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ria da fazenda, e por essa occasião mostrei o que ella significava. O sr. ministro respondeu-me que elle tinha todo o direito de nomear delegados do thesouro e escrivães de fazenda, como muito bem quizesse. '

Sr. presidente, eu não contestei o direito ao sr. ministro ida fazenda de nomear os empregados. Essa nomeação é permittida a s. ex.ª pelo logar que desempenha; mas s. ex.ª «também não póde contestar o direito que eu tenho de vir aqui pedir respeito e acato á lei, o protestar contra a sua infracção. Não protesto só, censuro aspera e acremente o procedimento arbitrario de s. ex.ª, embora não goste nem da minha phrase, nem dos meus gestos, nem da rasão com que fallo.

O illustre ministro infringiu, a lei, nomeando dois delegados do thesouro, quando effectivamente se oppunham a, isso disposições que estavam em vigor e que depois foram revogadas para attenuar e minorar a sua grandissima responsabilidade.

Eu não fallei em escrivães de fazenda porque, embora no procedimento do sr. ministro para com o escrivão de Castello Branco se revelo a pouca attenção e cuidado de s. ex.ª para que os logares sejam bem desempenhados por funccionarios intelligentes e honrados, não houve comtudo prostergação de alguma disposição vigente; mas visto s. ex.ª -chamar-me a este campo, vou contar á camara e a V. ex.ª este facto altamente significativo, e que revela as tendencias do sr. ministro.

Havia em Castello Branco, na repartição de fazenda, um -empregado habil, intelligente, honrado e carregado de serviços, que foi despachado para o logar vago de escrivão de fazenda d'aquella comarca, por transferencia do que, lá estava, para a Guarda, proposto pelo inspector de contribuições directas, que reconhecera que o serviço não podia ser bem feito, nem era muito decoroso que aquelle funccionario ali se conservasse, havendo repetidas occasiões em que tinha do funccionar conjunctamente com seu irmão delegado do procurador regio. Bastante resistencia offereceu o sr. Feio (pronuncio o seu nome porque o quero registado e bem conhecido do publico pelo que merece). Repito, bastante resistencia offereceu o sr. Feio a aceitar o logar, mas como este logar era importante e melindroso do exercer, era necessario, para ser bem desempenhado, um homem de rigido tempera, habil e com experiencia do serviço, o que se encontrava tudo no sr. Feio; portanto as insistencias continuaram, e o sr. Feio, a muito custo, cedeu; parece que pressentia já que o seu sacrificio lhe acarretaria outros. Desempenhou o logar como era de esperar, e a sua severidade de principios e rigidez de caracter dava garantias a todos, e não consentia que a fazenda publica fosse defraudada; teve a infelicidade porém de caír no desagrado do um grande proprietario influente para com o sr. ministro da fazenda, e cujo proverbial aproveitamento da politica para se favorecer assim nas contribuições é muito conhecido; não lhe corriam porém as cousas como desejava e aproveitou-se da tibieza do sr. ministro para exigir aquella grande arbitrariedade, para não lhe chamar escandalo. Notem V. ex.ª e a camara que este acto irregular foi sanccionado pelo ministro, apesar dos honrosos documentos que estão na repartição da fazenda, que attestam os seus relevantes serviços e todas as asserções que eu deixo exaradas a este respeito. E estava o sr. ministro dentro do arbitrio das suas attribuições esquecendo os serviços prestados por esse homem e transferindo-o? Os serviços premiam-se assim? Os interesses publicos zelam-se por esta fórma? Parece-me que em taes circumstancias o acto do sr. ministro é um abuso do poder. Notem V. ex.ª e a camara, a força dos documentos e o peso dos serviços era tão grande que apesar de não poder domar a consciencia rebelde do sr. ministro, obrigava comtudo a procurar certa regularidade querendo que algum -empregado superior propozesse aquella immerecida transferencia. E sabe a camara quem fez a proposta? Não foi o delegado do thesouro do Castello Branco, a quem competia, mas sim o proprio delegado do thesouro da -Guarda, a quem não pertencia, e que se rebaixava ao ponto de vir pedir o contrario do que já tinha pedido, desdizendo-se de tudo o que escrevera. Era este proprio delegado do thesouro que tinha feito a proposta quando era inspector das contribuições directas em Castello Branco e Guarda para que fosse transferido de Castello Branco para a Guarda aquelle que hoje propõe novamente para Castello Branco Quem devia ser transferido, não digo transferido, mas demittido, era o delegado do thesouro que engana o sr. ministro, faltando ou agora, ou n'outra occasião, á verdade.

