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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 101

aspera que o paiz deu a esse ministerio, que elle encontrou na camara uma opposição respeitavel composta de homens novos na politica, e uma opposição formada pelos homens que tinham largado o poder sem popularidade alguma n'aquella occasião. Apesar d'isto o governo ainda tinha uma grande maioria na camara, mas essa mesma maioria deu uma lição severa ao ministro do reino, pois que passou pelo desgosto de ver a camara recusar a um dos ministros eleitos sob a influencia da auctoridade o logar de representante da nação; taes foram as gravissimas irregularidades que houve na eleição d'esse deputado. É um facto pouco vulgar nos nossos fastos parlamentares.

O ministerio a que me tenho referido caíu, e não estarei a cansar a camara lembrando factos que todos nós conhecemos. Organisou-se depois o actual gabinete, e é sabido que todos os cavalheiros que se acham nos bancos ministeriaes, á excepção de um, occuparam aquelles logares contra sua vontade e fazendo grande sacrificio. Quando digo á excepção de um, refiro-mo ao digno prelado que dirige a pasta dos negocios do reino, sem querer com isto de fórma alguma dizer que o sr. bispo tenha um caracter ambicioso. Eu respeito muito s. exa. pela sua alta posição de prelado e de ministro, respeito-o pelas suas qualidades como membro da igreja, como homem politico, e particular, e respeito-o pelos serviços que tem feito ao paiz; mas digo á excepção de um, porque s. exa. era já indigitado antes de organisar o actual ministerio, para os que se tentaram formar; e dizia-se mesmo que s. exa. veiu para a camara, aonde nem sempre comparece, com um tal intuito, até que finalmente foi no illustre prelado que a corôa depositou o importante encargo de organisar um gabinete, depois de falharem todas as combinações, em algumas das quaes s. exa. entrava..

O gabinete formou-se, e posto que tomasse por presidente official o sr. marquez de Sá, e fosse a egide deste nobre general que o escudasse, a verdade, é que não foi elle quem formou o ministerio. S. exa. teve a dedicação e o patriotismo de sentar-se ao lado de collegas que o sr. bispo escolhêra, quando este, com a humildade propria do seu caracter episcopal, do seu caracter sacerdotal, se convenceu de que não podia organisar uma situação para presidir a ella, e apesar d'isto se sujeitou a fórmar um gabinete, a que via não podia presidir, quando s. exa. sacrificava á politica os seus deveres ecclesiasticos; já a camara vê que eu não avanço uma proposição infundada quando digo que s. exa. é o unico que está de vontade no gabinete. Os seus collegas, esses não se poderam eximir á tarefa de auxiliar o illustre prelado, o espinhoso encargo de gerir os negocios publicos, e estou certo que almejam sempre por sair d'aquelles logares.

Estava a situação forte, nem podia deixar de o estar, estava mais em harmonia com os principios proclamados em janeiro, e o sr. bispo de Vizeu, com a finura propria da sua intelligencia, conheceu bem quaes eram os individuos que devia procurar para seus collegas no gabinete. Foi buscar o sr. Sebastião Calheiros, que era um dos membros dos comicios populares, que tão nobre e patrioticamente se desenvolveram n'este paiz para prover á boa e economica administração, e convidou tambem o valente militar, o eminente liberal, que é sempre respeitado por todos, até pelos proprios inimigos politicos, e foi busca-lo, porque elle offerece sempre garantias de liberdade, e para, quando lhe dissessem que a sua situação e a sua posição ecclesiastica podiam achar-se em desharmonia com as necessidades da epocha e com os principios liberaes, poder apontar para o sr. marquez de Sá, e dizer: "Este, que é um penhor de liberdade, não tem difficuldade em se assentar ao pé do ecclesiastico".

