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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 18

EM 1 DE FEVEREIRO DE 1907

Presidencia do Exmo Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta. - Expediente.- O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa envia para a mesa mu requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda. - O Digno Par Sr. Francisco José Machado manda para a mesa um requerimento solicitando esclarecimentos pelo Ministerio do Reino. Estes requerimentos são expedidos.- O Sr. Presidente dá conta do recebimento de uma representação elaborada pela commissão que trabalha a favor do projecto de lei destinado a estabelecer o descanso semanal. Foi enviada á commissão competente.- O Digno Par Sr. Bispo Conde advoga a necessidade de se reverem as congruas parochiaes. Responde ao Digno Par o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro pede o comparecimento do Sr. Presidente do Conselho, na proximo sessão, para dirigir-lhe perguntas sobre assumptos que respeitam á pasta do Reino. O Sr. Presidente do Conselho promette acceder aos desejes do Digno Par. - O Digno Par Sr. João Arroyo pede que o mantenham na lista da inscripção, para usar da palavra quando esteja presente o Sr. Ministro das Obras Publicas. - O Digno Par Sr. Conde de Bertiandos renova a iniciativa de um projecto apresentado em 1904 e que tende a estabelecer o descanso dominical.

Ordem do dia (continuação da discussão do parecer n.° 23, referente ao projecto de lei que regula a liberdade de associação). - Usam da palavra os Dignos 'Pares Srs. Teixeira de Vasconcellos, João Arroyo, Francisco Beirão e José de Alpoim. - Antes do encerramento da sessão trocaram-se explicações entre os Dignos Pares Srs. Hintze Ribeiro e Francisco Beirão acêrca dê uma phrase do discurso d'este ultimo Digno Par.- Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se, estarem presentes 22 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Mensagem da Presidencia da Camara dos Senhores Deputados, enviando o projecto de lei relativo á liberdade de imprensa.

A commissão respectiva.

Officio do Ministerio do Reino, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Idem do Ministerio da Justiça, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Envio para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja remettida com a maior urgencia uma nota de todas as ordens de pagamento relativas a operações de thesouraria, que, segundo uma carta do Sr. Director Geral da Thesouraria, publicada no Summario da Camara dos Pares relativo á sessão de 30 de janeiro ultimo, não foram ao visto previo do Tribunal de Contas e que o não tenham recebido depois, ficando juntas sem essa formalidade aos respectivos processos. A nota deve conter as datas em que as ordens foram passadas, a importancia e a favor de quem foram passadas, tudo posteriormente a 30 de abril de 1898.

Requeiro mais que seja mandado a esta Camara, e com a mesma urgencia, a copia dos despachos ministeriaes que, nos termos do § unico do artigo 8.° da lei de 30 de abril de 1898, dispensaram aquellas ordens do visto previo do Tribunal de Contas;).

O Sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa o requerimento seguinte :

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino e administração do hospital das Caldas da Rainha, me seja enviada nota:

1.° Da despesa que se fez durante o mez de janeiro ultimo, no hospital, pelo facto da teimosia de ter este estabelecimento aberto durante um periodo tão improprio para tratamentos thermaes.

2.° Qual o numero de individuos que pagaram a inscripção para .o tratamento thermal.

3.° Qual a especie de tratamento que fizeram as pessoas que pagaram a inscripção.

4.° Qual foi a receita arrecadada durante o mez de janeiro ultimo, proveniente das inscripções destinadas aos diversos tratamentos que se ministram n'aquelle estabelecimento.

Os requerimentos foram expedidos.

O Sr. Presidente: - Foi entregue na mesa uma representação de uma commissão que trabalha a favor do projecto de lei relativo ao descanso semanal.

Vae á respectiva commissão.

O Sr. Bispo - Conde: - Sr. Presidente : depois de uma doença muito larga, e que por algumas vezes me teve á porta da morte, e depois de uma convalescença mais larga ainda, quis a

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Providencia Divina que pudéssemos voltar a esta casa.

Vimos agradecer a muitos membros d'ella, e aos do Governo actual e anterior, o interesse que se dignaram tomar por nós; testemunhar a todos o nosso respeito e gratidão, e significar por este modo o apreço em que tomamos a honra de pertencer á mais culminante assembleia legislativa e politica do nosso paiz.

E porque eu sou Bispo Catholico, e porque tenho a honra de estar falando a uma assembleia, não só de politicos e legisladores, mas tambem de catholicos pelos seus sentimentos religiosos e pelo juramento por todos dado antes de para aqui entrarmos, permittam-nos S. Exas. que rendamos aqui tambem muitas graças a Deus por nos ter prolongado a vida, graças que tambem não podemos deixar de dar a quem, depois de Deus, a devemos - os insignes medicos que nos trataram, Dr. Daniel de Mattos e Dr. João Jacinto da Silva Correia.

Deviamos ficar por aqui, Sr. Presidente, porque nem as nossas forças, principalmente as da intelligencia, são para mais, nem tambem deveriamos tomar tempo á Camara.

Mas, Sr. Presidente, antes da nossa doença andavamos muito empenhados na revisão, pelo menos, das congruas parochiaes, e não podemos deixar de agradecer ao Sr. Conselheiro José Luciano, Presidente do Conselho de Ministros, e ao Sr. Montenegro, Ministro da Justiça, de então, o empenho que S. Exas. mostraram no assumpto, e que certamente teriam trazido á Camara as propostas de lei para isso necessarias se se tivessem conservado no poder e as Camaras não tivessem sido adiadas, visto os muitos trabalhos que já havia feito para este fim, como sabemos.

Confiamos, porem, que o actual Governo, que subiu aos Conselhos da Corôa com tão bons auspicios, e que tão bons desejos tem mostrado de querer governar com justiça em tudo e para todos, não será menos solicito e menos interessado em remediar esta grande necessidade publica que, permitta-nos dizê-lo. é já vergonha para todos os Governos d'este paiz.

Pois se os nossos estadistas diziam depois de 1834 que não era decoroso nem para a Igreja nem para o Estado conservar os parochos no abandono em que se achavam; e se Antonio Lopes Vieira de Castro dizia tambem, em documentos do seu proprio punho, que os não queria reduzidos á classe de mendigos, como nós já aqui dissemos, o que não diriam hoje se vissem que depois de setenta annos elles estavam vivendo ainda das congruas, que interinamente lhe foram arbitrados em 1841, nas peores condições para elles, e não obstante ter subido muito a carestia de tudo de então para cá.

Agora é que diriam que os parochos estavam reduzidos á classe de mendigos, e soffrendo já muitas humilhações e até a miseria e a fome, cem grandissimo prejuizo da sua dignidade e independencia, do bom serviço do seu ministerio, e do bem religioso t moral dos povos, em que não pode deixar de reflectir-se estes males.

Descoroçoados já de tanto soffrer, e de tanto representar, sem nunca serem attendidos, principiaram elles já a reunirem-se em commissões e assembleias, em Braga e em Coimbra, para tratarem de si.

Louvamos muito esta sua resolução e estimamos que n'ellas perserverem.

Quer-nos parecer, porem, que nem sempre seguem em tudo o melhor caminho para serem attendidos mais de pressa.

Os tempos não correm de molde para a Igreja e os seus ministros poderem obter grandes fortunas dos governos temporaes ; e, n'estas condições, o tempo que teem gasto nos seus comicios a delinear leis do culto e do clero e a tratar de outras reformas ecclesiasticas, pode ser muito bom para mostrar zelo, eloquencia e saber, que muito louvamos, mas não passa de musica celestial para deleite de quem a, emprega e de quem a ouve, porque a lei do culto e do clero exige como elemento necessario e imprescindivel a do arredondamento parochial, e differentes Governos, depois de 1845, teem já tentado fazê-lo por cinco vezes, sem nada terem conseguido, e nem o conseguirão nunca, porque não ha hoje Governo que tenha força para bolir no arredondamento parochial de um só jacto, e ao mesmo tempo, em todo o paiz.

No arredondamento das dioceses, que ainda assim encontrou não poucas dificuldades, venceram-se bem, porque acima do Governo que propunha, estava o Papa que mandava, e a quem todos obedeciam; mas não acontece o mesmo no arredondamento das parochias, por mil motivos que todos sabem, e que nós nos abstemos de aqui expor para não cansar tanto a Camara.

É por isso que, embora muito desejemos a lei do culto e do clero, nos limitamos a pedir por agora, e para já, a revisão do orçamento das congruas feito em 1841, e que não poda ter hoje razão nenhuma de ser.

De outro modo, pedem morrer todos os parochos actuaes, e todos os seus successores, sem nada conseguirem.

Alem d'isso, como nós já aqui dissemos, os clerigos portuguezes estão hoje muito divididos em partidos politicos; uns são progressistas, outros regeneradores, outros franquistas, outros nacionalistas, outros absolutistas, outros republicares, outros dissidentes e não sabemos ainda em mais quê.

E emquanto assim estiverem divididas, e não tiverem a força necessaria para se desligarem dos partidos a que pertençam e para trocarem a politica profana pela politica ecclesiastica e do bem da Egreja, não teem forças para conseguirem cousa alguma, como nós tambem já aqui dissemos, e era d'este ponto, muito necessario e indispensavel, que tambem deviam occupar-se nos comicios e assembleias.

Em um livro que escrevemos em 1886, dissemos que os clerigos deviam unir-se e formar todos um partido ou nucleo junto de todos os Governos, quaesquer que fossem os partidos a que pertencessem, para os ajudarem a governar bem, ou para impedirem que governassem mal, e sobretudo para estes terem n'elles um ponto de apoio para resistirem ás exigencias dos avançados, quando fossem contrarias ao bem da Igreja, e esta politica tem-me mostrado a experiencia, de então para cá, que é a que mais convem ao clero.

