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SESSÃO DE 4 DE MARÇO DE 1873

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiro
Visconde Soares Franco

Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de numero legal, o exmo. sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da precedente foi julgada approvada, na conformidade do regimento por não haver observação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo a proposta sobre ser approvado o tratado e extradição de criminosos entre Portugal e o Brazil.

Outro remettendo a proposição sobre ser auctorisado o governo a contrahir um emprestimo até 70:000$000 réis, com juro não excedente a 6 por cento, hypothecando para isso os bens e fundos administrados pela escola polytechnica.

Outro approvando a convenção postal entre Portugal e Allemanha.

Outro sobre ser approvada a declaração addicional á convenção de extradição entre Portugal e a França.

Outro auctorisando a camara municipal da Feira a contratar a construcção de um estabelecimento de banhos nas aguas thermaes denominadas Caldas de S. Jorge.

Outro auctorisando as camaras municipaes que tiverem a seu cargo a administração de estabelecimentos de banhos thermaes a cobrar de cada pessoa pelo uso dos banhos, o preço que for determinado na tabella, proposta pelas camaras e approvada pelos respectivos conselhos de districto.

Todos estes projectos foram ás respectivas commissões.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo a proposição e correspondente tabella sobre a alteração e ampliação da lei de sêllo.

Á commissão de fazenda.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser addicionada a taxa complementar de 1 por cento ad valorem aos direitos que pagam as mercadorias importadas e despachadas para consumo nas alfandegas do reino e ilhas, e 1/2 por cento aos direitos que pagam as mercadorias despachadas para exportação.

Á commissão de fazenda.

O sr. Mello e Carvalho: - Sr. presidente, cabe-me o doloroso dever de participar a v. exa. e á camara que falleceu o digno prelado da diocese de Leiria o sr. D. Joaquim Pereira Ferraz, meu parente. Pedia a v. exa. que quizesse fazer inscrever na acta, se a camara o consentisse, um voto de sentimento pela perda de tão exemplar prelado.

O sr. Presidente: - O sr. Mello e Carvalho propõe que se lance na acta um voto de sentimento pela infausta morte do nosso illustre collega o sr. bispo de Leiria. Parece-me que a camara se associará aos sentimentos exprimidos pelo digno par e votará, por consequencia, a sua proposta para que se faça menção na acta do pezar com que a camara soube da morte do digno prelado de diocese de Leiria (apoiados). Vou consultar a camara sobre a proposta do digno par.

Consultada a camara, approvou.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto sobre o chamamento da reserva

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia. Ficou a palavra reservada na sessão de hontem ao sr. bispo de Vizeu e não sei se s. exa. quer usar agora d'ella?

O sr. Bispo de Vizeu: - Não posso usar da palavra sem estar presente o sr. presidente do conselho e ministro da guerra.

O sr. Presidente: - Por consequencia fica-lhe reservada a palavra para quando estiver presente o governo.

Devo prevenir os dignos pares que compõem a deputação que tem de apresentar a El-Rei a ultima proposta de lei approvada por esta camara, que Sua Magestade recebe amanhã a mesma deputação, pela uma hora da tarde no paço da Ajuda. Os dignos pares que, juntamente com a mesa, formam a deputação são os srs.: conde de Bretiandos, marquez de Sousa Holstein, Costa Lobo, conde de Cavalleiros e Gamboa e Liz.

(Pausa.)

(Entrou o sr. ministro do reino.)

O sr. Presidente: - O governo acha-se representado n'esta casa na pessoa do sr. ministro do reino; não sei se o sr. bispo de Vizeu quer agora fazer uso da palavra que lhe ficou reservada?

O sr. Bispo de Vizeu: - Hontem deixei correr o debate sem tenção de tomar a palavra n'esta discussão, e só a pedi quando ouvi algumas phrases ao sr. ministro da guerra, que me obrigaram a pedir a v. exa. que me inscrevesse para tomar parte no debate. Ficou-me a palavra reservada para hoje, e ha meia hora estamos aqui á espera do sr. ministro da guerra (que de certo negocios graves o prendem n'outra parte) para se entrar na ordem do dia. Acha-se agora presente o sr. ministro do reino; mas ninguem deve estranhar que eu não use da palavra senão na presença do sr. ministro da guerra, porque tenho que alludir a expressões de s. exa. e responder-lhe: já se vê pois que seria inconveniente expor o que tenho a dizer, sem estar presente o mesmo sr. ministro. Todavia a camara resolverá, o que entender.

