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108 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a sua força armada dá occasião a que as outras inquiram os motivos porque assim procede, e póde dar causa, quando ha má vontade da parte de algum paiz para com ella, a que se procure n'esse seu procedimento um pretexto para suscitar um conflicto. Vejam o que aconteceu em 1866 a respeito da Austria com a Prussia. Quando um paiz se arma dá logar a que lhe peçam explicações.

Nós temos pelo nosso orçamento votados os meios para 30:000 homens em pé de paz: 18:000 na praça e 12:000 licenceados. Ha muito que vivemos sem maior apparato de força, nem as nossas necessidades nos têem obrigado a que alteremos a regra estabelecida.

Se pois agora seguirmos outra linha de conducta, se augmentarmos as nossas forças, ainda que seja unicamente no pé de paz, daremos azo a que o novo governo de Hespanha suspeite que nós, ou temos receio d'elle ou pretendemos hostilisa-lo.

Porém nada d'isto é verdade, o governo já o declarou solemnemente, e todos nós estamos de accordo sobre este ponto. Logo só receios interiores é que podiam determinar o governo a tomar similhantes precauções. Como eu nada receio da nova republica de Madrid, como nada tema dos discolos de Portugal, como nunca tomei a serio esses trabalhos subterraneo?, aos quaes só se deve oppor a policia preventiva, desapprovo este projecto, ou qualquer outro que tenda a augmentar a força publica e aggravar o nosso estado financeiro.

Em 1868 atravessámos uma crise igual, ou porventura roais grave do que esta.

Caíu o throno secular e tradicional de Izabel II, ao estrepito da guerra civil, que a politica reaccionaria de Gonzalez Bravo suscitou, mas não soube domar; a sorte da monarchia se decidira na batalha de Alcolea, commandada pelo duque de la Torre.

A queda do throno de Izabel II causou em Portugal forte impressão em todas as classes da sociedade. Os revolucionarios hespanhoes em suas proclamações e manifestos lavraram sentença de ostracismo contra a familia real da casa de Bourbon.

Collocaram a Hespanha na conjunctura mais dolorosa por que póde passar qualquer nação, que é a incerteza da sua lei organica. Apesar de tudo, o governo de que eu fazia parte, não tomara medidas extraordinarias, não chamou a reserva, não augmentou um soldado á nossa força publica, e atravessámos a crise sem o mais pequeno abalo no paiz, respeitando os devores para com os nossos vizinhos.

Todos queremos guardar a nossa independencia, o nosso socego, a nossa tranquillidade, a nossa liberdade, e é por isso que eu não posso approvar a politica accentuada n'este projecto, pois a julgo contraria aos interesses do meu paiz.

Sei que este projecto ha de ser approvado, mas quero que todos se lembrem do que eu aqui digo. Não tenho pretensão a cousa nenhuma d'este inundo, não quero ser ministro, não quero trocar aquillo que tenho por gran-cruzes e outros enfeites, contento me com as minhas insignias de prelado. Os meus desejos são que os srs. ministros se conservem no poder, mas que sigam uma politica conveniente ao paiz; todavia, isto não me póde impedir de dizer, no cumprimento do meu rigoroso dever, aquillo que entendo, e é isto que estou fazendo. Se a politica do governo for partidaria, se aggravar as nossas circumstancias, querendo ser um governo de força, tenha a camara a certeza que se hoje o governo precisa d'esta auctorisação, d'aqui a dias ha de precisar de outras, e hão de ser votadas todas; mas creio que n'esse plano inclinado em que o governo resvala, ha de ir até ao fim, sem que haja força que o possa fazer retrogradar do abysmo.

Qual seria a politica que o governo devia seguir? Eu vou dizer qual, a meu ver, me parece mais conveniente. Ainda que sou homem da opposição, e as opposições não dão conselhos, porque limitam a sua missão a censurar os actos do governo que não acham convenientes ao bem geral, não me absterei de dizer o que entendo a tal respeito.

Não acho conveniente que se vão aggravar as nossas finanças, que devem ser o ponto principal da nossa politica, para irmos ferir susceptibilidades. A segurança da nação não está em a nossa força ser de vinte, trinta ou cincoenta mil homens.

Não é esta força que póde assegurar a nossa independencia, se for atacada. A nossa independencia não se sustenta com isso, e para manter a ordem interna não é preciso tanta força. Quando algum desvairado ou penicheiro appareça, querendo alterar a ordem, não é necessario senão a policia para os conter. A opinião publica repelle completamente esses desordeiros, que machinam debaixo do chão, contra o socego de todos, e tanto basta para haver segura garantia contra elles.

Não podem, pois, fazer cousa alguma que possa assustar o governo, e por consequencia tambem não ha precisão de força para conter essa gente. O governo que emprega este expediente, é porque não tem confiança no paiz, e recorre por isso a estes pequenos artificios ou expedientes, para não lhe chamar outra cousa... Qual será a politica nacional mais conducente aos interesses publicos? Cada um póde pensar como entender, cada um póde avaliar os acontecimentos segundo o prisma da sua intelligencia; mas na minha opinião, a verdadeira politica a seguir é usarmos da maior prudencia, não augmentar a força militar, organisar as nossas finanças, gastar o menos possivel, para não sacrificar o paiz; respeitar a moralidade e as leis e não praticar d'esses actos que promovem escandalos e embaraços ao governo, como temos visto.

A vida do actual governo é um tecido de violações das leis, immoralidades e calculado desprezo das conveniencias sociaes.

Na resenha que acabei de fazer, não disse o dizimo, e a camara concordará que não é com governos d'estes que se fazem amar as instituições e a monarchia.

Agora, na falta da opinião, appella-se para a força.

Em logar da politica da força material, devia o governo adoptar uma outra politica mui diversa, devia estabelecer uma politica mais suave e moral. A primeira necessidade que existe em Portugal não é a da força armada, porque em Hespanha não ha talvez um só homem que se lembre de conquistar esta terra por meio da força. Estou convencido d'isto, e creio que a camara tambem o está. A nossa independencia, pois, não corre, perigo pelo lado que se receia. Agora, por onde o perigo é grave e imminente, é pelo lado da propaganda. É preciso que não nos illudamos. É um paiz a Hespanha que está a algumas horas de jornada. As nossas relações com aquella nação estreitam-se cada vez mais. As correspondencias dos jornaes d'aqui para Madrid e d'aquella capital para aqui trocam-se todos os dias, e estas communicações diarias não se podem conjurar com um cordão sanitario. De modo que o bem ou o mal que de lá vier, tem ingresso pela propaganda, e esta não póde ser combatida com exercitos.

Vamos agora ao modo de conjurarmos tudo isto. É muito simples. A maneira de obstar a esta invasão de idéas, é ter o nosso paiz um governo que trate de reformar a constituição do estado, em harmonia com as idéas do seculo; mas apresentando uma reforma que não seja para um partido, mas a contento de todos, que lhe insira garantias sobejamente liberaes, que a faça respeitar e cumprir fielmente, que se constitua acerrimo defensor da lei, da justiça e da moral, e que não considere o seu partido como o unico que representa o paiz inteiro.

De nos portanto um bom regimen e ficaremos todos satisfeitos. Quando nos acharmos assim constituidos, não teremos então receio de inimigos. Eis-aqui como eu encaro esta questão; pelo menos é esta a minha convicção profunda.

Se continuarmos a caminhar como até agora, levar-nos-ha esse caminho até outro 1868! E eu n'este ponto, note