DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 109
tem de se demittir perante a assembléa geral, e esta de nomear outro que tenha a confiança do governo.
Portanto, o sr. ministro não só tinha á sua disposição os balancetes, como as correspondencias que tinha havido, e todas as resoluções do banco a respeito d'este negocio; por consequencia, tinha meios de se informar officialmente da verdade, e grave responsabilidade lhe cabe se, tendo o direito de inspecção no banco, não usou d'esse direito e não obrou em virtude d'elle.
De duas uma, ou as asserções do governo são inexactas, ou falta á verdade o governador do banco na representação que dirigiu a el-rei, representação que escuso de ler, porque a camara tem d'ella conhecimento.
N'este documento se affirma que as delegações de Benguella e de Mossamedes estão creadas, logo onde está a verdade? No documento official que serve de relatorio ao decreto, ou no documento extra-official, mas de caracter quasi officialissimo, em que o governador do banco leva á presença de El-Rei as queixas das más apreciações com que o governo lhe impoz uma sentença condemnatoria sem averiguar a verdade dos factos?
É certo, sr. presidente, que em parte é verdadeira a asserção do governo, quando diz que se não estabeleceu a agencia de Moçambique. Effectivamente, esta, agencia não foi estabelecida, mas são tão momentosas e importantes as desculpas que a tal respeito o governador do banco apresenta n'esta mesma representação, que me parece que a falta é quasi insignificante. A agitação da provincia, a falta de communicações com a metropole eram motivos sufficientes para justificar o procedimento do banco.
É só na véspera de se abrir o parlamento, quando parecia ao paiz que deviam estar extinctos todos os animos dictatoriaes do governo, que o sr. ministro da marinha se lembrou de apresentar um decreto, que importa uma sentença condemnatoria para os individuos que foi atacar, tentou destruir assim o credito respeitavel de uma corporação que tem feito importantes serviços, e lançou uma censura a um homem que merece a confiança publica. Brinca-se assim com um estabelecimento de credito? Se o banco não estabeleceu as agencias, maior é a responsabilidade do governo por não lhe ter exigido o estabelecimento d'ellas nos prasos marcados pela lei, e por não avisar a direcção em tempo competente da sua intenção de lhe suspender o subsidio.
Mas, sr. presidente, porque o banco não póde estabelecer uma das agencias a que estava obrigado, o governo tira lhe o subsidio todo, como se tivesse deixado de cumprir o contrato em todas as suas condições?! Mostra-se a impossibilidade de cumprir uma só condição, tendo-se cumprido todas as mais, e impõe-se uma pena total como se não se tivesse cumprido nenhuma! Parece que não ha justiça n'este paiz.
É de mais, sr. presidente, quaes foram as auctoridades competentes que o governo ouviu para tomar este parecer? Ouviu o procurador geral da corôa? Ouviu o seu ajudante, junto do respectivo ministerio? Ouviu o procurador geral da fazenda? Não tinha o conselho d'estado para consultar? Não tinha tantos corpos que o podessem illustrar? Os governos, por se aconselharem, não ficam menos revestidos de auctoridade, pelo contrario, adquirem muita mais; e se os governos em tempos ordinarios procedem assim, como não devem proceder cautelosas as dictaduras? Não têem elles, quando se tornam superiores á lei, obrigação ainda maior de ouvir as auctoridades competentes?
Deploro que uma illustração, como é o sr. ministro da marinha, não achasse outra economia a fazer senão a retirada d'este subsidio, porque se fica na duvida se foi uma economia, se foi um attentado contra a propriedade.
Sr. presidente, eu estou cansado, e a camara de certo o estará de me ter prestado a sua attenção benevola, que muito agradeço, e os srs. ministros tambem estarão cansados de me ouvir. Parece me porem que não faltei ao respeito devido á minha pessoa, á camara e a s. exas.; e se porventura me escapou alguma palavra que se possa julgar menos propria, todos me farão a justiça de acreditar, assim o espero, que da minha parte não houve a menor intenção offensiva para ninguem.
Por consequencia, sr. presidente, concluindo, direi que, se estas medidas forem approvadas, em logar de elevarmos o nivel politico d'esta nação, abaixa-lo-hemos; em logar de elevarmos o credito avilta-lo-hemos; e se se quizer appellar para, os capitães, como ha pouco succedeu, acharemos as portas fechadas, porque lhes hão de ir dizer que no dia seguinte não se pagam os creditos, e então não se devem ir sacrificar estas corporações por quem não póde merecer a sua confiança.
Sr. presidente, diz-se que os paizes são administrados pelos governos que merecem, mas eu quizera que o meu paiz não merecesse, um governo que fosse capaz de praticar injustiças, e estou persuadido que os srs. ministros são os proprios que deploram já estes acontecimentos; e que tão de pressa possam hão de prover de remedio.
Tenho dito.
Discurso proferido pelo digno par, o exmo. sr. Rebello da Silva, na sessão de 31 de maio, de que se publicou um extracto, a pag. 67, col. 2.ª do Diario da camara dos dignos pares.
O sr. Rebello da Silva: - Eu peço licença para explicar primeiro a contradicção apparente de dizer que fallava contra algumas das disposições do parecer, e de votar, apesar d'isso, a favor do decreto absolutorio pedido pelo governo. Duas rasões me dictam este procedimento. A primeira é filha dos considerandos do parecer da illustre commissão; a segunda, de reflexões, nascidas das circumstancias do paiz, consideradas em si mesmas e nos seus resultados naturaes.
Quanto ao parecer, não posso ter duvida em concordar com a doutrina do seu segundo considerando, visto que a approvação concedida por elle se reduz a uma confirmação restrictamente provisoria, conforme se lê no texto, e conforme o esclarecido relator, o digno par o sr. Silva Ferrão, declarou nas reflexões que lhe ouvimos. Se o governo aceita a doutrina e o commentario seriamos demasiado exigentes, nós os que estamos em outro campo, repellindo-a ou não a abraçando.
Continuam em vigor os decretos da dictadura, e fica sómente suspensa a legislação em contrario? Salvo o principio, e reconhecido o direito de revisão da materia dos decretos nesta sessão mesmo da legislatura, direito que, a meu ver, assiste ao parlamento em relação a todas as leis, fica aberto o caminho de se emendar o que carecer de emenda, e de se corrigir o que carecer de reforma.
E se não subsiste motivo para levarmos longe de mais os escrupulos, facilmente se deve comprehender que a causa publica póde exigir o voto affirmativo, porque os effeitos da rejeição do projecto seriam muito mais graves, do que as consequencias de absolvermos o excesso de poder, de que os ministros nos pedem os relevemos.
As rasões a favor comparadas com os inconvenientes dar rejeição são sabidas de todos, e creio na realidade escusado alargar mais a explicação d'elles. Quem deixa de os conceber e de desejar evita-los?
Entrarei agora no assumpto. Poucas vezes occupei a tribuna dominado de um sentimento de tristeza tão profunda; mas tristeza só e não desalento, porque ainda tenho fé no paiz e nas instituições, e ainda julgo que d'esta peregrinação dolorosa de hoje poderemos voltar áquelles caminhos, que trilhavamos ha dois annos ainda quando a Europa nos julgava dignos da liberdade pela cordura do povo e pelo respeito das formulas constitucionaes.
Sabemos, porque todos fomos actores ou testemunhas d'elles, os acontecimentos occorridos dentro de um periodo bem curto, mas que todavia resume actos, que a historia nunca ha de esquecer com a lição e com a recordação. Antes de janeiro de 1868 era pleno e liberrimo o exerci-