e telegraphicos, dotados com os recursos indispensaveis, correspondam ás necessidades do seu progressivo desenvolvimento.

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portugueza:

Confio plenamente que a vossa illustração e o vosso patriotismo hão de fazer concorrer para aperfeiçoar as propostas do Governo, e tenho fé em que, com o auxilio da Divina Providencia, a vossa obra trará honra e prosperidades ao paiz que todos tão profundamente amamos.

Está aberta a sessão.

submetter ao seu exame sobre a conversão das obrigações dos tabacos e adjudicação do respectivo monopolio, bem como sobre a renovação dos contratos do Estado com o Banco de Portugal. A Camara folgará de que se possa preparar uma situação financeira desafogada que permitia resolver os mais instantes problemas da administração publica do modo mais conveniente para os interesses do paiz.

Ouviu a Camara com agrado que lhe serão apresentadas pelo Governo de Vossa Majestade propostas de lei para restringir a abertura de creditos especiaes a casos perfeitamente definidos, melhorar a arrecadação de alguns impostos, modificar a pauta geral das alfandegas em harmonia com as condições actuaes da industria e do commercio, e reformar o regulamento da contabilidade publica de modo que se torne mais facil e exequivel a fiscalização dos dinheiros publicos.

A Camara apreciará as propostas de lei que o Governo declara submetter ao seu exame com o fim de facilitar a mobilização do exercito e melhorar a situação dos officiaes, e com o mais fervoroso zelo cooperará com o Governo para dar ao exercito os meios necessarios para a defesa do paiz.

A camara folga de saber que continuam as obras do porto de Lourenço Marques e que em breve se vae iniciar a construcção do caminho de ferro da Swazilandia, e apreciará com a devida attenção as propostas de lei que pelo Ministerio da Marinha e Ultramar lhe serão apresentadas referentes ao porto de S. Thomé, á construcção de vias ferreas nas colonias, ás matas da India, ao desenvolvimento da cultura algodoeira, ao aperfeiçoamento das ligações telegraphicas, ao melhoramento da navegação para as colonias e ao ensino colonial.

Muito satisfez a Camara a declaração de que o Governo se empenha de infligir o devido castigo aos povos rebeldes da provincia de Angola. Espera à camara que o Governo procederá de modo que fique respeitada a bandeira portugueza.

A proposta relativa á reorganização da armada nacional será examinada com a attenção que merece tão importante assumpto.

A Camara tomará conhecimento dos decretos que o Governo promulgou relativos ás justas reclamações da agricultura, e dedicará a mais escrupulosa attenção ao estudo das propostas de lei que lhe forem presentes para acudir á crise agricola, alargar os serviços de viação ferro-viaria, melhorar as condições do porto de Lisboa, desenvolver o ensino industrial e profissional, aperfeiçoar o regimen da propriedade industrial e as condições do operariado, e dotar os serviços postaes e telegraphicos com os recursos indispensaveis ás necessidades do seu progressivo desenvolvimento.

Senhor: A Camara dos Dignos Pares do Reino, conscia do seu dever, empregará o mais desvelado zelo no estudo das questões que o Governo de Vossa Majestade apresentar ao seu exame, e espera com o auxilio da Divina Providencia desempenhar a missão constitucional que lhe incumbe de modo a bem servir os interesses da nação.

Antonio Candido Ribeiro da Costa = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Augusto José da Cunha.

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O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - A opposição regeneradora não discute a resposta ao Discurso do Throno.

Vota-a como um acto de deferencia para com a Coroa, que o partido regenerador sempre e em todas as conjunturas, quer de Governo, quer de opposição, tem servido leal e devotadamente, como leal e devotadamente tem servido o paiz.

Eu proprio sou um dos signatarios do projecto.

A opposição regeneradora, pois, não o discute, mas reserva-se o direito de, em occasião opportuna, chamar o Governo ás responsabilidades dos actos que tem praticado, e de apreciar esses actos como julgar mais conveniente.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Ao contrario do que praticam os bandos politicos da actualidade, eu discuto largamente a resposta ao Discurso da Corôa. Amoldo-me por esta forma ás tradições parlamentares do meu paiz, e sigo á risca os exemplos hodiernos, patenteados pelas nações que se avantajam no culto do constitucionalismo.

Deixar de discutir, em largo debate politico, um diploma como é o que está na ordem do dia, corresponde a caminhar, mais e mais, se ainda é possivel, para o despotismo, e não serei eu que procederei por semelhante forma.

N'esta ordem de ideias, começo por ler a minha moção de ordem, isto é, a resposta que, pela minha parte, eu dou ao Discurso da Corôa, e que tinha formulado, para a apresentar, antes do adiamento.

Ouça-a a Camara com attenção, e reconhecerá que ella não perdeu opportunidade e que verbera os desmandos governativos, que desgraçadamente não tiveram interrupção durante os ocios parlamentares.

A minha moção é concebida nos seguintes termos:

MOÇÃO DE ORDEM

Em resposta ao Discurso da Corôa, entende esta Camara dever ponderar:

Nunca teve tanta propriedade como no actual momento a maxima do philosopho allemão Hegel, affirmando que os povos não aprendem com a lição da historia. Por não ter em mente esse sabio conceito, falseia o Governo, com respeito á orientação politica, a representação nacional; mantem em vigor legislação varia de excepção, em que sobre sae a odiosa lei anarchista de 13 de fevereiro de 1896, que repugnaria, porventura, firmar ao proprio Dracon, que as escrevia com sangue, consoante a tradição; e circumda o paiz por uma densa atmosphera de compressão, que mais espessa se não encontra nas nações sujeitas ao regimen francamente absoluto e autocratico.

Com a lei eleitoral vigente, tudo é, na verdade, deturpado. N'ella não existe a minima garantia de que possa fazer-se representar integralmente a genuina opinião publica. O grande e unico eleitor é o Ministerio do Reino, que nomeia, a seu talante, os suppostos representantes nacionaes. Assim o attestam as eleições realizadas, á sombra de semelhante lei.

Secunda-o, ao Governo, noa casos mais difficeis, o Tribunal do Verificação de Poderes, que tendo sido, no seu inicio, apanagio de rectidão e de justiça, por tal forma degenerou, conforme os seus ultimos actos patenteiam, que, - triste é reconhecel-o -, as conveniencias de toda a ordem aconselham a regressão ao julgamento, pelas proprias assembleias politicas, da validade dos diplomas dos seus mandatarios.

