O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1117

n'esta occasião critica, não foi uma transacção, não foi uma retirada, foi uma verdadeira derrota.

Peço agora á camara que avive bem na sua memoria as impressões que se apossaram dos espiritos de todos, por occasião da abdicação do ministerio passado, em virtude da qual, não só ficou vencido o poder executivo, mas a auctoridade parlamentar que tinha confiado ao braço d'aquelle a execução das suas opiniões. Peço á camara que avive na sua memoria as impressões que se apossaram do espirito de todos por esta occasião; as incertezas que havia a respeito dos designios e do progresso ulterior da revolução, como se temeu pela sorte das instituições, como não havia confiança na força armada, como até se levantaram murmurios desprezíveis, é verdade, mas não menos significativos, que iam embater nos degraus do throno.

Estes são os factos, e em vista d'elles pergunto eu como é que o governo, que foi chamado a tomar conta dos negocios publicos, recebeu o poder? Recebeu o poder enfraquecido, recebeu-o vencido e debilitado. E n'estas circumstancias, sr. presidente, quando dois eminentes estadistas tinham recusado tomar conta do leme do estado, queriam porventura que o governo pozesse em execução leis que tinham levantado toda esta agitação? Queriam porventura que por esta sorte se provocasse uma guerra civil de resultados duvidosos, mas prenhe de horrores e calamidades? Creio pois que se não pôde censurar o governo por ter cedido ante a expressão imperiosa, significativa e indubitavel do paiz. Por consequencia não posso deixar de sentir que os dignos pares tenham censurado o governo por ter empregado os meios dictatoriaes n'aquella occasião, quando elles eram tão indispensaveis para o socego publico.

Não posso tambem deixar de estranhar que os adversarios do ministerio venham attribuir aos actos dictatoriaes os tumultos e os motins que se deram. O argumento de que se servem é que os tumultos se seguiram á dictadura, logo foram effeitos d'esta. Post hoc, ergo propter hoc; é o sophisma que os compendios de logica mandam evitar. Os tumultos e as desordens que houve no paiz não tiveram por causa a dictadura, coincidiram com ella, e tiveram a mesma causa que a dictadura.

É que não se infringe debalde um grande principio. A violação de um principio tão importante, como é o respeito devido á lei e a obediencia á auctoridade que a representa, traz comsigo mesmo e nas suas consequencias o seu castigo. Se são alluidos os diques que reprezam a torrente, que admira que ella inunde os campos, arranque arvores, devaste as habitações? Da mesma sorte a furia popular, que é tão irracional, tão impetuosa como a torrente das aguas. Esses tumultos e essas desordens foram o effeito do peccado original da primeira insurreição contra as leis decretadas pela representação nacional. Assim como o governo não é culpado d'aquella, não pôde ser tambem responsavel por esses tumultos que d'ella se seguiram. Já aqui, n'uma das sessões passadas, censurei esses attentados e os estigmatisei devidamente. E possivel que o governo não haja sempre mostrado a energia e severidade que era necessario ostentar em casos d'esta ordem. Mas, sr. presidente, attendendo ao estado lastimoso em que o ministerio recebeu o poder, e ás circumstancias criticas em que o encontrou, confesso que não me atrevo a pedir-lhe contas demasiado estrictas do seu procedimento.

Não posso agora deixar de responder a uma accusação que tem sido feita aos membros da opposição ao governo passado. Disse-se que a opposição semeou no paiz os germens da desordem (O sr. Vaz Preto: — Apoiado.), e que ellas foram devidas ás pregações e ao apostolado dos homens da opposição. Protesto contra similhante asserção. Eu pertencia á' opposição, e pelo que tenho dito e pelo que direi logo, se torna evidente que não sou partidario da desordem, nem podia ser factor d'ella. Porventura pôde censurar-se o medico por declarar ao enfermo a gravidade da molestia, e por insistir com elle para que empregue os remedios que a medicina aconselha, a fim de que a doença não progrida, e não o leve á sepultura? O meu papel na opposição era este; era sustentar os verdadeiros principios, e insistir com o governo para que os seguisse, porque já previa as consequencias que as medidas do governo teriam.

