112 DIABIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
cima dos thronos, e mesmo os que resistiram ficaram assentes em outras bases. Sacudiram nos depois sublevações mais pequenas, alluiram alguns terramotos parciaes, e surgiu das ruinas das velhas monarchias um novo soberano chado- a nação -, que respondeu ao famoso cartel despotico de Luiz XIV "o estado sou eu e não vós, reinaes porque eu vos aceito, e não pelo direito feudal e divino".
Este soberano de milhões de cabeças, de milhões de vontades, cuja voz potente cala a voz dos canhões, cujo braço desarma os exercitos, cujos instinctos adivinham muitas vezes o futuro, é e chama-se o povo; e, como todos que têem o poder, como todos que d'elle podem usar para o bem e para o mal, conta nas praças mais aduladores do que os principes nas suas côrtes. Amigos verdadeiros, creio que poucos, porque n'este ponto a realeza popular não é mais privilegiada do que a realeza do direito divino (apoiados).
Os aduladores saudam-o, fazem lhe cortejos, espreitam-lhe os caprichos, e em vez de lhe apontarem sempre os bons caminhos, dizem-lhe que só elle é grande e forte, que póde tudo, que só elle governa, ou deve governar, e que tudo ha de ceder a um gesto e a um aceno seu. Confundem a rasão com a lisonja, o louvor com a adulação, e procuram fazer no soberano das sociedades modernas o que os cortezãos fizeram dos soberanos das sociedades extinctas, um instrumento, uma voz, uma força docil para elles, hostil ou renitente para todos os outros. Protheus multiformes, os lisonjeiros do povo exploram de mil modos a sua confiança, e armam com mil artificios á sua credulidade. Estes, pedem-lhe a modesta corôa de carvalho de seus representantes, para lhe defenderem a causa no parlamento, como tribunos incorruptiveis. Aquelles, supplicam-lhe o voto para obterem o manto ainda mais obscuro da edilidade local, a pretexto de salvar o municipio. Alguns, satisfazem se com o manto de conselheiros natos dos comicios, e esperam pelo dia de serem tudo, chegando aos beiços o calice enebriante das acclamações.
Muitas ambições são legitimas. Outras... o povo faz justiça d'ellas depois. Nós que respeitâmos o paiz, que nos honramos com a defeza dos seus verdadeiros interesses, nem podemos fallar como os tribunos, nem devemos engana lo como os aduladores. O povo é grande, é forte, é soberano, e é paciente, porque é eterno, mas a sua força reside no direito, e a sua soberania contem-se na lei que elle proprio dieta. Digamos pois ao soberano das sociedades modernas a verdade, como caracteres nobres souberam dize la entre as bastilhas e os desterros aos soberanos das velhas monarchias. Digamos pois áquelle que tem nas suas mãos os seus destinos, e os de todos nós, que tem na sua vontade a sorte do presente e do porvir; digamos-lhe que o illudem quando lhe insinuam que trepida, ou hesita diante dos sacrificios, quando os sacrificios significam deveres de honra, e encerram uma necessidade indeclinavel da existencia nacional. Digamos-lhe que tem rasão quando pede que se firmem as tendencias economicas, que tem rasão quando quer fiscalisado e aproveitado o obolo que lhe arranca o imposto, que tem rasão quando pede a igualdade dos tributos, porque é iniquo ser só o pequeno quem paga ao fisco o que deve, e isentar-se o rico, o poderoso, rodeado de uma clientela de influencias eleitoraes. (O sr. Marquez de Voltada: - Apoiado.) Digamos-lhe tudo isto, e acrescentemos ainda que tem rasão quando acha excessivo o numero de empregados; mas que o enganam quando lhe propõe o holocausto do funccionalismo, e lhe pintam a sua ruina como a riqueza do estado.
