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102 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mais em harmonia com a situação politica, e a quem a popularidade bafejava com carinho. Uma desconfiança fundada em factos negativos não me parecia muito justificada quando homens serios diziam acharem-se capazes do satisfazer aos seus encargos, repugnava porém á minha consciencia tão illimitada confiança, abstive-me de votar. Foram estes os motivos por que não vim á camara n'aquella occasião.

Sr. presidente, a auctorisação foi concedida, o governo achou-se com a plenitude de todos os poderes, posição aliás desagradavel, mas o governo tinha recebido uma auctorisação do parlamento para reformar o que entendesse conveniente e necessario no sentido da economia, fe-lo. Não examinarei se bem ou mal, porque com rasão a commissão exceptuou do bill as medidas decretadas pelo governo emquanto durou essa auctorisação. Tem o governo de responder por esses actos, mas não carece de um bill de indemnidade. Esse recáe só nas medidas tomadas depois de acabado o periodo que o parlamento fixou.

Posto que me sobeje vontade de analisar o facto da dissolução da camara dos senhores deputados, na occasião em que o parlamento ía tomar contas ao governo, abstenho-me de o fazer para não demorar o debate, nem aggravar a situação.

É um facto importante, tal como foi, a dissolução da camara dos senhores deputados, principalmente por um motivo que me parece não era sufficiente. A questão da presidencia, que fosse mais votado o cavalheiro que era lembrado pelo governo, ou outro que era proposto por um certo numero de deputados, parece-me não ser motivo, muito principalmente em taes circumstancias, para uma dissolução; desde que a escolha posterior e definitiva é entre tres que vão n'uma proposta, podia ser preferido um que não fosse o mais votado. Mas como quer que seja o facto deu-se, o governo aconselhou a corôa como entendeu, e estava no seu direito, não tenho que censurar.

Principiam porém as minhas censuras em que o governo, que tinha já usado largamente das auctorisações que lhe foram concedidas, desde que se viu sem parlamento, sem uma representação nacional, então é que metteu deveras mãos á obra, como se costuma dizer, então é que arcou de cutelo em punho contra as cousas que lhe pareceram menos faceis de destruir em presença do parlamento, e censuro tanto mais quanto acho que se não attingia o fim, que se propunha ou que dizia propor-se, de economisar e moralisar. Entre essas medidas que se apresentam ao nosso exame e que são comprehendidas no bill ha tres que o governo não podia decretar, mesmo invocando o principio de salvação publica, porque se oppõem aos principios de justiça, alteram a representação nacional e atacam o direito de propriedade, e por isso offendem gravemente a constituição; já se vê que me refiro á lei eleitoral e ao decreto que tirou o subsidio ao palacio de crystal e ao banco ultramarino. São offendidos principios sem os quaes sociedade alguma póde subsistir, é contra estes que se revolta o meu espirito e por causa d'elles que recuso o meu voto ao bill em discussão.

Sr. presidente, as dictaduras são sempre criminosas, as dictaduras são sempre a negação do systema representativo, as dictaduras são sempre uma arma politica com que os inimigos da liberdade argumentam, para dizerem: vós não podeis governar; vós não podeis sentar-vos meneio ao lado da anarchia; vós nunca podeis legislar, porque quando tiverdes essa necessidade lançareis sempre mão da dictadura. Só sabe governar com as dictaduras quem não sabe ser liberal, quem não quer saír do poder quando a opinião publica lh'o indica, e embora essa indicação não esteja em harmonia com as necessidades dos povoa, deixae a responsabilidade aos parlamentos, porque os povos lhes pedirão contas. Estas são as doutrinas que eu bebi com o leite da educação. Estas são as doutrinas que os srs. ministros devem ter gravadas no seu coração, nem podem deixar de ter, porque nesse caso não podiam ser admittidos na communhão liberal. Mas o falso ouropel de uma opinião desvairada, o desejo de attender a falsas representações, o desejo de angariar falsos amigos que os amostram ao abysmo, as economias mal imaginadas, e que seriam bem recebidas se fossem efficazes, o mau estado da fazenda publica que os aterrava, não vendo que elle ficaria peior quando o governo saísse da legalidade, porque ]he fugia a confiança, base do credito, unica fonte a que podiam recorrer de prompto; estou persuadido que ss. exas. estão arrependidos se usarem da dictadura, faria injustiça á sua boa fé se e não acreditasse, pois estão vendo como o credito tem correspondido aos seus actos dictatoriaes.

Eu voto e votarei toda a minha vida contra as ditaduras. Nasci já quando as lutas da liberdade e do absolutismo andavam n'este paiz destruindo os irmãos communs. Fui creado com leite liberal, e por isso não posse querer as dictaduras, que são mais criminosas do que o absolutismo, porque este é uma escola, e a dictadura é uma excepção do systema constitucional e uma negação completa d'esse systema.

Embora se diga que a dictadura é para os grandes transes da sociedade; é nesses que eu quero mais liberdade, porque, se não, pelo mesmo motivo, deveriamos ter os tribunaes de occasião.

Quando houver grandes crimes façam-se tribunaes do occasião, porque as formulas levam tempo, os processos são morosos, e os criminosos escapam-se pela difficuldade que ha de se provar o crime em harmonia com a lei ordinaria. Ora esta doutrina, que ataca es direitos e a liberdade individual, é a mesma em que se baseiam as dictaduras. Se nós não queremos isto para os individuos, como o havemos de querer para a sociedade, que é o complexo de todos os individuos, sendo portanto mais graves os attentados contra ella?

Eu peço desculpa a v. exa. e á camara de a estar entretendo com objectos de que ella tem tanto conhecimento como eu, mas a benevolencia com que os dignes pares me têem sempre tratado, se me póde fazer exceder ou ir mais longe do que eu desejo, não é porque tenha em vista illustra-los, mas sim mostrar a ordem das minhas idéas.

Sr. presidente, jurei manter este codigo sagrado (mostrando a carta constitucional), Puz a mão sobre os Santos Evangelhos, e disse que não admittiria que fosse alterada, senão pela maneira que n'ella se prescreve; sou fiel no meu juramento, rejeitando as dictaduras e todas as suas funestas consequencias.

O juramento é para mim uma verdade como deve ser para todos; bem sei que as interpretações casuisticas dos theologos fazem muitas vezes apreciar as questões de moral de differente maneira. Assim ha quem diga que fica sanada a falta commettida com a absolvição dada depois do facto. A minha opinião é que não póde ser sanccionado o facto com o acto de humildade do poder, de vir á camara pedir este bill, por isso mesmo que ella não póde, segundo a carta, absolver do crime senão constituida em tribunal.

É este, com effeito, o principio, a meu ver: e se o governo, se os srs. ministros se apresentassem no banco dos, eu votaria para que fossem absolvidos, porque estou disposto a acreditar que as suas intenções são boas, o que attenua o crime, mas não dispensa o processo.

Dizem porem, como dia a illustre commissão (lendo): "Attendendo a que são propões uma confirmação restrictamente provisória..." Não posso nem devo estar por isto. E nem posso nem devo, porque ámanhã, vindo outro ministerio, com o pretexto de interpretar o sentimento publico, phrases sacramental hoje adoptada para todos e quaesquer excessos que se queiram fazer; ámanhã, digo, outro ministerio que tambem se involva em materia, legislativa, pouco a pouco fará com que se tome o parlamento por uma inutilidade (apoiados), até que se proclame uma dictadura permanente, embora esteja com o caracter de provisoria,