Mas não nos occupamos agora d'este assumpto, nem queremos com elle cansar tanto a Camara.

O congresso ou assembleia de Coimbra pediu na representação que enviou ao Governo que, se se demorasse muito a lei do culto e do clero, se mandasse proceder a revisão das congruas parochiaes para já, e o mesmo pedido nos encarregou de fazermos tambem pela nossa parte.

Sr. Presidente do Conselho de Ministros : com o muito talento que Deus lhe deu, e com o seu grande tino e tacto governativo conhece S. Exa. muito bem que é necessario, para ter bom serviço, pagá-lo bem: e se S. Exa. muito louvavelmente melhorou já os soldos dos officiaes do exercito, e se vae melhorar tambem os ordenados dos empregados pablicos, não podemos crer que S. Exa. deixe os parochos na miseria em que estão.

Se assim fosse, o seu governo deixaria de ser um governo de justiça para ser o contrario que dizem que elle é : para ser um Governo de facciosismo, de injustiças e desprezes para a religião e para os ministros da Igreja.

No Sr. Ministro da Justiça tem S. Exa. um excellente cooperador porque, religioso como é, por indole, e por laços de familia, e alem d'isso muito amigo dos padres do seu Minho e do seu Porto deve ser muito grato a S. Exa. attender ás suas necessidades, e fazer-lhes- bem.

Tambem dos grandes estadistas portuguezes, o Sr. José Luciano de Castro e o Sr. Hintze Ribeiro, honra e gloria d'esta Camara, pela sua eloquencia, não pode S. Exa. esperar senão muito apoio.

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O Sr. José Luciano, pelo que eu acabei de dizer, e o Sr. Hintze Ribeiro pelo que disse tambem aqui ha poucos dias sobre este assumpto, e pelo que tem respondido tambem acêrca d'elle nas cadeiras do poder o seu distincto correligionario Sr. Campos Henriques.

Do mesmo modo o Sr. Alpoim, illustre chefe dos dissidentes, não poderá deixar de apoiar S. Exa. n'este ponto, pelo que tem dito acêrca d'elle quando Ministro e porque, tendo vindo muita da sua influencia dos parochos do norte, não quererá S. Exa. ser-lhes hostil.

Não se demore, pois, S. Exa. em trazer á Camara os projectos de lei necessarios para este fim, e quando se encontrem grandes difficuldades a este respeito, basta que se determine por agora e para já o seguinte:

1.° Não bulir com os parochos nem com as suas freguesias que tiverem mais de 250$000 réis de congrua, para não levantar difficuldades;

2.° Fixar o minimo d'esta para todos as outras, que não quizerem ser annexadas a outra ou outras, quando estiverem no caso de o serem;

3.° Juntar á derrama parochial a importancia de todas as benesses, calculada pelas medias dos ultimos cinco an-nos, sendo esta tambem derramada pela freguezia e cobrada como aquella pelos recebedores da respectiva comarca, e entregue aos parochos no tempo estipulado, para. elles não terem cousa alguma parochial directamente dos seus freguezes, excepto os emolumentos do cartorio ;

4.° Deverá providenciar-se, como for mais justo, para o caso das freguezias que não puderem ser annexadas, nem puderem pagar tanta congrua. . Detalhes estes, de que não podemos agora occupar-nos, e que já referimos em, parte em outros discursos.

É muito pouco e de facil execução •o que pedimos, e se S. Exa. nos attender de prompto, como esperamos, bem merecerá da Religião, da Igreja e dos Bispos portuguezes, que não podem ver sem grande desgosto a sorte tão triste de muitos dos seus cooperadores.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente : não tenho a honra de ser membro d'esta Camara, mas creio me será relevada a ousadia de começar as minhas considerações em resposta ás do illustre Prelado que acabou de falar, manifestando o sentimento de regozijo e satisfação profunda que toda a Camara sente em ver outra vez no seu seio e no gozo de perfeita saude, o Sr. Bispo - Conde, exemplo das mais preclaras virtudes e do mais sincero patriotismo, honra da Igreja e do paiz. (Muitos apoiados).

Da minha parte, e pessoalmente, não precisava acrescentar cousa, alguma porque o illustre Prelado conhece ha muitos annos os sentimentos de ternura, dedicação e respeito que lhe consagro.

Cumprido assim o meu dever pés soai, e tendo tido a fortuna de interpretar os sentimentos da Camara, (Apoiados), claramente manifestados nos apoiados que acompanharam as minhas palavras, irei referir-me ao assumpto por S. Exa. tratado com aquella auctoridade que caracteriza o illustre Prelado.

As intenções e o pensamento do Governo deixámo-las nós bem consignados na primeira Fala do Throno, depois de chamados ao poder.

N'esse documento se affirmou que um dos cuidados do Governo seria a questão do culto e do clero.

Ouvi agora com toda a attenção as indicações do illustre Prelado, inspiradas no seu grande saber de experiencia feito. Elias são muito proveitosas e uteis; e encerram uma forma pratica de se chegar aos resultados que são, não só do seu agrado, mas do agrado de todo o Governo, porque o desejo d'este é, por uma forma gradual e successiva, conforme o permitiam as circumstancias do Thesouro, ir melhorando a situação do funccionalismo portuguez, mal e até miseravelmente remunerado nos mais modestos logares.

O Sr. Ministro da Justiça está-se occupando do assumpto e eu muito estimaria que o venerando Prelado auxiliasse o Sr. Ministro na redacção da' respectiva proposta de lei, que espero encontrará no Parlamento a boa vontade a que alludiu o Sr. Bispo - Conde.

É certo que são precarias as condições de alguns parochos, mesmo em consequencia do atraso, que muitas vezes se dá, no recebimento dos seus proventos.

Por agora julgo ter dado ao illustre Prelado a demonstração do interesse e empenho que este assumpto merece ao Governo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Hintze Ribeiro, que a pediu para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho.

Previno S. Exa. de que faltam apenas 8 minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro : - Eu tenho de chamar a attenção do j Governo para differentes assumptos ! propriamente de interesse local, mas sobre os quaes desejo expor considerações e obter resposta do Sr. Presidente do Conselho. O Sr. Presidente da Camara adverte me de que faltam apenas oito minutos para se entrar na ordem do dia. N'esse pouco tempo é me inteiramente impossivel expor o que tenho a referir, por muito rapido que seja.

Não quero solicitar da camara que me conceda mais alguns minutos. Solicitarei então do Sr. Presidente do Conselho que numa das proximos sessões venha aqui antes da ordem do dia a fim de que eu possa chamara attenção de S. Exa. para os assumptos a que pretendo referir-me.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Perfeitamente.

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Digno Par Sr. Arroyo.

O Sr. João Arroyo: - As considerações que desejava fazer exigiam a presença do Sr. Ministro das Obras Publicas. Como S. Exa. d não está presente, rogava a V. Exa., Sr. Presidente, que me mantivesse a inscripção para quando o Sr. Ministro comparecer.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Mando para a mesa a seguinte proposta:

o Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre descanso dominical, apresentado em 26 de março de 1904".

Foi á commissão respectiva.

O Sr. Presidente: - Passamos a

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 23 sobre é projecto, que tem por fim regular a liberdade de associação.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Relator do projecto em discussão, cabe-me hoje o prazer de dar resposta ao discurso do Digno Par o Sr. Conselheiro Julio de Vilhena.

S. Exa., ha muito arredado das luctas parlamentares, surgiu de repente ia scena politica d'esta Camara a pretexto da discussão do projecto, combatendo por um ideal sincero, sentido e elevado, da liberdade e da emancipação das classes que encontram no direito de associação uma forca, uma irmã indispensavel para a realização da sua elevação moral e do seu engrandecimento material.

É innegavel que a voz de S. Exa. produziu uma impressão profunda em todos os membros d'esta Camara, porque todos elles estavam habituados a ouvi-la com prazer e com respeito, quer pela elevação dos seus conceitos,

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que são sempre profundos, quer pela cultura do seu alto espirito (Apoiados), quer pelo brilho da sua palavra sempre clara, sempre nitida, sempre luzente. Em mim a commoção foi tão grande que eu julguei que essa voz provinha do tempo longinquo de 1847 que incendiou tantas vontades, tantas energias, em favor da causa liberal, d'esse periodo tão solemne, tão digno de admiração na nossa historia, em que todos os portuguezes tinham desprazer de parecerem menos liberaes do que os vizinhos.

É innegavel que a corrente vae no sentido das maximas franquias de liberdade.

É innegavel que depois de um certo periodo de prostração, de descrença, de quietação e desanimo, novas correntes inflammam o espirito nacional e levam-no a lançar-se em procura de ideias cada vez mais largas, mais generosas e que mais satisfaçam a grande amplidão da alma meridional portugueza.

É innegavel que esse é o caminho que se segue; mas, depois de ouvir a voz do Sr. Conselheiro Julio de Vilhena, que me soou aos ouvidos como um clarim de batalha, como um toque de rebate para despertar energias, para suscitar estimulos a favor da grande causa liberal, com franqueza fiquei um pouco desilludido e desenganado de que esta impressão não era verdadeira, quando, ao ler a emenda proposta por S. Exa., vi que todo o seu cuidado foi: "receando que o projecto fosse da maxima liberdade, não coubessem dentro d'estes principios liberaes as congregações religiosas".

Por conseguinte fiquei sabendo que a sua boa vontade, o seu enthusiasmo, a vibração da sua alma o som da sua palavra era representativo de um sentimento ardente, mas de um sentimento armado de restricções ás aspirações liberaes.