O sr. Presidente: - Eu não posso obrigar o digno par a usar agora da palavra, se o deseja fazer só quando se ache presente o sr. presidente do conselho. Não fiz mais que perguntar ao sr. bispo de Vizeu se s. exa. queria fazer uso da palavra estando presente o sr. ministro do reino.

O sr. Braamcamp pediu hontem a palavra para explicar o seu voto; não sei se s. exa. quer usar d'ella tambem na presença do sr. ministro da guerra?

O sr. Braamcamp: - Já hontem fundamentei o meu voto, quando declarei que não approvava este projecto, tendo em consideração o estado da fazenda publica, que é a questão de que devemos principalmente occupar-nos. Não tenho pois mais nada a dizer.

O sr. Presidente: - Os dignos pares concordam de certo que se suspenda a sessão até estar presente o sr. presidente do conselho e ministro da guerra (apoiados). Creio que poucos minutos se poderá demorar

(Entrou o sr. presidente do conselho).

O sr. Presidente: - Está presente o sr. presidente do conselho, tem a palavra o sr. bispo de Vizeu.

O sr. Bispo de Vizeu: - Tendo chegado o sr. ministro da guerra, vou usar da palavra. Como já disse, não tinha tenção de tomar a palavra no debate. Deixei correr a discussão, e depois de alguns dignos pares combaterem o projecto analysando-o proficientemente ouvi a resposta do sr. relator da commissão, que concordou em doutrina com os dignos pares que impugnaram o projecto por injusto e iniquo, mas que o approvou por necessidade.

O sr. ministro da guerra tambem concordou n'sto, e por

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essa occasião se tallou na reforma militar, na conveniencia de acabar com as remissões, e de substituir o actual systema pelo systema obrigatorio; emfim, discutiu-se a questão em todas as suas partes, e o sr. ministro da guerra trouxe a questão para o campo da confiança politica.

Disse tambem s. exa. que tencionava propor uma lei para acabar com as remissões a dinheiro, e por essa occasião tratou com muito pouca caridade o seu collega da fazenda por causa de uma associação que elle com outros fundou para facilitar as remissões dos recrutas.

O sr. ministro da guerra declarou então que era necessario reformar o systema militar, e acabar com as remissões; mas que o governo precisava augmentar a força militar.

O alvitre que se julgava conveniente no momento era o chamamento da reserva; já se vê que então a questão era de apreciação. Perguntando-se os motivos porque se chamavam ás armas os 8:000 ou 10:000 soldados, a resposta foi de que não havia receio de que a independencia tosse atacada, e um digno par o sr. marquez de Ficalho, allu-diudo a uma rasão que o sr. presidente do conselho tam bem dera, sobre o estado de incerteza e perturbação em que se achava a nação vizinha, e de que para o nosso territorio podesse vir gente armada, citou o facto de que assim tinha acontecido, que se podia dar o caso e apparecerem guerrilhas, gente armada, ser mesmo necessario de a desarmar, e para fazer a policia.

Mas agora o illustre presidente do conselho estabeleceu a questão n'este ponto, propriamente de apreciação: os que acharem que na occasião grave em que nos achâmos se possa conjurar todo o receio de qualquer novidade, sem au-gmento de forca no exercito, votarão contra; os que achârem que na occasião grave em que nos achamos, não se póde atravessar esta crise sem augmento da força publica. e que acharem que é indispensavel precaver, augmentando a força, aceitam o projecto. Tudo questão de apreciação. Quem acha tudo conforme á rasão vota a medida, e quem repelle não approva.

Dado o caso de se conhecer necessidade de augmento da força publica,, quem achava que esse augmento era preciso votava, e quem não entendia assim, rejeitava. Como por qualquer modo se obtinha o mesmo resultado, era sempre preferivel buscar assim o meio mais suave.

Posta a questão de apreciação, reconhecendo a gravidade das circumstancias, o caso é se a gravidade d'essas cir-cumstancias é tal que obriga a tomar responsabilidade de rejeição da medida. Eu por mim sou obrigado a dizer, que não julgo as circumstancias do paiz tão graves que obrigue assim sem mais considerações a mudar de politica. Demais, s. exa. sabe até onde chega a minha sympathia pessoal e a minha franqueza; e como muitas vezes no que digo se póde traduzir um voto de censura, quando o julgo necessario para ser franco como eu julgo que se póde e convem ser, porque emfim eu sigo a marcha de amicus Plato sed magis amica veritas.

