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1. ° Não só mencionaram as igrejas, ordens e mosteiros, mas comprehenderam expressamente quaesquer corpos ãe mão morta.

2. ° Lhes permittiram a retenção de uma parte de domínio n'esses fyens, com tanto que os foros e laudemios não fossem superiores aos anteriormente estipulados, ficando assim modificada a execução do alvará de 1611.

3. ° Converteram os prasos vitalícios em perpétuos, para se evitar o perigo da consolidação, exceptuados comtudo os feitos em bens da fundação e dotação, mas prohibida sempre a mesma consolidação.

4. ° Prohibiram, que, pelos foros e laudemios de cursos, podessem em caso algum ser-lhes adjudicados os prédios onerados, mas somente arrendados pelo mesmo juizo da execução.

5. ° Permittiram aos individuos do clero secular, optar para si os prasos ecclesiasticos, com a clausula de os passarem por morte a pessoas leigas.

6. ° Mandaram applicar as leis das sesmarias ás igrejas, ordens e mosteiros que tomassem o mau partido de suspender nos emprasamentos dos terrenos incultos, que possuiam de antigos tempos, e de que costumavam fazer datas a titulo de aforamento.

Comtudo uma grande difficuldade havia a vencer quanto a futuras acquisições provenientes das ultimas vontades. O principio constantemente seguido, e fortemente arreigado nos costumes nacionaes, da inviolabilidade das disposições testamentárias, era uma fonte perenne de novas acquisições.

Não se achando estas prohibidas, antes expressamente resalvadas desde o assento em côríes de Coimbra, tomado em 1212, até ao disposto no § 2.° tit. xvm da ordenação do reino em vigor, salva a obrigação do alienar dentro de anno c dia; e sendo manifesto pela historia da execução, ou antes da inexecução, das leis repressivas da amortisação, que similhante condição havia sido por mil modos e pretextos constantemente illudida; introduziu-se nas leis do grande ministro um principio novo, qual o de se declararem nullas todas as disposições e convenções, causa mortis ou inter vivos, em que fosse instituida a alma por herdeira.

Em todas estas disposições especiaes para os corpos de mão morta de uma natureza ecclesiastica ou religiosa so não tiveram em vista os principios económicos em toda a sua extensão sobre a desamortisação em geral, como provam as leis da mesma epocha sobre as amortisações em morgado ou capella, a doação feita á universidade de Coimbra dos bens que haviam pertencido á extincta congregação dos jesuítas, e as favoráveis disposições que respeitam ás misericórdias e hospitaes.

N'esta situação se achavam as igrejas e mosteiros ao tempo em que o immortal libertador, o avô do nosso augusto monarcha, restaurou o reino das garras do despotismo e da usurpação; e as successivas reformas e providencias adoptadas para bem commum dos povos, e em parte como meio de guerra, durante a dictadura que exerceu, mudaram ou extinguiram completamente essa situação, por tal forma que hoje não restam ás igrejas e conventos não sup-primidos, mais que relíquias dos meios de que dispunham para manutenção do culto ou para desempenho dos deveres inherentes aos fins de seus institutos.

As fabricas acham-se ainda hoje sem meios de custear as suas respectivas despezas; as sacristias sem alfaias; os ministros do culto sem subsistência; os palácios dos bispos já não só não podem hospedar os grandes do reino, e menos os príncipes, mas nem a elles já correm os pobres a exigir a esmola que lhes era devida; os templos, uns ameaçam ruína, outros para ella caminham a passo largo se não forem quanto antes reparados; uma contribuição desigual, por isso mesmo que é voluntária, está pesando sobre uma parte dos cidadãos, acudindo por donativos, sempre insufficientes, para edificar ou reconstruir novas igrejas parochiaes; em muitas dioceses do reino os bispos estão sem cabido ou não têem cónegos que os acompanhem nos actos' solemnes do culto; quanto aos conventos de religiosas teriam muitos de ser fechados, e as freiras expulsas, por medida preventiva, para não serem, mais dia menos dia, esmagadas pelas paredes e abobadas seculares de seus ediècios, se o governo lhes nao tivesse acudido, como tem sido compativel com os escassos recursos de que tem podido dispor.