O Digno Par que condemna o projecto por não satisfazer as escolas dos mais avançados em materia de direito de associação, põe peias a este projecto, e manda para a mesa uma proposta de emenda, que põe fora de todo o beneficio de principies liberaes, de todos os interesses associativos, as associações religiosas.

Contristou-me este facto, porque imaginava que S. Exa. desfraldaria aos quatro ventos uma bandeira mais avançada do que aquella que o Sr. Presidente do Conselho nos apresentou. Vejo com grande desconsolo que o que S. Exa. quer é advogar o principio da restricção.

A minha decepção não podia ser maior; mas não é por um desprimor para com S. Exa., mas por um dever de situação, em consequencia de ser relator, que uso da palavra, embora o faça por esta forma.

Sr. Presidente: quando eu imaginava, ao ver o Digno Par apresentar a sua proposta, que ia pedir que fosse revogado o artigo 282.° do Codigo Penal, pelo contrario, vejo que essa emenda tende a estabelecer uma restricção.

Ora eu comprehendia que o Sr. Hintze Ribeiro, intelligencia esclarecida, estadista consagrado, chefe de um partido conservador, auctor do decreto de 18 de abril de 1901, viesse defendera doutrina regalista do Estado!

Está isso nas suas tradições e foi essa a doutrina que S. Exa. e sempre defendeu.

Mas o Sr. Julio de Vilhena, defendendo em nome da liberdade o principio da restricção para determinadas associações, era cousa que não era licito esperar do Digno Par.

Quando se quer fazer uma obra radical, a liberdade não tem predilectos; predilectos só tem o regimen absoluto.

Sob o regimen liberal a todos cabem os mesmos direitos, mas a todos assistem as mesmas regalias.

Liberdade para todos, e não para os sentimentos religiosos, não se comprehende.

Na Belgica, onde existe o direito de associação, esse direito é para todos; todos se podem reunir livremente sejam quaes forem as suas crenças.

E porventura ali as luctas teem por base a religião?

Não, e nunca o partido liberal se lembrou de isolar do direito de associação as sociedades religiosas, nem nunca associações religiosas foram ali um perigo: bem pelo contrario ellas teem servido para dar força ?.os povos e aos individuos.

Comprehendia-se que o Sr. Hintze Ribeiro, que tem no seu coração a convicção que aquelle decreto fez aborta-no nosso paiz uma das maiores calamidades que o podiam envolver, viesse combater o projecto; mas o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, espirito largo e intelligencia superior, que andava retrahido da politica, deixando a sua voz de soar quando a patria mais precisaria d'ella para illuminar com as suas luzes os espiritos d'aquelles que teem nas suas mãos os destinos do paiz, resurgir agora para a vida politica e vir defender uma causa tão má, acontecimento foi que me contristou bastante.

E, afinal, a critica por S. Exa. feita ao projecto em discussão não pode ser nem mais ligeira, nem mais inoffensiva:

Essa critica reduz-se ao simples argumento de que o projecto exclue todas as associações que derivem de leis especiaes fundamentadas na auctorização de regulamento que o artigo 282.° confere ao poder executivo.

Mas se isto é assim, o Sr. Presidente do Conselho, nas suas declarações em resposta ao Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, já disse que ás associações que vivem á sombra da tolerancia dos Governos tambem não aproveitava o que n'elle se dispõe.

Ora a affirmação do Digno Par o Sr. Julio de Vilhena é impropria de um tão alto espirito, porque querer estabelecer a equivalencia entre a tolerancia e a lei é perigoso, é grave, é ter confiança n'uma cousa que é de si insubsistente e fragil.

Quem estabelece uma tolerancia, pode revogá-la, e o direito desapparece, e quem estabelece uma lei, estabelece um direito e um facto que só com uma outra lei poderá desapparecer.

Quem é que confiará na segurança e garantia dos direitos, por um simples acto de tolerancia?

Pois então não é de uma alta influencia, no movimento das ideias, na expansão dos sentimentos, na convenção dos differentes ideaes, este principio estabelecido na lei que se discute, de que todos os cidadãos teem o direito de se agremiarem, comtanto que apenas declarem qual o fim que os leva a formar essa agremiação ?!

Esta lei certamente vale mais para fundamentar esse direito do que uma simples tolerancia.

Pois quem tolera, não pode tornar-se intolerante?! Quem permitte, não pode cohibir?!

Evidentemente que isso só depende simplesmente de um acto arbitrario, precipitado e errado de um Ministro ou de um Governo.

Mas quando uma garantia é concebida por uma lei, então torna-se muito mais seria; e para que se lhe toque é necessario t que o poder legislativo o consinta. É preciso que uma outra lei contrarie e revogue as disposições da primeira.

A differença é completa e manifesta.

Mas emfim, Sr. Presidente, no resumido discurso do Digno Par, discurso aliás de grande brilho, de muita energia e vigor, discurso que resoa ainda gratamente aos ouvidos de todos os que escutaram, esses sons de guerra declarada e aberta ao projecto, transparecem os pontos em que S. Exa. pretendeu attingir já não digo maguar, o Governo, porque não estava de certo nas intenções de S. Exa. maguar os homens que occupam as cadeiras do poder ha seis ou sete mezes apenas, combatidos de uma forma encarniçada, elles que estão sacrificando o seu descanso e a sua saude para prestarem ao paiz todos os beneficios que dependem da sua actividade e intelligencia, orientados pela unica ambição de bem servir a nação e merecerem louvor e applauso peles actos que praticam.

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Eu desejaria que n'esta assembleia se collocasse acima das paixões politicas, um certo sentimento de justiça, visto que na nossa terra os homens, publicos que se devotam ás causas dos outros, não teem como recompensa senão a aggressão, o desconhecimento das suas intenções honradas.

E desde que se dá essa injustiça, nós ao menos, Camara dós Pares, deviamos ter umas palavras de louvor para quem se sacrifica pela causa da patria.

S. Exa., a golpes de machado, quiz derruir a obra juridica do Sr. Presidente do Conselho, dizendo que era incompleta e obscurecida por uma restricção de principios liberaes, que não condizem com as affirmações do seu programma liberal.

Mas isto não é exacto. V. Exa. diz que a lei de responsabilidade ministerial não é liberal, porque não é permittido á todo o cidadão propor as accusações dos Ministros.

Com esse radicalismo de S. Exa. nós podiamos chegar á occasião de accusar os Ministros mesmo antes de o serem; os Ministros, Sr. Presidente, devem ter umas certas garantias, não devem estar sujeitos a accusações de momento, ao arbitrio de quem primeiro se lembre de as formular.

De resto, a liberdade é completa, todo o cidadão pode levar as suas queixas á commissão encarregada de julgar se ellas teem ou não fundamento, e é claro que se as julga improcedentes não teem seguimento.

Que maiores garantias podiamos nós ter que as que existem na lei de responsabilidade ministerial, que é completa, cabal, e que satisfaz ainda os mais exigentes?

Em seguida o Digno Par fez uma referencia ao projecto de lei da imprensa, chamando-lhe uma monstruosidade.

Ora, monstruosidades são todas as leis restrictivas perante os espiritos ultra-liberaes.

Mas o que querem mais liberal do que essa lei, em que cada um tem a liberdade perfeita, completa do direito de apreciação, em que todos os individuos teem a faculdade de escrever o que quizerem, comtanto que quem ferir ou maltratar qualquer individuo se resigne a soffrer as consequencias d'esta offensa ?

É este aphorismo juridico, da maxima liberdade corrigida pela maxima responsabilidade.

Mas, afinal conheceu-se bem que a intenção do Sr. Julio de Vilhena era muito diversa. S. Exa. p que queria era abrir uma fallencia, mas para abrir fallencia é preciso reunir a maioria dos credores, e como a maioria n'este caso, é o paiz, elle sempre que se reune, é para dar força ao devedor, que n'este caso é o Governo.

Ora, mesmo quando se abrisse a falencia parece-me que seria difficil encontrar administrador para essa massa fallida, porque o Digno Par, apesar dos seus grandes dotes, parece-me que está ainda longe, e portanto mau grado o Brilhante discurso de S. Exa., emquanto o paiz tiver confiança no Governo, não se poderá dar esse caso funesto.

Sr. Presidente: termino por aqui as minhas considerações, declarando mais uma vez que o dia em que nós havemos de ser opposição ainda vem longe: e de mais S. Exa. verá, e depois poderá dizer-me de que lado estava a razão.

Tenho dito.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Ouviu, com a natural consideração que sempre lhe merece, o seu collega e velho amigo Sr. Teixeira de Vasconcellos, nas palavras sinceras e calorosas com que S. Exa. procurou defender o projecto em debate.

E pela consideração que o Digno Par lhe merece, e pela necessidade de vir em defesa da verdade dos factos, não deve, antes de dizer á Camara qual a sua impressão deante d'este extraordinario projecto, deixar de se referir á parte do discurso do digno relator em que S. Exa. criticou infundadamente as accusações feitas pelo Sr. Julio de Vilhena.

Pela falta de clareza do projecto, e repugnando ao espirito esclarecido e intelligente do seu illustre amigo Sr. Julio de Vilhena que se desse uma desordenada expansão á força positiva que se chama - associações religiosas- aquelle Digno Par pediu que se consignassem n'essa emenda duas clausulas: a primeira, declarando que o projecto não altera o disposto no decreto de 18 de abril de 1901 sobre associações religiosas, e a segunda fixando um prazo para que as associações d'este genero que não teem os estatutos approvados, os submettessem á necessaria approvação, sem o que seriam dissolvidas.

Este foi o sentido da proposta d'aquelle Digno Par, e n'ella não viu o orador nem lhe parece que legitimamente alguem pudesse ver, a applicação de qualquer principio de tyrannia administrativa.

