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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 22 de maio de 1868

PRESIDENCIA DO EX.mo SR. DUQUE DE LOULÉ

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios os dignos pares Marquez de Sabugosa

Visconde de Soares Franco.

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 28 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia, e tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros, que é o primeiro que ficou inscripto da sessão antecedente.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Mas eu não vejo presente o governo.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Ministro da Fazenda (Dias Ferreira): — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — V. ex.ª deseja a palavra antes da ordem do dia?

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu pedi a palavra, mas foi para responder ao digno par visconde de Chancelleiros, que disse que o governo não estava presente, quando um dos seus membros aqui está.

Sendo a ordem do dia a discussão do bill de indemnidade, presumo que pôde continuar a discussão, e os meus collegas, que estão n'este momento n'outro serviço publico, não tardarão em comparecer.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO BILL DE INDEMNIDADE

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Começou por declarar que a votação do bill de indemnidade era uma ficção constitucional, porque approvado ou rejeitado esse bill, nem por isso deixava o governo de ter assumido a dictadura, nem deixavam de ter a natureza de factos consummados os factos no exercicio d'ella por elle praticado.

Que por isso lhe era indifferente a questão do voto, mas que nunca lhe podia ser indifferente a questão de doutrina; que por isso usava da palavra para expor as suas idéas, e para protestar com a sua opinião contra as infracções constitucionaes que se commetteram, sem que a lei da suprema salvação publica as justificasse.

Que a concentração de poder, que a dictadura significava, era um facto anormal nas sociedades regidas pelo systema constitucional, mas que tal facto se não dava nunca sem que a sua rasão justificativa estivesse no imperio das circumstancias que o impunham como necessario. No caso actual, porém, perguntava quaes tinham sido essas circumstancias, e não as encontrava.

Que a dictadura não nascera da revolução, mas sim a revolução da dictadura, porque se a anarchia tumultuou na praça foi quando a revolução tripudiou no governo. Não se dissesse que a agitação que precedeu a dictadura tinha sido uma revolução, porque mais imponente que essa agitação tinha sido a que movera o espirito publico, quando o amplo exercicio do direito de petição trazia á camara milhares de assignaturas contra as medidas de fazenda e de administração do governo passado; e que ninguem estranhara que perante essa demonstração de opinião adversa o governo se não demittisse.

Que as representações que vieram ao seio do parlamento não eram contrarias apenas aos projectos do imposto de consumo e de reforma administrativa; representou-se tambem contra os addicionaes ás contribuições pessoal, predial e industrial, e contra a reforma da lei do sello; e que entretanto todos esses projectos se converteram em leis do estado, e os dois ultimos ainda hoje o são, e não lhe consta que o governo proponha perante o parlamento a abolição d'elles.

Que era notavel, com effeito, que ante a agitação das praças se revogassem tumultuariamente leis importantes já em execução, ao passo que ante á agitação legal do paiz, mais respeitavel como exercicio de direito e como expressão de força, essas mesmas leis eram apoiadas e defendidas pelos homens que depois as haviam de revogar, ou sanccionar com o seu voto a revogação dellas.

Foi depois d'essa agitação legal que o sr. presidente do conselho approvára a reforma da secretaria dos negocios estrangeiros. Disse que não comprehendia similhante coherencia de principios, e que tal contradicção só o poderia absolver se a dictadura que o governo se arrogou fosse uma dictadura fecunda, e não a mais esteril e menos justificada que o paiz tem visto. Assim o governo terá de pedir dois bills de indemnidade, um ao parlamento pelo que desfez, e outro ao paiz pelo que não fez.

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, eu não me apresento a fallar n'esta occasião como fiador do actual ministerio, porque declaro que não posso ser ministerial por ora, visto que isso depende das medidas que o governo ha de apresentar, e que ainda não sei quaes são; tambem não venho defender todos os actos praticados pelo governo até aqui, o que venho defender são os actos que o governo praticou, e dos quaes pede que seja relevado pelo projecto de lei que está sujeito á discussão d'esta camara. Também não é da minha intenção impugnar novamente as medidas que foram revogadas e contra as quaes votei, porque hoje uma similhante discussão é inutil, e tambem porque quero seguir áquelle exemplo de cordura e prudencia, dado pelo digno par, membro da passada administração, cordura e prudencia que confirmam o conceito que todos fazem da elevação do seu espirito e da nobreza do seu caracter.

Mas, quando eu vejo que os dignos pares que têem tomado a palavra em opposição ao governo, de tal maneira têem desconhecido factos tão recentes que apenas têem quatro mezes de data; quando vejo os commentarios que sobre elles se têem feito, não posso deixar de me espantar que a memoria d'esses factos se tenha apagado tão depressa, e que a sua significação seja por tal fórma esquecida. Quando vejo que estes factos são por tal fórma interpretados (apoiados), estou quasi participando do septicismo d'aquelles philosophos que dizem que a historia é um encartado de decepções que cada historiador narra, explica e commenta a seu modo. Mas estes factos são tão recentes, que é impossivel desconhecer a sua verdade e significação. A narração d'elles é o argumento mais irrefragavel da politica que o governo tem seguido.

O que aconteceu? Tres leis foram approvadas pela legislatura passada, as quaes durante a sua discussão soffreram a mais viva resistencia da parte do paiz, que se manifestou pelas petições, reuniões e comicios populares, e por uma discussão inflammada dentro e fóra do parlamento; mas apesar d'essas tres leis terem sido approvadas, quando chegou a epocha da execução d'aquella que mais viva resistencia tinha encontrado, que era a lei do imposto do consumo, o que succedeu? A cidade do Porto, em insurreição aberta, declarou que não cumpria essa lei; e por essa occasião coincidiu com essa insurreição no Porto, uma manifestação na capital que tinha por fim oppor-se ao adiamento das côrtes. Quando a luta travada entre a resistencia e a auctoridade tinha attingido o seu apogeu culminante, quando tinha chegado ao ponto de que dependia o triumpho da desordem ou da auctoridade, o governo transacto deu a sua demissão.

Eu não quero pungir os sentimentos de nenhum dos membros da administração passada. Ha desfallecimentos a que succumbem as almas as mais robustas; ha responsabilidades que acurvam hombros os mais robustos: mas preciso dizer, para justificação de tudo quanto estou sustentando, que a cedencia d'aquelle governo n'este momento solemne,