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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 111

bre as praças estrangeiras, e poupámos o imposto sem notar que o emprestimo se resolve sempre no fim em tributo, e de ordinario em tributo pesadissimo.

A estas illusões é que o paiz, despertando, mas tarde, quiz oppor o seu voto. Não paremos, porém, na estrada dos melhoramentos, porque o erro seria maior ainda e a diminuição da riqueza depressa o castigaria; mas regremos os esforços, calculemos as despezas, e principalmente não tornemos a crear encargos sem receitas (muitos apoiados).

Se eu prezasse uma vangloria esteril diria com um triste sorriso, que me coube o ter sido o profeta ha seis annos, a nova Cassandra objurgaria os que então se riram com appodos do vaticinio. Na doutrina das economias sou mais antigo do que muitos apostolos de recente conversão, mais antigo e de certo tão convencido como elles, mas das economias sisudas e proficuas, e não dos côrtes absurdos, demolidores e ruinosos nos gastos reproductivos. Tenho para fallarem por mim, documentos insuspeitos e datados d'esta mesma tribuna. N'esta casa, em 24 de fevereiro de 1863, previ e annunciei os perigos de continuarmos na carreira precipitada em que íamos; mas cousa singular! A illusão voltou-se contra o aviso, e os harautos do fomento a todo o trance e por todos os modos dispararam sobre aquella humilde advertencia todas as setas da sua aljava com uma ira quasi olympica. Fui denunciado aos presentes e vindouros como um incredulo, cujas aberrações mereciam punição. Pintaram-me cyrstalisado na admiração da cabeça, da mulla montante, e do carro somnolento. Deram-me como adversario das vias ferreas e do vapor, e não sei se acrescentaram que até os silvos da locomotiva me indignavam (riso). Concluso assim o processo lavrou-se a sentença e pesou sobre mim a nota de fossil e retrogrado, epithetos que tinham o mesmo valor e justiça que as amabilidades de hoje contra os esbanjadores. Confesso que me affligiu pouco a censura, e que as injurias passaram por cima da minha cabeça sem me convencerem. É o que lhes succede sempre.

Suppunha que o paiz escorregava para um precipicio, e creio que não suppunha mal. Os factos deram-me rasão. Peço licença á camara para ler algumas palavras proferidas na sessão de 24 de fevereiro de 1863, não por vaidade, mas por mostrar que não me enganei então.

Eis o que disse: "Do ultimo debate conclui que a nossa divida tinha augmentado muito; e toda a camara formou igual juizo por certo, sendo o augmento dos encargos permanentes proporcional. Parece-me que seria mais rasoavel não excedermos os limites de uma circumspecta liberalidade, e que sem falsas economias, as peiores de todas, conviria que regrassemos os gastos de modo, que occorrendo ao indispensavel, deixassemos para mais tarde o superfluo e até o menos necessario..."

"As linhas de communicação accelerada sem uma rede de estradas correspondente, não dão tudo o que nós promettemos em nome d'ellas, e embora traçadas representem um grande progresso e glorifiquem a iniciativa dos governos, melhor fariam tudo isto ajudadas do seu auxiliar natural, que é a viação ordinaria...."

"Não se imagine que os rendimentos se inventam com a mesma facilidade que os bons desejos. Não será hoje, nem ámanhã que os caminhos de ferro, hoje em via de execução, hão de começar a compensar os sacrificios."