Em todos os paizes monarchico constitucionaes bem administrados é avultada a representação parlamentar dos partidos avançados.

Só os paizes que mal se governam receiam a fiscalização, a qual não existe, devidamente, entre nós. Para se chegar a esta situação anomala, appella-se para a fraude, corrupção, violencia e outros expedientes não menos condemnaveis.

Muitos, e da mais alta gravidade, devem ser os desmandos praticados na gerencia dos negocios publicos, para que, por modo tão exautorantemente expressivo se lhes evite a apreciação por quem mais desembaraçadamente se encontraria, a todos os respeitos, para o poder fazer.

Se estivesse em vigor uma lei de responsabilidade ministerial, que tal nome merecesse, teriam termo estes e outros attentados, que encontram o adequado correctivo nas nações digna e honradamente administradas. Assim se pratica na Italia, onde acaba de ser chamado a responder criminalmente um ex-Ministro da Corôa; e outro tanto succedeu outrora - quando se tornou mister - na Noruega, de onde sairam do Gabinete, para serem julgados e condemnados, todos os Ministros que d'elle faziam parte.

Não é tambem no estrangeiro que se colhem exemplos para os poderes publicos persistirem no seu desprezo pela liberdade individual, pela liberdade de pensamento e demais regalias consignadas no artigo 145.º da Carta Constitucional, tão esquecido ou tão torcidamente alterado na sua applicação.

Pelo decreto de 19 de setembro de 1902, o Juizo de Instrucção Criminal, apoiado na suspeição, na delação e na espionagem, evidenceia quotidianamente os deprimentes poderes em que está investido. No exercicio d'elles, o habeas corpus, que a Inglaterra desfructa desde 1679, não existe entrenós. Substitue-o, pelo contrario, a prisão preventiva indefinida, - sem a menor duvida intoleravel, perante a civilização e a humanidade.

Ao martyrio do corpo corresponde, e não menos intensamente, o martyrio do espirito, em que a imprensa periodica é cruelmente attingida, com violencias diversas, e até com a applicação da censura previa, não obstante ella ser explicitamente repudiada pelo § 3.° do supra indicado artigo 145.° da Carta e pelo artigo 2.° da lei de imprensa de 7 de julho de 1898.

A par d'estes ataques directos aos direitos mais respeitaveis, proclamados pela Constituição do Estado, affixa-se a mais revoltante tolerancia para com os traficantes de empregos publicos, cuja existencia se affirma, frequentemente, pelos annuncios insertos nos jornaes.

A policia, que devia ser instrumento de ordem e de, educação social, exorbita, repetidamente, como o seu congenere - o Juizo de Instrucção Criminal - tornando-se violenta e perigosa, quando devia ser prudente e paternal. Ao invés do que acontece na Gran-Bretanha, onde o agente policial desempenha, desarmado, as suas funcções, acobertado apenas pelo prestigio derivante da correcção com que procede; entre nós exhibe-se elle com terçado e revólver, procurando impor-se pelos processos aggressivos de que usa e abusa, sob a complacencia, se não com a instigação dos superiores.

As guardas pretorianas, os janizaros, e os mamelucos tiveram a sua epoca de celebridade na antiga Roma, na Turquia e no Egypto. Constituiam, por assim dizer, armas de dois gumes, que promoviam a desordem, como mantinham a ordem; que depunham os chefes do Estado, com a mesma facilidade com que os improvisavam.

Nos paizes sob o influxo da civilização moderna, não se admittem aggremiações d'estas, qualquer que seja a denominação que se lhes dê, e muito menos que ellas tenham para dirigentes os officiaes do exercito, cuja missão é muito outra, sempre amoldada pelo brio, pela dignidade e pela compustura.

A denegação de licenças para o proseguimento de processos judiciarios contra os funccionarios administrativos e policiaes representa um privilegio que imprime caracter, - tão revoltante e de effeitos tão nocivos elle é - mesmo n'esta quadra de mansa anarchia demolidora. Immunidades d'estas, que, por vezes, traduzem a irresponsabilidade de criminosos, exclusivamente vigoram em paizes muito distanciados do culto da Liberdade, e mergulhados profundamente na decadencia mais degradante.

E não é completando a commissão para erigir um monumento ao grande Marquez de Pombal que se attenuam, sequer, os perniciosos effeitos da erros, atropelos e attentados que vão descritos.

Merece, com effeito, o pujante estadista de saudosa memoria, como quem mais o mereça, a estatua ha tantos annos em projecto. Mas mal se comprehende que lhe dê o impulso, - a despeito de attenuado - que lhe acaba de imprimir, o Governo que conserva intacto o decreto de 18 de abril de 1901, que restabeleceu, em Portugal, sob o euphemismo de associações, as ordens religiosas, em que teem ingresso franco até os estrangeiros.

Ironizando, Horacio aconselhava: - Virtus post nummos. Dois mil annos depois, na epoca presente, se a virtude não é completamente esmagada pelo dinheiro, é incontestavel que o bezerro de ouro tem ferventes e numerosos adoradores, como nunca teve.

Este triste facto, cuja evidencia é manifesta, nada influe, em beneficio da administração das nossas finanças, a qual nem prima pela moralidade, nem tão pouco pela economia bem ordenada. Para o comprovar é sufficiente fazer referencia:

As promessas falazes, respeitantes á reforma da contabilidade publica, de que adviriam, tornando-se ella effectiva, a sinceridade e a nitidez que, em todo o ponto, se fazem sentir n'este tão importante ramo da administração do Erario;

A situação insustentavel do funccionalismo perante as medidas de salvação publica, cujo completo desapparecimento se impõe por motivos de diversa ordem - que pela sua evidencia ocioso seria mencionar circumstanciadamente n'este momento, - sem excepção da patente desigualdade entre os espoliados de 1892 e os actuaes orçamentivoros que se locupletam á sombra do nepotismo representado pela multiplicação de empregos, e pelas prebendas cuja prodiga distribuição constitue uma das especialidades da quadra corrupta, subsistente;

Á persistencia do deficit orçamental cuja extincção, com frequencia proclamada, nunca passou, até hoje, de mero expediente politico, nada serio;

Á demora com que se liquida a partilha de lucros do Estado e dos operarios dos tabacos com a respectiva companhia;

Á venda de titulos da divida publica, an-

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nunciada ainda ultimamente pela imprensa, de 15:000 contos de réis, a um grupo de banqueiros estrangeiros;

As peripecias varias, nada edificantes, concernentes ás negociações acêrca da conversão das obrigações dos tabacos e assumptos correlativos, cuja minuciosa apreciação fica reservada para occasião mais opportuna;

Ao uso e abuso que se tem feito de creditos especiaes, e ainda á publicação de alguns d'elles, fora de tempo, em resultado de visitas regias.