Aqui está como as cousas se passaram. S. ex.ª chamou-me a este campo e aproveitou-me para mostrar qual a confiança e o credito que devem merecer ás suas palavras quando significam os seus bons desejos de bem fiscalisar a arrecadação dos dinheiros publicos, e de que o serviço seja bem regulado, expedido e executado por empregados habeis o dignos. Essa triste historia o patenteia com toda a evidencia. Se o illustre ministro trata os empregados carregados de serviços por esta fórma, que ha a esperar? Que incentivo têem elles para serem fieis ao seu dever? Que garantias e que penhores dão á sua fidelidade e bom desempenho? Este systema não é possivel, não se justifica. Concluido este incidente vou responder a outras considerações do sr. ministro da fazenda que disse, para eu justificar a approvação das leis que tinham sido abolidas pela dictadura, e que eu considerava beneficas e boas, devia tirar a prova, propondo-as pela minha iniciativa.

Sr. presidente, não sou tão destituido de senso que queira fazer sobresaír e prevalecer a minha opinião e auctoridade, • que é pequena e insignificante, quando acabo de ver que a outra camara approvou a revogação d'essas leis; muito principalmente tendo eu declarado que repor cousas no seu antigo estado era impossivel e traria gravissimos inconvenientes; comtudo permitta-me V. ex.ª que diga que essa revogação não significa nada contra a verdade dos seus principios, contra a justiça das suas doutrinas e contra o adiantamento das idéas que n'ellas estavam consignadas. Todos nós sabemos que quando se pretende plantar em qualquer sociedade doutrinas novas, que cortam por muitos interesses e por muitos abusos, é necessario uma luta immensa para as levar por diante e fazer triumphar, chegando-se muitas vezes a derramar torrentes de sangue.

A luta constante entre interesses creados e os novos que os vão substituir, entre as idéas de hontem e as de hoje, entre o passado e o futuro, é um phenomeno que se não é novo, está na ordem das cousas. Quanto não nos têem custado essas conquistas da liberdade e da civilisação de que hoje gozámos! Mas, sr. presidente, se o governo não tivesse interferido directa e poderosamente nas eleições, então poderia o seu argumento colher, por isso que a camara electiva era a genuina expressão da manifestação do paiz; mas desde o momento em que o governo interferiu n'ellas, e interferiu pelo modo que se viu, desde o momento que as auctoridades, como governadores, civis, administradores de concelho e regedores, intervieram com todas as suas forças e recursos nos actos eleitoraes, pelo que foram profusamente remunerados pelo governo com honras o distincções, não se pôde considerar a camara dos senhores deputados como a genuina expressão do paiz, mas filha de actos de vontade dos srs. ministros. Os governos não devem abusar do logar que occupam, devem respeitar os principios constitucionaes e de direito publico, e regular-se por elles, é não introduzir jamais no regimen representativo a negação d'esses principios nos actos mais solemnes de um povo livre = as eleições =. Os governos devem fazer eleições com o seu partido, e não pelas auctoridades, cuja missão é manter n'esse caso a ordem e a liberdade da uma; se tem o apoio do partido mais forte, mais poderoso da nação, elle se apresentará cem maioria nas camaras; se pelo contrario elle é fraco e impotente e não tem a adhesão do paiz, elle não póde nem deve constituir governo, e o governo n'esse caso que abusa da força para se sustentar é réu de lesa-sociedade.

Sr. presidente, continuando nas suas observações o sr. ministro da fazenda declarou aqui que o programma de s. ex.ª era o programma do governo. N'este caso dirijo-me ao sr. conde d'Avila, como presidente do conselho, e pergunto a s. ex.ª se está resolvido a acabar com o conselho ultramarino, com o conselho das obras publicas, com o conselho do instrucção publica, com o tribunal de contas, e a fazer muitas outras reformas exaradas n'aquelle programma. A camara e o paiz carece de uma declaração categorica de s. ex.ª, porque deseja saber para onde nos leva, já que não podemos descobrir claramente d'onde vem.

