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camara deve estar de que estes trabalhos se não encerrem sem que, pela mutua cooperação dos poderes do estado, e pela sincera coadjuvação do paiz, nos vejamos entrados no caminho das verdadeiras e uteis reformas; mas se essa é a vontade da camara, como todos reconhecem, tambem igual é o desejo d'elle orador em a acompanhar no seu empenho.
O fim para que pediu a palavra, e com que esperava occupar por alguns minutos a attenção da camara, foi para explicar as rasões por que dá o seu voto ao projecto em discussão, e para caracterisar quanto possa os motivos que dictaram o seu procedimento a respeito do algumas medidas que votou na sessão passada, procedimento de que não está arrependido; porque, para si, os principios sobre que assentam as leis que votou, são tão bons hoje como o eram hontem.
Se na epocha em que os poderes absolutos viam rastejar a seus pés os aulicos que cortejavam os seus actos, só tinha cabimento a lisonja, na epocha em que o povo é soberano, é preciso que ella não tenha esse cabimento; é necessario que se diga a verdade ao povo como ao rei. A verdade pois ao rei e ao povo, e a verdade que é preciso dizer ao povo, é que necessitámos reformar a nossa administração e carecemos do verificar por salutares economias, reformas sensiveis; que não podemos prescindir de um imposto dividido com igualdade e justiça, e finalmente que precisámos pagar uma grande divida que contrahimos para termos liberdade, como temos, para termos civilisação, para emfim gosarmos todos os beneficios que nos trouxe essa liberdade.
Portanto elle orador não lisonjeia o povo nem o paiz, porque elle carece menos de quem o lisonjeie do que do quem lhe firme o principio da auctoridade e da segurança.
N'esta camara foram discutidos, na ultima sessão, differentes projectos do lei, vindos da outra casa do parlamento, os quaes foram approvados por uma camara que tinha sido eleita debaixo dos auspícios de um governo que não era áquelle que havia tomado a iniciativa d'essas medidas. Refere-se á camara dos senhores deputados, que ultimamente foi dissolvida. Via-se pois que essa camara não podia ser suspeita no apoio que dava ao governo de então. Elle orador teve a honra de ser relator do alguns d'esses projectos, e comquanto não os julgasse a expressão final sobre o assumpto a que elles se referiam, reconheceu todavia que encerravam uma certa ordem de principios geraes, adequados e em harmonia com os ultimos melhoramentos interessados na governação publica do estado.
O que era a lei do imposto de consumo? Era uma medida pela qual, depois de se ter pedido ao imposto directo o que por elle se não podia realisar sem muitas desigualdades, se procurava conseguir uma receita mais corta e segura, sendo ao mesmo tempo mais igual e equitativa para todas as classes na justa e devida proporção, estando já em parte ensaiadas pelas administrações municipaes, de que ellas sempre derivaram um dos seus melhores rendimentos, uma das suas maiores garantias, para muitas vezes obterem meios com que podessem mais promptamente realisar melhoramentos reclamados pelas necessidades dos mesmos municipios.
Essa lei pois, como outras que foram revogadas, tinham vindo aqui nas melhores intenções, mas o desejo do maior acerto, a ponto de se querer logo de repente chegar em tudo ao estado do perfeição absoluta, foi um sentimento que se teve mais em vista do que o conhecimento pratico das circumstancias peculiares nas differentes povoações e no geral do paiz (apoiados).
D'aqui é que nasceram todas as tentativas para explorar nas nossas difficuldades com certas doutrinas que se estabeleceram.
Ora, elle orador entende que é da necessidade mesmo do nosso systema politico, que todas as medidas tenham adversarios, ou boas ou más, é preciso sempre que haja a discussão (apoiados); mas d'isto á maneira como se inverteram os principios, como se envenenou a indole da missão, como se proclamou (por todos os modos, sempre mais ou menos reprehensiveis) a negação absoluta do imposto, e por consequencia a negação de governo e de ordem social, corre-se uma distancia immensa. (Vozes: — Muito bem.)
Pede a Deus que não seja assas rigoroso no modo de fazer caír a responsabilidade sobre aquelles que na sua imprudencia e imprevidencia, cuidando crear sómente obstaculos aos seus adversarios, crearam abrolhos com que depois tivessem de se encontrar na estrada que atravessassem (apoiados).
