10 ANNAES-DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
S. Exa. foi de tal maneira visado, e tantas vezes attingida a agremiação partidaria de que é chefe, que, certamente, este debate se não esgota sem que S. Exa. use da palavra.
Mas como o Digno Par já falou, uma vez, e não vi agora da sua parte a manifestação de querer occupar de novo a tribuna, creio que não pratico a menor incorrecção parlamentar usando da palavra na altura em que o faço.
Sr. Presidente: o Sr. Conselheiro Veiga Beirão apresentou breves declarações.
Disse que votava contra a proposta do Digno Par Sr. General Baracho e adduziu as razões que, no entender de S. Exa., abonam e justificam o seu procedimento, razões a que terei de reportar-me rio decorrer da minha oração.
Por agora, e desde já, quero referir-me a dois pontos do discurso de S. Exa. O
Sr. Conselheiro Veiga Beirão disse tambem que o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro fazia boas, e mantinha integras, todas as declarações que nesta Camara proferiu por occasião de se tratar dos adeantamentos á Casa Real.
Accentuou o Sr. Conselheiro Beirão que o chefe do partido progressista não retirava nem uma só palavra do que havia avançado.
Sr. Presidente: eu não falarei com a energia, com a vehemencia, direi mês mo com a virulencia que esta declara cão naturalmente provoca, porque não está presente o Sr. Conselheiro José Luciano de Castro; mas perguntarei á Camara como é que se podem conciliar as palavras que S. Exa. diz manter intactas, e sem a mais ténue modificação, com a declaração apresentada ultimamente á outra casa do Parlamento pelo actual Sr. Ministro da Fazenda? (Apoiados).
Oh! Sr. Presidente, diga-me V. Exa. diga-me a Camara, como se podem conciliar as palavras que acabamos de ouvir com as declarações do Sr. Espregueira, de que fez adeantamentos e, sobretudo, com a confissão, feita na outra casa do Parlamento, de que o Sr. José Luciano escrevera uma carta, existente na secretaria do Ministerio da Fazenda, mandando dar quantias importantes a uma pessoa da Familia Real, e dizendo que isso, depois, se legalizaria.
Este facto, verdadeiramente sem nome, verdadeiramente assombroso, merecia os mais duros commentarios, pelo facto em si, pelo desmentido ás primeiras affirmações do Sr. José Luciano. Não as faço, na ausencia do Sr. José Luciano.
Mas S. Exa., por honra sua, e por decoro do partido progressista, que em tempos de Loulé e Braamcamp não assistiu a taes acontecimentos, virá por certo brevemente a esta Camara defrontar-se com o actual Ministro da Fazenda.
Disse-o Sr. Beirão que esta questão se deve tratar com. toda a verdade, e como uma questão de administração.
A verdade é esconderem-se documentos, inventarem-se commissões para occultar a realidade, negarem-ss inqueritos; a verdade é occultarem-se os crimes contra o Thesouro, a responsabilidade dos quaes é dos partidos, arras lados á perdição e deshonra pela politica dos chefes, para esmagarem os elementos que os incommodavam, e adquirirem ou conservarem o poder, dando dinheiro á Coroa e offerecendo o á Casa Real, ou a pessoas que com ella estavam ligadas por laços de familia.
Este espectaculo dos rotativos condemna-os para sempre.
Qual é o chefe de Estado que daria o poder a gente assim compromettida com este passado, envolvida em taes suspeitas, e fazendo affirmações, como vou provar, que mostram que elles querem continuar a adular a Coroa e a especular com ella?
Que deshonra politica, Sr. Presidente, que deshonra politica para esses homens e que vergonha para o país!
Um Ministro da Fazenda dia no Parlamento, que fez adeantamentos á Casa Real, quando o seu chefe tinha aqui já declarado o contrario.
E querem agora envolver o Rei nesta questão.
Não, Sr. Presidente, essa bem intencionada criança não pode nem ceve ser envolvida nas manigancias com que se pretende liquidar a questão de s adeantamentos.
Sr. Presidente: separem-se as duas questões.
Dê-se a El-Rei tudo quanto elle precise dentro dos recursos do país, para o decoro da sua alta magistratura.
Mas separe-se a questão da lista civil da questão dos adeantamentos.
Por motivos urgentes de familia tive que me ausentar de Lisboa por algum tempo e senti profunda pena de não ter podido ouvir o discurso do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, orador de grande eloquencia de palavra e subtilissimo engenho na argumentação.
Eu, porem, estou em completo desacordo com as affirmações do Digno Par.
S. Exa. sustentou doutrinas que, se fossem verdadeiras, seriam o threno funebre, o De profundis da monarchia em Portugal.
Sr. Presidente: eu sou monarchico; não subiria as escadas do Paço Real, se o não fosse. Mas com uma monarchia como a dos dezoito meses do Sr. João Franco, eu e os meus amigos somos incompativeis; não a defenderemos, ' não a serviremos.
Tres vezes tive a honra de ser recebido, particularmente, por o joven Soberano, que, nos seus actos, parece querer imitar esse outro pobre Monarcha D. Pedro V, tão prematuramente chamado á sepultura, e que comprehendeu, como nenhum outro, a sua difficilima missão.
Não disse, nem direi, ao Soberano uma palavra que não seja igual ás que pronuncie na, Camara em que me encontro. Sim sou monarchico, mas profundamente radical. Quero uma monarchia como a da Italia.
Sei, e li nos jornaes, que sou accusado de, na questão dos adeantamentos, estar ligado e entendido com os republicanos.
Falsissimo. Nenhuma combinação.
Não teria duvida em a fazer, com republicanos ou reaccionarios, na defesa dos interesses da patria.
Em tudo que seja defender a liberdade, quando esta for opprimida e esmagada, não tenho duvida em ligar-me com os republicanos. Ha o exemplo recente de Espanha, a união de Montero Rios, Moret, Canalejas, com os republicanos, e até elementos socialistas, no ataque á proposta da lei de terrorismo.
Esses homens são fieis amigos do Rei, e valem mais que os chefes dos nossos partidos.
Mas a verdade é que, na questão dos adeantamentos, não temos nenhuma ligação, nenhum entendimento. E que houvesse? Não ha: mas que autoridade moral teriam os rotativos para censurar os dissidentes, se tal fizessem?
Vou lembrar factos.
Os progressistas ligaram-se, eleitoralmente e extra-eleitoralmente, com os republicanos, nos tempos de Fernando Palha e Emygdio Navarro, que, nesse tempo, era hostil a tal alliança e entendimento.
Defendeu-a o Sr. José Luciano. Na coligação liberal contra o Governo Hintze Franco, houve reuniões no centro progressista, com republicanos, progressistas e outros elementos. Fui a essas reuniões, e a uma d'ellas, chamou o republicano Eduardo de Abreu: assembleia de açafatas.
Em casa do Sr. José Luciano reuniram-se varias vezes progressistas e representantes dos republicanos.
Não se tratou só de meios pacificos: posso assegurar, e até poderia contar episodios curiosos e interessantes. Invocou-se a necessidade de processos violentos, de forca, contra esse Governo.
Em 18 de junho, Hintze Ribeiro pediu-me que alcançasse uma conferencia entre pessoas graduadas da regeneração e Bernardino Machado. Houve essa conferencia. No centro regenerador, deu-se um conflicto qua-