DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 107
no se arvora em interprete da opinião publica, para se livrar de a consultar segundo as formulas estabelecidas, e que estas se podem alterar livremente; que se espera colher de taes sementes? A ordem e o respeito á lei e aos poderes publicos? De certo não.
Tudo isto são factos importantes, que se não podem desprezar. Diz-se-nos que a opinião publica ha muito proclamava que a representação nacional carecia de uma reforma; partilho esta opinião emquanto a esta casa do parlamento, e já aqui a tenho sustentado mais de uma vez.
Quanto á camara dos senhores deputados, declaro francamente que nunca fui d'esta opinião; entendo que a eleição de um só deputado em circulos pequenos é a melhor fórma, mas isto não vem agora para aqui; quero suppor que o governo partiu do principio de que o paiz não estava sufficientemente habilitado para poder fazer a escolha de deputados que era conveniente para constituir a verdadeira representação nacional, e accedeu ao que os partidos vencidos nas eleições proclamavam, queixando-se de que a lei eleitoral não servia senão para trazer á camara electiva as influencias locaes. Pois n'esse caso o governo não preencheu o seu fim, porque deu mais acção ao governo nas eleições, mas não se viu livre das influencias locaes; n'esse caso voltasse para a eleição indirecta, podendo dar-lhe em primeiro grau o suffragio universal, ao menos tinha a grandeza de uma reforma.
Parece-me, sr. presidente, que esse acto era mais aceitavel em dictadura, reconhecendo-se que o paiz precisava tanto d'este passo, que se podia determinar que houvesse o suffragio universal para passar depois á eleição indirecta, e d'esta fórma não havia tanto risco para as liberdades publicas, porque se por um lado se passava para a eleição indirecta, por outra parte se estendia a area de suffragio.
Creio que a camara não quererá que eu exponha n'esta occasião mais extensamente as minhas opiniões sobre este objecto, porque não se trata do que podia ser, mas do que foi o acto dictatorial.
Mas, sr. presidente, eu não posso deixar de dizer á camara o que ella sabe tão bem como eu, o que dizem os artigos 26.° e 28.° da carta de lei de 23 de novembro de 1859.
O artigo 26.° diz (leu).
Agora peço a attenção da camara para o artigo 28.°, que contem uma disposição bem significativa. Diz este artigo o seguinte (leu).
Parece-me, sr. presidente, que esta disposição é tão inutil como aquella que vem no bill, que está em discussão, de que estes decretos dictatoriaes podem ser revogados por uma lei, e que eu, se fizesse parte do parlamento n'aquella occasião, propunha que se eliminasse da lei, por me parecer inutil; tem comtudo uma grande significação, é a do receio que tinha o seu auctor de que o poder executivo alterasse um ou outro circulo, considerando isto como um grande attentado contra a representação nacional. O que é notavel é como mudam as opiniões; um dos que concorreu para se inserir esta disposição na lei foi o actual sr. ministro da justiça, que agora alterou os circulos em dictadura, pôde-se dizer: mutantur tempora et nos in illis.
Ponha a illustre commissão aqui os olhos, e veja quanto é inutil a disposição, que agora apresenta tambem no seu parecer, de que serão revistos estes decretos; hão de se lo quando o executivo quizer; eis o perigo de sanccionar dictaduras! Ha de acontecer o mesmo que aconteceu ao legislador quando impoz esta disposição na lei eleitoral.
Sr. presidente, a camara já está fatigada, eu dou por discutido este ponto, e declaro que não faço nenhuma proposta contra o bill de indemnidade. A commissão aceitará como quizer as rasões que apresentei, e não farei proposta nenhuma, porque o governo de certo a não aceitará, e eu venho aqui para tirar de mim a responsabilidade que porventura me podesse caber em votar actos dictatoriaes; venho aqui mostrar ao meu paiz quanto respeito a lei, e que a tenho respeitado sempre como cidadão e como homem publico; e venho aqui finalmente mostrar ao meu paiz e á camara, que não sou homem para acompanhar o despotismo para parte alguma, que só sei acatar e respeitar a lei, e que não ha considerações algumas de qualquer natureza, nem mesmo invocando a ordem publica, que me possam demover d'aquillo que eu sinto e entendo.
