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Eu creio, sr. presidente, que em boa fé ninguem póde sustentar que tal manifestação seja um certificado, portanto escusado é haver demora em sustentar que não existe o certificado, deixo á intelligencia e probidade dos dignos pares o decidirem se é certificado! E que diz o artigo 51.° do regulamento de 30 de setembro de 1856 (leu.)

Onde esta tambem aqui(a reclamação? Pois os dignos pares não sabem, não sabe todo o militar que a reclamação é quando ha motivo de queixa, quando se faz uma injustiça, ou se suppoz feita, ou que existe qualquer determinação a respeito de um ou mais militares, o se reclama contra essa resolução? Esta é porventura a especie em que estamos? Não é por certo, e assim eu estou de accordo com o digno par o sr. Ferrão, emquanto nos diz que cada um entende a legislação a seu modo; é quanto me basta para eu poder sustentar que não esta comprehendida a manifestação nas disposições da ordem do dia, ainda que o digno par o sr. Ferrão quiz fazer uma distincção de jurisprudencia com a disposição do codigo penal, que não julgou applicavel ao caso de que tratamos.

Do codigo penal vou eu agora ler o artigo 18.°, ainda que não foi esse o que o digno par citou (leu).

Sr. presidente, póde haver maior pena para um ministro da corôa do que a censura que formula o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho? Eu creio que não; e que por isso não se poderá a ella fazer applicação de disposiçoes penaes por analogia ou inducção. Poucas palavras mais direi, porque não quero tomar tempo á camara; não é esse o meu costume, não sei fazer longos discursos, nem a minha fraca saude o permitte. Assim eu lembro sómente aos dignos pares que extranham que o ministro se não conformasse com a consulta, que isso é contra todo o direito; as consultas são sempre dependentes da approvação do governo; sempre que a lei que as estabeleceu não tem clausula em contrario (apoiados); é necessario que a clausula seja expressa (apoiados). Que dizem os artigos d'este regulamento o 7.°, o 2.° e o 10.°? (Leu-os.)

Isto é a sancção de todas as praticas, e mesmo nas consultas do supremo tribunal de justiça, a quo o digno par o sr. Ferrão se referiu, a lei tem determinado a consulta de tres juizes, póde o governo escolher d'estes o que quizer; mesmo nas consultas sobre aposentações, se o tribunal consultar com vantagens, que não estão na lei, quem dirá que o governo não póde, n'este caso, decidir a consulta nos termos precisos da lei? Conseguintemente não restringindo o decreto, esta para mim claro, que o ministro podia, nos casos de que se trata, decidir a consulta como o fez.

Não discuto agora sobre o decreto de 2 de outubro do 1863, porque a A camara o viu passar desde outubro de 1863, o nunca se lembrou de o impugnar. -Ora se esse decreto autorisava o sr. ministro da guerra de então a fazer um regulamento, não podia o ministro seguinte fazer outro derogando aquelle? Parece-me que isto esta justamente, e deveras nos termos de se dizer que em jurisprudencia cada um toma a seu modo o que quer.

Ora como se fallou em que o sr. ministro da guerra devia demittir ou suspender aquelle militar, só pela rasão de se ter elle mesmo imposto suspeição para o exercicio das funcções legislativas, direi que, se o sr. ministro tal fizesse praticava uma arbitrariedade, porque não haviam circumstancias que podessem tornar legal esse procedimento.

O que eu sinto é que esta questão se trouxesse aqui no momento em que esse official chamava ante o poder judicial o accusador, pois é para sentir que assim se possa dizer que houve intenção de por alguma fórma se ir influir em juizo. Tenho explicado a rasão do meu voto nada mais digo.

O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): — É unicamente para dizer que me reservo para responder ao sr. Vellez Caldeira, quando tomar a palavra no logar que me competir.