E na presença da legislação apontada e da situação des-cripta, que a commissão de fazenda foi forçada a estudar e examinar a proposta de lei, vinda da camará dos srs. deputados, tendo por objecto a desamortisação dos bens prediaes ou direitos immobiliarios que ainda forem actualmente possuidos pelas igrejas e conventos de religiosas; praticada por meio de subrogação por outros bens não ter-ritoriaes, mas estáveis e equiparados aos immoveis para os effeitos de outras amortisações, pelo mesmo meio, quer perpetuas quer temporárias, em conformidade com as leis em vigor.

A commissão, depois de terminar o seu exame retrospectivo, procurou elevar-se á altura do assumpto, contem-plando-o em todas as suas relações sociaes, religiosas, objectivas e subjectivas, de presente e de futuro.

Antes de tudo, a commissão viu diante de si a igreja, e logo depois os conventos de religiosas, nascidos da igreja; que para ella vivem, e que no espirito da sua moral, como asylo, como instrucção, como exemplo das virtudes chris-tãs, especialmente as de amor e dedicação á humanidade afflicta, devem continuar a existir.

A commissão, vendo a igreja, não podia deixar de sentir, e n'este sentimento a impressão da electricidade moral que affecta e deve affectar profundamente os representantes da nação portugueza, eminentemente catholica apostólica romana.

Inútil foi á commisão a pressão, que podia fazer sobre seu espirito, ver na igreja lusitana uma pedra angular do nosso edifício social, segundo a expressa disposição da lei fundamental do estado, que esta camará jurou manter illesa.

A carta constitucional não fez n'isto mais que homologar um facto preexistente, inseparável da vida moral e politica da sociedade portugueza; e assim, se é certo que a igreja está -no estado, não é menos certo que o estado está na igreja.

Comtudo, com quanto a igreja e o estado sejam em Portugal uma e mesma pessoa moral, quando circumseripta aos limites do território portuguez, a commissão não podia deixar, transpondo esses limites, de ver também na igreja lusitana uma pessoa moral distincta, como fracção da igreja universal, e assim de ver n'ella a parte de um todo, cujo chefe visível na terra é o successôr de S. Pedro.

A commissão, fiel interprete dos sentimentos e deveres religiosos da camará dos dignos pares, não podia deixar de so compenetrar, assim do mais profundo respeito para com o pae commum dos fieis, como da firme intenção de não invadir de modo algum, nas providencias que tinha a considerar, não só as attribuições do poder meramente espiritual, mas nem mesmo as que o summo pontifice ou os príncipes diocesanos da igreja lusitana costumam exercer em matérias disciplinares.

A commissão porém não podia assim prestar homenagem ao dever religioso sem deixar de ter constantemente presente o dever social. Cumpriu n'isto mesmo o preceito que lhe manda dar a Deus o que é de Deus, a Cesar o que é de Cesar.

Se a igreja lusitana se identifica em espirito com a nação portugueza, não podo esta manifestar senão uma só vontade, a qual, assim como não pôde moralmente ser rebelde aos dictames do evangelho, também não pôde sor repugnante aos interesses sociaes.

Não podem mesmo estar nunca em opposição os interesses sociaes com aquelles dictames; as leis civis com os cânones da igreja; senão por abuso ou por erro dos homens, senão por fanastismo ou por ignorância dos verdadeiros principios.

Os precedentes, as tentativas, as pretensões, quer de invasão do falso liberalismo sobre o poder da igreja, quer de usurpação do espúrio catholicismo sobre o poder do estado, não podiam perturbar um só instante a commissão no cumprimente» complexo dos seus deveres, que se cifram na protecção reciproca do estado e da igreja.

Possuida a commissão d'estes sentimentos, d'estas idéas e d'estes deveres, que entende serem os de toda a nação portugueza, entrou no exame da proposta que veiu da camará dos srs. deputados, relativa á desamortisação dos bens de raiz possuídos pelas igrejas e pelos conventos de religiosas não extinctos.

