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118 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
contrario que elle sustente e faça passar o imposto, e sem hesitar hei de approvar tudo o que me for possivel approvar no systema financeiro do governo.
Não hei de oppor embaraços ao governo, e repito hoje o que disse quando o meu antigo amigo, o sr. conde d'Avila, dirigia os negocios publicos.
Nas circumstancias actuaes a mais triste e dolorosa situação é estar assentado n'aquellas cadeiras. Se a rhetorica parlamentar celebrava os espinhos metaphoricos d'ellas, a realidade hoje de certo os aguçou bem fortes e cortantes.
Não invejo nem as amarguras, nem os sobresaltos dos ministros; não sinto impaciencia de ver a sua quéda, e muito menos estou filiado em grupo que haja de succeder-lhes.
Estou prompto a concorrer com o meu voto para conseguirmos que o paiz se possa levantar da situação em que se acha; e tenho fé e confiança em que as boas tendencias economicas e o augmento do imposto o hão de arrancar da crise com que luta, crise aggravada pelas exagerações e pelos erros dos que, exagerando o verdadeiro estado das cousas, pintaram o quadro tão sombrio, que seria para assustar até os audazes.
Os momentos de desalento nos povos são sempre fataes, por isso faço votos para que o paiz se reanime e creia em si, e para que todos, compenetrando-se da gravidade das circumstancias, se prestem ao sacrificio exigido por uma necessidade indeclinavel.
Feito isto, o paiz declara-se soluvel e as difficuldades principaes desapparecem.
Termino, votando pela concessão do decreto absolutorio ao governo, mas reservando-me o direito de apreciar as medidas dictatoriaes mais detidamente em outra occasião. Entre dois males opto pelo menor.
Quanto ao uso feito da auctorisação de 9 de setembro do anno passado, reservo-me tambem o exame de algumas providencias para occasião opportuna, e declaro mesmo que hei de exercer o meu direito de iniciativa, procurando melhorar diversas provisões.
De mais tenho fatigado a attenção da camara. Disse o que basta para o meu voto ficar explicado.
Discurso do digno par o exmo. sr. Miguel Osorio, proferido na sessão de 31 de maio, e que veiu por extracto no Diario da camara dos dignos pares, pag. 68, col. l.ª
O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, eu poderia n'esta occasião rectificar algumas das minhas expressões que não foram bem interpretadas pelo digno par que me precedeu, porém não o faço, porque não só a hora está adiantada, mas porque a camara deve estar anciosa por ouvir outros oradores. Alem d'isso ainda se não ouviram, por assim dizer, senão mui breves explicações por parte do governo, e eu estou certo que algum dos srs. ministros ainda naturalmente ha de tomar a palavra para responder ás considerações e duvidas que se têem aqui apresentado; porque apenas o sr. ministro da fazenda é que se resolveu na ultima sessão a fazer algumas observações em resposta ao que eu aqui disse, e fe-las então por suppor que não teria occasião de vir aqui hoje, e foi tambem na duvida de que o nobre ministro viesse, que eu pedi ao sr. presidente que me d'esse a palavra só quando s. exa. estivesse presente.
Sr. presidente, disse hontem o sr. ministro da fazenda, respondendo ás reflexões que eu tinha feito, que =o contrato que eu tinha lido e que dizia respeito ao palacio de crystal não era mais do que um contrato promissorio e não um contrato de mutuo =. Eu peço perdão a s. exa., mas as cousas passaram-se da maneira que vou referir (leu).
A sociedade contrahiu um emprestimo de 100:000$000 réis. Fez o contrato que veiu a Lisboa á approvação do governo. Pela portaria que eu hontem li foi auctorisada a sociedade do palacio de crystal a fazer um emprestimo, e a fazer effectiva aquella transacção.