Se me é permittido, n'esta questão, fallar na minha pessoa, peço licença para lembrar á camara que na occasião da discussão da lei do imposto de consumo, eu disse que me entristecia com a previsão das desgraças que se haviam de seguir da execução d'essas leis, e que não seria poupado o sangue do povo. Portanto a opposição não é responsavel por esses tumultos, ella não fazia mais que mostrar ao governo os inconvenientes das suas medidas.

E para amenisar um pouco esta discussão, que na verdade suscita recordações desagradaveis, permitta-me o digno par que ha pouco com o seu apoiado tornou a opposição responsavel pelos tumultos, que eu lhe conte uma historia. Havia nos fins do seculo ultimo um imperador na Russia, chamado Paulo, que era excessivamente feio, e como os espelhos do seu palacio lhe reflectissem a cada passo a ingratidão da natureza, que fez elle? Mandou-os quebrar todos. A indignação contra a opposição assimilha-se á d'este imperador contra os espelhos.

Também não posso deixar de admirar que os dignos pares increpem este governo por elle ter assumido a dictadura, e ao mesmo tempo o accusem de não se ter servido d'ella com mais energia para fazer grandes reformas. Mas o governo não assumiu a dictadura por vontade, foi obrigado a assumi-la pelas circumstancias extraordinarias que se davam, e só com o fim de tomar as medidas necessarias para acabar com a agitação popular, e eu pela minha parte felicito-o por se não ter servido da dictadura para outro fim, e de outro modo. Sou inimigo das dictaduras, e não posso admitti-las senão nas circumstancias criticas, como aquellas em que o governo se encontrou.

O argumento apresentado pelo governo, que este bill de indemnidade deve ser approvado por esta camara porque tem a sancção da camara electiva, é um argumento attendivel. Isto não quer dizer que esta camara não seja livre e independente, e que tenha o seu voto sujeito ao da outra camara, mas sim que se deve attender ao facto de ter sido a indemnidade approvada por grande maioria na camara dos senhores deputados, que acaba de ser eleita pelo paiz, e que não podemos deixar de suppor que representa os sentimentos da nação. Este argumento não pôde deixar de influir no espirito da camara e na resolução que ella tem de tomar.

E necessario que nos convençamos de uma verdade, é que o paiz é adverso ás medidas que foram revogadas, e sanccionou a sua revogação. Eu sei que esta expressão todo o paiz é demasiado vaga, e pôde prestar-se a todas as asserções. É muito possivel até que o maior numero seja dos indifferentes, e dos que não tomaram parte activa n'estes acontecimentos; mas a camara sabe que em todas as sociedades o numero d'aquelles que fallam, que agitam e que tomam parte activa nos negocios é que se deve apreciar. Dos outros, porque não fallam, não se pôde conhecer o pensar; e visto que são indifferentes, sujeitam-se implicitamente á decisão dos membros activos. A camara vae votar este projecto, muitos dos seus membros estão ausentes, outros podem abster-se de votar; apesar d'isto a resolução que tomar não deve ser considerada como uma resolução da camara dos pares? O mesmo succede com o paiz; e quando se diz que o paiz não queria essas leis, diz-se a verdade.

Eu não venho aqui defender o governo em todos os seus actos. Espero as medidas que tenha de apresentar, e depois pronunciarei a minha opinião franca e leal; não me apresento aqui como ministerial, succeda o que succeder. Mas defendo o governo n'este ponto, e defendo-o segundo as minhas convicções.

Não posso porém assentir ao pensamento aqui apresentado, de que o governo deve ser sacrificado, porque representa a revolução, e porque sanccionou com actos dictatoriaes as idéas da revolução. Assimilha-se esta maneira de pensar á d'aquelles generaes da antiguidade que, para applacar a cólera dos deuses, sacrificavam alguma victima, como Agamenon sacrificou Ephigenia.

Assim tambem alguns dos nossos réis, quando queriam saldar as suas contas com o céu, mandavam accender fogueiras onde queimavam algumas dezenas de victimas offerecidas em holocausto para tranquillidade de sua consciencia. O governo não tem culpa do estado em que achou o paiz, e quando tomou conta dos negocios publicos entendeu que o que lhe competia primeiro que tudo fazer era attender á animosidade que dominava os espiritos contra as medidas que revogou; ainda digo mais: depois de dois estadistas abalisados terem sido convidados a formar um novo ministerio e terem-se recusado a faze-lo, o governo aceitando o timão do estado, merece antes agradecimentos do que censuras, por ter mantido o poder, violado e escalavrado sim, porque assim já o recebeu, mas, apesar d'isso, sobranceiro aos ataques da anarchia.