E certo que o sr. ministro da fazenda apresentou o seu programma, e que o sr. presidente do conselho ficou surprehendido quando teve conhecimento d'elle, e que o reprovara então; espero portanto que s. ex.ª nos declare se hoje mais compenetrado d'aquellas doutrinas reformadoras, d'aquelles principios economicos os aceita,.o restituída a homogeneidade e harmonia ao ministerio, toma como programma governativo o do sr. ministro da fazenda, que elle disse hontem ser o programma do governo. Se o governo está n'essa resolução estima-lo-hei muito, porque assim se dissolverão certos elementos heterogéneos que existem entre o gabinete, e havendo mais unidade de pensamento, de vistas e do intuitos, poderá have-la tambem de acção, do actividade e de energia.

Sr. presidente, o illustre ministro da fazenda dirigindo-se a mim, na continuação do seu discurso, disse que não sabia com que direito eu vinha pedir reformas economicas, tendo apoiado um gabinete que as não tinha feito. Pedi-as com o direito com que as tenho pedido sempre, em nome das crenças e dos principios que constantemente tenho seguido.

Desde que tomei assento na camara dos senhores deputados, d'onde passei para está, pedi-o com o direito de um homem coherente em toda a sua vida publica, pedi-o com direito de quem sabe corajosamente combater os inimigos, assim como não lisonjeio os amigos nos seus dias de prosperidade; pedi-o com direito de quem conhece o seu dever, o tem o desvanecimento de, em todas as circumstancias, expor com lealdade e franqueza as suas opiniões. Eu em geral votei sempre, contra qualquer argumento de despezas, as minhas doutrinas e as minhas votações estão ahi bom registadas, e os meus discursos nas ultimas sessões da camara dissolvida provam claramente e de sobejo a exactidão e justeza das minhas asserções; pedia 'também então economias e reformas, e disse sem rebuço a verdade aos homens que estavam no poder, e que apoiei verdadeiramente do coração n'aquelles pontos em que entendi que devia apoiar, e não nos que julguei contrarios ás minhas idéas. Oxalá que elles tivessem seguido os meus conselhos, o attendessem as minhas apprehensões e presentimentos, que provavelmente occupariam ainda aquellas cadeiras. Infelizmente fui propheta. Votei sempre segundo as minhas convicções e a minha consciencia.

Chamo a attenção da camara sobre o objecto que vou tratar, e no qual pretendo, não digo desmentir s. ex.ª, porque a phrase soar-lhe-ia mal, mas mostrar que foi pouco feliz na justificação que deu inexacta e que não o absolve das suas contradicções.

Quando eu na ultima sessão me referi aos factos da vida publica de s. ex.ª, factos que estou no meu direito de avaliar, não para mostrar que s. ex.ª é digno ou indigno de se sentar n'aquellas cadeiras, mas para tirar dellas inducções e bases para reconhecer o grau de credito e confiança que s. ex.ª pôde merecer ao publico, o valor e estimação que podemos dar ás suas palavras e asseverações, contei o que se tinha passado em Coimbra.

Disse s. ex.ª que era inexacta a minha narração, repito hoje de novo o que disse, confirmo o que asseverei, e provoco o sr. ministro a negar os factos que foram do dominio do publico, e que fizeram recaír sobre s. ex.ª grande desfavor. Nega, ou pôde negar s. ex.ª que quando se reuniu a commissão do partido historico e regenerador, s. ex.ª tratava comnosco e fazia-nos propostas sobre candidaturas, e ao mesmo tempo dirigia-se ao sr. Julio Gomes da Silva. Sanches, se já não tinha feito com elle um pacto, e regulavam de commum accordo as candidaturas? Nega s. ex.ª que tomou uma grande parte nas eleições contra a fusão que tinha elogiado? Não preciso trazer documentos authenticos a este respeito, basta apenas dizer que os factos posteriores mostraram cabalmente á evidencia o que era e o que valia o sr. José Dias que soube ser proposto pelo governo e conseguiu conjunctamente o apoio da fusão, sendo eleito por unanimidade.

Eu, sr. presidente, não traria para aqui factos nem documentos particulares. Não os devia trazer ainda que estivesse auctorisado para isso, nem mesmo carecia d'elles porque os factos se encarregaram de me justificar; mas se acaso houvesse duvidas sobre o que eu disso, deixaria que o publico, que conhece bem os precedentes de nós ambos, e que conhece perfeitamente a nossa vida respectiva, decidisse entre a minha affirmativa e a negativa do sr. ministro. Mas deixemos o sr. José Dias com o seu passado, e continuemos nas apreciações que offerece o projecto em discussão.

