DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 117
por e votar o imposto. Erraram? Não foram infalliveis? Levantou-se contra elles a resistencia latente dos que queriam fruir e não queriam pagar? A imparcialidade manda descrimimar a exageração da realidade, e é cedo ainda para julgarmos.
Os srs. ministros são a prova viva de que se não governa com illusões. Demoliram e a opinião - uma certa opinião - applaudiu. Pararam, porque se não póde estar sempre a destruir sem fundar, e já roncam os bramidos de alguns leões de postiça juba. Appellam para o imposto? E já os leões se encrespam, acham pouco o que se fez e exigem em nome do patriotismo palavroso, que nada offerece ou dá ao paiz nem o tributo actual, que se afie e aguce o cutello do orçamento, e que se intente uma nova razzia. Paguem os leões e os catões como os simples mortaes a sua quota de sacrificios, e não ponham como condição do cumprimento do seu dever o que precisamos que seja a norma, a lei de todas as administrações.
É commodo o artificio. Clama-se e atroa-se. Enfunam-se ôcas declamações de patriotismo esteril. Afofam-se legares communs cobertos de cans, injectam-se com o gesto imperioso e com a palavra rebombante. Pede-se a cabeça orçamental das classes que servem o estado. Fulmina-se o firman sultanico da destruição a esmo, sem plano, sem rasão. Manda-se arrasar tudo, envia-se o cordão de morte a todos os serviços, e diz-se, com ares soberanos de tribuno aposentado, depois estamos promptos a pagar!? Admiravel. Pagar o quê e para quê? Pagar para o deserto e para a solidão? As ruinas não carecem de cortejo. Pagar o quê, se a tesoura d'estas parcas brutescas já tiver cortado indistinctamente as verbas uteis e as verbas reproductivas. Que ingenuidade sublime! Occorre-me, a proposito da abnegação d'este typo de patriotas tympanicos, a novella infantil das Aventuras de Bertholdo - Leão tambem, e desdentado, mas de postiça juba e crespa face. Condemnado a garrote vil, como diziam em estylo amavel certas sentenças, alcançou do juiz por graça unica a escolha da arvore do seu supplicio. Levado a um olival achou todas as oliveiras sem elegancia. Mettido em um figueiral declarou as figueiras feias. Entrado em um pomar não encontrou galho ou tronco em que a sua modestia consentisse que se prendesse o laço fatal. Bertholdo parece-me o mestre dos Catões da ultima hora. Acham tudo possivel, menos o sacrificio. Estão promptos a dar tudo... menos o imposto. "Corte se, corte-se tudo, e depois pagaremos". Que grandeza de alma! (Riso.)
Desejo sinceramente que o governo entre no caminho das economias sisudas, mas quero que as faça onde póde faze-las e como devem ser feitas, reorganisando, simplificando, descentralisando e reduzindo.
Hei de votar impostos. Já os votei e não me arrependo. Estimo porem que os maiores sejam propostos e lançados pelos cavalheiros que se assentam hoje n'aquellas cadeiras, porque a sua iniciativa é o desengano mais formal que podia dar-se ás illusões innocentes ou calculadas. O governo realisou economias e ha de naturalmente continuar; mas reconhece que ellas só, por mais extensas e crueis, não resolvem a crise. Ainda bem que a verdade é já verdade para todos. Ainda bem que ao famoso programma das economias, sós se juntou este valioso coefficiente de correcção.
Sem imposto não se poderá saldar o deficit! É o governo que o affirma. Já o sabiamos, mas é bom ouvi-lo da boca de s. exas.