Preciso responder a uma outra objurgação que não me foi dirigida a mim, mas ao sr. ministro da fazenda, á qual respondo, não para defender s. ex.ª, que não o precisa, mas para me justificar a mim, porque tambem tomei parte n'esse acontecimento. Eu pertenci, juntamente com o sr. ministro da fazenda, a uma commissão encarregada de pedir a Sua Magestade que se dignasse não annuir ao adiamento das côrtes. Ainda que de facto eu não acompanhei essa commissão, porque, quando me foi lida a representação, não me agradou a sua redacção. Escuso dizer á camara os motivos d'esta desapprovação.

Ora, eu creio que ninguem me pôde censurar por eu ter feito parte de uma commissão encarregada de usar de um direito tão justo, como é o direito de petição, pedindo o não adiamento das côrtes; porque eu na verdade entendia que era um gravissimo erro politico n'aquella occasião.

Cessemos portanto de censurar o governo actual, que não tem culpa de successos sobre que não pôde ter imperio, e de censurar o governo passado, que já não existe, e nenhum bem nem mal nos pôde já fazer.

Eu confio mesmo que os cavalheiros que faziam parte da administração passada, quando voltarem ao poder, amestrados pelas amarguras da experiencia, prestarão serviços ao paiz, os quaes compensarão largamente as faltas que commetteram. Ha, sr. presidente, um actor principal n'este drama social. E o paiz. A esse nos devemos dirigir, a esse endereçar os nossos conselhos e censuras como membros d'esta camara.

Aqui, sr. presidente, eu quizera que a minha voz tivesse prestigio e auctoridade sufficiente para retumbar em todas as cidades, em todas as povoações, em todas as aldeias d'este paiz, declarando-lhe que o seu procedimento desde o principio d'este anno, desde a primeira insurreição contra as leis sanccionadas pelos representantes da nação, é um procedimento indigno de um paiz livre.

Já o disse n'esta camara, mas torno a repetir, porque não pôde haver excesso em repetir e escutar verdades tão fundamentaes.

As revoluções que têem por fim reclamar os direitos imprescriptiveis do homem; que têem por fim reivindicar dictames eternos da justiça; que têem por fim reentregar o homem n'aquelles fóros e liberdades, sem as quaes não pôde cumprir a sua missão, perde a sua dignidade, nem tem mesmo rasão de existencia; estas revoluções são justas e gloriosas. O homem que n'ellas toma parte, se é feliz é um heroe, se sucumbe um martyr.

Mas os attentados contra a lei, o desprezo da auctoridade, a insurreição contra os poderes publicos, promovida em nome de interesses materiaes, ainda que bem entendidos, contra o regulamento d'esses mesmos interesses, feito pelos fiscaes e mandatarios do povo; por aquelles que têem procuração da nação para curarem dos interesses do estado, que são os interesses de cada um dos seus membros; essa insurreição não tem justificação, nem desculpa. E necessario pois que façamos essa rigorosa distincção para não confundirmos inspirações de interesse com motivos nobres e elevados.

Sr. presidente, percorram-se as paginas da historia portugueza, e ver-se-ha ahi que o povo portuguez, n'aquelle tempo em que o nome de Portugal era admiravel, temido e respeitado, se sujeitou sempre sem murmurar aos subsidios votados pelas côrtes.

O primeiro exemplo de resistencia que se encontra, foi offerecido ao primeiro rei que ousou levantar o imposto sem auctorisação dos tres braços do estado. E o nome de João Mendes Cicioso, aquelle illustre vereador de Evora, que, com perigo de seus bens, de sua vida, recusou dar cumprimento a um tributo decretado por El-Rei D. Manuel; esse nome será eternamente memoravel, porque era o de um homem que attestava com heroicidade o eterno principio de justiça em materia de imposto, o qual é, que só o povo tem direito de se tributar a si mesmo, guardada a proporcionalidade dos haveres. Pois este é o unico principio inviolavel, tudo o mais quanto se refira a este ou aquelle genero de imposto, a esta ou aquella base de incidencia, a este ou aquelle modo de cobrança, são questões de conveniencia e de politica, quando muito questões de equidade, mas não são questões que constituam um principio invariavel.