Sr. presidente, o sr. visconde de Chancelleiros, meu collega e amigo, quando estabeleceu as verdadeiras doutrinas, e mostrou o que foi a dictadura e o que devia ser, confirmou-me no juizo que fiz ácerca dos srs. ministros e da sua comparação.

N'essa occasião referiu-se ao sr. ministro da marinha, e confirmou mais ainda o que eu pensava a respeito de s. ex.ª, e por isso lamento novamente o ver o nobre ministro sentado n'aquellas cadeiras; porque, ainda que eu não conheço pessoalmente s. ex.ª, tenho comtudo ouvido fallar com louvor na sua passada carreira, na sua muita intelligencia, actividade o energia; o consta-me que acha resistencia nos seus collegas, e serios desgostos por não poder satisfazer condignamente á missão que tomou sobre seus hombros, e fazer brilhar a sua fecunda iniciativa.

O nobre ministro não tem podido fazer o que desejava, o que as circumstancias pediam, e o que o paiz clama em altos brados; as peias que lhe têem lançado os seus collegas são mais robustas e fortes do que os deveres que lhe tinha creado um passado glorioso.

Não sei se é verdade, mas o que corre no publico é que s. ex.ª, o sr. ministro da marinha, tem tido muitos desgostos, porque as suas medidas não têem tido a approvação dos seus collegas, procurando por essas medidas talvez satisfazer as exigencias do paiz.

O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — Se V. ex.ª me dá licença, sr. presidente, eu desejo simplesmente declarar que não posso continuar a ouvir estas affirmativas que está fazendo o digno par, porque entendo que ellas offendem a minha dignidade. Declaro que tem havido sempre harmonia entre mim e os meus collegas, e que se eu pretendesse propor algumas medidas de cuja conveniencia e opportunidade estivesse convencido, e se os meus collegas se oppozessem a isso, eu sabia perfeitamente o caminho que devia seguir, que era pedir a minha demissão, e nunca me deixaria levar pelo sentimento da conservação no ministerio, abdicando as minhas convicções.

O Orador: — Sr. presidente, vejo pela declaração do sr. ministro da marinha que as proposições que avançou o sr. visconde de Chancelleiros eram exactissimas; peço portanto desculpa a s. ex.ª de me ter Aludido com o seu passado, e de me convencer que, ministro da revolução, lhe satisfaria as aspirações. Revolução que houve só depois que o sr. conde de Avila formou o gabinete; então trepudiava ufana e orgulhosa n'aquellas cadeiras, emquanto a anarchia desvairada e escandalosa o fazia nas praças. Este estado de cousas, esta exaltação fomentada das altas regiões que os ministros occupavam, parecia, ou acreditavam pelo menos elles, que lho dava força, o portanto promoviam essa excitação contra os seus adversarios, que por uma mal entendida abnegação tinham abandonado o posto de honra que lhes tinha sido confiado; mas quando essa agitação e effervescencia tinha tomado outro rumo, ella até ali rasoavel, justa e justificada, tornava-se inadmissivel, miseravel e criminosa. Então acutilava-se o povo, invadia-se o asylo do cidadão, e prendiam-se os agitadores, esquecendo o sr. ministro da fazenda os seus velhos e antigos camaradas. Lembra-me a este respeito o exemplo de um cidadão grego que aconselhava o communismo como o regimen mais apropriado para a republica a que elle pertencia, e para levar a effeito esta nova instituição, dizia elle que era necessario primeiro queimar todos os papeis de dividas publicas e particulares; e exclamava em seguida com grande enthusiasmo que nunca tinha visto um fogo tão brilhante e de cores tão vivas. A mesma admiração e o mesmo enthusiasmo que tinha aquelle illustre patriota pelo brilho d'aquelle fogo e pela viveza d'aquellas cores, tem tambem hoje o sr. ministro da fazenda pelas cutiladas no povo e pelas prisões dos seus velhos amigos e companheiros!

Terminaria aqui o meu humilde discurso com estas observações ao sr. ministro da fazenda se não tivesse que responder ainda ao sr. presidente do conselho, o que farei o mais succintamente para não fatigar a camara.

O sr. conde d'Avila offendeu-se por eu dizer que s. ex.ª era um delegado do governo em Madrid; s. ex.ª perguntou se era algum official de diligencias! Não parece rasoavel a susceptibilidade de s. ex.ª, e muito menos motivo para se escandalisar. Pois o que era em Madrid s. ex.ª senão um delegado do governo, e um delegado de confiança? Não