Para consignar é que, em Inglaterra, se procede por muito differente maneira. Resolvida ultimamente a viagem á India, dos Principes de Galles, foi-lhes aberto um credito de 20:000 libras para os dispendios correspondentes. Entre nós occultam-se despe sãs d'essas nos meandros de arrevesada orçamentologia, ou só apparecem a lume extemporanea e tardiamente.

Para notar é tambem o seguinte:

Quando se era menos visitado, e menos visitaute, mais rareavam as impertinencias diplomaticas, originarias da avidez de negocios, e que os povos, - apesar de pequenos -, podem repellir energicamente, sempre que saibam pautar os seus actos pela dignidade e pelo patriotismo, apoiados em genuina e altiva representação nacional.

Pelos Livros Brancos, cuja util publicação parece ter infelizmente cabido em desuso, conhecer-se hiam o estado das nossas relações com os outros paizes, e a situação em que nos encontramos no conceito das nações. Com o derramamento d'estes esclarecimentos, todos teriam a lucrar, e desappareceriam as apprehensões resultantes do desconhecimento e ignorancia dos factos occorridos.

Para registar são de molde os tratados de arbitragem realizados, e para sentir é que outros não se tivessem effectuado. A questão de Marrocos, motivada pelo accordo anglo-francez de 8 de abril de 1904, merece ser acompanhada com a maxima attenção, especialmente por parte das nações, como Portugal, signatarias da convenção de 1880.

Sendo o exercito uma instituição essencialmente conservadora, para considerar é que as reformas n'elle a realizar, só depois de amadurecidas e muito estudadas, se devem levar a effeito. Para a boa organização dos seus quadros, - uma das pedras angulares de tão complexo edificio, - deve ter-se em attenção que o estimulo e a retribuição condigna são factores essenciaes para se obterem graduados, dignos da alta missão de bem dirigir as tropas.

Esses dois requisitos fundamentaes estão, na actualidade, muito distanciados do que, mesmo modestamente, deveriam ser, demandando, por isso, estas nocivas deficiencias, resoluções apropriadas e promptas.

Na administração ultramarina, ha principalmente a registar o mau estar geral na provincia de Angola, aggravado pelo revés do Cunene, acêrca do qual as mais elementares conveniencias exigem que se diga a verdade, toda a verdade, para que se possa providenciar adequadamente e para que se apurem as responsabilidades todas, procedendo se depois em conformidade. Para lastimar é que, na liquidação de um assumpto que tão profundamente se identifica com decoro, o prestigio e os interesses nacionaes o Governo tenha procedido com a mais indesculpavel lentidão e lenidade.

Na Africa Oriental a situação tambem não é lisonjeira. Ao que parece, Lourenço Marques está atravessando uma crise cujos effeitos materiaes poderão, porventura, ser efficazmente combatidos com as obras no se porto e com a linha ferro-viaria swazilandeza, mas cuja feição desmoralizadora, affirmada ainda ha pouco tempo por um alcance - subsequente a outros aduaneiros - no caminho de ferro respectivo, patenteia a necessidade do emprego inexoravel de cauterios ara chamar o funccionalismo á comprehensão e á pratica dos deveres imprescindiveis a honradez e probidade.

Pelo que respeita á marinha, propriamente, muito conveniente seria fixar, com a possivel brevidade, os typos de navios a adquirir para defesa da Patria, tendo presente, para a sua escolha, a lição que resalta da campanha russo-japoneza.

A lição da experiencia é, com effeito, muito para attender; e, se ella encontrasse echo nas regiões officiaes, ter-se-hia, por certo, adoptado já, independentemente do estudo de quaesquer commissões, o plano de regresso ao Estado da construcção e exploração do porto de Lisboa, cujo custo se pode apreciar, até ás datas que vão indicadas, pelas seguintes elevadas cifras:

Construcção, desde junho de 1887, até 31 de dezembro de 1903 6.285:582$286
Exploração, desde junho de 1894, até 31 de dezembro de 1903 1.996:344$037

Somma 1.2281:926$323

Depois de consumida tão avultada quão pouco aproveitada quantia, não ha ainda opinião official expressa, com respeito a não poderem continuar os melhoramentos do porto sua exploração sob a direcção de particulares. Por muito portuguesa que fosse a companhia que para este fim se organizasse, desde que n'ella tivessem ingresso estrangeiros, que teriam certamente, continuariam os vexames e abusos que se teem dado com a Empresa Hersent, regida por leis portuguezas. A adopção de um conselho de administração, vazado pelos moldes do respeitante aos caminhos de ferro do Estado, está naturalmente indicada. A abdicação de soberania, representada pela exploração por particulares, demais estrangeiros, como na actualidade, do porto da capital do reino, não pode manter-se por considerações de dignidade nacional, que a todas se sobrelevam, e até por conveniencias de ordem economica e financeira.

Tambem, e com respeito á viação ordinaria, não é licito que subsistam o abandono e regimen actuaes. As antigas estradas encontram-se, na sua maioria, em estado deploravel; e, todavia, desde janeiro ultimo, mandou-se proceder á construcção de muitas estradas novas, havendo para isso que esquecer o disposto no artigo 3.° da lei de 3 de abril de 1896 e decreto de 24 de setembro de 1898; e havendo que desprezar os pareceres do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, todos elles contrarios ás alludidas estradas.

No decreto de 27 de fevereiro ultimo, criando os armazens geraes agricolas, transparecem illegalidades attinentes a engrossar o numero na legião dos orçamentivoros existentes. A auctorisação constante da carta de lei de 1 de julho de 1903 não permitte augmento de despesas, e, não obstante, varios logares foram criados.