Como em relação ás cousas e negócios da igreja ha dois poderes distinctos, o espiritual e o temporal, a commissão não podia deixar de ventilar, como ventilou, a questão previa da sua competência legislativa.

Podia dar-se, ou a incompetência absoluta, excluída a competência temporal pela do poder espiritual; podia reconhe-cer-se a competência absoluta, excluída a competência ecclesiastica pela do poder civil; podia ser admittida a competência simultânea ou concurso dos dois poderes.

No primeiro caso a commissão, sem se prender com o julgado virtual da camará dos srs. deputados, rejeitaria in limine a referida proposta de lei; no segundo caso desceria com firmeza ao exame que lhe foi incumbido pela camará dos dignos pares; no terceiro caso teria a deliberar de dois modos, ou concluindo pelo adiamento da mesma proposta até que o governo obtivesse do summo pontifice por uma concordata a,conveniente approvação, ou passaria ao immediato conhecimento do objecto, tornando as disposições que adoptasse dependentes da mesma concordata, inserindo para este effeito na lei uma clausula suspensiva.

N'este terceiro caso e verificado um conflicto, a commissão deliberaria depois, sobre nova proposta de lei, qual o arbítrio racional que lhe cumpria adoptar a bem da igreja e da sociedade.

A commissão n'esta questão preliminar decidiu-se unanime e sem a menor hesitação pela competência exclusiva e absoluta do poder legislativo segundo a carta constitucional.

Viu nos bens de raiz e direitos immobiliarios fruídos pelas igrejas ou pelos conventos de religiosas, assim como nos factos da posse e administração d'esses bens, direitos meramente civis, cujo exercicio só podia ter logar nos termos que fossem fixados e regulados pela lei civil.

Viu pela exposição que fica feita, sobre as leis da desamortisação, que desde a origem da monarchia, com quanto fosse reconhecida aos corpos moraes, igrejas, ordens e mosteiros, a capacidade jurídica para adquirirem toda a sorte de propriedade, mobiliaria ou immobiliaria, lhes era com- j tudo limitada e restringida essa capacidade nas suas consequências legaes quanto á retenção ou posse civil dos bens de raiz. 1

Viu constantemente imposta por essas leis a esses corpos moraes a obrigação de se desapossarem dos bens de raiz, por meio da venda, dos aforamentos perpétuos ou das datas pelos sesmeiros.

Viu especialmente, quanto á proposta de lei já approvada pela camará dos srs. deputados, que não se tratava n'ella senão de muito menos que da venda, ordenada pelas leis anteriores da desamortisação, pois que se limitava a uma operação composta, em que o valor venal obtido pela venda de bens de raiz, ou pela remissão de direitos domi-nicaes, não é mais que um meio de equidade preliminar de subrogação por outros bens equivalentes segundo as leis, e susceptiveis de troca de uma por outra amortisação, co-

mo bens de raiz, e se está verificando para effeitos vinculares, dotaes, de fianças fiscaes e similhantes.

Viu finalmente, que, alem de justificada assim completamente a competência do poder civil, se achava esta reconhecida expressamente na hypothese de que se trata no corpo do direito canónico, como se mostra do texto supracitado :

«Permutare principi licet pro re majori, meliori, vel sequali, si respublica hoc exposcit, et pragmática forma super hoc prsecedente». *

Ora a permutação ou subrogação, que a proposta de lei determina, tendo em definitiva de ser realisada por inscri-pções, pelo preço do mercado, importa não só o equivalente do valor dos bens e direitos subrogados, como se contenta a prescripção da citada disposição do direito canónico, mas um valor superior em rendimento, e este liquido dos grandes encargos e despezas da administração.

Acresce, quanto ás igrejas, cabidos, mitras, collegiadas, seminários e suas fabricas, a situação cm que se acham e em que ficaram desde os decretos que extinguiram os dízimos, e que aboliram os foros ou os reduziram, quando constituídos por contratos especiaes sobre bens provenientes de doação regia ou originários da coroa.

Depois d'estas medidas as igrejas passaram do estado da opulência ao da maior penúria.