Não nos illudamos; a crise é bem melindrosa e difficillima, porque, como bem mostrou o digno par o sr. visconde de Chancelleiros, ha ainda um vasto plano de agitação publica, e sempre que o governo queira reassumir o prestigio da auctoridade e a realidade do poder, ha de encontrar mais ou menos fortes as explosões d'esses rastilhos que se não podem julgar ainda extinctos. (O sr. Visconde de Chancelleiros: — -Apoiado, apoiado.)
Elle, orador, não é apostolo das economias exageradas, nem tambem é o cerbero fiscal. Quer que os governos possam atravessar todas as difficuldades, e ás vezes a exageração de economisar tambem occasiona difficuldades; quer portanto sómente as economias sensatas, justas e prudentes, aconselhadas pelos bons principios e justificadas pelo imperio das circumstancias, attendendo-se a ellas com serenidade e com sinceridade (apoiados). Quer sobretudo, e sempre primeiro que tudo tambem, que a auctoridade, n'este como em muitos outros pontos, não attenda a rasões de politica em que imperam ou podem imperar as paixões, e não quererá jamais que a auctoridade receba reclamações incompetentes, vindas de logares onde não é licito intervir por fórma alguma na governação do estado (apoiados). Não se pôde consentir que qualquer grupo ou mesmo uma qualquer povoação pretenda dominar com a sua vontade illicita os poderes publicos, tendo a pretensão desvairada de causar algum constrangimento ou ás camaras ou ao governo (muitos e repetidos apoiados).
Aqui para todos ha um unico caminho que é o dever. (Vozes: — Muito bem.) Toda e qualquer outra manifestação deve ser repellida pelos poderes publicos que a não reconhecem, que não podem nunca reconhecer. O governo está no parlamento, não pôde estar, nem ha de estar nas praças publicas ou nos comicios illegaes (apoiados).
O governo d'este paiz não pôde estar senão onde a carta constitucional o collocou (apoiados repetidos).
Para attender a quaesquer queixas, quando sejam fundadas, lá está providenciado...
(Aparte do sr. visconde de Fonte Arcada que não se ouviu.)
O digno par tem rasão; a camara muitas vezes não considera o direito de petição, mas tambem é preciso ver como o direito de petição se apresenta, e por isso desejara que este direito fosse regulado de accordo com o direito do reunião, para acabarem de uma vez para sempre todas as excentricidades com que em nome de direitos sacratíssimos se fazem invasões no principio da auctoridade.
Portanto o direito de petição é unicamente formado para interesses queixosos, com a devida obediencia dos poderes publicos, poderem ser attendidos ou não, segundo a justiça que tiverem, mas devendo ser sempre respeitado; mas o direito de petição não são os tumultos, nem as matrizes rasgadas e queimadas, nem a força publica ultrajada, nem o escarneo das instituições, nem a usurpação dos deveres que competem aos poderes legaes. O direito de petição não é a revolução, mas a estrada franca que nos abriu o caminho da liberdade com a segurança de todos os direitos. Até aqui bem; d'aqui por diante nada. Espera pois que digam os -poderes publicos (O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.) nada, se não querem que de concessão em concessão, de sacrificio em sacrificio, de fraqueza em fraqueza, se chegue ao dia de se appellar para o recurso da força que faz derramar o sangue. Por consequencia, firmeza e energia, que não quer dizer a força bruta, mas que é o que se precisa para não nos vermos obrigados a enlutar novas paginas da nossa historia, como faz votos que não aconteça (apoiados).
Elle, orador, não é exaltado por economias, nem entende que ellas só resolvam as difficuldades; entende sim que ellas devem ser um facto ordinario do administração e o reconhecimento das necessidades publicas, e feitos pelos poderes do estado com aquella cordura e sisudez com que devem proceder sempre os homens d'estado.
O imposto está nas mesmas circumstancias, ninguem o lança por vontade, e elle, orador, confessa que assim lho aconteceu quando o votasse, porque sabia que sem elle não se podia attenuar esse grande deficit, que não é obra do ministerio passado nem dos que o antecederam, mas que é o resultado da conquista das nossas liberdades e dos nossos melhoramentos (apoiados).
