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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 105

"De emenda real nos homens politicos é que não resam as historias. Dadas certas paixões, seguem-se irremediavelmente os desatinos que lhes correspondem."

Estas regras, que são applicadas á direita da camara de Versailles, sobre a sua tenacidade em defender os principios monarchicos, applico-as eu ao actual governo, e tambem as applico a mim proprio, mas por outro modo.

Lembro-me que o sr. presidente do conselho nos disse aqui em uma das sessões passadas, referindo-se aos actos da sua administração e á sua politica em geral, que era impenitente e havia de sempre seguir a sua politica.

Eu sou impenitente, e hei de tambem seguir a minha politica. Tambem não tenho emenda.

Quando pela primeira vez fiz parte dos conselhos da corôa, a camara sabe perfeitamente qual foi a politica que eu e os meus collegas inaugurámos no meio das desastrosas circumstancias em que se achava a fazenda publica; ella deve seguramente lembrar-se que ao tomarmos assento n'aquellas cadeiras aceitámos uma grandissima responsabilidade, porque o fizemos justamente quando as difficuldades eram maiores, no meio de grandes amarguras e inglorias, como nenhum ministerio ainda o fez. E essas tão desgraçadas circumstancias em que nos encontrámos eram um legado que herdámos dos nossos antecessores, e para o qual não concorremos.

Lançava-se-nos por essa occasião em rosto que não sabiamos resolver as immensas difficuldades que existiam. Os actuaes cavalheiros no poder, pela sua pessima politica, crearam essas difficuldades, e depois se conspiraram contra nós, accusando-nos do mal que tinham feito.

Era legado que nos haviam deixado, não tinhamos culpa alguma do estado em que se achavam as cousas.

A camara ha de estar certa das accusações que se nos fizeram, e das censuras de que fomos victimas, sem que todavia as circumstancias em que nos achavamos tivessem de fórma alguma sido creadas por nós.

Achamos 7.000:000$000 réis de deficit, as letras a vencerem-se, os credores a pedirem os seus creditos e o thesouro sem 5 réis para satisfazer aos encargos; de sorte que era necessario crear novos crédores para pagar aos existentes, e as sommas para se poder occorrer a este estado de cousas é evidente que só se podiam obter por um preço elevado, pois encontravamos todas as portas fechadas, não pelas rasões de que se serviam para nos accusar, mas pela pressão que estavam exercendo sobre o governo as companhias dos caminhos de ferro do sueste e norte.

As acções d'estas companhias estavam espalhadas em Paris e Londres, e nas mãos dos principaes influentes d'aquellas praças, e ninguem o sabe melhor do que o proprio sr. presidente do conselho como estas cousas se passaram.

O contrato de 14 de outubro não foi cumprido, felizmente para o paiz; nomeou-se uma commissão arbitral, houve uma sentença contra a companhia, e d'aqui é que vem a pressão.

O governo precisou dinheiro, recorreu á praça de Londres, mas como os seus principaes influentes eram interessados na companhia, só obteve como resposta que se fizesse um accordo com a referida companhia. Recorreu á praça de París, e lá succedeu o mesmo, obtendo se como resposta que se fizesse um accordo com a companhia do norte.

Era esta a situação em que nos achavamos em 1868.
Para obtermos um emprestimo impunha-se como condição o accordo com as companhias do caminho de ferro.

O governo porem necessitava de dinheiro para satisfazer aos encargos, como lhe cumpria, e n'esta conjunctura teve que obter o dinheiro nas condições e pelo preço por que o obteve. Esta e que é a verdade, e, para obviar a taes difficuldades, recorreu-se á auctorisação para o emprestimo, que veiu a ser realisado no ministerio do sr. marquez d'Ávila. Este emprestimo, contratado pelo sr. Fontes, e dependente do accordo com a companhia do sueste, fôra consumido pelo ministerio do sr. Avila nas despezas ordiniarias. Como os credores viam que havia dinheiro para se lhes pagar, reformaram as letras e abateram a taxa dos juros.

Seis mezes depois que esse ministerio caíu e nós o fomos substituir, encontrámos o emprestimo consumido, o thesouro vasio, as letras vencidas, o pagamento imminente, e nós, para fazer honra ao paiz e evitarmos a bancarota, fomos obrigados a levantar dinheiro por altos preços, sendo n'esse tempo accusados de gerirmos mal os negocios publicos, e de não sabermos resolver as difficuldades em que nos achavamos; e note a camara que estas censuras partiam dos mesmos homens que nos haviam legado esses embaraços financeiros. É assim a justiça dos homens.

Aquie stá o dilerama em que nos achamos, desgraçado dilemma, e desgraçados de nós se houver outra epocha similhante.

O sr. ministro da guerra disse na outra casa do parlamento: "Eu quero organisar a fazenda, desejo isso, mas quando se trata de outros interesses, a questão de dinheiro para mim é secundaria". Eu comprehendi a sua, idéa, e não lhe faço censura; mau lastimo que s. exa. a accentuasse tanto, e que désse tão fraco Jogar á questão de dinheiro. Para mim a questão de dinheiro é tudo, porque um paiz pobre e sem recursos não póde fazer nada. Não quero agora recordar o que já passou, mas peço a Deus que não venha outra epocha como a de 1868.

O governo actual está hoje com todas as condições constitucionaes, porque tem a confiança da corôa e da maioria das duas camaras; mas em 1868 tambem o governo tinha a confiança da corôa e de uma grande maioria do parlamento, e veiu uma circumstancia mais forte do que esta que obrigou os ministros a sairem do poder.

Eu lastimo que a politica do meu paiz não seja aquella que se devia seguir, porque sei que quando se sáe do caminho ordinario é sempre doloroso e muito caro para todos. Eu não desejo que os srs. ministros sáiam, mas desejava que elles se convertessem á minha politica, que é o respeito ás leis e á moralidade, fazendo todas as economias nas despezas publicas, isto é, reduzir as despezas quanto for possivel.

É moda, sr. presindente, nas crises politicas fazer certas profissões de fé politica, mas eu não as quero fazer, e quanto á nossa independencia, digo que até me enjoa quando ouço fallar n'ella, porque a independencia nacional é um dogma que não se discute. Eu estou persuadido que todos os partidos em que está dividido o nosso paiz, mesmo o chamado miguelista ou realista, não lhe faço offensa, respeitam a independencia como um dogma, e isto não se discute.

Agora, emquanto á reforma do governo, se ha de ser feita pela diplomacia, ou de outro modo, não posso dize-lo aqui; mas não supponho que qualquer partido aspire a melhorar d'esta fórma para maior bem do paiz, e não supponho que haja ninguem que tenha essa idéa.

Sr. presidente, eu tambem fui impenitente, porque queria moralidade, queria respeito pela lei, e queria a mais severa economia nas despezas publicas; e por seguir esta politica, os srs. ministros applicaram para mim a sentença de que não ha emenda para os homens politicos. Eu tambem sou impenitente, e como vejo que o sr. ministro da guerra não faz voto de penitencia, eu quero respeito á lei, e o governo actual não tem respeito á lei; eu quero moralidade, e o governo não a tem; eu quero economia nas despezas publicas, e vejo que o governo não faz economias; havemos de encontrar-nos em diametral opposição, porque seguimos pólos diversos. Ora, a sentença do correspondente de Versailles "de que não ha emenda nos homens politicos", é applicavel a nós ambos, porque somos dois impenitentes.

Cada um de nós tem seu dogma politico, e não se arredará da sua crença; e por isso, seja qual for a nossa sympathia pessoal, seguiremos lados oppostos, porque toda a conversão será impossivel.