6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
parte a responsabilidade dos homens que nada sabiam.
Vamos á primeira parte.
Sr. Presidente: a maneira de ser dos Ministerios portugueses, ha mais de uma duzia de annos para cá, não é segredo para ninguem.
A organização dos Gabinetes nos ultimos tempos tem-se adulterado, principalmente depois que o poder pessoal do Chefe do Estado se começou a manifestar.
Aconteceu relativamente aos Governos o que não podia deixar de acontecer, como consequencia de uma insistente perturbação organica.
Apenas tem havido um Ministro — o Presidente do Conselho; os outros occupavam um logar secundario, assim como Sub-Secretarios de Estado, e esses ignoravam a maior parte dos negocios.
O Presidente do Conselho assumiu, por assim dizer, o caracter de um Gran-Vizir.
Eu estou certo que se me voltasse para os meus illustres collegas que occuparam qualquer logar nos Conselhos da Coroa, com excepção dos de Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda, e lhes perguntasse o que sabem, elles me diriam que não sabiam nada, visto os negocios se liquidarem secretamente entre o Ministro da Fazenda e o respectivo Gran-Vizir.
Ataca-se o Sr. Espregueira, e muito bem, porque foi Ministro da Fazenda; mas a sua responsabilidade é igual á do seu Presidente do Conselho.
E onde é que está o Sr. José Luciano?
S. Exa., felizmente, goza neste momento de um estado de saude muito superior áquelle que gozava anteriormente. O Sr. José Luciano passeia nas alcatifas do Paço, e de vez em quando nas hypothecarias salas do Credito Predial.
Por que não vem S. Exa. aqui? Porque não temos a satisfação de o ver nesta casa?
S. Exa. oppôs o mais terminante, formal e categorico desmentido, relativamente a adeantamentos reaes. Não disse S. Exa. s d'ali (indicando a cadeira onde o Sr. José Luciano de Castro costuma sentar-se) que nenhuma pessoa da Familia Real se lhe tinha dirigido a pedir adeantamentos?
E não foi ainda ha poucas horas que um membro progressista do Governo disse, perante a Camara dos Senhores Deputados, precisamente o contrario?
Que nação é esta! Que pequenos nós somos, Sr. Presidente! Que vergonha saber que ainda ha partido progressista!
Onde está o seu chefe?
Ali, de onde falou, não está; ninguem ali o vê.
O Sr José Luciano está em sua casa como uma especie de divindade, que despede os seus raios sobra o nosso orbe politico.
Confesso que quando vejo ás vezes entrar o Sr. Francisco José Machado, supponho que elle acaba de descer, no seu passo grave, a Calçada da Estrella, e que vem com as faces luzentes de uncção divina. (Risos).
É quando entra por aquella porta dentro o meu illustre amigo Sr. Beirão, para vir lançar nas leis a sciencia da salvação d’este país, pergunto: «Mas que vae elle dizer? Que vae desentranhar? Virá dizer, como Mirabeau, que nunca mais quer isto, nem aquillo, nem aquell’outro?» A Camara lembra-se do que S. Exa. nos disse uma vez sobre autorizações parlamentares. Virá dizer cousas semelhante? Virá acrescentar alguma clausula áquelle celebre programma da Granja? Virá pronunciar as palavras propheticas que acaba da ouvir a Budha-Castro? (Riso).
O Sr. José Luciano é um parlamentar que tem visto e entrado em muitas batalhas da tribuna.
Porque não vem então aqui?
Será por menos consideração pela Camara? Não o quero crer.
Porque será então?
Será por desconhecimento do assunto que tem a versar?
Tambem não.
Então porque é?
Sr. Presidente: é a força dois factos, é a situação inilludivel da verdade que d'aqui o afasta.
Que é, Sr. Presidente? É o que está carregado de evidencia.
É que o Sr. José Luciano de Castro reconhece que não pode entrar nesta sala, aproximar-se da sua cadeira e pedir a palavra, sem se desmentir a si proprio, sem reduzir a nade, as palavras provocadas por mim em novembro de 1906.
S. Exa. sabe que, no dia em que vier aqui e fizer isso, morre officialmente o partido progressista, que elle ainda pretende salvar com quaesquer panaceias politicas de occasião.
Procederá S. Exa. d'esta forma, porque assim o indica o commodisno politico, a conveniencia do partido progressista?
Mas podem os illustres memores do partido progressista ficar convictos de que, qualquer que seja o seu procedimento, esse partido está inutilizado para o poder, sob pena de amanhã, aqui, nesta tribuna parlamentar, ou na Camara dos Senhores Deputados, haver o direito de qualquer membro opposicionista duvidar da palavra d’aquelles que estão no poder, o que é o maior ultraje que se pode fazer a homens que se sentam naquellas cadeiras. (Indicando as do Governo).
O Sr. José Luciano não vem?
Façamos nós uma cousa Vamos todos a casa do Sr. José Luciano. (Riso).
Sim, vamos lá todos.
O Sr. José Luciano tem uma casa ampla. Essa casa, que já tive a honra de visitar, possue condições adequadas aos ecos das discussões politicas e dos assuntos parlamentares.
Porque não vamos todos lá? (Riso).
O Sr. José Luciano de Castro é um verdadeiro fidalgo a receber os seus hospedes.
Porque não vamos lá todos?
Se algum dos meus illustres collegas se sentir indeciso ou confuso, eu peço ao Sr. Eduardo José Coelho que nos acompanhe, porque elle conhece o sitio e já naquelle logar as tem dito boas e bonitas. (Hilaridade).
Agora, Sr. Presidente, volto-me para o lado dos regeneradores.
O Sr. Julio de Vilhena, na primeira parte do seu discurso, mostrou qual o apoio politico que está disposto a conceder ao Governo; na segunda parte, mudou de scopo, coroo dizem os italianos, e procurou resalvar a situação dos regeneradores, em materia de adeantamentos, pela extensão que uma palavra poderia ter dado ás declarações feitas por Hintze Ribeiro.
Ora vamos lá: o Sr. Julio de Vilhena, investigando as chronicas parlamentares, tonou os Summarios d'esta Camara, relativos a 1906; mas não teve o cuidado de confrontá-los com os respectivos Annaes.
A Camara já de estar lembrada de que foi em 19 de novembro d'esse anno que chamei a contas os chefes politicos, e pretendi conhecer a sua situação pelo que respeitava á responsabilidade dos adeantamentos.
A resposta de Hintze Ribeiro — que só foi dada, como a do Sr. José Luciano, quarenta e oito horas depois — incluiu esta declaração: «Tem havido despesas alem das que são consignadas estrictamente á dotação da Familia Real. Essas despesas dizem principalmente respeito á representação do país e ás obras nos palacios reaes».
Confessou e Sr. Julio de Vilhena, com a hombridade politica e parlamentar que lhe é propria, que do discurso do extincto chefe do partido regenerador não lhe ficara a impressão de que S. Exa. houvesse declarado que não fizera adeantamentos á Casa Real.
Ao adverbio principalmente ia o Digno Par Sr. Julio de Vilhena buscar a justificação da sua maneira de ver.
Eu ouvi Hintze Ribeiro com a maior attenção, não só pela consideração devida á sua alta figura parlamentar e politica, mas ainda pelo interesse especial que o assunto em questão despertava.