Por consequencia está em harmonia a igreja com a liberdade, podendo assim acobertasse do titulo de reaccionario, palavra magica que tantas vezes falsamente tem sido lançada sobre governos, e que podia muito bem, apesar da boa vontade do sr. ministro do reino, ser por malevolencia lançada para sobre o membro do clero, que fez o sacrificio de abandonar as suas ovelhas, de deixar os mais gratos de todos os seus deveres, de sacrificar a sua saude, de sacrificar todos os seus interesses espirituaes e temporaes, mas os espirituaes mais do que tudo, para vir presidir aos destinos d'este paiz, o qual nem sempre é grato a todos os sacrificios. Não digo isto por censura, pois julgo que o clero não póde ser excluido da sociedade, nem póde deixar de considerar-se o elemento mais respeitavel e mais importante da mesma sociedade, sobretudo quando não está revestido dos prejuizos da reacção, acompanhando-nos em todas as liberdades que ha cincoenta annos procurâmos conquistar para constituir a sociedade em bases solidas, de certo deve ser muito bem recebido por nós todos, e não podemos deixar de reconhecer o sacrificio que s. exa. fez em tomar sobre si o encargo da governação. Escolheu mais tarde o sr. conde de Samodães, que tambem tinha presidido a uma grande parte dos movimentos patrioticos do Porto.

Tinha portanto, sr. presidente, o governo, quando se organisou, todos os elementos para ser um ministerio que se podesse apresentar como exemplo a todas as situações passadas e futuras. Ainda não houve circumstancias politicas mais vantajosas para um ministerio do que aquellas em que se acharam os actuaes membros do gabinete quando subiram ao poder. Vejamos como se desempenharam.

Este ministerio era filho legitimo da revolução de janeiro (e eu já pedi desculpa á camara de lhe chamar assim, porque não quadra bem, mas está sanccionado); este ministerio pois era filho legitimo do principio proclamado por aquella revolução, e quando chegou ás camaras, como não podia trazer promptas as medidas que desenvolvessem o seu programma, limitou-se a prometter muito, e a mostrar grande respeito pela lei e pela moralidade, promettia o reinado de Astrea e principalmente grandes economias que havia de realisar, economias de que o paiz estava sequioso, e ainda bem que o estava, assim como eu já o estou ha muito tempo, pois tenho aqui clamado constantemente por economias sinceras e votado contra todas ás despezas exageradas. Haja vista o modo como combati a reforma do ministerio dos negocios estrangeiros, a lei de administração civil e os impostos indirectos, na companhia do sr. conde de Samodães, eu com as minhas poucas forças, e s. exa. com a sua muita capacidade; por consequencia, todos devem conhecer que não são as economias que me fazem afastar da politica do governo.

Os srs. ministros, compenetrados dos principios sustentados pela revolução de janeiro, entenderam que lhes cumpria estudarem o meio de salvar o paiz, e para poderem satisfazer esse seu louvavel desejo, pediram uma auctorisação ampla ao parlamento. Este concedeu-lha com tanta amplitude, como nenhum governo até hoje a recebeu e nenhum a pediu.

Eu, sr. presidente, não vim aqui n'essa occasião, e como costumo dizer á camara os motivos por que não venho assistir ás sessões, que são a impossibilidade de abandonar negocios meus ou a necessidade de tratar da minha saude, direi agora tambem o motivo por que não vim. N'essa occasião estava completamente bom e tinha toda a possibilidade de me apresentar aqui. Quero porém fazer a confissão do meu erro, se o foi. Receiava que os srs. ministros, apesar dos seus talentos e virtudes, não podessem desempenhar-se da sua tarefa, e receiava que apesar de tanta seriedade, apesar de tantos e tão variados conhecimentos, e de os conhecer como homens versados nos negocios publicos, não podessem entrar convenientemente em todos os negocios, e por isso não queria dar uma auctorisação tão ampla, sem que fosse precedida de explicações categoricas, para eu poder avaliar quaes as idéas de que elles se achavam possuidos para se desempenharem da grave responsabilidade que iam assumir, e tambem porque não queria de maneira nenhuma levantar a minha voz contra os homens que julgava