No relatório que acompanhou o decreto de 16 de março de 1832 havia o ministro annunciadó, por occasião da re-ducção dos dízimos das ilhas dos Açores, a abolição geral dos mesmos dizimos, mas ao mesmo tempo declarou que essa abolição seria não só dependente ãe informações mais explicitas, mas que seria precediãa ãa completa organisação ãa subsistência ão clero, porque a religião é necessária ao homem, e os ministros ão altar devem ser independentes e bem pagos.

Mas circumstancias imperiosas obrigaram o mesmo ministro, com outros de que se compunha o gabinete do senhor D. Pedro IV em 1832, a referendar outro decreto com data de 30 de julho, no qual se ordenou para o reino essa completa abolição, sem que precedessem as promettidas informações mais explicitas, nem a completa organisação da subsistência do clero.

Este decreto se remetteu porém á promulgação de outro especial, regulamentar das necessidades do culto e de seus ministros, garantindo a todos côngruas sustentações que os fizessem decentes e independentes.

Infelizmente esta promessa ainda se não acha cabalmente cumprida nos termos em que foi feita!

Todavia alguns elementos d'esta dotação se têem conservado, e a commissão aguarda anciosamente o momento em que a nação portugueza, que olha para si mesma quando attende ás necessidades da igreja lusitana, proverá pelo intermédio dos seus representantes como cumpre em tão ponderoso como* vital interesse moral e social.

E tanto mais que outro decreto posterior ao da extinção dos dizimos veiu, como fica dito, em proveito dos interesses materiaes dos povos, aggravar a situação das igrejas, qual o de 13 de agosto de 1832, extinguindo os foraes e prestações foraleiras.

Debalde se pretendeu, pela muito discutida e bem reflectida lei de 22 de junho de 1846, retrogradar nos effeitos resultantes d'aquelle decreto, já restringindo a sua disposição extinctiva de foros aos provenientes de titulo genérico, já salvando da extineção os foros meramente patrimoniaes, sem origem da coroa, já concedendo somente aos foreiros uma reducção na quarta parte quanto aos impostos em bens com a dita origem. O bem ou mal relativo achava-se con-summado; e esta lei, bem contra a intenção dos legisladores, tem dado occasião a centenares de demandas, de injustiças e de escândalos.

Ora são os cabidos, mitras e collegiadas, opprimindo os possuidores dos prédios, ora são estes dolosamente sustentando, como derivados da lei, direitos de que ella os não alliviou ou de que só lhes diminuiu uma quota parte'.

N'esta luta de interesses materiaes entre fieis e seus ministros, entre irmãos espirituaes, luta fratricida, e em que, sobre questões de direito especial, espinhosas, do difficil solução, se apresentam ora vencedores, ora vencidos, ora amaldiçoando, ora talvez amaldiçoados, ha sem duvida alguma cousa de immoral, de anti-religioso e de repugnante assim com a mansidão, espirito de paz e de caridade christã, de que devem dar o primeiro exemplo os ministros de Christo, como de incompatível com o respeito e estima que elles têem direito a esperar dos povos a quem ministram a cate-chese ou os sacramentos, o pasto espiritual tão necessário aos homens. Nec solo pane vivit homo.

Em tal situação é da maior conveniência para as igrejas e para o estado que similhantes lutas acabem de uma vez.

O beneficio da remissão ha de attrahir muitos pensionados a reconhecer a sua obrigação, antevendo as despezas em que se vão envolver não remindo; que não terão a lutar, emquanto não remirem, somente com as igrejas e conventos, mas também com o ministério publico; e que de futuro ficarão dependentes de um comprador que será talvez mais inexorável na cobrança das pensões e mais direito» domi-nicaes.

Os foros não remidos, levados á praça, hão de subir de preço por virtude da licitação, já em rasão de interesses locaes, já de circumstancias pessoaes aos licitantes, que os determinarão á concorrência.

Quanto aos bens de raiz o preço deve ser duplicado e triplicado com relação á utilidade liquida que as igrejas d'elles percebiam. Quer esses prédios andassem arrendados quer administrados, os verdadeiros senhores da fruição principal têem sido os inquilinos ou administradores.

Na venda pois d'estes bens e direitos dominicaes das igrejas pelo systema que vem proposto e approvado pela