SESSÃO N.° 18 DE 19 DE JUNHO DE 1908 7
Hintze Ribeiro falou depois de ter falado o Sr. José Luciano de Castro.
Foi no dia em que eu os chamei a terreno? Não.
A existencia de adeantamentos á Casa Real não foi revelada pelo Sr. João Franco nesta casa, mas sim na Camara dos Senhores Deputados.
Tendo eu conhecimento do facto, em 19 de novembro de 1906 interpellei directamente o Governo e, esperando que o Sr. Presidente do Conselho se furtaria a dar esclarecimentos sobre o assunto, já nesse discurso pedia a intervenção dos chefes politicos.
Isto consta dos Annaes da nossa Camara.
Nenhum d'aquelles chefes se levantou, mas quarenta e oito horas depois, quando passado o tempo necessario para uma attenta reflexão de palavra e para uma cuidadosa exposição de opiniões, vindo a esta casa tratar novamente da questão para preencher as deficiencias do discurso do Presidente do Conselho, quarenta e oito horas depois, repito, após o tempo necessario para reflectirem com prudencia, falaram Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro.
Devo dizer que as palavras do Sr. José Luciano de Castro foram mais nitidas, mais claras, do que as de Hintze Ribeiro.
Eu tenho aqui as declarações de ambos.
Recordemos o que disse o Sr. José Luciano:
«Tem a declarar que nunca, como Presidente do Conselho, lhe foi pedido qualquer adeantamento sobre a dotação do Augusto Chefe do Estado. Nunca lhe fizeram tal pedido, nem á nenhum dos Ministros das situações de que fez parte.
Esta declaração é absolutamente categorica».
Hintze, não empregou a formula — Não fiz isto — que o Sr. José Luciano de Castro empregou.
Hintze, na sua exposição, não disse o que não fez, disse o que fez, referiu-se a despesas de representação — viagens regias, recepções — e a obras nos paços reaes.
Depois que os chefes de partido falaram, levantei-me para acarear as suas declarações com as do Presidente do Conselho.
Tendo eu resumido o que Hintze Ribeiro declarara, elle, que estava presente, elle, que ouvira o que eu dissera, elle que possuia vastissimos dotes parlamentares e cujos expedientes de momento eram por todos nós apreciados, elle não se levantou para replicar-me.
Mas ha mais, passadas algumas horas, publicava-se o Summario das sessões d'esta casa, e eu, encontrando nelle, justamente no ponto da declaração de Hintze, a palavra—principalmente — julguei que tivesse sido erradamente estenographada pelos tachygraphos d'esta casa, aos quaes, aliás, não queria deixar de prestar homenagem como honestos e intelligentes trabalhadores que são.
Comtudo, como eu tinha as minhas relações cortadas com Hintze Ribeiro, não fiz chegar ao seu conhecimento qualquer duvida a este respeito.
Sabe V. Exa. o que aconteceu?
O adverbio — principalmente — que não tinha sido proferido, não appareceu depois nos Annaes, apparecera apenas no Summario, e Hintze Ribeiro, corajoso e brioso parlamentar, como poucos, de forma alguma pôs em duvida a suppressão feita nos Annaes.
Mas ha só isto?
Não, posteriormente, na sessão de 30 de novembro de 1906, eu novamente interpellei o então Presidente do Conselho sobre a absoluta contradição que existia entre as suas declarações e as dos dois chefes politicos.
Hintze Ribeiro, que falou nessa sessão e que me ouvira mais de uma vez notar aquella contradição flagrante, Hintze Ribeiro nem uma só das minhas palavras pôs em duvida.
Ainda assim, Sr. Presidente, na questão dos adeantamentos á Casa Real, o partido regenerador não se acha tão encurralado numa situação difficil como o partido progressista.
É peor, muito peor a situação em que se encontra o Sr. José Luciano de Castro, em vista da recente declaração do Sr. Ministro da Fazenda.
Pelas declarações de Hintze Ribeiro vê-se que existiram adeantamentos para despesas por elle mencionadas.
O Sr. Julio de Vilhena tem talento para muito mais na defesa do partido regenerador; não precisava de recorrer ao sofisma do adverbio «principalmente» quando as declarações de Hintze Ribeiro, confrontadas com o texto dos Annaes ficam sendo claras a respeito da especie de adeantamentos que fizera.
Sr. Presidente: ha ainda na questão dos adeantamentos outro ponto, no qual não posso deixar de tocar.
Refiro-me á carta attribuida ao Sr. José Luciano de Castro e escrita ao Sr. Espregueira.
Sr. Presidente: vae saindo certo tudo o que eu profetizara. A questão vae seguindo os seus termos, e luz completa terá que fazer-se, da a quem doer.
Era o que eu previa na sessão de 21 de novembro, quando dizia, neste mesmo logar:
«... não imagine o Governo, nem ninguem, que quaesquer violencias ou quaesquer esquecimentos dos principies sacrosantos do processo parlamentar farão sustar a
onda de indignação contra as sombras que envolvem as palavras do Sr. Presidente do Conselho acêrca dos adeantamentos á Casa Real O país não tolerará essa situação extraordinaria em que a Coroa é arrastada aos pés do poder responsavel.
Não! Isso não succederá, qualquer que seja a teimosia do Sr. Presidente do Conselho; o movimento seguirá o seu curso e só terminará no dia em que, sobre o assunto, luz completa se fizer».
Ha uma carta, diz-se, do Sr. José Luciano ao Sr. Espregueira.
Essa carta virá; todos os documentos hão de vir.
(Interrupção do Digno Par Sr. Baracho, que, não se ouviu na mesa dos tachygraphos).
Diz-me agora o Digno Par Sr. Baracho que acaba de ser feita na outra Camara a declaração de que essa carta existe.
Se existe, como parece pela informação do Digno Par, ella virá ainda mais uma vez demonstrar que, relativamente á questão dos adeantamentos, tudo é permittido no sentido de serem apuradas as responsabilidades que a cada um pertencerem.
Todas as espertezas de táctica, todas as maningancias de palavra, empregadas para occultar a verdade, tudo ha de cair por terra, como por terra caiu tudo quanto se fez para sustentar a concessão dos tabacos á Companhia.
Ha de tudo cair.
Lembram-se V. Exas. de quando do alto d’esta tribuna eu clamava ao Sr. José Luciano de Castro: V. Exa. não faça ainda o contrato, não o faça emquanto não houver um concurso, ou V. Exa. cairá com elle.
E assim succedeu, porque caiu não sei quantas vezes com a questão dos tabacos, menos a Companhia.
Com a questão dos adeantamentos ha de succeder a mesma cousa, mas isso fica para a parte final de meu discurso.
Já me referi aos homens que não sabiam e aos que sabiam; agora vou referir-me áquelles que não sabiam, mas ficaram sabendo de uma certa data em deante.
Quanto a esses, entendo que desde que souberam e defenderam os factos consummados ficaram ligados á inteira responsabilidade dos autores d'esses factos.
Se os membros de um partido, depois de praticarem ou conhecerem um acto, pretenderem occutá-lo, não podem eximir-se á responsabilidade d'elle.
Quem apoia um partido ou um Governo, e naquellas circunstancias lhe não retira o apoio, mantem uma solidariedade, que estabelece responsabilidades communs.