Para elle, orador, um dos principaes e mais graves defeitos do projecto foi o trazer outra vez á tela do debate a questão religiosa (Apoiados), sabia, prudente e opportunamente resolvida pelo Governo regenerador de 1901.

Este problema foi então encarado com uma superioridade de vistas, ainda não excedida, quer em attenção á lucidez do criterio, quer com respeito ao exame da situação que se offerecia.

Ao passo que a França se lançava no caminho das legislações impplicadas, o que lhe originou uma crise politica interna como ha quarenta annos outra igual a não assoberbava, Governo regenerador, reconhecendo nas associações religiosas uma força criada, existente, real, tratou de a encaminhar e dirigir sem ir atrás de nenhum principio de jacobinismo.

Por isso o decreto de 18 de abril de 1901 constituiu um acto sensatissimo, acto que, n'um limitado numero de semanas, teve um alto alcance: o abortivo da questão. De facto este problema, que podia assumir um aspecto gravissimo, perturbando enormemente o viver e o socego da nação, ficou resolvido, dominado, sem que um ataque serio, grave, se tivesse feito contra as disposições decretadas.

O bom criterio governativo aconselhava que o Governo não trouxesse a publico uma medida que pode fazer reviver essa questão considerada morta, e que em 1901 agitou fortemente a opinião publica.

Portanto, quando o Digno Par Sr. Julio de Vilhena pediu um texto aclarador da vigencia da lei de 1901, obedecia a um criterio sensato e a um bom espirito governativo.

Mas o illustre relator do projecto, Sr. Teixeira de Vasconcellos, n'um discurso em cujas palavras o coração falou tanto como o seu bello espirito, e n'um movimento, não dirá de indignação, mas de queixa pela forma como o Sr. Julio de Vilhena tinha apreciado a obra liberal do Governo, fez um convite para que fossem endereçadas algumas palavras de justiça ao Sr. Conselheiro João Franco.

Elle, orador, se algum elogio tem a fazer ao chefe do Governo em materia de liberdade, se algumas palavras tem a pronunciar a favor de S. Ex a, no sentido da sua obra governativa, certamente que essas palavras teem de ser formuladas como elogio pela pressa, pela rapidez com que S. Exa. demonstrou que os factos da sua administração eram o desmentido completo do seu "programma e das suas promessas em favor da liberdade. Não nos deixou S. Exa. muito tempo em duvida; deu-se pressa em aclarar a situação.

No seu respeito pelo Parlamento, poz S. Exa. a Camara dos Senhores - Deputados no regimen de caçadores õ e de infantaria 2; e, segundo um papel que elle, orador, já recebeu e que lhe foi enviado para casa, pretende se dotar esta Camara com um regimento que bem merece a classificação de ultra-draconiano.

Alem de tudo o mais, o Sr. João Franco, que se jacta de liberal à ou-

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trance, apresenta uma lei phantastica sobre direito de associação e um projecto sobre liberdade de imprensa que provocou em Portugal um movi mento de protesto como não se via ha 54 annos; e S. Exa., que fôra chamado a reivindicar- para os cidadãos portuguezes o livre exercicio dos direitos individuaes, a primeira, vez que os encontrou em situação de manifestarem taes direitos, não os tratou como em 4 de maio: tratou-os com as patas da cavallaria.

O Sr. Teixeira de Sousa: E com tiros.

O Orador: - Ora é uma tal conducta que merece elogio ?

O que merece elogio é a forma rapida como S. Exa. voltou aos seus principios, e isso devido talvez ao seu temperamento nervoso, um tudo nada irrequieto.

Passando a analysar o projecto em discussão, encará-lo-ha por uma maneira alegre e, portanto, sem arrebatamentos ou movimentos de indignação.

O projecto foi tomado a serio pelo Sr. Hintze Ribeiro. Pelo Sr. Julio de Vilhena foi tomado a serio, mas com a nota da indignação. O primeiro d'estes Dignos Pares chamou-lhe uma obra má, e o segundo uma obra inutil.

Para elle, orador, o projecto, perdoem-lhe o plebeismo, não passa de um entalão (Risos); um entalão politico e juridico.

Na primeira phase da sua ebullição liberal, e n'um dos peridos da sua mais forte ebullição intellectual, o Sr. Presidente do Conselho abriu o seu primeiro centro politico.

Que fez S. Exa., ao inaugurar esse centro? ao cozinhar o grande paté do seu programma?

Distribuiu liberdade para a direita e para a esquerda, direitos individuaes para a direita e para a esquerda. Distribuiu "liberdade para todos os lados.

Aos olhos de reformador messianico do Sr. João Franco não escapou, para arredondamento do periodo depois dos direitos da palavra, da reunião, o direito de associação, e por isso S. Exa. o mandou incluir no seu programma e redigir a respectiva proposta.

No tempo em que o Sr. Presidente do Conselho era capitão-mor, costumava elle, orador, chamar ao Sr. Pereira e Cunha o poder legislativo de S. Exa.

Mas o Sr. Pereira e Cunha, tendo de ir exercer no Egypto outra magistratura, foi substituido.

Aos aro s primaveris, que eram o principal encanto de S. Ex.a, outros succederam, porem, para identicas funcções, estes com o aspecto de alguma cousa que lembra um dezembro, um janeiro ou um fevereiro. (Riso).

E então, tirando-se o que já estava regulamentado por lei, e que era o que respeitava montepios, associações de soccorros mutuos, caixas economicas, associações de classe, sociedades anonymas, associações de caracter religioso, emfim, a parte economica, religiosa e commercial, os principia liberaes à outrance da Rua Garrett, ficaram reduzidos a um projecto de lei que unicamente abrange as associações politicas. (Apoiados).

Quando S. Exa. teve a peregrina ideia de chamar ao direito de associação um direito originario, o cavalheiro que o ajudava, exclamou cheio de satisfação:- Eu bem dizia ha muito tempo que o direito de associação estava precisado de um João Franco. (Riso).

Ora .a verdade é que o direito de associação é extraordinariamente derivado e que a ideia de liberdade, comprehendendo apenas o que se não prohibe, é uma ideia relativa.

S. Exa. lembrou se decerto, ao falar no direito originario, da forma como esse direito se exercia entre os homens primitivos.

Mas os homens d'essas epocas remotissimas, não tendo ainda noções abstractas, nem sabendo derivar do instincto da defesa individual o principio da defesa collectiva; não formando a concepção da divindade mais que como uma nevoa de sonho, de que só mais tarde havia de gerar-se a ideia de Deus, não podiam sequer pensar no direito de associação.

A camara está a ver como se exerceria esse direito entre os homens primitivos, quer elles habitassem as margens dos lagos da Europa central, quer as cavernas escuras e profundas das montanhas

A Camara está a ver esses homens reunidos, discutindo o estatuto da, sua associação, sob a presidencia de um dos mais importantes troglodytas da região. (Riso).

Pelo projecto em discussão - escusado é dizê-lo- esse direito originario fica pertencendo unicamente aos clubs politicos. Tudo o mais continua como estava.

A verdade é que, com licença ou sem ella, mas á sombra da tolerancia e da lenidade do nosso temperamento politico, variadissimos clubs de propaganda democratica se fundaram em Lisboa e Porto, e em outros pontos do paiz. E, que conste, só uma vez o illustre estadista Fontes Pereira de Mello tentou acabar com os clubs republicanos.

Pretendeu-se sujeitar esses clubs á approvação dos estatutos, mas os elementos avançados provocaram um movimento de tal ordem contra as pretensões de Fontes, que este eminente estadista teve de recuar, continuando as cousas como estavam.

É facto que, em Portugal, ás cousas para os republicanos não correm como na França para os monarchicos, o que provem do temperamento excepcional, do caracter meridional do portuguez.

Portugal é um paiz extraordinariamente .cioso do que elle suppõe ser a sua liberdade.

Excepcionalmente malleavel, o temperamento portuguez é por isso mesmo impressionista. N'este ponto nenhum povo o excede, como nenhum o excede tambem em promptidão de intelligencia. E essas caracteristicas é que fizeram de Portugal um povo de emprehendedores, arrojando-o nos seculos XV e XVI para o caminho das navegações, que nos levaram a desfazer á bruma tenebrosa que fechava o Oceano e a emprehender o maior de todos os descobrimentos: o descobrimento da terra.

Mas ha uma cousa que o povo portuguez não consente que pretendam modificar-lhe: é a sua maneira de ser. Com lei ou sem lei, com estatutos approvados ou não, com tolerancia ou sem ella, no dia em que quizerem impedir o funccionamenio dos clubs democraticos, a Monarchia morre.

Para provar a grande malleabilidade do portuguez, bastará recordar como elle se adaptou" á circulação fiduciaria; acceitou-a sem a menor perturbação, o que não succedeu, por exemplo, na Austria - Hungria quando n'este paiz se deu facto identico.

Portugal constitue, pois, um povo tão malleavel como o marfim ou o cautchu; mas não lhe peçam cerceamento de liberdades nem o ataquem no que elle suppõe ser um direito, o seu amor proprio ou a sua intolerancia, porque, então, levantar se ha tão poderoso que quem apparecer na sua frente terá de succumbir.

O projecto que se discute não pode, portanto, ser applicado a ninguem, a não ser á colligação liberal. (Risos).

Não sabe elle orador como ella se esqueceu de fazer a participação da sua existencia ao governador civil.

A colligação liberal é a fraternização de dois grupos politicos, do grupo regenerador - liberal e do grupo progressista.

O facto de se terem colligado esses dois grupos não exceptua o exercicio do direito de associação.