Em conclusão, pelo que fica exposto, reconhece-se:

Que o arbitrio, a corrupção, a anarchia e o esbanjamento constituem os caracteristicos de Governo, na actualidade;

Que a irresponsabilidade criminal por abusos do poder irradia dos Conselhos da Corôa onde se abrigam os Ministros, até as esquadras de policia, onde se albergam os respectivos agentes, produzindo semelhantes imunidades os mais perniciosos resultados;

Que as leis e os decretos de excepção aviltam o paiz, cuja situação não encontra parallelo, nem confronto, em nação alguma civilizada;

Que o desprezo pela Constituição do Estado ha de, sem a menor duvida, fazer escola, não tendo naturalmente auctoridade para exigir fidelidade de principios e de compromissos, quem dá exemplo em os postergar;

Que o corolario de tudo o que fica exposto reside no reconhecimento, nitido e obvio, de que o Governo pessoal, - o absolutismo bastardo, - campeia e domina nas regiões do poder, com as fataes consequencias que, mais cedo ou mais tarde, se hão de patentear. A situação anomala, anti-constitucional, do Sr. Presidente do Conselho, impossibilitado de frequentar com assiduidade o Parlamento, por motivos da doença que o acabrunha, mais caracteriza o estado de decomposição de que enferma, em todos os seus ramos, a gerencia os negocios publicos -decomposição evidenciada ainda pelas inqualificaveis crises ministeriaes, patenteadas aos seis mezes de arrastada existencia do Gabinete.

É isto toleravel?

Quos vult perdere Jupiter, dementat prius.

Sr. Presidente: pela moção que acaso de ler, e pela resposta dada á Corôa pela respectiva commissão, eu vou orientar as considerações que tenho a explanar, apreciando a politica geral do meu paiz, para depois me referir á que diz respeito a cada um dos Ministerios.

Quanto á primeira parte, tem a preferencia occupar-me da nossa situação externa. Assim, seja-me licito consignar, como por mais de uma vez tenho feito, a necessidade, que continua subsistindo, de o Chefe do Estado visitar em Roma o seu proximo parente, o Rei Victor Manoel II.

A Italia sobresae na actualidade a todas as nações latinas, pela sua administração regrada, pelo respeito que o seu Soberano patenteia para com as leis e a constituição.

O Presidente da Republica Franceza quebrou, por assim dizer, o encanto e visitou Victor Manoel, na capital dos seus Estados.

Nem por isso os catholicos francezes foram prejudicados nas suas crenças, e, entre nós, sem a menor duvida, succederá outro tanto.

É indispensavel que este acto se pratique; que seja o Rei de Portugal o primeiro, entre os soberanos catholicos, que visite o Chefe do Estado Italiano, na séde do seu Governo.

Não faço esta affirmação por espirito de cortezão, que não sei, nem nunca soube, o que tal cousa fosse; mas sim pela conveniencia politica, que a todas as consciencias liberaes é dado sentir.

Registo a visita do Imperador da Allemanha, para mais tarde, quando me occupar do Ministerio da Guerra, me referir de novo ao assumpto; e, concernentemente ainda aos negocios de ordem externa, limitar-me-hei a congratular-me pelos tratados de arbitragem realizados já com differentes nações.

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Com sentimento noto que não ha tratado d'essa indole, foi to ou, pelo menos, em via de negociações, com a França. Muito desejaria que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que me ouve, pudesse rectificar esta minha asserção. Infelizmente, S. Exa. mantem-se em silencio significativo, que vem comprovar que a França, que tanto lucra comnosco no campo financeiro, esquiva-se a dar a prova de amizade que um tal tratado despertaria, preferindo maguar-nos com notas diplomaticas da natureza d'aquella que eu, d'aqui, d'este mesmo logar, denunciei ha poucos dia ao paiz.

Os culpados, os verdadeiros culpa dos, d'esta, e de outras deprimencias, são os Governos, que não sabem manter-se no seu logar.

De longa data, eu os exhorto a que façam a regressão, para Londres, da base das nossas operações financeiras. Para isso lhes tem sobrado o ensejo e as occasiões apropriadas. A alliança ingleza seria, indiscutivelmente, um factor poderoso para se conseguir esse desideratum, de interesse indubitave tambem, para a nação alliada. Mas os nossos maus Governos preferem a sujeição, que dimana do cosmopolitismo financeiro, cujo arraial é Paris, — cosmopolitismo por vezes reforçado pela acção governativa francesa, que muito se confunde com exauctorante tutela.

Tenha-se em consideração o que está succedendo com o negocio dos tabacos que, infelizmente, não tem levantado entre nós a reacção que deveria produzir, dado o letargo e somnolencia predominantes.

O patriotismo, porém, manifesta-se entre os nossos compatriotas emigrados no Brasil, sem precisarem para isso conhecer os telegrammas esmagadores que eu ha poucos dias li n'esta Camara.

Segundo narram os jornaes, os nossos patricios estabelecidos em Santos, dirigiram ao Chefe do Estado um telegramma, pedindo-lhe que não assigne a lei promulgadora do contrato de 4 de abril.

Os portuguezes residentes em S. Paulo vão fazer outro tanto; e é natural que o movimento alastre por toda a grande Republica Sul Americana.

Esta manifestação de patriotismo desperta-me considerações de ordem varia, algumas bem penosas.

O assumpto está affecto ao Parlamento, e não é a elle que se dirigem os protestantes. Attentem n'isto os que o falseam por todas as formas, e reconheçam quanto elle decahiu. As leis de excepção, e o engrandecimento do poder real, deviam conduzir fatalmente a esta exautoração.

Não é para o Parlamento, repito, que apellam os nossos compatriotas. É para o Chefe do Estado, e d'elle solicitam o uso do veto, isto é, o unico acto de retinto absolutismo, existente na Constituição.

Ao par da indifferença interna, vem aggravar a situação o procedimento dos emigrantes, residentes no Brasil. Como tudo isto é triste, como tudo isto é doloroso!