Os empregados uteis não são os parias da sociedade, são os cooperadores indispensaveis da civilisação. Acrescente-se que o povo tem rasão quando imagina que o serviço se não póde fazer sem homens intelligentes, mas que o procuram illudir quando lhe asseguram que ha bons empregados sem remuneração condigna. Digamos tudo isto ao soberano das sociedades modernas, porque elle precisa de ouvir a verdade; e digamos-lhe porque o povo, sobretudo o povo portuguez, é cordato e sisudo: e embora momentaneamente se deixe levar do ardor das paixões ou dos impetos instantaneos, de pressa cáe em si e se convence da rasão, e uma vez convencido saberá impor a sua vontade, pelos meios que a constituição offerece, para que outras regras e outras idéas predominam.
A necessidade do imposto é urgente e immediata.
Hontem os encargos eram grandes, hesitou-se, e os encargos hoje são já muito maiores. Recua-se mais, e ámanhã sento invenciveis (apoiados). Entrâmos em novo systema? Deveras o desejo. O parlamento convenceu-se de que era necessario assignar aos actos officiaes tendencias economicas definidas? Creio que sim. Pelo menos explico assim a auctorisação de 9 de setembro conferida aos ministros da corôa, uma das mais latas, e direi até das mais perigosas auctorisações para elles, que a representação nacional podia conceder-lhes. Decorridos mezes promulgaram-se por todas as repartições do estado providencias para se diminuirem as despezas.
Bastantes decretos excederam os poderes delegados pelas côrtes, e outros foram alem do que pedia a reformação equitativa e prudente dos serviços. Demoliu-se muito e não se reconstruiu, ou reconstruiu-se imperfeitamente. Mais largueza no desenho e maior iniciativa e firmeza nos traços dariam duplicadas reducções, e introduziriam na administração principios novos e vivificantes. Pouco se desaccumulou, e ainda menos se descentralisou. Os expedientes complicados sobreviveram, os quadros exagerados permaneceram em grande parte, e para satisfação da opinião lançaram-se da janella das secretarias os cadaveres de alguns concelhos para a entreter e distrahir da contemplação do muito que se amnistrava, porque os coadjutores das reformas tiveram a modestia de se pouparem a si (apoiados).
Reuniram-se em janeiro d'este anno as camaras, e um incidente, a que se avolumou o vulto, provocou a dissolução. Espaçou-se até maio a nova convocação, e o governo saiu de uma dictadura disfarçada para entrar n'outra aberta e mais audaciosa.
Repito, não julguei então, nem julgo necessaria ainda a dictadura. O incidente da eleição, que determinou a intervenção do poder moderador, não tinha as proporções de conflicto insanavel. Mas parece-me que o governo duvidava da docilidade da maioria de 1868, e que aproveitou a occasião para responder a outros juizes.
Em circumstancias tão delicadas era um dever a reunião quasi immediata dos comicios eleitoraes. Interpondo um recurso perante o paiz, o ministerio, devia querer que o plebiscito se lavrasse o mais cedo possivel.
O que parecia rasoavel pois era que o governo convocasse as camaras com a maior brevidade, em vez de a espaçar como fez.
Apreciarei resumidamente outro acto, porque se liga intimamente com este. Refiro-me ao decreto de 18 de março. Declaro á camara, e solemnemente, que me oppuz, por todas as fórmas concedidas aos cidadãos pela carta para manifestarem o seu voto, a este facto reputado por mim um attentado constitucional.
Condemnei o decreto eleitoral em nome dos principios, e em nome das regras de lealdade politica. Não me arrependo. Se o paiz o sanccionou e legitimou aceitando-o nos comicios da eleição, se o cubriu com o seu plebiscito, emquanto este sacramento o não purificou, foi e devia ser, para todos os que prezâmos a liberdade, uma usurpação e uma temeridade dignas de censura.
Publicou-se, como pedra angular de uma reforma parlamentar, o decreto de 18 de março? Essa queria a eu; e não só a desejo na casa electiva, mas na camara dos pares (apoiados). Exponho francamente a minha opinião.
(Interrupção do sr. visconde de Fonte Arcada, que se não ouviu.)
Sei que o digno par o tem dito já, e eu já o disse por