O deficit é tudo isto! Imaginam corta-lo, destruindo a arvore frondosa do emprego mania, façam-no muito embora, e oxalá que o façam, mas respeitem os direitos, não reduzam á miseria aquelles que tem minguados ordenados que mal lhes chegam para viver, ou cerceando as despezas necessarias ao desenvolvimento do paiz, e que são precisas se quizermos viver vida de nação independente e civilisada. O que se pôde fazer é a reforma dos serviços publicos, organisar os methodos do expediente do systema burocrático, e ao mesmo tempo aperfeiçoar o systema das nossas contribuições, 'o invocar as faculdades do paiz, porque sem ellas não é possivel conseguir isto.
Vota portanto pelo bill de indemnidade, porque é um facto cousummado, o logo depois do constituido o ministerio actual teve a honra de dizer ao sr. presidente do conselho as rasões que tinha para não approvar a situação creada em 1 de janeiro d'este anno; e unia d'estas rasões era encarregar do poder aquelles que tinham apostolado contra as doutrinas do imposto, que o tinham guerreado, e que tinham, abraçado o principio da economia como unico meio de melhorar o estado do paiz, e esperar depois pela confissão explicita de que elles não tinham podido acalmar as. paixões.
Esta foi a rasão por que disse que não podia dar o seu apoio ao gabinete. Esse gabinete foi uma transição, e julgou necessario revogar as medidas que foram approvadas pelas duas casas do parlamento. Faz votos com o digno par Costa Lobo, para que nunca mais, para felicidade d'este paiz, e para continuar a ser respeitado, se torne a levantar nas praças publicas o veto que tende a destruir completamente as leis votadas nas instancias competentes, approvadas pelo parlamento e sanccionadas pelo poder moderador, quando estavam abertas as vias constitucionaes, porque era o ultimo anno da legislatura.
Para derrubar qualquer governo, quando não representa uma doutrina, basta a convicção de que elle não serve para isso. Vota pois o bill de indemnidade, cede á impaciencia justa que a camara tem, para que o governo, por meio da sua approvação, possa cumprir a sua promessa, e apresentar ao parlamento as providencias com que o sr. ministro da fazenda espera poder acudir ao melhoramento do paiz. Faz votos para que s. ex.ª se não engane, e para que quando vier pedir sacrificios ao paiz não encontre hoje as mesmas difficuldades e tempestades que encontrou o ministerio transacto.
Pela sua parte, elle orador, não ha de pedir ao governo que faça aquillo que não deve fazer; ha de apoiar as medidas que entender que deve apoiar, e ha de combater aquellas que julgar que devo combater com a força e desafogo proprios do homem que ambiciona o melhoramento dos negocios publicos. Deseja completamente que os srs. ministros administrem as cousas publicas até ao ponto em que confessem que não podem continuar a gerir os negocios publicos pelos principios sustentados pela agitação, mas estimará muito que possam atravessar as difficuldades para entrar no Capitólio.
Oxalá o governo possa collocar-se á altura da sua missão; oxalá que o paiz possa juntar mais uma pagina honrosa á sua historia, e que todos se encontrem d'aqui a um anno com os horisontes mais desanuveados (apoiados).
Vozes: — -Muito bem.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu faço um grande sacrificio em usar hoje da palavra, não só porque me sinto incommodado, mas porque vejo que as minhas expressões magoam os srs. ministros, e eu não quero affligi-los; pelo contrario desejava ve-los satisfeitos e alegres, comtanto que os seus actos contentassem e alegrassem tambem a nação; deixaria pois ss. ex.ªs em paz o doce enleio a que aspiram, se um dever imperioso não me obrigasse a cortar por todas as considerações, e a satisfazer a elevada missão que está inherente ao logar que occupo no parlamento.
O posto de honra que me foi confiado não o abandonarei jamais, pelo contrario empregarei todos os esforços, todos os recursos e todas as condições, embora pequenas, com que a Providencia me dotou para o consertar dignamente.
Sr. presidente, pareceu-me na ultima sessão divisar que o sr. ministro da fazenda se affligia um pouco com a aspereza da phrase, com a severidade de expressão com que eu pretendi descrever rigorosamente, e manifestar ao publico com as cores as mais expressivas, as paginas gloriosas da incoherencia da sua vida politica; sinto e lamento a afflição e magua do s. ex.ª, e qualquer bom coração poder-lhe-ia levar consolações o lenitivo, se os factos conforme a sua natureza, se as imputações conforme a sua gravidade, se os precedentes conforme a sua contradicção, podessem prescindir da phrase que os designe, que os aponte, que os evidencie ao publico com toda a seriedade, e taes quaes elles são.
