104 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
essa occasião se tallou na reforma militar, na conveniencia de acabar com as remissões, e de substituir o actual systema pelo systema obrigatorio; emfim, discutiu-se a questão em todas as suas partes, e o sr. ministro da guerra trouxe a questão para o campo da confiança politica.
Disse tambem s. exa. que tencionava propor uma lei para acabar com as remissões a dinheiro, e por essa occasião tratou com muito pouca caridade o seu collega da fazenda por causa de uma associação que elle com outros fundou para facilitar as remissões dos recrutas.
O sr. ministro da guerra declarou então que era necessario reformar o systema militar, e acabar com as remissões; mas que o governo precisava augmentar a força militar.
O alvitre que se julgava conveniente no momento era o chamamento da reserva; já se vê que então a questão era de apreciação. Perguntando-se os motivos porque se chamavam ás armas os 8:000 ou 10:000 soldados, a resposta foi de que não havia receio de que a independencia tosse atacada, e um digno par o sr. marquez de Ficalho, allu-diudo a uma rasão que o sr. presidente do conselho tam bem dera, sobre o estado de incerteza e perturbação em que se achava a nação vizinha, e de que para o nosso territorio podesse vir gente armada, citou o facto de que assim tinha acontecido, que se podia dar o caso e apparecerem guerrilhas, gente armada, ser mesmo necessario de a desarmar, e para fazer a policia.
Mas agora o illustre presidente do conselho estabeleceu a questão n'este ponto, propriamente de apreciação: os que acharem que na occasião grave em que nos achâmos se possa conjurar todo o receio de qualquer novidade, sem au-gmento de forca no exercito, votarão contra; os que achârem que na occasião grave em que nos achamos, não se póde atravessar esta crise sem augmento da força publica. e que acharem que é indispensavel precaver, augmentando a força, aceitam o projecto. Tudo questão de apreciação. Quem acha tudo conforme á rasão vota a medida, e quem repelle não approva.
Dado o caso de se conhecer necessidade de augmento da força publica,, quem achava que esse augmento era preciso votava, e quem não entendia assim, rejeitava. Como por qualquer modo se obtinha o mesmo resultado, era sempre preferivel buscar assim o meio mais suave.
Posta a questão de apreciação, reconhecendo a gravidade das circumstancias, o caso é se a gravidade d'essas cir-cumstancias é tal que obriga a tomar responsabilidade de rejeição da medida. Eu por mim sou obrigado a dizer, que não julgo as circumstancias do paiz tão graves que obrigue assim sem mais considerações a mudar de politica. Demais, s. exa. sabe até onde chega a minha sympathia pessoal e a minha franqueza; e como muitas vezes no que digo se póde traduzir um voto de censura, quando o julgo necessario para ser franco como eu julgo que se póde e convem ser, porque emfim eu sigo a marcha de amicus Plato sed magis amica veritas.
Mas, sr. presidente, amicus Plato sed mngis amica veritas. Apesar da minha sympathia pessoal pelo illustre ministro, s. exa. não ha de levar a mal que eu siga uma politica contraria á sua. Houve tempo em que estive ao lado de s. Exa.; foi em 1851 e 1802. N'este tempo tivemos uma crise gravisisima, que causou uma transformação politica em todos os partidos, e circumstancias occorreram que me levaram a estar por algum tempo ao lado do s. exa. e a seguir a sua politica; mas o nobre ministro ha de lembrar-se tambem, que houve tempo, em que eu cansado já da nossa divergencia politica, e não podendo continuar a dar o apoio que lhe dava, vi-me na necessidade, apesar de me custar muito, de cortar as minhas relações com pessoas que muito respeito, de me separar do governo, dos meus amigos, de seguir outra politica, e de collocar-me na opposição, na celebre quentão Hyslop. Desde então por diante temos andado sempre em discordancia politica. Eu pela minha parte
não quebrei a sympathia que tenho pelo illustre ministro, mas s. exa. não me levara a mal que, quando vem aqui apresentar este projecto, eu diga que, ainda que não tivesse rasões para me separar da sua politica, bastava-me só esta medida para o fazer. Este projecto accentua a politica do governo. Veja a camara como eu encaro os acontecimentos. Pela minha idade, pela minha posição, e por muitas circumstancias, tenho obrigação de dizer a verdade, e a verdade toda; nem outra cousa me permitte o meu caracter. Hei de pois dizer sempre a verdade toda, porque não costumo olhar senão para os interesses publicos, e não para os partidarios; e, posso enganar-me, porque sou homem, mas tenho a consciencia de que procuro zelar os interesses do publico, os interesses do rei, e os interesses de nós todos, porque todos estes interesses estão confundidos. Já vê a camara o modo como eu encaro as cousas.
Se eu fosse ministerial, bastava este projecto para me separar do governo. Este projecto, como já disse, accentua de um modo significativo a politica do ministerio. Eu não estou aqui para derrubar os ministros; não desejo que elles caiam dos seus lugares, nem desejo ir substitui-los. O governo está ali com todas as condições constitucionaes, tem a confiança da corôa, tem maioria nas duas casas do parlamento; e emquanto se mantiver n'estas condições, que representam as duas fórmas legaes por que se póde apreciar a popularidade dos governos constitucionaes, não tem rasão de largar o poder. É até sua obrigação manter-se no seu logar. Estes são os principios. O governo só deve caír quando lhe faltarem as condições constitucionaes, mas isso não tira que a minoria censure e critique os actos do governo quando os julgar inconvenientes para os interesses do paiz.
Esta é a sua obrigação, lutar sempre no campo legal, e esperar que n'esta campanha constitucional a opinião pu-blica se modifique e de victoria aos esforços das opposi-ções.
São estes os principios constitucionaes, e fóra d'elles só teremos a confusão e anarchia.
O sr. presidente do conselho e ministro da guerra col-locou a questão n'este campo, o por isso eu vou declarar á camara quaes são as idéas que a respeito d'ella tenho. Ha dois pontos sobre que vou manifestar a minha opinião; o primeiro é com relação á minha falta de confiança na politica do governo (e eu não quero que só se acredite nas minhas palavras; eu hei de justificar os actos da minha politica); o segundo e para provar á camara que rejeito este projecto de lei, por isso que, pelas suas disposições, se reconhece sobejamente que o actual governo vae seguir uma politica altamente prejudicial aos interesses do paiz.
Ora, sr. presidente, eu sei perfeitamente que as palavras que vou proferir não hão de fazer mudar os destinos da nação, nem poderão determinar a votação sobre o projecto de que nos occupâmos, porque emfim elle ha de passar hoje, e até suppoaho mesmo que já está prevenido o conselho de estado para o sanccionar; mas o que eu entendo é que devo manifestar as minhas opiniões a respeito da questão, porque desejo que se saiba o modo como penso com relação a esta grave conjunctura.
Eu rejeito o augmento de forças militares porque não reconheço a sua necessidade, nem posso aceitar o modo como esse augmento se faz. Não ha vantagem alguma, quando se entende tirar partido de circumstancias que não existem.
Eu vou fazer ver á camara que tenho motivos sufficientes para não confiar na politica do governo.
Acabo de ler o ultimo numero da Correspondencia de Portugal, jornal d'esta capital affecto ao governo, e n'um artigo n'elle inserto, datado de Versailles, vê-se o seguinte:
"Tem-se visto grandes peccadores emendarem-se e virem a ser exemplos de santidade.
" Da Magdalena, de S. Paulo, e de muitos outros dão noticia os annaes da igreja.