Mas, sr. presidente, amicus Plato sed mngis amica veritas. Apesar da minha sympathia pessoal pelo illustre ministro, s. exa. não ha de levar a mal que eu siga uma politica contraria á sua. Houve tempo em que estive ao lado de s. Exa.; foi em 1851 e 1802. N'este tempo tivemos uma crise gravisisima, que causou uma transformação politica em todos os partidos, e circumstancias occorreram que me levaram a estar por algum tempo ao lado do s. exa. e a seguir a sua politica; mas o nobre ministro ha de lembrar-se tambem, que houve tempo, em que eu cansado já da nossa divergencia politica, e não podendo continuar a dar o apoio que lhe dava, vi-me na necessidade, apesar de me custar muito, de cortar as minhas relações com pessoas que muito respeito, de me separar do governo, dos meus amigos, de seguir outra politica, e de collocar-me na opposição, na celebre quentão Hyslop. Desde então por diante temos andado sempre em discordancia politica. Eu pela minha parte
não quebrei a sympathia que tenho pelo illustre ministro, mas s. exa. não me levara a mal que, quando vem aqui apresentar este projecto, eu diga que, ainda que não tivesse rasões para me separar da sua politica, bastava-me só esta medida para o fazer. Este projecto accentua a politica do governo. Veja a camara como eu encaro os acontecimentos. Pela minha idade, pela minha posição, e por muitas circumstancias, tenho obrigação de dizer a verdade, e a verdade toda; nem outra cousa me permitte o meu caracter. Hei de pois dizer sempre a verdade toda, porque não costumo olhar senão para os interesses publicos, e não para os partidarios; e, posso enganar-me, porque sou homem, mas tenho a consciencia de que procuro zelar os interesses do publico, os interesses do rei, e os interesses de nós todos, porque todos estes interesses estão confundidos. Já vê a camara o modo como eu encaro as cousas.

Se eu fosse ministerial, bastava este projecto para me separar do governo. Este projecto, como já disse, accentua de um modo significativo a politica do ministerio. Eu não estou aqui para derrubar os ministros; não desejo que elles caiam dos seus lugares, nem desejo ir substitui-los. O governo está ali com todas as condições constitucionaes, tem a confiança da corôa, tem maioria nas duas casas do parlamento; e emquanto se mantiver n'estas condições, que representam as duas fórmas legaes por que se póde apreciar a popularidade dos governos constitucionaes, não tem rasão de largar o poder. É até sua obrigação manter-se no seu logar. Estes são os principios. O governo só deve caír quando lhe faltarem as condições constitucionaes, mas isso não tira que a minoria censure e critique os actos do governo quando os julgar inconvenientes para os interesses do paiz.

Esta é a sua obrigação, lutar sempre no campo legal, e esperar que n'esta campanha constitucional a opinião pu-blica se modifique e de victoria aos esforços das opposi-ções.

São estes os principios constitucionaes, e fóra d'elles só teremos a confusão e anarchia.

O sr. presidente do conselho e ministro da guerra col-locou a questão n'este campo, o por isso eu vou declarar á camara quaes são as idéas que a respeito d'ella tenho. Ha dois pontos sobre que vou manifestar a minha opinião; o primeiro é com relação á minha falta de confiança na politica do governo (e eu não quero que só se acredite nas minhas palavras; eu hei de justificar os actos da minha politica); o segundo e para provar á camara que rejeito este projecto de lei, por isso que, pelas suas disposições, se reconhece sobejamente que o actual governo vae seguir uma politica altamente prejudicial aos interesses do paiz.

Ora, sr. presidente, eu sei perfeitamente que as palavras que vou proferir não hão de fazer mudar os destinos da nação, nem poderão determinar a votação sobre o projecto de que nos occupâmos, porque emfim elle ha de passar hoje, e até suppoaho mesmo que já está prevenido o conselho de estado para o sanccionar; mas o que eu entendo é que devo manifestar as minhas opiniões a respeito da questão, porque desejo que se saiba o modo como penso com relação a esta grave conjunctura.

Eu rejeito o augmento de forças militares porque não reconheço a sua necessidade, nem posso aceitar o modo como esse augmento se faz. Não ha vantagem alguma, quando se entende tirar partido de circumstancias que não existem.