Mas, Sr. Presidente, de justiça é reconhecer que todos se amoldam pela decadencia actual. O Governo em tudo affirma o seu desprezo pelas normas correntias, e até pela legislação constitucional. Haja em vista o decreto de adiamento, em que as leis n'elle citadas não teem validade, e em que não se cita a unica lei por que elle devia pautar-se. Já hontem o demonstrei á exuberancia, evidenciando que só o § 2.° do artigo 6.° da lei de 3 de abril de 1896 podia ser invocado.

Reconhece-o a propria reforma constitucional do partido progressista, em 1900. Pois a despeito d'isso, o Sr. Ministro do Reino renega os antecedentes autenticados do seu partido, e firma um decreto evidentemente irrito e nullo, — um aleijão.

Sr. Presidente: o paiz está por tal forma dominado pela acção mephitica, que lhe provém do isolamento em que se encontra, do exercicio da sua soberania, que tolera todas as tutelas, todas as escravidões.

Já hoje notei, e torno n'este momento a pôr em evidencia, o que succede com respeito á lei barbara de 13 de fevereiro de 1896.

Agora, adduzirei o facto a que ha pouco me referi. Manoel Antonio Caldeira Feio foi julgado ha seis annos como anarchista, contando 19 annos de idade. Condemnado a 2 mezes de prisão, foi posto depois á disposição do Governo, que o mandou para a Africa Occidental. De lá, fugiu para o Congo Belga, de onde passou ao Congo Francez, e d'alli á Europa, refugiando-se em França, de onde foi expulso por denuncia. Teve depois, por assim dizer, vida nomada, e actualmente encontra-se na cadeia de Villa Viçosa. Eu não o conheço pessoalmente, mas nem por isso deixo de me dirigir ao Sr. Ministro da Justiça para que indague da situação d'este desgraçado, a fim de que seja tratado com humanidade, que não exclua a rectidão.

Com o caso do operario Bartholomeu Constantino procedeu o Sr. Ministro por forma que me anima com respeito ao detido em Villa Viçosa.

Para tratar do assumpto, sob o seu aspecto geral, pedi informações, pelo Ministerio da Marinha, acêrca do estado em que se encontram os deportados pela lei cruel.

O Jornal do Commercio de 25 de dezembro classifica-a de lei do medo, o qual não pode deixar de ser, em paiz civilizado, um pessimo inspirador; e accrescenta:

Temos sabido, não salemas se com verdade, que á sombra, muito má sombra, da lei de 13 de fevereiro, teem sido mandados para Timor dezenas ou centenas de individuos. Mas do que não sabemos, é de nenhum caso authentico de anarchismo entre nós.

É necessario, pelo que fica exposto, é indispensavel, que d'esses infelizes se faça arrolamento, que para elles haja a clemencia que os deveres humanitarios impõem, — a clemencia em que, infeliz e presentemente, teem a preferencia os criminosos da ordem do medico envenenador, o qual ha annos revoltou todos os homens honrados, com a sua crueldade e avidez.

Dito isto, recordarei de novo que um dos factores da decadencia existente é a lei eleitoral. Elaborada de molde a ser o unico eleitor o Ministerio do Reino, tem este ainda o apoio do Tribunal de Verificação de Poderes, que não vacilla em sanccionar latrocinios, como o da Azambuja.

Entretanto, o Sr. Presidente do Conselho não pensa, sequer, na revogação de tal lei, por elle tão condemnada, na opposição, claro está!

A acção mais do que suspeita de alguns magistrados, em actos de julgamento eleitoral, é affirmada pelo proprio orgão regenerador, condemnando a dissolução projectada pelo Sr. Presidente do Conselho contra a actual Camara electiva.

Effectivamente, as Noticias de Lisboa, de 1 de julho do corrente anno, não vacillaram em ponderar que a dissolução collocaria a alta magistratura em situação melindrosa.

Reparem n'isto os Srs. Ministro do Reino e Ministro da Justiça — os dois Conselheiros da Coroa que não me reputaram orthodoxo nas minhas apreciações para com o corpo judiciario!

E são elles, os dois Srs. Ministros, que não providenciam para que a magistratura judiciaria occupe o logar que lhe pertence.

A Bastilha da Estrella attesta-o nos seus processos de absorpção, attesta-o no exercicio do seu vergonhoso mandato, apoiado na suspeição, na delação e na espionagem. A sua intervenção, em tudo, e por tudo, ainda ha pouco se fez sentir no Porto, tratando como anarchista, um cidadão que se desaffrontara do aggravo, que dizia ter-lhe sido feito por um ex-Ministro de Estado.

Podem continuar subsistindo leis e decretos, que produzem tão funestos resultados?

Á mão tenho resposta condigna. Na sessão da camara electiva, de 16 de

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220 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

março de 1903, expressava-se nos seguintes termos um dos seus membros:

«O Juizo de Instrucção Criminal já não é somente a corregedoria de Lisboa, como o bom senso do povo lhe chamava; é agora a Intendencia Geral de Policia da Côrte e do Reino.

A minha interpellação, sem deixar de referir-se á estructura geral do Juizo de Instrucção, aos seus processos mysteriosos e inquisitoriaes e aos seus propositos liberticidas, visa especialmente o regulamento de 19 de setembro de 1902 e decreto da mesma data que o approvou, e que são das peças mais arrogantes e monstruosas que teem sido estampadas no «Diario do Governo;» — visa especialmente o regulamento de 1902, que é uma violação da Constituição, um ultraje ao poder judicial, uma offensa da lei e um attentado contra a liberdade: — visa especialmente o regulamento de 1902, que é mais uma prova inelutavel do desprezo do Governo pela lei, cujo respeito, alem de obrigação sua, devera ser o seu brio, como alto e salutar exemplo dado pelos que mandam para edificação dos que teem de obedecer. (Muitos apoiados).

E, todavia, esse regulamento foi promulgado, e está sendo executado sem protestos, com a indifferença de todos, como de quem está preparado para a servidão.

Triste indiferença essa por todas as cousas, boas e más, tão parecida na verdade á situação dos espiritas definida por Tacito nas palavras: «homines ad servitutem parati!» (Vozes: — Muito bem).

«O regulamento de 19 de setembro ê illegal, deprimente da dignidade da magistratura judicial, inconveniente e detestavel mesmo. Espero demonstrar isto com todo o rigor mathematico, irreductivelmente».