Pode se dizer que a colligação liberal é uma associação que tem por fim, a conquista do poder.

Não ha duvida nenhuma que a colligação liberal tem de participar ao Sr. governador civil que existe, porque entre os parciaes do Sr. José Lu-

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ciano de Castro se encontram, com certeza, mais de vinte membros.

Elle, orador, está a ver o effeito defessa declaração, feita perante a ano auctoridade administrativa.

O Sr. Presidente do Conselho communica á auctoridade que está colligado com o Sr. José Luciano para, entre outras cousas, apresentar ao Parlamento a reforma da contabilidade publica e a lei de responsabilidade ministerial.

Elle, orador, está a ver, como já disse, a attitude do Sr. governador civil perante essa declaração.

Essa auctoridade voltar se-hia, naturalmente, para o Sr. João Franco, e dir-lhe-hia:

V. Exa. está a caçoar commigo ; então V. Exa. inclue, como ponto capital do seu programma de Governo, o que ha de mais puro em materia de contabilidade, e vem fazer á Camara ã denuncia dos adeantamentos á Casa Real, sem dizer a quanto montam e a razão que os determinou?

Então V. Exa., pelo que respeita á responsabilidade ministerial, anda a pregar pelos seus centros a necessidade indispensavel de tirar á Camara dos Pares certas attribuições, para as conferir ao poder judicial, e, chegando ao poder, apresenta uma proposta em que esse principio é absolutamente posto de parte, sob pretexto, ou sob color de que é uma cousa transitoria?

A declaração, pois, do Sr. João Franco á auctoridade administrativa havia de ser taxada de inexacta, e diz inexacta, para não usar do adjectivo que lhe deve ser applicado.

Antes de terminar as suas considerações, dirá ainda duas palavras sobre o direito originario de associação, movido pelo desejo de explicar á Camara a ideia que o domina no momento em que lhes está falando.

Tal principio originario de associação não existe, nunca existiu no mundo, ou só existiu na cabeça dos visionarios.

Desejaria, tomando o pulso, se S. Exa. lh'o permitte, ao Sr. Presi dente do Conselho, inquirir de qual o estado de saude em que aquella individualidade politica se encontra, sob o aspecto de conservação, n'aquellas cadeiras.

Não quer arvorar se em Cassandra, mas afigura-se lhe que as palavras mais mistas do Sr. Teixeira de Vasconcellos foram como que um balsamo applicado aos hombros doridos do Sr. Presidente do Conselho.

Parece-lhe que S. Exa. não está tão bem como se diz.

Crê que a reforma da contabilidade, que é uma das partes do todo ministerial, emperrou ahi pelas alturas do Conselho de Administração dos Caminhos ti e Ferro do Estado. (Risos).

O projecto sobre liberdade de imprensa é considerado como uma lei scelerada, como uma verdadeira monstruosidade, e acêrca da questão do Douro, que cheira a cemiterio para o Governo, ha umas palavras proferidas por uma alta personagem, ao regressar de uma estancia thermal afamada, que lhe parecem representar a plataforma ;em que o Sr. Presidente do Conselho ha de estender-se ao comprido.

Julga poder vaticinar que ahi pelas alturas do mez de maio o Sr. João Franco já será seu illustre collega na deposição parlamentar.

Mas não se esqueça S. Exa., antes de cair, de fazer approvar o novo regimento da Camara, que a& alguem aproveitará.

Está d'ali a ver a cara de afflicção dos seus collegas e amigos Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa: e Luciano Monteiro, os tres principaes caudilhos do Governo actual. Não se afflijam S. Exas.

Olhem que isto de estar na opposição não é tão mau como parece. Quando o rotativismo se feche, no dia em que la catena - novamente se ligue, S. Exas. terão de estar ao seu lado.

Terminando, dirá ,que lamenta profundamente que o Sr. Presidente do Conselho, abandonando os graves problemas da economia e fomento nacional, viesse trazer ao Parlamento um projecto que é uma verdadeira trica juridica, que não vale dois caracoes.

O projecto em discussão não é .um projecto que se vote, e um projecto que se esquece; e a politica liberalenga do Sr. João Franco podia trazer ás Camaras outra .cousa, que não uma simples bagatela, impropria de uma intelligencia de elite e de um parlamentar de alto valor.

Merecia bem este projecto que o Sr. Presidente da Camara exclamasse: acabem cometa maçada.

Mas espera ainda ouvir dizer aos Dignos Pares ,que agora defendem o projecto:

"Vocês lembram se d'aquella pacata tarde do mez de fevereiro em que nós votámos um projecto referente ao direito de associação, que se chamava originario, sem nunca o haver sido?"

E então, todos hão de rememorar tempos que já não voltam, lamentando profundamente haverem dado o seu voto a semelhante, medida.

(O Digno Par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Beirão.

O Sr. Conde de Pertiandos: - Eu tinha pedido a palavra.

O Sr. Presidente: - Como não sabia se S. Exa. se tinha inscripto a favor se contra por isso dei a palavra ao Sr. Beirão.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Eu voto o projecto, mas como tenho de apresentar uma emenda é melhor V. Exa. inscrever-me contra.

O Sr. Francisco Beirão: - Mal imaginava eu ao dar a minha modesta assignatura a este projecto, relatado pelo nosso honrado collega o Sr. Teixeira de Vasconcellos, approvando a proposição de lei em discussão, mal suppunha eu, repito, que praticava um acto de tanta e tamanha responsabilidade!

Julgava eu na minha simplicidade, que se tratava de dar a este paiz o exercicio - que n'elle não existe do direito de associação, e que assim o projecto correspondia aos principios liberaes do partido em que sempre tenho militado " ás promessas do Governo que está n'aquellas cadeiras.

Afigurava-se-me cousa simples, clara e modesta, é verdade, mas que ao menos representava isto, só isto, nada mais do que isto; mas para mim já não era pouco. Enganei-me. Qual não foi pois a minha surpresa ao ver tres dos mais illustres membros d'esta Camara, e por coincidencia notavel, ornados todos tres com o mais honioso grau da faculdade de direito da Universidade de Coimbra, increpar com o o mesmo vigor, mas não com o mesmo pensamento, este projecto!

Eu que suppunha que fazia bem dando a minha assignatura a esta proposição de lei, dava a minha assignatura, nada mais, nada menos, do que a um projecto que não é liberal, que não é completo, que não é efficaz, e que nem é defensavel, isto na opinião do illustre chefe do partido regenerador; a um projecto com a existencia do qual pode perfeitamente surgir a questão religiosa, como disse o meu illustre amigo o Sr. Julio de Vilhena, um projecto emfim, que é simples bagatella e como que uma ninharia segundo acaba de o classificar o Digno Par Sr. João Arroyo.

Ora, Sr. Presidente, se eu quizesse no meio do meu embaraço achar motivo para alguma consolação, tê-lo-hia no facto de que os tres illustres juizes que assim julgaram a causa, não poderiam tirar accordão, por não terem concordado nos fundamentos do julgado...

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Está V. Exa. enganado. Estamos todos de accordo de que o projecto de nada vale e para nada presta.

O Orador:- Mas o Sr. Vilhena disse que d'elle pode sair a questão religiosa e V. Exa. diz que nada vale!

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V. Exas. que se conciliem.

Um entende que d'aqui pode sair a questão religiosa, outro que não sae cousa alguma!

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Perdão. Nós estamos todos de accordo em que o projecto não vale e não presta para nada.

O Orador : - V. Exa. entende que para nada vale ou para nada presta?

Faço esta pergunta porque ha cousas que nada prestam, mas que valem.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro : - Eu acho que o que não vale, não presta.

O Orador: - Mas conservemos a tranquilidade que este projecto nos recommenda.

Sr. Presidente: vendo que accusavam este projecto d'esta maneira, entendi que devia vir á Camara explicar a razão por que o assignei e fazer a seu respeito algumas considerações.

Sr. Presidente: na nossa Constituição não se acha incluido o direito de associação. É muito possivel que isso acontecesse porque as associações que n'esse tempo existiam eram principalmente de caracter religioso, cujas tendencias, como é sabido, não eram sympathicas á nova situação. A Constituição não lhes quereria dar esta arma. O direito de associação, que é um direito originario, não estava reconhecido na lei e o seu exercicio estava regulado entre nós por leis obsoletas e antiquadas, até em contradição com o espirito do nova regimen.

Sabe a Camara o que regula entre nós o direito de associação?

Sabe-o decerto; mas quem o não souber pode ficar admirado, ao dizer-lhe que a associação n'este paiz não é um direito, é um crime.

A associação pela legislação actual constitue um crime.

Uma voz: - O que V. Exa. está dizendo é que é um crime.

O Orador:- O direito de associação é um crime e só por excepção é que os cidadãos d'este paiz se podem associar!

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. faz favor de tornar a repetir essa maravilha.

O Orador: - A prova do que acabo de expor á Camara está no artigo 282. do Codigo Penal que se exprime assim:

"Toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em secções de menor numero, que, sem preceder auctorização do Governo, com as condições que elle julgar conveniente, se reunir para tratar de assumptos religiosos, politicos, literarios ou de qualquer outra natureza, será dissolvida, e os que a dirigirem e administrarem serão punidos com a prisão de um a seis mezes. Os outros membros serão punidos com a prisão até um mez".

O direito actual é, pois, não poder haver associação de mais de vinte pessoas, para tratar de assumpto seja qual for, sem auctorização do Governo, e com as condições que este julgar convenientes, e os que o contrario fizerem praticam um crime.

Vinte e um cidadãos d'este para que se queiram associar, repito e insisto, seja para que fim for, se o Governo lhes não der a necessaria auctorização praticam um crime e teem que soffrer prisão de um a seis mezes!