E não foi só esta illusão que caíu. Desabaram a par todas as outras de que se valeu a especulação politica para difficultar aos governos todos os passos. Nada de imposto sem todas as economias primeiro. Nada de emprestimos com estrangeiros. Nada de concessões aos caminhos de ferro! Excellente e simples! Tinha só o defeio de ser absurdo e impraticavel. O gabinete actual elevado para fazer justiça do passado e exemplos no presente, recebeu a investidura da opinião com estas clausulas restrictivas. Mas os factos podem mais do que as declamações, e os srs. ministros viram depressa, que haviam de optar pela bancarota, ou rasgar folha por folha o cathecismo dos zelosos economistas da escola de 1868. Rasgaram, e não lh'o, estranho. Quando em janeiro d'este anno resoavam nas das os trombones patrioticos, rufavam os tamboris, e estalavam os foguetes saudando no sr. bispo de Vizeu o regenerador da patria; quando as mangas de populares o íam acclamar em columnas escoltadas por guardas de honra; quando finalmente representações pouco felizes no estylo espalhavam sobre a sua cabeça as flores de uma rhetorica um pouco cansada, já comparando-o ao astro radioso e ao astro satellite, e applaudindo n'elle o homem predestinado a exterminar por uma vez as usuras dos concussionarios estrangeiros, eu sorria-me, e creio que s. exa. tambem se havia de sorrir, e com mais rasão, das mistificações voluntarias d'aquelles honrados cidadãos. A essa hora o sr. bispo e os seus collegas mandavam bater á porta dos concussionarios, e receio que pagassem caro o resgate - meditavam conceder mais de 2.000:000$000 réis á companhia de sueste, e supponho que davam a ultima lima aos seus vinte e sete projectos de tributos. São assim as cousas do mundo. Dos bastidores para dentro é que a verdadeira comedia se representava (riso-apoiados).
Os festivaes e as romarias exaltavam o governo por não fazer justamente aquillo que elle estava decidido a fazer. A dictadura foi o prologo.
Essas quarenta representações publicadas no Diario pedindo a resurreição do gabinete, significavam o sentimento do paiz? Como sé explica então que se praticasse exactamente o contrario, é sempre bem e sempre em harmonia com o paiz? Nada de emprestimo! E temos um de réis 18.000:000$000, cujas condições examinarei mais tarde.
Nada de favores a companhias! E interpretando a generosidade da nação, vimos dar de mão beijada mais de réis 2.000:000$000 á companhia de sueste sem compensações, sem ao menos abrirmos com isto ao nosso credito os mercados de dinheiro! O paiz não póde nem deve pagar mais! E ahi estão os projectos de impostos, e nada benignos, que o sr. conde de Samodães propõe. Que feliz ministerio este! Faz absolutamente o contrario do que o paiz diz e quer, fallo do paiz das romarias e das representações, e até as Terpsichores politicas suspendem os volteios para continuarem a sua adhesão (riso-apoiados).
Estão justificados pois os governos anteriores. Tambem esses queriam emprestimo, tributos, e accordo que nos facilitasse as praças estrangeiras, e fieis á sua divisa retiraram-se para não trahir a verdade e a consciencia. O ministerio actual, elevado para governar sem emprestimo estrangeiros, sem concessões a companhias, e para afogar o deficit em economias, deixou ficar boquiabertos os ingenuos da politica, e passou em nome da experiencia e da necessidade para o campo dos seus adversarios. Fez tudo o que elles julgavam preciso, e fê-lo peior do que elles, porque foi mais tarde (apoiados). Se as satisfações de amor proprio fossem licitas em momentos taes, estavam todos mais do que vingados, e foram os srs. ministros insuspeitos, porque receberam a bandeira da agitação de janeiro, os que se encarregaram da justificação, e de proposito disse agitação e não revolução, porque o não é. N'essa agitação houve dois momentos, e um de protesto, e outro de impaciencia - o de protesto aceitei-o logo e aceitá-lo-hei sempre porque significou o desejo firme do paiz de saír da estrada que só podia conduzir-nos á ruina; o de impaciencia não. Filho das paixões, e tocado já de calculos politicos, lisonjeava as multidões para reinar com ellas, e dissimulava a verdade para fazer da illusão arma de ambições;
Aceitei o protesto, mas não posso aceitar por modo algum a impaciencia.
Vou concluir. Expuz o sufficiente para justificar o meti voto. Não procurei agradar a ninguem. Não fui mais severo do que a verdade, nem parcial apaixonado. Está longe da minha mente oppor embaraços ao gabinete. Desejo pelo