E quem se exprimia por modo tão significativo? Um magistrado integerrimo, um espirito culto, que hoje tem assento n'esta casa, o antigo Deputado e actual Digno Par Francisco José de Medeiros, com cuja amizade ha longos annos me honro.

De esperar é que S. Exa. renove entre nós a campanha demolidora de padrão tão ignominioso, como é a Bastilha da Estrella. Com isso prestará um importante serviço ao paiz e á Liberdade.

Mas ha mais, Sr. Presidente. O desprezo pela justiça evidencia-se ainda na impunidade garantida ás auctoridades administrativas, ás auctoridades policiaes, ás auctoridades fazendarias, ao corpo de fiscalização dos impostos, — emfim, a tutti quanti.

Durante a vigencia ministerial do Digno Par Pereira de Miranda foram denegadas licenças para proseguirem os processos instaurados contra os agentes policiaes do Porto, Annes e Carvalho.

Regressara ao reino Guerra Junqueiro, o poeta eminente, gloria das letras patrias. Os admiradores d'aquelle genial espirito fizeram-lhe recepção apropriada, enthusiastica até o delirio. Foi o sufficiente para a intervenção selvagem da policia que, como premio da façanha, contou com a impunidade.

O outro agente para quem a benevolencia official se fez sentir era accusado de rapinancias varias. Não teria sido muito mais correcto que a justiça, por decoro de todos, apreciasse e julgasse dos actos atiribuidos aos dois accusados?

Não o entendeu assim o Sr. Pereira de Miranda, renegando com a sua condescendencia os principios liberaes de que se jactara, fora das cadeiras do poder.

Com o actual titular da pasta do Reino sucede outro tanto.

Elle, juiz, e como tal gozando de bom credito, livrou recentemente o administrador de Bouças da acção judiciaria.

Tenham bem em attenção estes factos, tão expressivos, os Srs. Ministros da Justiça e do Reino, a quem cumpria proceder por forma muito differente, em honra da magistratura judiciaria.

Em Lisboa, a policia, procede não menos brutal, não menos desasisadamente. Visita a capital, em propaganda da sua eleição, o Conselheiro Bernardino Machado, cujo caracter recto e esmerada educação não admittem duvidas. Os seus amigos politicos fazem-lhe, dentro da mais completa ordem, uma enthusiastica recepção. A policia e a guarda municipal mobilizam. A policia, a cuja frente se acha um capitão do exercito, avantaja-se na brutalidade de que usa. A injustiça d'esta forma de proceder é patente e manifesta. Eu requer! a nota dos castigos applicados aos que exhorbitaram das suas attribuições, e designadamente ao capitão Côrte Real. Tive como resposta que ninguem fora castigado, e que o capitão a que me venho referindo cumprira as ordens que recebera do cominando respectivo.

Sr. Presidente: não é para praticar actos d'estes, que exauctoram e degradam, que são os officiaes do exercito.

Mui differente deve ser a sua missão, bem alto aqui o proclamo.

A policia e a Bastilha da Estrella mais avisadas andariam se, em logar de fabricarem pavorosas como aquella de que me occupo, procurassem desempenhar as suas funcções, prendendo os traficantes de empregos publicos, descobrindo os ladrões de relojoarias, que, tempo houve, modernamente, operavam com o maximo descaro e segurança.

A pavorosa com que foi acolhido o Conselheiro Bernardino Machado foi de tal ordem, que apenas produziu um preso: — um cidadão que se defendeu á pedrada das aggressões policiaes.

Os discolos, os verdadeiros revoltosos, foram os agentes de policia que, repito, não sabem descobrir os negociantes de empregos publicos.

Ainda ha poucos dias o Mundo transcrevia do Seculo dois annuncios, em que se offereciam sommas avultadas, a troco de collocações rendosas a obter.

Á policia seria facil disfarçar-se, e descobrir os auctores da traficancia. Prefere, porem, não apparecer em casos taes, e dedicar se a espionar os homens publicos em evidencia, e a vexar e opprimir os cidadãos honestos.

Estão-lhe na massa do sangue estes baixos expedientes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — A hora está quasi a terminar. O Digno Par Teixeira de Sousa pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão; por isso, se V. Exa. o entende, eu reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Sebastião Baracho: — N'esse caso, e como não possa terminar em poucos momentos as minhas considerações, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a proximo sessão.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Antes do adiamento, cujo tempo foi destinado a apasiguar as paixões, como se tem visto, mandei para a mesa varios requerimentos, pedindo esclarecimentos por diversos Ministerios.

Devo declarar a V. Exa. que recebi documentos pelo Ministerio da Fazenda, pelo Ministerio do Reino e pelo Ministerio da Marinha; mas até hoje ainda não recebi um unico enviado pelo Ministerio das Obras Publicas; e, todavia, numerosos foram os pedidos que fiz por esse Ministerio.

O Sr. Sebastião Baracho: — O mesmo me succedeu a mim.

O Orador: — Desejo conversar com o Sr. Eduardo José Coelho, actual Ministro do Reino, que tem a responsabilidade, como Ministro das Obras Publicas que foi, da maior parte dos actos a que se referem os documentos que solicitei.

Eu creio que o Sr. Eduardo José Coelho não se eximirá a assumir a responsabilidade das perseguições acintosas e graves irregularidades praticadas durante aquelle periodo de tempo; e creio tambem que S. Exa. será o primeiro a influir no espirito do Sr. Mi-

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nistro das Obras Publicas, para que este seu collega envie á Camara, o mais breve possivel, os documentos por mim requeridos.

Posto isto, Sr. Presidente, devo dizer mais a V. Exa., que antes do adiamento das Côrtes, mandei para a mesa uma nota de interpellação sobre o decreto de 14 de janeiro do corrente anno, e outras providencias tendentes a modificar a actual situação vinicola.

Então geria a pasta das Obras Publicas o Sr. Eduardo José Coelho, que disse assumir a inteira responsabilidade dos seus actos.

E como isso é proprio do seu temperamento, S. Exa. declarou immediatamente que estava habilitado a responder a essa interpellação; mas ou porque as Côrtes foram adiadas, ou porque o Sr. Eduardo José Coelho teve de mudar de pasta, o certo é que a interpellação ainda se não realizou, e eu preciso provar a inanidade e inutilidade d'essas providencias, como pôr em relevo que a situação vinicola se tem consideravelmente aggravado.