O sr. Conde de Mello: — Sr. presidente, pouco tenho a dizer depois do que acabâmos de ouvir ao digno par o sr. Ferrão, com cujas opiniões em grande parte me conformo, e porque a respeito de representações, reclamações, certificados ou manifestações eu tambem já expuz a minha opinião quando usei da palavra em uma das ultimas sessões, se bem que o fiz succintamente, visto que então esse ponto não comportava uma discussão tão larga como agora é mister que tenha depois que usou da palavra o digno par o sr. Moraes de Carvalho. Apontei então os inconvenientes que de se permittirem taes manifestações haviam de resultar, e de passagem alludi a um facto que se passara commigo, para mostrar como se devem reputar pouco espontaneas taes manifestações, debaixo de qualquer fórma ou caracter que se lhes dê, e nisso parece-me ver accordes quasi todos os dignos pares (apoiados).

Sr. presidente, não quero cansar a camara repetindo menos bem do que o disse o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, como é facil voltar a defeza contra aquelles que sustentam ser conforme e regular este procedimento. Já indiquei e novamente indico ao illustre ministro da guerra as prescripções que contém aquella ordem do dia que tanto se tem aqui citado, e que s. ex.ª deve seguir como bom exemplo deixado por um dos bons organisadores de exercitos, e por certo o melhor que temos tido, o marechal Beresford, ao qual deveu o exercito portuguez o boa fama que ganhou na Europa. E sabe a camara porque tanto louvor merece? Porque marchou de triumphos em triumphos desde as linhas de Torres Vedras até pisar terras de França? Foi porque esse general soube não só estabelecer os mais solidos principios de disciplina, mas faze-los executar. A esta disciplina, a estes feitos brilhantes fez inteira justiça o marechal Soult, dirigindo-se a lord Wellington em uma reunião de generaes que houve em París depois da guerra.

Julguei, sr. presidente, não ter nada mais a dizer, porém hoje não posso ficar silencioso depois da insistencia com que se pretende defender um acto que eu não posso de maneira nenhuma approvar: não me incita o desejo de me fazer ouvir, sei que não sou orador, mas com a franqueza e lealdade de soldado cumprirei mais largamente o meu dever dizendo novamente a minha opinião, não só com general, mas como membro de um tribunal superior que tem por principal missão, o fazer manter as leis da disciplina, e inflingir castigos aos que dellas se apartam. Sinto que as poucas rasões que aqui expendi não convencessem a todos, e que fossem combatidas pelo digno par o sr. Moraes de Carvalho respondendo aos dignos, pares Sebastião José de Carvalho e Marquez de Vallada. E me pois forçoso responder a s. ex.ª.

Sr. presidente, o digno par a quem me refiro não só santificou estas manifestações a que chamou felicitações, mas disse que fazendo-as os officiaes de artilheria 4, tinham cumprido um dever, porque, disse s. ex.ª, que tendo-se propalado pela imprensa que elles queriam representar contra o seu commandante era do seu dever responder por aquelle modo.

Sr. presidente, é sobre este ponto que eu vou entreter por breves momentos a camara, bem como com uma rapida analyse da manifestação daquelles officiaes, pedindo á camara a mesma benevolencia que me concedeu na outra sessão (apoiados).

Sr. presidente, o digno par, o sr. Ferrão, disse que cada jurisconsulto entende o direito a seu modo, mais facilmente espero eu que se me conceda ter uma opinião sobre este objecto diversa do que têem os que me combatem.

Sr. presidente, aos boatos que propalou a imprensa não tinham os officiaes de artilheria outra resposta a dar senão mostrarem que sabiam cumprir o seu dever, obedecendo ao commandante que o governo lhes dera; assim esse boato desvanecia-se, e a disciplina seria mantida.

Sr. presidente, talvez eu esteja em erro, mas é minha opinião que reconhecendo-se aos inferiores o direito de julgarem das qualidades -.de seus superiores apreciando-os em bem, garantido lhes -fica logo o direito de os apreciarem menos favoravelmente.

Mas, sr. presidente, eu nem preciso esperar para mais tarde para ter que notar esta contravenção de todas as regras de disciplina, não só decretadas no nosso paiz, mas em todos os exercitos do mundo; é a mesma manifestação dos officiaes de artilheria que apresenta estes inconvenientes.

Eu vejo n'esta manifestação, elogio, censura, e tambem um programma; o programma esta aqui (leu.)

