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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 109

a camara, sou Cassandra! Nós caminhâmos para outro 1868, e todos se lembram ainda, de certo, com que difficuldades saímos d'essa crise, e como foram graves os sacrificios que ella custou ao paiz! Portanto desviemo-nos d'esse caminho, porque nos leva ao abysmo.

Os ministros actuaes já caíram do poder, apesar das maiorias parlamentares e da confiança da corôa, por uma demonstração popular contra a sua politica.

Como se não emendaram, como são impenitentes e vão no mesmo rumo das antigas paixões e dos antigos abusos e esbanjamentos da fazenda publica, contem com o mesmo resultado.

Quando e como se manifestará, não sei, mas é inevitavel. Talis vita, finis ita.

Cuide-se da organisação interna, garantam-se todas as liberdades, haja moralidade, e viveremos socegados, sem desejarmos nova fórma de governo.

A Belgica, por exemplo, é um paiz bem pequeno, e apesar de rugir em torno d'ella o leão, não se sobresalta com receios, porque tem na sua organisação interna a mais segura garantia da sua existencia.

É o exemplo da Belgica o que nós devemos seguir, procurando imita-la.

O exercito é o instrumento de defeza das liberdades e dos direitos das nações; mas o nosso exercito, nas condições era que está organisado, para nada serve; é um instrumento que, se fosse necessario servir-nos d'elle, quebrava-se nas mãos.

É esta a minha opinião, apesar de ser padre e alheio á profissão militar.

Carecemos de cuidar seriamente d'este objecto, organisando-o de modo que possa corresponder ao seu fim, e é isto que peço ao sr. ministro por bem do nosso paiz.

Sr. presidente, creio ter exposto detidamente as rasões por que voto contra o projecto; é pelos factos que alleguei que não approvo a medida, e não porque queira fazer questão politica.

Não tencionava tomar parte no debate, mas julguei não dever deixar de o fazer, em virtude do modo por que o sr. presidente do conselho collocou a questão.

Póde alguem confiar nas palavras do governo, e votar a lei só porque elle nos diz que é precisa, e que no momento actual não podemos escolher outro alvitre para augmentar a força publica.

Eu nada confio no governo, e por isso voto contra o projecto, que é injusto e de uma iniquidade revoltante.

E votaria contra qualquer alvitre que o substituisse, porque entendo que não é necessario augmentar a força publica, e alem d'isso termos de fazer despezas immensas, aggravando o estado da nossa fazenda e compromettendo o nosso, futuro.

Disse.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Principiou declarando que a camara não esperasse d'elle orador um discurso tão importante e variado qual acabava de ouvir pela voz eloquente do sr. bispo de Vizeu, nem que elle orador, por parte do governo, siga passo a passo as observações que s. exa. fez, discutindo n'esta preroração passo a passo as muitas accusações que fez, capazes de certo de fazer vergar hombros mais fortes do que os d'elle orador.

Todavia não procedia assim, não por lhe faltarem argumentos, mas por descobrir no precedente orador um fim, que callaria.

Ouviu com toda já attenção as palavras do digno par, o sr. bispo de Vizeu, e declarava-se sensivel ás expressões de benevolencia que lhe dispensou. Todavia notasse bem a camara que tal benevolencia pessoal, que muito agradece, serve apenas para contrastar a pouca benevolencia politica com que depois censurou o ministerio a que elle orador preside.

Este procedimento tambem não é novo. É costumeiro,
mas nem por isso póde deixar de agradecer as palavras de cortezia e favor com que o obsequiou.

O digno par, continuou o orador, encarou a questão combatendo-a sob um ponto de vista em que eu não a colloquei.

Não proferi phrase ou palavra alguma que podesse escandalisar. Nunca me dirigi á camara dizendo que "aquelles que têem confiança no governo votam a favor do projecto, e os que a não têem rejeitam-o". Não, unicamente o que eu digo, mas commigo todos os dignos pares que tomaram parte n'esta discussão repetiram, que encaravam a questão sob o ponto de vista do interesse publico. Não fiz nem desejava fazer de uma questão occasional uma questão ministerial. N'estes termos não posso aceitar a questão no terreno que o digno par a collocou. O que disse, e que n'este momento affirmo, é ser o assumpto uma questão de conveniencia publica. Era o que o digno par deveria perguntar-me e então ter-lhe-ia respondido que sim, no ponto de vista das idéas que sigo.

Disse o digno par: "Eu hei de rejeitar este projecto, porque rebentou uma revolução na India".

S. exa. disse mais: "Não posso approvar este projecto porque houve uma revolução na India, e estão os salteadores atacando as casas dos cidadãos. Não posso tambem approvar este projecto porque se mandou uma divisão para Moçambique. Não posso approvar este projecto do chamamento da reserva, porque o Rei foi á provincia e houve diversas representações".

Que relação tem este projecto com as representações, com o direito de consumo, e com tudo quanto o digno par citou?!...

Isto é serio (proseguiu o orador), e s. exa. que é muito serio e digno, não devia dar a este projecto de lei os fóros de uma questão politica! Cai das nuvens, admirando-me de que s. exa. impropriamente n'esta conjunctura tratasse de assumpto tão desrelacionados do que estava na tela da discussão, que é mera e exclusivamente chamar-se a reserva ao serviço, como se pratica em todos os paizes nas circumstancias extraordinarias.

Esta é a questão. Que relação tem portanto esta questão com a revolta da India, com o Bonga, e com o direito de consumo?

O governo póde ter sido pessimo, póde ter faltado ao cumprimento da lei, póde ser tudo quanto o digno par quizer; mas a questão da defeza da integridade do nosso territorio é sempre a mesma. Se o digno par entende que todas essas faltas, ou mesmo crimes, se assim quizer, são um motivo forte para fazer sair o actual ministerio d'estas cadeiras, digo a s. exa. que não seria de certo esta a occasião mais opportuna. E o digno par que é muito lido, sabe quando deve fazer opposição ao governo, e que a insurreição da India não data d'este ministerio, porque s. exa. geriu os negocios publicos até que teve logar aquelle acontecimento, que foi logo depois da entrada do actual ministerio; e então como é que este governo preparou a revolta da India e a revolução de Hespanha, e tudo isto para se segurar no poder, e estar á frente dos negocios publicos?!... O digno par tem recursos para dirigir melhor os seus ataques, e não era preciso apresentar-se aqui, em relação a este projecto com as referencias ao Bonga, que de passagem deixou na aringa, e n'este momento buscou fazer encontra-lo. Não desejo, nem é do meu caracter, fazer ratiliações, nem mesmo a actual situação o permitte, porquanto se verdade é não ser ella perigosa, todavia não deixa de ser grave.

Basta esta leve expressão para que o governo constituido, á frente dos negocios publicos, não deixe de empregar os meios convenientes e necessarios para a manutenção da ordem publica interna e externa, sem prejudicar ninguem, e sem que alguma nação tenha direito de pedir-nos satisfação pelo motivo por que entendemos necessario elevar a força do nosso exercito.