Não sei se o actual Sr. Ministro das Obras Publicas quererá assumir a responsabilidade do decreto de 14 de janeiro; faço-lhe a justiça de acreditar que sim; mas queira ou não queira, desde que o Sr. Eduardo José Coelho se declarou habilitado para responder a esta interpellação, parece-me que, se o Governo persistir em não considerar perniciosa aos interesses do paiz a sua permanencia no poder, me assiste o direito de pedir a V. Exa. que, immediatamente á discussão da resposta ao Discurso da Corôa, dê para ordem do dia a referida interpellação.

Tanto mais que, segundo a ordem chronologica, das notas de interpellação mandadas para a mesa, é esta a mais antiga.

Comquanto o Sr. Eduardo José Coelho não seja n'este momento Ministro das Obras Publicas, devo lembrar que n'esta casa já se deu um exemplo que pode aproveitar para o caso.

Eu tive a honra de assignar um contrato que se referia á construcção do caminho de ferro de Lobito á fronteira leste da provincia de Angola.

O Sr. Eduardo José Coelho occupava então o seu logar de membro d'esta casa do Parlamento, e annunciou uma interpellação sobre esse contrato, quando eu já havia transitado da pasta da Marinha para a da Fazenda; todavia eu não me eximi a tomar a inteira e completa responsabilidade d'esse contrato.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Apoiado.

O Orador: — Declaro desde já a V. Exa. que o assumpto da minha interpellação é mais economico do que politico, porque mais desejo chamar a attenção do Governo para um assumpto de capital importancia, do que fazer considerações de caracter politico.

Espero que V. Exa., Sr. Presidente, compenetrando se d'estas razões, marque para ordem do dia, immediatamente á resposta ao Discurso da Corôa, a minha interpellação.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro do Reino, mas peço a S. Exa. que resuma quanto possivel as suas considerações, pois que a hora vae adeantada.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): — Em primeiro logar agradeço ao Digno Par o ter feito ao meu caracter a justiça de crer que, havendo eu praticado um acto quando Ministro das Obras Publicas, era incapaz de fugir á responsabilidade d'elle.

Declaro que estou á disposição do Digno Par para tratar d'esse assumpto, e que eu proprio apressarei, junto do Sr. Ministro das Obras Publicas, a remessa dos documentos a que o Digno Par se referiu.

E Como V. Exa., Sr. Presidente, me impoz o dever de ser restricto, eu só tenho a acrescentar que era inutil invocar o exemplo, aliás nobilissimo, do Digno Par, que, interpellado sobre um assumpto que corria pela sua antiga pasta, tomou a responsabilidade dos actos praticados n'essa pasta.

Eu tambem sou incapaz de faltar ao cumprimento do meu dever em qualquer conjunctura.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — A primeira sessão é na sexta feira, 8 do corrente, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 30 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 5 de setembro de 1905

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, do Lavradio e de Penafiel; Condes: do Bomfim, de Monsaraz, de Paraty, de Samodães, de Tarouca; Visconde: de Athouguia; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Palmeirim, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Almeida Garrett, Mendonça Côrtez, João Arrojo, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, Frederico Laranjo, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Pedro Victor, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

ALBERTO PIMENTEL.

(De pag. 209, a pag. 214, col. 3.ª)

JOÃO SARAIVA.

(De pag. 214, col. 3.ª, a pag. 221, col. 2.ª)

Synopse dos decretos a que se refere o officio d'esta data

Decreto de 27 de maio de 1905. — Auctorizando o Governo a despender a quantia de 1:500 contos de réis com a construcção de um caminho de ferro entre Mossamedes e Chella, na provincia de Angola. (Diario do Governo n.° 122).

Decreto de 27 de maio de 1905. — Mandando applicar á provincia da Guiné o regulamento das execuções fiscaes e administrativas em vigor na provincia de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 123).

Decreto de 5 de junho de 1905. — Approvando o regulamento da concessão de licenças para estabelecimentos industriaes e commerciaes e exercicio de certas profissões nos territorios de Manica e Sofala, sob a administração da Companhia de Moçambique, o qual do mesmo decreto faz parte. (Diario do Governo n.° 136).

Decreto de 19 de junho de 1905. — Determinando que ao deão, chantre e arcediago da Sé de Macau, quando encarregados de qualquer parochia, sejam concedidas as vantagens desfructadas por identicas dignidades da Sé de Loanda. (Diario do Governo n.° 146).

Decreto de 4 de julho de 1905. — Substituindo o § unico do artigo 33.° do decreto de 9 de setembro de 1904 sobre regulamentação de trabalho dos indigenas no districto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.º 151).

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222 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Decreto de 4 de julho de 1905. — Elevando o limite maximo das areas dos terrenos a conceder no districto de Lourenço Marques, e reduzindo o foro minimo da base da adjudicação dos referidos terrenos. (Diario do Governo n.° 152).

Decreto de 11 de julho de 1905. — Determinando que no impedimento dos juizes de direito das comarcas de Lourenço Marques, Loanda e ilhas de Goa façam as suas vezes os juizes auditores dos conselhos de guerra territoriaes das respectivas provincias. (Diario do Governo n.° 157).

Decreto de 22 de julho de 1905. — Regulando o serviço de fiscalização do caminho de ferro de Benguella. (Diario do Governo n.° 166).

Decreto de 22 de julho de 1905. — Fixando as receitas e despesas das provincias ultramarinas do districto autonomo de Timor para 1905-1906, e regulando a sua cobrança e applicação. (Diario do Governo n.ºs 168 e 169).

Decreto de 22 de julho de 1905. — Prorogando até 16 de janeiro de 1906 o prazo para entrega de requerimentos dos individuos que estão na posse de terrenos na provincia de Moçambique, sem o respectivo titulo de concessão. (Diario do Governo n.° 172).

Decreto de 22 de julho de 1905. — Reduzindo a taxa de licença para as amarrações fixas dos barcos em serviço nos portos da provincia de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 183).

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 23 de agosto de 1905. = O Secretario Geral, Francisco Felisberto Dias Costa.

Representação enviada para a mesa pelo Digno Par Sebastião Baracho

Senhores: — Não é em nome de qualquer partido, ou facção politica, que nos dirigimos a vós: é em nome de milhares de portuguezes que, n'um impulso de dignidade offendida, querem ver riscada da legislação do paiz a lei de 13 de fevereiro de 1896.