Bem vê a camara que o peso dos encargos accummulados sem receitas que os cobrissem me preoccupava em 1863, e que os factos se encarregaram em cinco annos de me dar rasão. Mas eu não pedia que se parasse, que se decretasse a immobilidade; queria que a viação ordinaria acompanhasse a accelerada, e que as despezas se regrassem; porque não julgava possivel progredir muito tempo assim sem uma queda desamparada. Mas as illusões estavam ainda vivas. Os eleitores só lavravam aos seus representantes um mandato imperativo, era de obterem a ponte, a estrada, ou o ramal do caminho de ferro. Os parlamentos, á imagem e similhança do paiz, só cuidavam de alcançar novos traçados de caminhos de ferro, e cada provincia queria ser cortada por um, se não era já cada districto. Os gabinetes deixavam-se envolver na torrente, e tudo correu assim até 1866, em que se levantou a primeira voz de aviso, quando já o abysmo estava a poucos passos. O credito subsidiava largamente tudo, e se as parcellas da divida publica e dos seus encargos eram de anno para anno maiores, se os deficits se accummulavam, não se fallava de imposto nem de economias, porque a idéa era que bastaria o juro dos melhoramentos para pagar no duplo todos os sacrificios. Foi por isto que eu disse que as culpas das illusões, que expiamos agora, é de todos, do paiz, das camaras, e dos governos, e que é profundamente injusto as saca-las a um só. (Apoiados.)

A opinião que emitti em 1863 é a que tenho ainda. Entendo que os melhoramentos são uma necessidade indeclinavel, e que suspende-los equivale a estancar a riqueza publica; mas entendo tambem que de hoje em diante devem paga-los os que os pedirem, cobrindo-se com receita sufficiente todos os encargos delles. Para as linhas ferreas poderem produzir todos os seus beneficos effeitos é preciso que uma rede de estradas ordinarias ligue a viação accelerada com os grandes centros, e que entre estes e as povoações de menor vulto se atem relações faceis e commodas por meio dos caminhos districtaes e municipaes. Sem esta condição essencial as explorações das vias ferreas nunca serão senão a sombra do que podem e devem ser.

Quereria por isso ver applicar á construcção de boas estradas todos os esforços e actividade, e acharia mui util n'este ponto algum ensaio menos timido de descentralisação (apoiados).

A camara sabe que não se seguiu este systema, e que os gabinetes accusados por este motivo não fizeram senão ceder á vontade do paiz manifestada pelos seus representantes.

Pediram se estradas, pontes e caminhos de ferro, e toda a sorte de melhoramentos, emquanto não chegou tambem a vez dos governos assustados pela visão terrivel de um deficit enorme pedirem o imposto. Mas diante do sacrificio indispensavel a febre dos melhoramentos acalmou, e o grito das economias levantou-se. Tudo, menos o imposto, que não é preciso, diziam uns; o imposto depois das economias profundas, bradavam outros.

Dissimulou-se a gravidade da crise para adiar o remedio doloroso, e propozeram-se côrtes violentos, desamparados, que significariam a ruina dos serviços publicos. O meio era heroico, e a panaceia infallivel. A thesoura fazia tudo. Extinctas as despezas desapparecia por força o desequilibrio. Era o famoso dito de Rolando do Ariosto. O corsel teria todas as prendas, e só um defeito, o defeito de ter morrido. Assim matava-se de certo o deficit com o pequeno inconveniente de supprimir do mesmo golpe a administração do paiz! (Riso - apoiados.)

D'esta repugnancia ao imposto nasceu o abuso do credito.

Todos queriam melhoramentos, mas ninguem se prestava a pagar mais, e os governos não tinham remedio senão ceder aos parlamentos; os parlamentos não faziam senão traduzir a vontade do paiz. A illusão passou. Hoje sabemos todos o que custam os melhoramentos, e Portugal é muito honrado para se negar ao pagamento dos seus encargos, e arriscando-se a ver o seu nome riscado do mappa das nações.

O modo é simples e unico. Consiste na reducção gradual e sensata das despezas, e no augmento immediato do imposto. Não se conhece outro (apoiados). Esta é a verdade, e manda a consciencia, manda o dever, manda o patriotismo sincero que se diga ao paiz a verdade, só a verdade, toda a verdade. O regimen em que o soberano, concentrando todos os poderes em sua mão omnipotente, via curvados diante de si os lisonjeiros e os apologistas mercenarios acabou, e para não voltar. O furacão revolucionario de 1789, e o cataclysmo de 1792, em França, passaram por