DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 105
Discurso do digno par o exmo. sr. Miguel Osorio, proferido na sessão de 29 de maio, e que veiu por extracto no Diario da camara dos dignos pares, pag. 61, col. 2.ª
O sr. Miguel Osorio: - Primeiro de que tudo, sr. presidente, devo dizer a v. exa. que tenho procurado sempre n'esta casa igualar a minha docilidade ao desafogo com que entro em todas as questões, a minha docilidade ás advertencias de v. exa., que respeito quando justas, sensatas e rectas, e pela auctoridade da sua pessoa, e mais ainda da posição que occupa; mas nas circumstancias actuaes não me cabe a accusação que v. exa. me dirigiu, pelas expressões que hontem proferi nesta casa. A culpa é dos defeitos acusticos d'esta sala, e é só por essa rasão que v. exa. não fez uma apreciação exacta das minhas palavras, não podendo ouvir o que os oradores dizem.
Por certo que v. exa. não quererá fazer recaír sobre mim a responsabilidade d'esse defeito. Não creio que nas expressões que hontem proferi sobre um facto, aliás grave, a que me referi, houvesse alguma phrase menos decorosa, ou impropria d'esta casa do parlamento, e a resposta do sr. ministro do reino, que a convite meu disse como se passaram os acontecimentos a que alludi, tambem não me parece excedesse os limites da descripção com que taes assumptos devem ser tratados; não tinha portanto inconveniente algum a resposta.
Julgo que tanto eu, como o sr. ministro do reino, não merecemos a censura que v. exa. nos dirigiu.
Sr. presidente, é difficil a situação de um orador, que sem merito oratorio para poder attrahir a attenção de um corpo tão respeitavel, se vê na necessidade de occupar por dois dias a tribuna, não o póde fazer sem caír em monotonia, por ter de recapitular as considerações que na ultima sessão apresentou. E por consequencia v. exa. e a camara me relevarão qualquer defeito em que eu incorra, levando-me em conta a difficuldade da minha situação. Estou habituado desde ha muito á benevolencia da camara, por isso lhe peço que me conceda mais alguns momentos para diversas considerações, nas quaes procurarei ser o mais breve possivel, seguindo o preceito da brevidade, não para poder agradar, mas para poder ser attendido.
Disse eu hontem, depois de ter feito uma descripção retrospectiva da situação politica em que o paiz se acha, depois de ter censurado as dictaduras em geral, depois de ter apresentado os motivos que me levaram a rejeitar estas medidas em these e em hypothese, disse que era preciso dividir as medidas que o governo tinha tomado dictatorialmente em medidas propriamente administrativas e economicas, e medidas que offendiam o direito e a constituição. Disse que me era impossivel dar o meu voto a favor das ultimas.
Não tinha porem duvida alguma em acompanhar a commissão no bill de indemnidade, que ella dava em relação ás primeiras, de mais a mais com o caracter de não permanencia com que a commissão tambem o dava, pois que o parecer não dá senão temporariamente força de lei; porque pelas suas proprias palavras mostra a necessidade urgente que ha de reformar algumas d'aquellas leis dictatoriaes; e eu, ainda que esteja disposto n'esta parte a absolver o governo da responsabilidade em que incorreu, não me conformo em muitas das disposições d'essas leis com as idéas do governo, nem a commissão se conformou, e é por esse motivo que ella faz tão clara e solemne restricção no seu parecer.