E convicção minha, desde que me conheço, que a verdade se deve dizer com franqueza e lealdade, sem rodeios nem atavios, simples e singela qual a sua natureza e essencia, embora não agrade muito a ss. ex.ªs, embora não chegue suave nem soe harmoniosa aos ouvidos de ss. ex.ªs, embora os echos d'esta casa não a repitam com um som sonoro e vibrante. Se ella viesse coberta de flores, rodeada de arabescos, vestida loucamente, talvez ninguem a conhecesse! Por isso eu não sei se admire mais no sr. ministro da fazenda a modestia e humildade quando fallou dos seus talentos, recursos e sciencia, se o arrojo, coragem e desassombro de se sentar n'aquelle logar, e tomar sobre si tão espinhosa o difficil tarefa, não tendo confiança na sua pessoa, e tendo mostrado á camara a sua insufficiencia. Esta contradicção flagrante e tão visivel, que ninguem deixa de ver o apreciar, traz-mo no espirito o convencimento de que a phrase quando não é franca e leal, não exprimo o pensamento dos que a proferem, o só serve para occultar e encobrir intenções menos nobres, e se a phrase fosse parlamentar diria interesseiras e de refalsada hypocrisia. E tanto isto é assim, que as phrases de s. ex.ª não se demoraram muito em demonstrar a justeza d'esta proposição. Que queria o sr. ministro exprimir e significar quando dirigindo-se a mim me dizia que deixasse esta questão esteril, que a abandonasse, o aguardasse as medidas do fazenda, o que n'essa occasião supplantasse o meu adversario e reduzisse a pó os seus argumentos?! Isto significava a vaidade occulta de orgulho refreado querendo disfarçar-se debaixo das formas e dos trajes de singeleza e modestia, e expandindo-se agora em rajadas de presumpção, e impulso do ousadia, arremessando-me a luva convidando-me para a discussão das medidas de fazenda. As medidas que s. ex.ª vae apresentar podem ser muito más, e serem sustentadas tão brilhantemente pelo talento que pareçam boas. Isto dá-se não poucas vezes quando ao talento não se junta a moralidade e honradez, o não poucas vezes acontece tambem que essas faculdades nobres e brilhantes em logar de serem uteis aos povos, dirigidas pelos maus instinctos, e talvez pelos defeitos da organisação lhe sirvam só de açouto e flagellos.
É uma grande verdade o que dizia um celebro escriptor francez. Fallo de Montesquieu. Dizia elle nas suas judiciosas considerações, ácerca dos differentes governos, que a base do governo representativo era a honra e a moralidade. Assim devia ser, porque sem estes dois elementos, sem honra e sem moralidade os povos não encontram garantia segura em qualquer poder por mais bem organisado que esteja, ou em qualquer funccionario por mais talento que tenha. Um ministerio immoral pôde defender brilhantemente medidas que vão de encontro aos interesses da paiz, e pelo seu talento dar-lhe a côr que ellas não tem, e fazer parecer o que ellas não são; assim como o contrario é possivel com um ministro muito integro, apresentar medidas muito convenientes e uteis, e comtudo mal sustentadas o mal defendidas. Oxalá que estes acontecimentos se não dessem, que fossem apenas raros phenomenos; infelizmente o nosso paiz é prodigo n'estes exemplos bem pouco edificantes.
Como entendo que nas crises publicas a vaidade, o amor proprio e o orgulho são sempre maus conselheiros, e por isso devemos evita-los, desde já declaro solemne e terminantemente que, quando se apresentarem aqui na tela da discussão essas medidas tendentes a reorganisar as finanças e a melhorar a fazenda publica, que, como poder, conforme os meus recursos, conhecimentos e intelligencia, as' avaliarei: se as julgar boas, vota-las-hei, porque nunca fiz' opposição acintosa, e se as julgar más, combate-las-hei, tanto pela palavra como pelo voto, que será a expressão fiel da minha apreciação.
Sr. presidente, quando eu fallei nas leis que foram revogadas pelo acto dictatorial, referi-me á reforma da secreta-