Eu quasi que repito o que têem dito outros oradores, mas não posso deixar de o fazer para explicar as minhas idéas a este respeito. Vou ler a censura (leu.)

Eu entendo que este periodo contém uma censura, bem pouco incapotada, ao illustre general Baldy. O sr. Baldy: — Peço a palavra.

O Orador: — S. ex.ª verá que eu lhe faço toda a justiça que merece. S. ex.ª é dotado de todas as boas qualidades, é um distincto cavalheiro, o sabe que eu o conheço, e por isso ha muito tempo que lhe tributo respeito e consideração, entre essas boas qualidades avulta a da generosidade, foi esta generosidade que fez com que s. ex.ª não quizesse ver a censura que lhe rogavam, porque ella aos meus olhos não se apresenta incapotada, mas apenas coberta com um véu muito transparente, que bem deixa ver a censura a s. ex.ª -Censura immerecida, porque se o illustre general' não alcançou mais melhoramentos para a arma de artilheria, que tão dignamente commandava, é porque o governo não póde ou não quiz attender ás suas reclamações.

Mas o facto é que por não terem havido esses melhoramentos na arma de artilheria, dizem os signatarios da manifestação, esta ella no estado do marasmo, de que só os grandes dotes que possue o general Lobo d'Avila a podem tirar.

É por isso que eu disse que n'estas manifestações ha censuras, ha elogios que eu não contesto, e ha um programma. O programma é este (leu).

Ora tendo os officiaes de artilheria mencionado os grandes talentos e eminentes qualidades do general Lobo d’Avila, indicando-lhe o que desejam e dizendo que confiam que s. ex.ª fará, pareceme que mais o indigitam como futuro ministro da guerra, do que para seu commandante (apoiados). Deixarei isto de parte, e direi sómente o seguinte: Supponhamos que este general se acha collocado na mesma impossibilidade em que esteve o seu antecessor de poder satisfazer aos desejos dos seus subordinados, o que se segue, é que todas estas esperanças se desvanecerão, e então quem poderá negar a estes officiaes, ou a outros, o direito de o censurarem, e de voltarem os olhos para outro general, dizendo tambem que esse é o unico capaz de acabar com o marasmo em que esta a arma de artilheria? Será uma serie nunca interrompida de censuras e de elogios, censuras ao que não tiver podido fazer nada, e elogios ao que se espera que faça, mas juntando-lhe, já se sabe, um programma do que ha de fazer! Isto não póde ser. - De tal pratica resulta a aniquilação completa de todas as boas regras da disciplina, d'aqui o direito que se arrogam os inferiores de julgarem do merecimento dos seus superiores, d'aqui finalmente o supposto direito de censurar, prohibido por todos os regulamentos militares.

Julgará porventura a camara que eu estou vendo em negro o futuro, que invento cousas que nunca existirão? Pois não é assim, o mal já começa a sentir-se, a semente era boa, os fructos não tardarão a apparecer.

Veja a camara o que produziu a manifestação dos officiaes de artilheria n.° 4. O facto que vou relatar é posterior á data d'essa manifestação.

Todos sabem que a força armada portugueza se compõe do exercito de terra e de mar, e ainda que os serviços sejam differentes, as regras de disciplina são as mesmas, temos os mesmos artigos de guerra.

Vejo ali na sua cadeira o digno par visconde de Soares Franco, major general da armada, e peço a s. ex.ª que me corrija se eu não for exacto.

O commandante da corveta Infante D. João julgou dever prender um dos seus officiaes; os camaradas "d'este, quando elle foi solto, julgando-se offendidos por aquella prisão de um seu camarada, mas fazendo menos que os officiaes de artilheria, animados porém com o exemplo que elles lhes deram, pediram permissão ao seu commandante para irem á sua presença, e collectivamente lhe pediram que os mandasse desembarcar, visto que não estava contente com o seu serviço.

S. ex.ª teve conhecimento d'este facto, e como fiscal que é da disciplina, logo, no desempenho do seu dever, e honra lhe seja feita, mandou-os responder a um conselho de investigação.