O Sr. João Arroyo: - Segundo as considerações de S. Exa., até não existe Deus.

O Orador: - É o que está regulado pelo Codigo Penal.

Isto posto, o que faz este projecto simples e modesto?

Permitte a todos os cidadãos no gozo dos seus direitos civis reunirem-se para fins que forem conformes ás leis do reino, sem dependencia e auctorização do Governo. (Apoiados).

Portanto o que hoje é excepção passa a ser regra, e a associação já não é crime mas simples exercicio de um direito.

Aqui está o que faz este modesto projecto, que se pretende apresentar como não sendo liberal.

Eu pergunto á Camara qual será mais liberal, s$ a continuação da vigencia do artigo do Codigo Penal, como está, em que o direito de associação é um facto criminoso ou declarar-se que a associação é sempre exercicio de um direito ?

Contra factos não ha argumentos, (Apoiados) e a camara encontra-se em presença de um facto. Nada mais.

Mas, Sr. Presidente, será só o Codigo Penal que entre nós regulou o exercicio de direito de associação?

Não, Sr. Presidente.

Ha um outro diploma, e que tem to da a auctoridade para os illustres- impugnadores d'este projecto, porque d'elle todos teem a responsabilidade: o Sr. Hintze Ribeiro, o Sr. Julio de Vilhena e o Sr. João Arroyo.

É o decreto de 29 de março de 1890, que diz:

"Art. 4.° As sociedades, as associações e quaesquer corporações ou collectividades, que se desviem do fim conforme com as leis regulamentos, para que foram constituidas, ou se convertam em instrumentos de propaganda ou de acção para derrubar o systema monarchico representativo, fundado na Carta Constitucional e nos Actos Addicionaes, podem ser dissolvidas, ainda que tenham sido legaes os termos da sua constituição, quer tenham a denominação de "clubs", gremios, ou outra qualquer.

§ 1.° A dissolução terá sempre legar:

1.º Quando se profiram discursos, ou se leiam, distribuam ou estejam expostos á veada, á leitura ou á vista dos associados ou do publico, escriptos, impressos, desenhos, estampas ou gravuras, que envolvam offensa ao Rei, á Rainha, a qualquer membro da Familia Real, á constituição, aos poderes constituidos ou a qualquer corporação, pessoa ou classe de pessoas;

2.° Quando se provoque á rebellião, á sedição, á assuada, á resistencia, á desobediencia, ou a qualquer outro crime, ou a qualquer outra infracção da lei, decreto ou regulamento".

N'este decreto estão só assignadosos Dignos Pares Srs. Hintze Ribeiro e João Arroyo, é verdade, mas como esse decreto era um acto dictatorial teve de ser confirmado pelo chamado bill de indemnidade de 7 de agosto do mesmo anno, e n'esse que ainda - note-se - modificou aquella disposição está tambem assignado o Digno Par Sr. Julio de Vilhena que havia entrado para o Ministerio.

De maneira que as associações que, conforme um artigo do Codigo Penal,1 seriam dissolvidas quando tendo mais de 20 pessoas não se acharem auctorizadas pelo Governo, com as condições que elle julgar convenientes e os respectivos membros punidos com prisão, pelo decreto de 1890, ainda legalmente constituidas passavam a poder ser dissolvidas em muitos casos e designadamente deviam-no ser desde que estejam expostos á vista dos associados escriptos, impressos, desenhos, estampas ou gravuras que envolvam offensa a. . . qualquer pessoa !

É isto o que diz o decreto de 1890, por que são responsaveis os Dignos Pares que já referi.

Aqui está como foi regulado o direito de associação entre nós.

N'estes termos e fiel ao seu programma liberal propoz-se o Governo modificar esta situação e o partido progressista, affecto a todos os principios liberaes, não duvida dar o seu modesto voto a uma proposição de lei que acaba com semelhante anomalia.

Parece-me ter justificado assim porque logo á primeira vista na commissão de administração publica não tive duvida em assignar com os meus illustres collegas este projecto, que aliás eu desejaria fosse mais longe.

Mas, Sr. Presidente, vamos a ver se as razões que se apresentam contra semelhante projecto poderiam fazer nos mudar de opinião.

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Diz-se que este projecto pode fazer surgir novamente a questão religiosa; mas porque?

Allega-se que com elle approvado bem se poderá considerar derogado o decreto especial de 1901.

Ora, Sr. Presidente, eu não me vou occupar da questão religiosa, porque não está na tela da discussão.

Em tempos, na outra casa do Parlamento tive occasião de emittir a minha opinião acêrca do decreto de 1901, emanado do Governo de que era chefe o Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro.

Não volto, pois, ao assumpto.

O que eu não vejo porem, no projecto do Governo, é disposição alguma que possa collidir coca esse decreto, que, se diz, regula entre nós actualmente as congregações religiosas, como tambem não collide com outros diplomas a que estão subordinadas outras corporações.

E desde que tal collisão não existe, este projecto como lei geral que é não pode revogar esses diplomas especiaes.

Sr. Presidente: noto com admiração que, emquanto o Digno Par o Sr. Julio de Vilhena sustenta e apregoa que este projecto pode influir na existencia das associações religiosas, o Sr. João Arroyo contrariamente diz que por elle o direito de associação fica pertencendo unicamente aos clubs politicos!

Mas, Sr. Presidente, eu sempre ouvi dizer desde os meus tempos de estudante que as leis geraes não derogam as leis especiaes.

Logo as disposições d'este projecto não podem contrariar o que se acha preceituado com respeito ás associações religiosas.

Mas será esta uma questão nova?

O Sr. Presidente do Conselho, ao fazer este projecto de lei, fê-lo inspirado talvez no que acontecia em França.

Em Franca o direito de associação estava regulado pelo Codigo Penal.

A associação em França era pois, em regra, um crime, como em Portugal.

Promulgou se ali a lei de 1 de julho de 1901 sobre a associação.

Ora o commentador d'essa lei - La-place - notando que a lei não fez menção da manutenção de todas as leis anteriores escreve o seguinte:

"... .mas ha logar de applicar no caso a regra - generalia specialibus non derogant".

Disse o Digno Par o Sr. João Arrojo que pelo projecto o direito originario de associação fica pertencendo unicamente aos clubs politicos, que tudo o mais continua como está.

Direi ao Digno Par que ainda que assim fosse já não era pouco, porque, como disse o meu illustre amigo e relator d'este projecto o Sr. Teixeira de

Vasconcellos, melhor é que exista por lei o que até agora se permittia por tolerancia; mas a verdade é que o direito de associação fica igualmente pertencendo aos cidadãos para outros fins e designadamente para fins scientificos, literarios e artisticos.

D'aqui em deante para se constituirem as associações scientificas já não é preciso, como agora, auctorização do Governo.

As associações literarias, que hoje precisam de auctorização para se constituirem, passam a não precisar de ta] auctorização. O mesmo passa a succeder com as associações artisticas, como as coraes e com as de musica, e como outras de genero analogo.

Em nenhum paiz ha legislação associativa que não exclua certas sociedades de se poderem constituir sem auctorisação previa do Governo.

No nosso paiz houve um Ministerio que quiz passar por o mais liberal que ainda existiu entre nós, Ministerio de que foi alma o Digno Par, que não vejo presente, o Sr. Conselheiro José Dias Ferreira. Foi o Ministerio de 1870.

Ora esse Governo, querendo regular dictatorialmente o direito de associação, publicou o decreto que é o da 15 de julho de 1870, que diz:

"Todos os cidadãos que estiverem no gozo dos seus direitos civis e politicos podem constituir-se em associação para fins eleitoraes. literarios, artisticos, de sciencia, para fundarem montes de piedade ou montepios, independente de licença da auctoridade publica".

Assim por este decreto só havia liberdade de associação para estes fins, e para nenhum mais.

As associações politicas, as scientificas, e outras que aqui não se acham designadas, precisavam de auctorização previa para se constituirem.

E com respeito á necessidade de auctorização para certas associações, dizia o relatorio d'esse decreto:

"O Estado só intervem na formação das associações, cujo fim está essencialmente ligado com a ordem publica".

As Camaras ainda assim não sanccionaram este decreto, que é um dos poucos que não te e m .recebido bill de indemnidade, e esse o motivo por que não é hoje, lei do Estado.

Em conclusão: a legislação que hoje regula o direito de associação não permitte a mais de vinte pessoas associar-se para qualquer fim, sem previa auctorisação do Governo e mediante as condições que este possa conceder e manda dissolver as que assim se não constituirem, e por ultimo, prescreve a dissolução de qualquer associação legalmente constituida, todas as vezes que se desvie do seu fim, e ainda em muitos outros casos, quando, por exemplo, tenha á vista impressos que envolvam offensa a qualquer pessoa!

É á proposta d'este Governo, pela qual se procura reformar essa legislação que eu dou muito conscientemente e voluntariamente, o meu voto.

Isto posto, Sr. Presidente, tratando-se de uma questão sobre exercicio de direitos politicos, não ha que estranhar que se levante tambem a par d'ella a questão propriamente politica, ou, pelo menos, que se façam a tal respeito considerações de ordem politica.

Não é tambem estranhavel que, estando o partido progressista ao lado do Governo, haja tambem referencias a esta concentração liberal, que parece, não sei porque, ter o triste privilegia de agoniar muita gente. (Risos).

Eu continuo a sentir-me á vontade "dentro da concentração liberal.

O Sr. Francisco José Machado: - Tambem eu.

O Orador: - Preciso, porem, dizer quaes são as razões por que o Governo não desmereceu ainda no conceito que merecia ao formar-se esta concentração politica.

Citarei apenas alguns factos.