Essa lei, proposta e votada pelo Parlamento n'um momento de terror produzido por factos passados lá fora, factos que nunca haviam tido repercussão a dentro das nossas fronteiras, presta-se a todo o uso que d'ella queiram fazer os depositarios do poder.

Estipulando penalidades, sem definir os crimes a que estas sejam applicaveis, deixa amplo campo aberto ás mais absurdas interpretações, e ás mais iniquas arbitrariedades.

Prohibindo a publicidade das diligencias policiaes ou dos debates de processos a que ella tenha dado logar, essa lei, não contente em dar aos depositarios do poder uma arma terrivel contra a nação, ainda augmenta a força d'essa arma com a faculdade de a brandir no silencio e nas trevas.

E ainda vem aggravar mais o cerceamento das garantias dos cidadãos a faculdade concedida ás auctoridades policiaes de prenderem sem culpa formada, e de prolongarem indefinidamente a prisão preventiva quando realizada em virtude d'essa mesma lei.

Senhores! Em paizes estrangeiros, onde se teem dado factos criminosos, attentados, quer individuaes, quer collectivos, teem sido promulgadas leis tendentes a reprimir taes actos.

Pois, Senhores, essas leis, menos severas em muitos pontos do que esta a que nos referimos, definem nitidamente os crimes a que são applicaveis, de modo a não darem logar a interpretações arbitrarias.

Ainda não ha muito tempo, Senhores, quando, no Parlamento da nação vizinha se discutia uma lei de repressão para actos de anarchismo, o Presidente do Conselho de Ministros, respondendo a quem atacava este projecto de lei, citava a de Portugal, como muito mais violenta, apesar de ser lei de um paiz onde nunca se dera um só d'esses actos.

Esta lei, Senhores, é alem d'isso a mais completa negação dos principios de direito consignados na lei fundamental do paiz: — a Carta Constitucional.

Pela constituição do paiz são garantidos aos cidadãos todos os direitos de defesa que a lei de 13 de fevereiro de 1896 lhes cerceia, dando a um só homem poderes discrecionarios d'um verdadeiro autocrata, poderes que lhe permittem dispor, a seu bel-prazer, da liberdade e até da vida dos cidadãos.

Da vida, sim, pois dos desgraçados que, por suppostos delictos de opinião, teem sido arremessados, ás centenas, para as mais inhospitas plagas da Africa ou da Oceania, rarissimos teem escapado á ruindade do clima e aos maus tratos recebidos.

É a pena de morte n'um paiz que se vangloriava de a ter riscado dos seus codigos. É a pena capital, e com a aggravante de impor uma morte lenta, cheia de torturas, muito peor do que a da força ou da guilhotina!

É preciso notar, Senhores, que de entre esses muitos condemnados, bastantes houve que o foram tão somente por motivos de todo o modo estranhos ao fim a que a lei deveria visar, se porventura ella fosse logica, precisa, concludente.

Referimo-nos a crianças e a homens que, pela insensatez da idade, ou pela estupidez resultante de preconceitos religiosos, apedrejam comboios, e a grevistas que, no legitimo uso do direito de homens livres, não se sujeitam a explorações de patrão.

Pelo que fica dito, Senhores, e pelo muito mais que certamente vós conheceis, conclue-se que a lei de 13 de fevereiro colhe nas malhas da sua confusa redacção todas as expansões, todos os principios, a vida, emfim, e a liberdade de todos nós.

Senhores! A lei de 13 de, fevereiro é a synthese de todas as leis anteriores promulgadas em Portugal no intuito de cercearem todas as prerogativas do cidadão, estatuidas e juradas na lei fundamental, do paiz: — a Carta Constitucional.

Senhores! Nove annos são decorridos sobre a promulgação d'essa lei! E só hoje o paiz a conhece, e contra ella o paiz protesta. E sabeis porquê, Senhores? Porque o terror espalhado por ella e pelos poderes discrecionarios da auctoridade, em cujas mãos ficava a maxima independencia para a sua applicação, intimidou o paiz inteiro, na sua maioria composto de ignorantes. Porque, tambem, á bondade nativa do cidadão portuguez repugnava acreditar que a lei se cumprisse como tem sido cumprida. Porque, finalmente, a imprensa, ficando prohibida de se occupar de quaesquer casos relativos á lei e á sua applicação, conservava a opinião publica esquecida do que se ia passando de arbitrario e de inhumano.

Senhores! Os nossos codigos prevêem de sobejo todos os crimes possiveis, e ainda os imaginaveis. Não se torna, pois, necessaria uma lei de excepção.

Hoje o paiz conhece em todas as suas minucias e em todas as suas entrelinhas as tragedias a que a lei deu aso, e os esconderijos que ella occulta para intuitos menos dignos de um paiz sobre cujas tradições de sentimento, de bondade, de justiça e de progresso, o mundo inteiro ajoelha na reverencia dos eternos cultos.

Senhores! eis porque o paiz vem pedir-vos que reconsidereis sobre a lei de 13 de fevereiro de 1896, e que, como seus representantes que sois, vos honreis honrando o mandato que vos foi dado, e, por ultimo, Senhores, que essa vossa reconsideração tranquilize e satisfaça a opinião total do paiz, que vos pede que revogueis a lei referida, e que sejam repatriados todos os individuos que, dos muitos que para lá foram, por

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SESSÃO N.° 18 DE 5 DE SETEMBRO DE 1905 223

acaso ainda vivam nas inhospitas e mortiferas regiões da Africa e da Ocoania.

Senhores! Portugal espera de vós este dever para que possa voltar ao convivio da Humanidade sem receio de que ella lhe lance em rosto o labéu da lei de 13 de fevereiro de 1806.

E é esta, Senhores, a petição que o povo portuguez, representado na grande assembleia reunida em comicio publico no dia 29 de janeiro de 1905, na Avenida D. Amelia, pelas 2 horas da tarde, propoz, ouviu e approvou.

Lisboa, 29 de janeiro de 1905. = A mesa, Presidente, Fernão Botto Machado = Os Secretarios, Alvaro Guilherme dos Santos, Carlos Antunes.

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