Mas, sr. presidente, se se póde offerecer resistencia a uma medida authenticada pela representação nacional, ás leis sanccionadas segundo as determinações da constituição e as exigencias da philosophia liberal a mais escrupulosa, pergunto que differença ha entre um paiz livre e um paiz governado pela força. Eu acreditava que n'um paiz livre a lei devia ser objecto d'aquella veneração particular, que um philosopho chamava o culto da segunda magestade, emquanto que no paiz despotico a lei é um grilhão supportado com impaciencia. Eu julgava que n'um paiz livre cada cidadão era um mantenedor austero da lei, emquanto que no paiz do despotismo elle está em insurreição aberta, ou em conspiração secreta contra ella. E, senão, procurae na carta do mundo as nações livres e as escravisadas, e verificareis o que digo. Vede os Estados Unidos. Ali a lei é acatada com respeito igual ao de uma Divindade, e cada cidadão é um vigia incansável, um fiscal severo da lei.

Lançae agora os olhos para alem das fronteiras e vereis um exercito sempre formado em linha de batalha, e todavia, a cada instante se ouvem os rebates da insurreição. Essa é, sr. presidente, a distincção característica dos paizes livres, o obediencia á lei e o respeito á auctoridade.

Não desejo por mais tempo cansar a attenção da camara, por isso vou terminar dizendo que nos dêmos pressa em approvar este projecto de lei, porque por esse modo vamos apagar a memoria de factos, cuja principal responsabilidade pertence a um agente, de quem ella se não pôde exigir, e de quem nós somos os mandatarios. Esse é o paiz.

Eu espero porém, que elle não se recusará apagar aquelle imposto que é o preço da nossa liberdade. E ainda que na epocha em que vivemos não se ouça senão o grito da religião positiva do interesse, ainda que agora, apesar de ser, quasi seja necessario affrontar o ridiculo para appellar para os sentimentos mais nobres da natureza humana, ainda que nós vivemos n'uma epocha, em que se o proprio Camões cantara:

Eu d'esta gloria só fico contente

Que a minha terra amei e a minha gente,

seria apupado, e dir-se-ía logo, que elle trazia de olho, do unico olho que elle tinha, algum logar no conselho ultramarino: apesar de tudo, eu não duvido incorrer no ridiculo por dizer que eu acredito que n'este paiz ha ainda sufficiente pundonor, para que ninguem recuse pagar o preço que custou a conquista da liberdade, que eu acredito que o egoismo não tem lançado tão profundas raizes n'esta terra, que haja alguem que se recuse a pagar o imposto, de que depende não já a prosperidade da nação, mas a sua existencia como nação que tenha direito a existir.

Em conclusão, sr. presidente, eu voto a proposta de indemnidade ao governo.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Rebello da Silva: — Associa-se completamente ás expressões com que o digno par que acabava de fallar terminou o seu discurso. Associa-se á interpretação perfeitamente logica e racional que deu aos actos praticados. Associa-se ao appelo que fez, para a sisudeza, para a cordura, e para a devoção patriotica do paiz, que não deve ter menos a peito do que os dignos pares o pagamento d'essa divida de honra, contrahida para obtermos a nossa liberdade e nacionalidade.

Raras vezes é licito a um paiz opprimido, a quem a liberdade foi absorvida, a quem os direitos mais sacrosantos foram espoliados; raras vezes, repetia, a um paiz n'estas circumstancias é licito o oppor a sua resistencia aos males que o affligem. Entre nós essa resistencia deu-se uma vez, e em uma grande epocha da historia, quando vergávamos debaixo de um jugo estrangeiro, que durou mais de sessenta annos. Depois de nos terem enfraquecido todas as liberdades e direitos, o até mesmo quasi que o direito da saudade, quando nos queriam sugar as ultimas gotas de sangue, n'esse dia o paiz disse não, e como era o paiz unanimemente que o pronunciava, esse não foi mantido, e depois assegurado por um tratado, que firmou a nossa independencia como nação.

Elle orador concebe facilmente a impaciencia em que a