É innegavel que o actual Ministerio subiu ao poder por um movimento da opinião publica.

Já isso para mim é um grande merecimento. °

Tambem é facto que este Governa tem administrado prudente, moral e economicamente.

E tanto assim que, apesar da guerra tremenda que tem soffrido dos seus adversarios, ainda não ouvi accusar o Governo de quaesquer desperdicios ou escandalos.

Tem, pois, governado rectamente.

Emfim, tem governado com as Camaras.

O Governo, apesar das grandes agitações havidas no Parlamento, não recorreu a outro poder para se afastar das Camaras e antes tem procurada sempre trabalhar com o Parlamento.

Ora estes factos são incontestaveis.

Não ha duvida que o Governo conseguiu que uma grande parte da população d'este paiz indifferente á politica,, começasse a interessar-se pelas cousas publicas, e mostrou que era possivel dentro das instituições governar com moralidade, com liberdade e com economia. Se isto não são serviços para louvar, não sei quaes se possam exigir. O Governo tem procedido com toda a correcção, com a maxima moralidade. . .

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O Sr. Teixeira de Sousa: - O partido progressista, a que S. Exa. pertence, que lhe agradeça essas palavras.

O Orador: - Eu não dirimo aqui questões partidarias. Com o meu partido me entendo eu perfeitamente, fique V. Exa. descansado.

O Sr. João Arroyo: - Duvido que se entenda muito bem. V. Exa. nunca se entendeu com elle.

O Orador : - Pois tenho a dar-lhe a triste noticia de que se engana, e de que com os meus correlegionarios me entendo à merveille.

O Sr. João Arroyo : - No Io creo.

O Orador: - V. Exa. pode responder isso em hespanhol, mas se quizer falar em portuguez terá de dizer: acredito".

Sr. Presidente: é n'este momento que o Governo deve cair?

Se tal succedesse, digo-o sem rhetorica, seria, uma desgraça nacional, pois que o Governo ainda não cumpriu a parte mais importante do seu programma. Peço ao Sr. Presidente do Conselho que se apresse em trazer quanto antes ao Parlamento o seu plano financeiro e economico.

Repito, considero uma desgraça para o paiz, cair o Governo antes da apresentação d'aquelle seu plano.

Este projecto que se discute tem todos os inconvenientes segundo a opinião dos adversarios do Governo, mas o maior inconveniente que lhe encontrou o Digno Par e meu amigo o Sr. Julio de Vilhena, que eu estimo ver restituido aos debates parlamentares, é o de representar a fallencia do programma ministerial.

Não sei, como disse o meu amigo Sr. Teixeira de Vasconcellos, se ha credores que queiram abrir fallencia ao Governo. Quero crer que sim; e quero crer até que esses credores desejem usar da faculdade que lhes dá a lei commercial, de formar uma sociedade por quotas para explorar a massa fallida. (Risos).

A este respeito tambem com toda a convicção direi que não venho fazer prophecias, como as que foram feitas pelo Sr. Arroyo.

Para consolação minha e do proprio Sr. João Franco, lembrarei o proloquio: "Ninguem é propheta na sua.. . Camara".

Não se assustem. Aos que alimentam taes esperanças, direi, paraphraseando as palavras do grande Imperador com respeito á bala que o havia de matar:

"O Ministerio que ha de succeder a este ainda não está fundido".

Tenho dito.

(O orador foi muito cumprimentado por varios Dignos Pares e pelo Sr. Presidente do Conselho).

O Sr. José de Alpoim : - Se de leve suspeitasse que seria ao Sr. Beirão que elle, orador, se seguia, teria desistido da palavra. Só o soube á hora, no momento em que viu erguer o nobre leader progressista, sei: illustre e querido amigo.

O coração escurece-se-lhe de dor. Que tristeza! Ter de responder n alguem, a cujo lado combateu por tantos annos no velho e glorioso partido progressista, ter de responder a alguem que elle sempre teve na conta de apaixonado liberal e que vê agora defender um projecto, cujo alcance é conservador, cuja ideia não é conforme nem aos principios scientificos do moderno 'direito politico nem ás aspirações generosas de um espirito liberal! Mal supporia elle, orador, que lhe estava reservada essa infinita magua, porque nunca esquece os seus companheiros de poder e os seus companheiros de luta, e porque ama, o programai a antigo, avançadissimo e democratico do partido onde, por assim dizer, nasceu e se educou.

Como é que o Sr. Beirão comece u o seu discurso? Tão claro espirito, decerto contaminado pelo outro ramo penitente da colligação liberal, começou por dizer que nunca existira em Portugal o direito de associação! E ao mesmo tempo, instantes depois, citará as leis de 1870 e 1890, do Sr. Dias Ferreira e do Sr. Lopo Vaz, e referindo-se a leis que regiam determinadas associações, denominava as obsoletas e antiquadas! Se não existira nunca, como é que já havia sido regulada por leis?

Ao mesmo tempo que assim falava, encarecendo o espirito liberal do projecto, o Sr. Beirão dizia tambem que queria ainda mais. Se o queria, se o projecto o não satisfaz, como e que acha que elle realiza as aspirações liberaes, como se contenta com uma lei que é um farrapo dos seus ideaes - e como não assignou com declaração? Era o seu dever, como parlamentar e como liberal.

Disse o Digno Par o Sr. Beirão que a concentração liberal subira ao poder n'um movimento de opinião publica e que por elle se conserva.

Onde estivera esse movimento? A colligação fez-se só por causa, dos dissidentes: assim mesmo fôra dito, na Camara dos Deputados - tal e qual - por um progressista illustre.

Qual é o movimento de opinião publica que o sustenta agora? As representações assignadas, por pedidos de algumas auctoridades, em villas e cidades? E o movimento hostil que, só n'um dia, se accentuou em oito comicios republicanos em povoações importantissimas, onde, ha pouco mais de um anno, não existia um elemento avançado ?

E as manifestações do Porto? E os protestos da imprensa? Que é a opinião publica senão isso exactamente que se levanta contra o Governo?

Governa com as Camaras! Di-lo o Sr. Beirão. Parece uma censura, uma navalhada ao coração do partido progressista, que governou, nos ultimos mezes, contra as Camaras que dissolveu? Governa com a Camara dos Deputados? Governa, expulsando os Deputados republicanos pelas bayonetas, fazendo o que nunca se fez em Portugal.

E o Sr. Beirão, o ardente opposicionista do Sr. Presidente do Conselho, quando este ha annos, como Ministro do Reino quiz empregar a força por causa dos tumultos parlamentares, o Sr. Beirão applaude agora o que é contra as suas tradições, contra o seu passado? Governou com a Camara dos Pares ? Veja-se o que succedeu quando foi do incidente cãs cartas regias.

O Sr. Beirão, tão liberal e tão esclarecido, parece que se acha desvairado pelo contacto dos penitentes de hoje. O Governo não se furtou aos debates - diz elle..

Fizeram-no então os progressistas quando dissolveram as Côrtes, ha me nos de um anno? E é não se furtar aos debates a expulsão, pela força armada, de Deputados da nação?

Mostrou que se podia governar com moralidade e liberdade. Com moralidade - moralidade politica, entenda-se! - ahi - temos o caso dos empregados publicos e está no horizonte a famosa solução dos sanatorios da Madeira ... Com liberdade, ahi temos a prohibição de manifestações, ahi temos as leis de imprensa, de responsabilidade ministerial, ahi temos os acontecimentos do Porto, ahi temos a concordancia absoluta com os processos e vida politica da regeneração - processos que os dissidentes, como liberaes, nunca hão de adoptar ou seguir.

O Sr. Beirão disse que ainda não estava gerado o Governo que se succederia a este : nas que devia ser, esse Governo, uma sociedade por quotas para explorar o poder. Phrase infeliz! Não precisa de organizar-se essa sociedade por quotas: já o está: é a concentração liberal: cada um dos agrupamentos tem a sua lucta na exploração do poder : não precisa de vir outra. Esta phrase é tão infeliz, por parte do Sr. Beirão, como a de dizer que o Governo mostrou que se podia governar com moralidade e economia.

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SESSÃO N.° 18 DE 1 DE FEVEREIRO DE 1907 169

Parece que os outros partidos, não: parece que os progressistas não mostraram que se podia governar assim. Pois elle, em nome do seu passado e em nome da obra politica do partido progressista, acha que estas palavras não são justas e não as devia pronunciar quem, e com razão, occupa no velho e nobre partido um logar tão proeminente.

O Sr. João Arroyo: - O Sr. Presidente da Camara devia ter prohibido que o Sr. Beirão proferisse taes ex pressões.

O Sr. Teixeira de Sousa: - As retaliações foram dirigidas até aos seus protestos contra taes expressões.

O Orador: - Quando se organizou a concentração liberal, assombrou-se de que no seu programma não viessem consignadas as reformas de direito de reunião, das leis de associação e de imprensa.

Como conceber um Governo liberal e reformador sem olhar a este; tres grandes assumptos? "A liberdade" politica não se comprehende sem a liberdade de reunião e a liberdade da associação. As liberdades de associação; e de reunião, sob o ponto de vista poli tico e eleitoral, são seguramente, com a liberdade de imprensa, os que deram origem em todos os tempos ás revindicações mais ardentes e aos debatei mais apaixonados". São phrases de um publicista distincto e palavras profundamente verdadeiras!

Apesar d'isso, no programma fundamental de um Governo reformador, não appareceram essas tres reformas tão essenciaes a uma democracia.

Surgiram depois, como em logar secundario, á semelhança de accidentes eventuaes, as propostas de lei sobre a imprensa e sobre o direito de associa cão.

D'aquella já o Sr. Julio de Vilhena disse o que representava, como offensa aos principaes liberaes.

