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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 113

vezes, mas repito-o agora. Desejo a reforma da camara dos pares, embora tenha de sacrificar interesses pessoaes.

Entendo que a camara, demolidos como foram os esteios que em 1826 e ainda em 1834 lhe assegurava o alicerce, não póde continuar a existir como nas epochas em que elles, fortes e de pé, a sustentavam (apoiados). Depois das profundas modificações sociaes, feitas desde 1826 até hoje, no modo de ser do paiz e da Europa, não póde a hereditariedade ser tomada como base da existencia de um senado moderno, quando até na terra classica, aonde a sua organisação é solida, começa o edificio a vacillar, e a aristocracia a capitular, propondo a introducção do elemento vitalicio.

A reforma parlamentar é necessaria, e quero-a n'esta casa e na outra.

A camara alta, posta em harmonia com as idéas do seculo, ha de ser muito mais forte, muito mais respeitada, muito mais influente do que hoje (apoiados). Banhando-se nas aguas, vivas dos principios modernos, recebendo o baptismo popular da democracia, ha de resurgir mais vigorosa e mais apta para aquella missão que a constituição lhe conferiu, do que persistindo em se arrastar enfraquecida após a tradição, e longe de principios que são hoje communs aos povos livres. Instituição velha, sentirá breve os effeitos da caducidade; representante do espirito de uma epocha finda, o presente conhece-a mal, e o futuro não a poderá abraçar. Sombra passará como as sombras. Passado cairá no passado. A reforma é o unico meio de lhe restituir o que o tempo, e não erro e culpa sua, lhe roubou. Tome a iniciativa d'ella, e em vez do principio que hoje a torna vulneravel, erguer-se-ha robusta e armada para os combates da opinião e da influencia legitima e fecunda (apoiados).

Disse a verdade, sr. presidente. Hoje só ella póde salvar o paiz. É necessario que se diga tudo no parlamento, e que o paiz saiba tudo.

Mas envolveria o decreto de 18 de março a reforma parlamentar que se precisa e se pede ha annos? Não, de certo. O governo publicou-o com o pretexto de arredondar economias, com a desculpa de diminuir o numero de deputados, e com elle a somma dos encargos do thesouro. Se foi esta a rasão, valia mais suspender o subsidio ou reduzi-lo, e nunca pôr mão violenta na lei organica da organisação de um dos poderes, e reduzir a uma conta corrente o principio inviolavel, á sombra do qual ella repousava.

As rasões de economias podiam ser attendidas sem se tocar no principio organico. Não faço o elogio da lei de 23 de novembro de 1859. Votei contra ella.

Sinto que outros admiradores extaticos das liberdades que ella significava, signatarios do relatorio do projecto, e devotos escrupulosos da sua firmeza, riscassem com mão audaz o proprio artigo inspirado por elles, para pôrem os novos circulos a coberto de um attentado do executivo. Adivinharam o proprio parricidio? (Riso.)

Que foi feito dos escrupulos do distincto homem politico a quem alludo, e que não vejo presente na sua cadeira?

Quando se apresentou em projecto a lei de 23 de novembro de 1809, a lei de que foi principal auctor um dos oradores mais eloquentes da tribuna portugueza; quando elle, affeito a attrahir com a palavra todas as vontades na casa electiva, pintou a eleição de um deputado por cada circulo como a perfeição do systema pela intimidade completa dos eleitores com os seus representantes e as puras nascentes da opinião, admirei a eloquencia, applaudi as intenções, mas não acreditei nos resultados, e por isso não um o meu voto ao d'elle, de José Estevão, n'esta questão.