Eu não creio que o sr. ministro nem a camara queiram que eu leia agora toda a escriptura; ella foi impressa e distribuida; mas é uma escriptura pela qual a companhia utilidade publica, e os srs. Gonçalo Guedes de Carvalho, etc., se obrigam a dar á sociedade do palacio de crystal réis 100:000$000, mas 100:000$000 réis que serão levantados na praça por meio de obrigações.
Porém deve notar-se que não é só contrato de mutuo aquelle em que se troca dinheiro; então a maior parte dos contratos que, segundo as necessidades do credito, hoje se fazem em toda a parte, seriam contratos sem garantia nenhuma, como, por exemplo, os contratos com o banco hypothecario, porque o banco hypothecario tambem não dá dinheiro, dá obrigações.
Mas, sr. presidente, diz o sr. ministro da fazenda que não lhe consta que se effectuasse esse emprestimo; comtudo na secretaria da fazenda existe a lista dos subscriptores que acompanha a auctorisação pedida pela sociedade, e concedida pelo governo com condições; ora, como o governo já está de posse da lista dos subscriptores, persuadi-me eu que haveria algum dolo ou burla; cheguei a acreditar mais ha apreciação do sr. ministro, do que no documento impresso que a todos nos foi distribuido. Tomei então a deliberação de perguntar para o Porto a pessoa competente se havia mais alguma cousa sobre este negocio, ou se eu estava aqui a defender uma burla; a resposta que tive pelo telegrapho foi que o emprestimo se fez em titulos ao portador, que a lista dos tomadores primitivos está em poder do governo. Foram utilidade publica, 15:000$000 réis; Antonio Ferreira Braga, 50:000$000 réis; Faria, Rodrigues, Allen, e outros, 35:000$000 réis. O palacio annunciou, e pagou nos vencimentos, juro e amortisação, o primeiro e segundo semestre de 1868.
O governo mandou pagar o subsidio, por isso que sabia que estava effectuado o contrato, e que a sociedade estava cumprindo o pagamento, com o juro e amortisação que lhe compete. Parece-me que este argumento falla mais alto do que tudo que em contrario se possa dizer.
Agora, disse o sr. ministro, que a sociedade é devedora de grandes sommas ao governo, e estabeleceu um principio que seria optimo, e que estava conforme com as minhas opiniões apresentadas n'esta casa, se a questão fosse de jure constituendo, mas por fórma nenhuma sendo ella de jure constituto; refiro-me ao principio de não subsidiar emprezas particulares.
Eu não posso affirmar, mas ouço dizer, que alem do contrato feito á sombra, e em virtude d'esta lei, que até ha dotes, isto é, estão consignadas as obrigações d'este emprestimo como bens dotaes.
Quererá o governo que uma tal propriedade seja arrebatada em virtude das urgentes do thesouro Quererá a camara sanccionar um tal acto, que me recuso a classificar por attenção com o governo?! Repare a camara que os tribunaes não podem respeitar este acto, e por isso não vamos interferir n'elle com materia legislativa.
A sociedade do palacio de crystal, diz o governo, recebeu, alem d'isto, a dispensa de pagar os direitos sobre tudo quanto importasse para as obras da edificação do mesmo palacio; tinha direito a isso, pois que uma lei lhe concedeu esse privilegio, assim como tinha direito a estes pagamentos feitos pelo estado. Pediu mais a mesma sociedade auctorisação para que lhe fosse permittido introduzir livres de direitos os objectos necessarios para a ornamentação do palacio. Ora se não tinha direito a isso, e obteve essa faculdade, grave censura cabe aos governos que lha concederão:, sem para tal estar auctorisados, e tambem grave censura caberia ao actual sr. ministro da fazenda se não mandasse immediatamente executar a referida sociedade pelo que estivesse devendo á fazenda. Porém uma cousa é executar pelos debitos á fazenda, outra cousa é suspender o que está determinado por uma lei, para servir de hypotheca aos juros e amortisação aos prestamistas, que nada têem com os negocios do palacio de crystal.