E disse-o n'um discurso que é scintillação dos antigos resplendores e energias parlamentares, hoje tão desbotadas e apagadas no Parlamento Portuguez.

E aproveita a occasião para dizer que elle, fervente admirador da obra de Joaquim Antonio de Aguiar sobre as corporações religiosas, se associa tambem á proposta do Sr. Julio de Vilhena. Do direito de associação vae-se tratar.

Por que não se occupa o Governo tambem do direito de reunião que, entre nós, está sujeito a vexações rigorosas da lei de 26 de julho de 1893, de 9 de dezembro de 1897, de 29 de dezembro de 1901 ? Por essas leis, o direito de reunião exerce-se por maneira que é necessaria participação previa á auctoridade : são impostas condições restrictivas aos promotores e presidentes das assembleias: pesam sobre elles faculdades policiaes: exercitar-se por maneira que são permittidos os congressos de classe dos empregados publicos somente em condições de verdadeira dependencia, do Governo e da auctoridade: e exercitar-se ainda por modo tal que o congresso d'esses honrados e nobres funccionarios do Estado, de uma missão grandemente educadora, os professores de instrucção primaria, não se celebra senão em condições vexatorias e deprimentes.

Pode isto continuar a ser? Pode o direito de reunião existir com todas as condições que hoje o rodeiam? Pensam os dissidentes que não. Se tivessem o poder ou n'elle influissem, seria uma das suas primeiras reformas.

A liberdade de reunião e a liberdade de associação andam inteiramente ligadas, comquanto tenham caracteristicas diversas, e que o Sr. Hintze Ribeiro, no seu admiravel discurso, já definiu.

Pela reunião gera-se ou fixa-se a ideia: pela imprensa, a ideia difunde-se, propaga-se: a associação dá-lhe movimento e imprime intensidade á acção.

Se bem se recorda, são estas quasi as phrases do grande publicista italiano Brunialti.

Os direitos de associação e de reunião teem sido tratados e regulados no mesmo diploma.

O Sr. Dias Ferreira, nos seus decretos animados de um espirito liberal, de 1870, cuidou n'um só documento de os definir e regulamentar.

Porque não se occupou o Sr. Presidente do Conselho d'este assumpto ? Faça-o. Mas cuidado ! Se tem de ser como o direito de associação, deixe que outros d'elle se occupem.

Limita se a dizer-lhe que o que existe em Portugal sobre o direito de reunião é contrario ao que se vae accentuando em todos os paizes liberaes. E elle, orador, como monarchico que deseja ver o throno rodeado de instituições democraticas e por ellas enaltecido, aponta ao Sr. Presidente do Concelho o projecto de lei sobre reuniões, que lhe parece ter sido approvado hontem na Camara dos Deputados Franceza.

São dois artigos. Se o Sr. Presidente do Conselho os quer ver, pode dar-lhe o numero do Le Petit Temps que ali tem.

No primeiro artigo diz se:

"Artigo 1.° As reuniões publicas, qualquer que seja o seu objecto, podem realizar-se sem declaração previa a toda a hora".

No artigo 2.° derogam se todas as leis em contrario.

Não ha nada mais simples; não ha nada mais liberal.

Como o Sr. Beirão é o paladino da colligação, aponta-lhe esta falta do liberal agrupamento. Ahi tem a opinião dos dissidentes. Não é conforme ás suas ideias democraticas ?

Antes de passar á discussão do direito de associação, o orador põe em relevo, perante a Camara, que se levantara a questão politica, se fizera um discurso politico, era por haver sido reptado a isso pelo Sr. Beirão, que fez um discurso quasi exclusivamente politico, e até com feição aggressiva.

Antes de terminar quer fazer um reparo.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos e o Sr. Beirão falaram por modo que parece ter sido derogada a lei relativa ás associações religiosas. Volta-se, pois, áquelle estado antigo que fez convulsionar a cidade do Porto? Teremos novas arremettidas clericaes? Tome cuidado o Governo ! Pelas declarações do Sr. Presidente do Conselho, a lei em preparação não deixa aberta ao renascimento das pretensões reaccionarias, não se dá faculdades para, directa ou indirectamente, as corporações religiosas, exercerem o seu dominio. Mas como se conciliam as suas declarações com as palavras do relator do projecto que - coisa assombrosa! - disse que o Sr. Julio de Vilhena não querendo as corporações religiosas, não era liberal? São as palavras com que, em toda a parte, os ultramontanos defendem as suas ideias. É em nome da defesa da liberdade que, em França, se combateu Waldeck - Rousseau e Combes e Clemenceau. É chamando licença á liberdade, e amaldiçoando-a, que os clericaes de Hespanha atacam a liberdade de cultos e aggridem instituições civis liberaes !

Quaes opiniões prevalecem na interpretração da lei? A opinião do relator ou a opinião do chefe do Governo ? Foi derogada a lei do Sr. Hintze, como diz o Sr. Beirão, ou está de pé, como diz o Sr. Presidente do Conselho? Defina se o assumpto, que é gravissimo. Lembremo-nos que a paz religiosa é o mais precioso dos bens.

Na proximo segunda feira tratará do direito de associação.

Vendo que está a dar a hora, pede que lhe seja reservada a palavra para a sessão seguinte.

(O Digno Par não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: -Vou dar a palavra ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, que a pediu para antes de se encerrar a sessão; mas lembro a S. Exa. a

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170 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ultima resolução da Camara a este respeito.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Sr. Presidente: eu pedi a palavra para explicações, em consequencia de uma phrase do Digno Par Sr. Beirão, mas como não sei a que ponto podem ir essas explicações, e como tenho de cumprir o meu dever, sejam quaes forem as consequencias que d'isso resultem, acho melhor que o Sr. Presidente consulte a Camara, e prometto desde já acatar qualquer resolução que seja tomada.

O Sr. Presidente : — Afigura se-me desnecessario consultar a Camara, desde o momento em que ella já tomou uma deliberação para estes casos.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Eu tenho que levantar uma phrase do Sr. Beirão. A Camara fica com a responsabilidade do seu procedimento, se me recusar o direito de usar da palavra.

O Sr. Presidente: — A Camara ouviu o requerimento do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro. Eu entendia que não havia necessidade de consultar a Camara, mas, como se trata de um caso especial, e o Digno Par insiste, não tenho duvida em annuir ao desejo do Digno Par.

Consultada a Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Sr. Presidente: já V. Exa. vê que eu sei observar as resoluções da Camara. Não as esqueço e nunca V. Exa. terá necessidade de me .chamar á ordem. O Digno Par Sr. Beirão, no seu discurso de hoje, disse que este Governo veiu mostrar que, dentro da Monarchia, ainda se podia governar com moralidade, com economia e com liberdade.

Tenho o direito de pedir explicações d'esta phrase.

A minha pergunta é: se essa phrase significa que só o actual Governo tem governado com moralidade?

O Sr. Francisco Beirão: Sr. Presidente : o que disse está dito ; e naturalmente está escripto.

O que eu disse foi que a concentração liberal estava ao lado do Governo, .porque elle tinha subido com a opinião publica, porque, tem governado com o Parlamento, e porque tem mostrado que dentro das instituições monarchicas se pode governar com moralidade, com economia e com liberdade..

Foi justo isto que eu disse ao Governo actual.

Agora, pelo que toca ás administrações passadas, já ás que combati, como áquellas que tive a honra de pertencer, a minha opinião deve estar exarada nos Annaes parlamentares. Eu nunca me recusei a dizer o que pensava da administração do Sr. Hintze Ribeiro.

Não tenho mais nada a dizer.

O Sr. Hintze Ribeiro : — Não discuto n'este momento a concentração liberal. Reservo-me para o fazer quando e onde julgar melhor e mais opportuno; mas creia o Digno Par que ha de .sentir, na sua consciencia, aliás tão illibada e tão pura, remorder-lhe alguma cousa que por certo o incommodará.

Quero agora apenas levantar uma phrase do Digno Par que me offendeu a ruim e ao meu partido. (Apoiados).

Nem S. Exa. nem ninguem tem o direito de dizer que os Governos anteriores a este não houvessem governado dentro da monarchia com moralidade, liberdade e economia. Não tem o direito de o dizer sem o provar e emquanto o não provar, e se não o provar, pela minha parte é que me assiste o direito de retorquir-lhe que S. Exa. falta á verdade.

O Sr. Dias Costa: — O Digno Par Sr. Beirão não disse o que S. Exa. attribue. Já se explicou.

O Orador: — Emquanto não provar o que disse, eu que tenho de defender os meus actos e justificar o meu partido, e por isso desde já affirmo que S. Exa. falta á verdade.

(O Digno Par nada reviu).

O Sr. Francisco Beirão: — Não vale a pena irritarmo-nos.

O Digno Par ha de lamentar as palavras que proferiu, porque não são proprias d'elle, nem de mim, nem d'esta assembleia.

Disse o Digno Par que tenciona provar que a concentração liberal ha remorder-me a consciencia.

Quando o Digno Par me provar isso e se eu tiver de repetir as affirmações que fiz contra as administrações anteriores, então ajustaremos contas.

O Sr. Presidente : — A ordem do dia para segunda feira, 4 do corrente, é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 1 de fevereiro de 1907

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles : Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Gouveia, de Pombal; Bispo - Conde de Coimbra; Condes : de Arnoso, de Bertiandos, do Cartaxo, de Margaride, de Paraty; Viscondes : de Athouguia de Monte - São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Veiga Beirão, Coelho de Campos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Jacinto Candido, D. João de Al arção, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Mello e Sousa, Avellar Machado, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Pedro de Araujo e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

F. ALVES PEREIRA.

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