Sr. presidente, não posso comtudo deixar de fallar em outras duas medidas que são - a suppressão dos subsidios ao palacio de crystal e ao banco ultramarino; parece que estas medidas são contrarias á justiça, pelo menos uma, e o legislador em quaesquer circumstancias que seja não póde preterir a justiça, o que importaria admittir a supremacia absoluta da força contra a supremacia da justiça e da rasão, seria admittir a supremacia da força bruta contra a supremacia da intelligencia.
Sr. presidente, o decreto de 22 de abril de 1869 veiu tirar ao palacio de crystal um subsidio de 6:000$000 réis, que tinha sido consignado n'uma lei para satisfazer ao pagamento da divida que o palacio de crystal estava auctorisado a contrahir, vindo a acabar aquelle subsidio quando se tivesse concluido o pagamento d'essa divida. O governo, com o desejo de fazer economias, viu que aquelles 6:000$000 réis eram applicados para um fim particular e industrial, e por isso supprimiu aquelle subsidio; e as rasões, que o governo dá por ter procedido assim, são que as condições com que aquelle subsidio fôra dado não tinham sido satisfeitas. Isto parece-me menos exacto, e por este motivo é que combato a disposição do governo. Permittam-me v. exa. e a camara que lhes lembre que fui eu, e os dignos pares os srs. Margiochi, Vellez Caldeira, já fallecido, com grande magua de todos nós, barão de Villa Nova de Foscôa, Joaquim Filippe de Soure, e não sei se o sr. visconde de Fonte Arcada, dos membros que se achavam na camara, por occasião de se votar o subsidio ao palacio de crystal, que votámos contra, assim como tambem votámos contra os réis 75:000$000 que o governo propoz, e que lhe foram dados, creio eu, que para o acabamento do mesmo palacio, ou para despezas da exposição.
As considerações, que eu então fiz e que fizeram os dignos pares que votaram commigo, são as mesmas que vem exaradas no decreto, decreto que vem assignado por todos os srs. ministros, mas que me parece ser da repartição do sr. ministro da fazenda. Facil era de ver que nós, que sempre temos, andado tão ligados em politica, nos podessemos encontrar no pensamento, mas no que nós não podemos concordar é em revogar uma lei que foi approvada pelo parlamento, contra minha vontade sim, mas que é lei, por acto dictatorial, indo offender um contrato com terceiros, o que faz que nem o parlamento o possa fazer, porque seria o mesmo que o paiz faltar á sua palavra; o que os individuos não podem fazer, porque não poderiam ser chamados homens de bem nem honrados, é obvio que o não podem fazer as nações; não ha uma moral para os individuos, outra para as nações.
Sejamos economicos, porque o devemos ser, e o actual governo tem mais obrigação de ser economico do que qualquer dos seus antecessores, por isso que foi em nome do principio economico que elle subiu aos conselhos da corôa. Restabeleçamos o nosso credito; mas restabeleçamo-lo sem destruir e calcar aos pés os contratos que temos feito, declarando-se que os contratos baseados unicamente sobre a conveniencia publica não valem cousa alguma! Parece isto incrivel! Vale mais uma escriptura feita no cartorio de um tabellião do que uma lei approvada pelo parlamento? O que eu posso affirmar á camara é que chegámos a um tempo tão desgraçado que nem nos proprios poderes publicos podemos confiar! E eu deploro bastante que assim succeda.
Sr. presidente, v. exa. e a camara toda hão de de certo reconhecer que todas estas considerações que faço são insuspeitas. Os dignos pares que me ouvem devem seguramente estar lembrados de que eu combati o projecto que pelo parlamento foi approvado, com o fim de dar este sub-