Sr. presidente, agora quanto ás outras medidas que eu qualifiquei como offendendo os principies de justiça e a lei constitucional, é que eu pedi á commissão que as separasse, para se poderem discutir pausadamente. Se porem o governo e a commissão não concordassem com a minha opinião, já v. exa. e a camara deviam perceber que eu me veria forçado a votar contra o bill, quaesquer que fossem as consequencias que d'ahi resultassem, não pela auctoridade do meu voto, que é insignificante, mas porque um voto tem um valor numerico, e esse valor poderia trazer consequencias politicas. Dadas estas explicações comecei na analyse da medida que eu reputo mais aggravante da situação, e é a lei eleitoral. Foi por essa occasião que eu disse, que as apreciações que havia no publico eram que a dictadura n'esta parte tinha sido contraria á vontade de El-Rei, e que as disposições do animo de Sua Magestade estavam pouco inclinadas a votar uma medida d'aquella natureza; e não desejando de fórma alguma fazer accusações graves n'este sentido sem ouvir a verdade dos factos, e não me atrevendo ainda assim a pedir ao sr. ministro do reino que respondesse ás minhas perguntas, convidei s. exa., se a sua bondade o levasse a esta deferencia para commigo, a declarar se eram menos fundados os dizeres publicos de que Sua Magestade não tinha assignado o decreto eleitoral senão na presença do sr. ministro do reino?...
O sr. Presidente: -.............................
O Orador: - Perdôe-me v. exa. se eu dirigisse uma pergunta ao sr. ministro do reino para me dizer o que se passou no conselho privado de El-Rei, s. exa. podia responder-me que não tinha auctoridade para o dizer; mas como eu só o convidei para me dizer se eram verdadeiras algumas asserções que se tinham espalhado; como só lhe pedi que, se não achasse inconveniente, me dissesse o que havia áquelle respeito, creio que não faltei aos principios, nem o sr. ministro faltou ás conveniencias particulares e publicas com a resposta categorica que deu; e nós tirámos um grande resultado de ouvir a resposta de s. exa., que disse que podia assegurar, depois de me ter dado explicações pessoaes, que não eram já necessarias, que as cousas se passaram em conselho de ministros com a maior regularidade, e que o governo assumia toda a responsabilidade d'esse acto. Segue-se daqui que o sr. ministro do reino não ratificou as asserções que se espalharam, e que restabeleceu a verdade dos factos; e portanto, parece-me que nem eu nem s. exa. merecemos as censuras de v. exa. Eu, pela minha parte, rejeito-as, sem comtudo deixar de agradecer os termos benevolos com que me foram dirigidas.
Por consequencia, sr. presidente, não posso deixar de dizer, que factos d'esta ordem discutem-se em todos os parlamentos do mundo, nem podem deixar de se discutir. As responsabilidades da corôa traduzem-se em responsabilidades effectivas dos ministros. Tambem aos membros do parlamento se concede a irresponsabilidade pelas opiniões proferidas dentro das suas respectivas camaras; é a doutrina do artigo 25.° da carta; e será essa concessão para satisfazermos as nossas paixões e caprichos? Não, por certo, mas para podermos entrar em todas as questões delicadas e apresentar ao publico a historia exacta dos acontecimentos, e foi no uso d'esse direito, de que usei com a maxima moderação, que eu tratei de assumpto tão importante e melindroso.
Estimo, sr. presidente, que a exposição franca do sr. ministro do reino destruisse todas as apprehensões que existiam a similhante respeito, para que não houvesse quem ficasse suppondo que se tinha dado n'este paiz um acontecimento analogo ao que ha annos se deu em Hespanha. V. exa. ha de estar lembrado que em Hespanha houve um ministro, que se disse ter tentado segurar a mão da sua soberana para a obrigar a assignar um decreto, e que este ministro foi acremente censurado no parlamento, e em virtude de uma accusação feita por um deputado, teve de largar o poder.
O que havia de fazer um soberano que não tivesse os membros do parlamento revestidos do direito de perguntarem se elle tinha sido, ou não, livre no exercicio das suas acções? A quem havia de recorrer? Havia de descer os degraus do throno para se tornar accusador?
Nós temos obrigação de sermos as atalaias constantes de todos os direitos e de todas as obrigações, assim cumprimos o nosso mandato.
Por consequencia não posso conformar-me com as observa-