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162 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que são sempre profundos, quer pela cultura do seu alto espirito (Apoiados), quer pelo brilho da sua palavra sempre clara, sempre nitida, sempre luzente. Em mim a commoção foi tão grande que eu julguei que essa voz provinha do tempo longinquo de 1847 que incendiou tantas vontades, tantas energias, em favor da causa liberal, d'esse periodo tão solemne, tão digno de admiração na nossa historia, em que todos os portuguezes tinham desprazer de parecerem menos liberaes do que os vizinhos.

É innegavel que a corrente vae no sentido das maximas franquias de liberdade.

É innegavel que depois de um certo periodo de prostração, de descrença, de quietação e desanimo, novas correntes inflammam o espirito nacional e levam-no a lançar-se em procura de ideias cada vez mais largas, mais generosas e que mais satisfaçam a grande amplidão da alma meridional portugueza.

É innegavel que esse é o caminho que se segue; mas, depois de ouvir a voz do Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, que me soou aos ouvidos como um clarim de batalha, como um toque de rebate para despertar energias, para suscitar estimulos a favor da grande causa liberal, com franqueza fiquei um pouco desilludido e desenganado de que esta impressão não era verdadeira, quando, ao ler a emenda proposta por S. Exa., vi que todo o seu cuidado foi: "receando que o projecto fosse da maxima liberdade, não coubessem dentro d'estes principios liberaes as congregações religiosas".

Por conseguinte fiquei sabendo que a sua boa vontade, o seu enthusiasmo, a vibração da sua alma o som da sua palavra era representativo de um sentimento ardente, mas de um sentimento armado de restricções ás aspirações liberaes.

O Digno Par que condemna o projecto por não satisfazer as escolas dos mais avançados em materia de direito de associação, põe peias a este projecto, e manda para a mesa uma proposta de emenda, que põe fora de todo o beneficio de principies liberaes, de todos os interesses associativos, as associações religiosas.

Contristou-me este facto, porque imaginava que S. Exa. desfraldaria aos quatro ventos uma bandeira mais avançada do que aquella que o Sr. Presidente do Conselho nos apresentou. Vejo com grande desconsolo que o que S. Exa. quer é advogar o principio da restricção.

A minha decepção não podia ser maior; mas não é por um desprimor para com S. Exa., mas por um dever de situação, em consequencia de ser relator, que uso da palavra, embora o faça por esta forma.

Sr. Presidente: quando eu imaginava, ao ver o Digno Par apresentar a sua proposta, que ia pedir que fosse revogado o artigo 282.° do Codigo Penal, pelo contrario, vejo que essa emenda tende a estabelecer uma restricção.

Ora eu comprehendia que o Sr. Hintze Ribeiro, intelligencia esclarecida, estadista consagrado, chefe de um partido conservador, auctor do decreto de 18 de abril de 1901, viesse defendera doutrina regalista do Estado!

Está isso nas suas tradições e foi essa a doutrina que S. Exa. e sempre defendeu.

Mas o Sr. Julio de Vilhena, defendendo em nome da liberdade o principio da restricção para determinadas associações, era cousa que não era licito esperar do Digno Par.

Quando se quer fazer uma obra radical, a liberdade não tem predilectos; predilectos só tem o regimen absoluto.

Sob o regimen liberal a todos cabem os mesmos direitos, mas a todos assistem as mesmas regalias.

Liberdade para todos, e não para os sentimentos religiosos, não se comprehende.

Na Belgica, onde existe o direito de associação, esse direito é para todos; todos se podem reunir livremente sejam quaes forem as suas crenças.

E porventura ali as luctas teem por base a religião?

Não, e nunca o partido liberal se lembrou de isolar do direito de associação as sociedades religiosas, nem nunca associações religiosas foram ali um perigo: bem pelo contrario ellas teem servido para dar força ?.os povos e aos individuos.

Comprehendia-se que o Sr. Hintze Ribeiro, que tem no seu coração a convicção que aquelle decreto fez aborta-no nosso paiz uma das maiores calamidades que o podiam envolver, viesse combater o projecto; mas o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, espirito largo e intelligencia superior, que andava retrahido da politica, deixando a sua voz de soar quando a patria mais precisaria d'ella para illuminar com as suas luzes os espiritos d'aquelles que teem nas suas mãos os destinos do paiz, resurgir agora para a vida politica e vir defender uma causa tão má, acontecimento foi que me contristou bastante.

E, afinal, a critica por S. Exa. feita ao projecto em discussão não pode ser nem mais ligeira, nem mais inoffensiva:

Essa critica reduz-se ao simples argumento de que o projecto exclue todas as associações que derivem de leis especiaes fundamentadas na auctorização de regulamento que o artigo 282.° confere ao poder executivo.

Mas se isto é assim, o Sr. Presidente do Conselho, nas suas declarações em resposta ao Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, já disse que ás associações que vivem á sombra da tolerancia dos Governos tambem não aproveitava o que n'elle se dispõe.

Ora a affirmação do Digno Par o Sr. Julio de Vilhena é impropria de um tão alto espirito, porque querer estabelecer a equivalencia entre a tolerancia e a lei é perigoso, é grave, é ter confiança n'uma cousa que é de si insubsistente e fragil.

Quem estabelece uma tolerancia, pode revogá-la, e o direito desapparece, e quem estabelece uma lei, estabelece um direito e um facto que só com uma outra lei poderá desapparecer.

Quem é que confiará na segurança e garantia dos direitos, por um simples acto de tolerancia?

Pois então não é de uma alta influencia, no movimento das ideias, na expansão dos sentimentos, na convenção dos differentes ideaes, este principio estabelecido na lei que se discute, de que todos os cidadãos teem o direito de se agremiarem, comtanto que apenas declarem qual o fim que os leva a formar essa agremiação ?!

Esta lei certamente vale mais para fundamentar esse direito do que uma simples tolerancia.

Pois quem tolera, não pode tornar-se intolerante?! Quem permitte, não pode cohibir?!

Evidentemente que isso só depende simplesmente de um acto arbitrario, precipitado e errado de um Ministro ou de um Governo.

Mas quando uma garantia é concebida por uma lei, então torna-se muito mais seria; e para que se lhe toque é necessario t que o poder legislativo o consinta. É preciso que uma outra lei contrarie e revogue as disposições da primeira.

A differença é completa e manifesta.

Mas emfim, Sr. Presidente, no resumido discurso do Digno Par, discurso aliás de grande brilho, de muita energia e vigor, discurso que resoa ainda gratamente aos ouvidos de todos os que escutaram, esses sons de guerra declarada e aberta ao projecto, transparecem os pontos em que S. Exa. pretendeu attingir já não digo maguar, o Governo, porque não estava de certo nas intenções de S. Exa. maguar os homens que occupam as cadeiras do poder ha seis ou sete mezes apenas, combatidos de uma forma encarniçada, elles que estão sacrificando o seu descanso e a sua saude para prestarem ao paiz todos os beneficios que dependem da sua actividade e intelligencia, orientados pela unica ambição de bem servir a nação e merecerem louvor e applauso peles actos que praticam.