Ouço dar a hora, mas como muito pouco me resta a dizer, peço á camara que me permitta concluir o meu discurso.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: - Pelo conselho de investigação conheceu-se que o crime d'estes officiaes não estava previsto no regulamento, e que por isso não havia castigo determinado.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Se o digno par me dá licença eu explico este facto. Effectivamente houve a prisão do official por não ter dado plena execução a uma ordem, e quando o commandante o mandou soltar, os outros officiaes foram pedir licença ao commandante para lhe fallar, o commandante deu a licença, então o official immediato, em seu nome e no de todos os mais disse: «visto não estar satisfeito o commandante com o seu serviço pediam licença para mudar de navio ou desembarcarem»; isto é uma cousa muito differente do que fazer felicitações, e tanto mais porque aquella corveta só esperava tempo proprio para levantar ferro.

O Orador: — Mas s. ex.ª zeloso da disciplina, como já disse, no desempenho dos seus deveres, como excellente official que é, ponderou ao seu respectivo ministro que, embora não houvesse pena estabelecida para um procedimento d'esta ordem, era mister não deixar sem correcção um acto tão contrario á disciplina e se mandassem reprehender aquelles officiaes. Em consequencia d'isto baixou uma portaria, e os officiaes de toda a divisão naval passaram a bordo da Estephania, que era o navio chefe, e ali lhes foi lida a portaria que reprehendia os officiaes da corveta Infante D. João.

Fez V. ex.ª muito bem. Porém se algum dos officiaes ali reprehendidos dissesse: faço parte da força armada, o exercito de terra tem os mesmos artigos de guerra que eu tenho, então porque sou eu reprehendido, por uma manifestação respeitosa, e os outros que as fazem para a imprensa, em outros termos, e para responder a boatos propalados, não são castigados?! O que se lhe havia de responder? Não sei; ou antes sei mas não o quero dizer.

Sr. presidente, na carreira militar ha deveres que não podem deixar de cumprir-se, é necessario que haja obediencia aos superiores, e que não se consinta que os inferiores se arroguem o direito de julgar da capacidade dos superiores, que o governo entende dever dar-lhes para os commandar. É necessario que os inferiores se lembrem que têem obrigação restricta de obedecer ás ordens que o commandante lhes dá, e quando essas ordens ferirem as leis militares e o seu decoro, obedeçam primeiro, e queixem-se depois da injustiça que lhes fizerem. Era cumprindo assim os seus deveres que os officiaes de artilheria deviam responder aos boatos da imprensa, o uso e abuso que se tem feito das chamadas felicitações já produziu os males que referi, maiores serão no futuro, se tal pratica continuar a ser não só tolerada, mas protegida.

Sr. presidente, ainda que o exercito não tivesse lei escripta, haviam os principios, o exemplo das outras nações, mas nós temos lei escripta para os militares, são as ordens do dia de 26 de julho de 1811, de 23 de julho de 1824, é a ordem do sr. duque da Terceira, e são as ordens de todos os generaes que têem commandado o exercito portuguez, ou têem sido ministros da guerra.

Sr. presidente, sem disciplina, teremos um agregado de homens armados, valentes sim, porque todos os portuguezes o são, mas não teremos exercito, e essa porção de homens armados a que queiram chamar exercito, não poderá seja na paz ou na guerra corresponder ao que a nação que o sustenta tem direito a esperar d'elle.

Como não quero cansar a camara, e abusar da sua benevolencia, vou concluir, pedindo novamente ao sr. ministro da guerra, e hoje ainda com maior instancia, que por bem da disciplina do exercito, faça com que as disposições que se contêem na ordem do exercito do marechal Beresford, e nas dos outros generaes que têem commandado o nosso exercito, sejam rigorosamente cumpridas.

O sr. Presidente: — Está levantada a sessão. Continua ámanhã a mesma ordem do dia.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de fevereiro de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro

Marquez de Alvito

Marquez de Ficalho

Marquez de Fronteira

Marquez de Niza

Conde de Alva

Conde d’Avila

Conde de Linhares

Conde da Louzã