Não me pareceu que por ora os nossos costumes e educação constitucional justificassem as esperanças do grande orador, e que as vantagens d'aquella intimidade que o seduzira compensassem os inconvenientes, moderando a viveza das paixões e dos interesses locaes, e até as acrimonias, permitta-se-me a phrase, que nascem com facilidade nos pequenos circulos, V. exa. sabe os effeitos da lei. Mas não foi só ella a culpada do mal mais profundo que, a meu ver, mina a organisação dos partidos. Por desgraça chegámos á situação de sermos todos de uma escola, de uma bandeira, de uma opinião. Somos todos progressistas. Não ha um só conservador em Portugal! Não ha um só moderado! Todos são altamente progressistas. É a primeira phrase que solta qualquer orador, e sempre acompanhada do gesto obrigado de apertar a mão no peito.

Dedicado desde a infancia á liberdade, declaro que sou profundamente progressista. Como se a liberdade fosse incompativel com as opiniões menos adiantadas! Mas á profissão de fé não correspondem sempre as obras! O progressista vota muitas medidas que não são progressistas, e até que não são liberaes, mas cobre-se com aquella bandeira, e basta.

Se tivessemos partidos organisados, se tivessemos partido progressista e partido conservador, não presenciariamos os lances que nos affligiram vendo caír ministerios e levantarem-se em presença das camaras, sem ao menos se consultarem os seus presidentes, e passando-se tudo na maior obscuridade (apoiados). Para não acontecer isto, para não estarmos semanas inteiras sem ser possivel forjar um gabinete que substitua outro, retirado tambem fóra da influencia parlamentar, é que os partidos são precisos e devem existir (apoiados).

A condição essencial do systema é que o rei reina e não governa, e esta condição não é uma palavra van, deve ser um facto. O rei de Inglaterra tem estado demente até, e o paiz não sente o menor abalo. O gabinete governa e o soberano cura-se.

Os reis deveriam tomar o exemplo de Leopoldo I da Belgica. Quando a Europa negociava que elle aceitasse a corôa, havia se votado o ultimo artigo da constituição; depois de a ler e de meditar Leopoldo respondeu: "a tunica é apertada, mas não importa. Se não poder vesti-la toda alargar-se-ha aonde for possivel; e se me servir, como espero, tanto melhor, porque vale mais ter as acções um pouco presas, do que demasiado soltas". (Apoiados.)

O rei reina e não governa, cumpre-lhe receber dos ministros e do parlamento as indicações da opinião, retirar-lhe a sua confiança quando perderem a do paiz, e nomear os homens que o caracter, as qualidades e a reputação, e nunca os aulicos ou os corrilhos, inculcarem como dignos do poder. Nada mais e nada menos.

Quando eu fallo assim, não quero significar odio mortal ás dictaduras, embora não tenha approvado os actos de algumas; mas se não me seduzem, tambem não as julgo completamente condemnaveis nem absolutamente inuteis. Não as julgo taes, porque me recordo das de 1834, 1837 e de 1851. O que não percebo nem percebi nunca são as dictaduras sobre posse, fabricadas sem rasão de ser, e nascidas do capricho e não de uma transformação profunda.

O que me maravilha é ver surgir uma dictadura quasi espontanea, e contar entre os seus admiradores aquelles mesmos que as condemnavam.

É menos deploravel que os governos exerçam as dictaduras, do que vê-los applaudir por ellas.

Já mostrei que esta opinião é antiga em mim, e que não vim apregoar hoje uma doutrina depois de ter sustentado antes outra e differente. Podia ser que isto succedesse, porque o dom da infallibilidade não me foi dado; e muitas vezes me tenho arrependido de uma opinião tomada mais de leve, mas agora não acho de que me penitenciar, nem de que me arrepender.

O perigo das dictaduras é suppor-se, que da cabeça de um ou de poucos homens podem surgir repentinamente as reformas completas e perfeitas. E se lançarmos os olhos sobre os decretos que os srs. ministros promulgaram, de certo com as melhores intenções, poderão elles proprios affirmar que esses actos foram os mais perfeitos e os mais adequados, e que lhes sobraram tempo e reflexão para os amadurecer? Não O dirão seguramente. Muitos revelam a