Eu vou fazer ver á camara que tenho motivos sufficientes para não confiar na politica do governo.

Acabo de ler o ultimo numero da Correspondencia de Portugal, jornal d'esta capital affecto ao governo, e n'um artigo n'elle inserto, datado de Versailles, vê-se o seguinte:

"Tem-se visto grandes peccadores emendarem-se e virem a ser exemplos de santidade.

" Da Magdalena, de S. Paulo, e de muitos outros dão noticia os annaes da igreja.

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"De emenda real nos homens politicos é que não resam as historias. Dadas certas paixões, seguem-se irremediavelmente os desatinos que lhes correspondem."

Estas regras, que são applicadas á direita da camara de Versailles, sobre a sua tenacidade em defender os principios monarchicos, applico-as eu ao actual governo, e tambem as applico a mim proprio, mas por outro modo.

Lembro-me que o sr. presidente do conselho nos disse aqui em uma das sessões passadas, referindo-se aos actos da sua administração e á sua politica em geral, que era impenitente e havia de sempre seguir a sua politica.

Eu sou impenitente, e hei de tambem seguir a minha politica. Tambem não tenho emenda.

Quando pela primeira vez fiz parte dos conselhos da corôa, a camara sabe perfeitamente qual foi a politica que eu e os meus collegas inaugurámos no meio das desastrosas circumstancias em que se achava a fazenda publica; ella deve seguramente lembrar-se que ao tomarmos assento n'aquellas cadeiras aceitámos uma grandissima responsabilidade, porque o fizemos justamente quando as difficuldades eram maiores, no meio de grandes amarguras e inglorias, como nenhum ministerio ainda o fez. E essas tão desgraçadas circumstancias em que nos encontrámos eram um legado que herdámos dos nossos antecessores, e para o qual não concorremos.

Lançava-se-nos por essa occasião em rosto que não sabiamos resolver as immensas difficuldades que existiam. Os actuaes cavalheiros no poder, pela sua pessima politica, crearam essas difficuldades, e depois se conspiraram contra nós, accusando-nos do mal que tinham feito.

Era legado que nos haviam deixado, não tinhamos culpa alguma do estado em que se achavam as cousas.

A camara ha de estar certa das accusações que se nos fizeram, e das censuras de que fomos victimas, sem que todavia as circumstancias em que nos achavamos tivessem de fórma alguma sido creadas por nós.

Achamos 7.000:000$000 réis de deficit, as letras a vencerem-se, os credores a pedirem os seus creditos e o thesouro sem 5 réis para satisfazer aos encargos; de sorte que era necessario crear novos crédores para pagar aos existentes, e as sommas para se poder occorrer a este estado de cousas é evidente que só se podiam obter por um preço elevado, pois encontravamos todas as portas fechadas, não pelas rasões de que se serviam para nos accusar, mas pela pressão que estavam exercendo sobre o governo as companhias dos caminhos de ferro do sueste e norte.

As acções d'estas companhias estavam espalhadas em Paris e Londres, e nas mãos dos principaes influentes d'aquellas praças, e ninguem o sabe melhor do que o proprio sr. presidente do conselho como estas cousas se passaram.

O contrato de 14 de outubro não foi cumprido, felizmente para o paiz; nomeou-se uma commissão arbitral, houve uma sentença contra a companhia, e d'aqui é que vem a pressão.

O governo precisou dinheiro, recorreu á praça de Londres, mas como os seus principaes influentes eram interessados na companhia, só obteve como resposta que se fizesse um accordo com a referida companhia. Recorreu á praça de París, e lá succedeu o mesmo, obtendo se como resposta que se fizesse um accordo com a companhia do norte.

Era esta a situação em que nos achavamos em 1868.
Para obtermos um emprestimo impunha-se como condição o accordo com as companhias do caminho de ferro.

O governo porem necessitava de dinheiro para satisfazer aos encargos, como lhe cumpria, e n'esta conjunctura teve que obter o dinheiro nas condições e pelo preço por que o obteve. Esta e que é a verdade, e, para obviar a taes difficuldades, recorreu-se á auctorisação para o emprestimo, que veiu a ser realisado no ministerio do sr. marquez d'Ávila. Este emprestimo, contratado pelo sr. Fontes, e dependente do accordo com a companhia do sueste, fôra consumido pelo ministerio do sr. Avila nas despezas ordiniarias. Como os credores viam que havia dinheiro para se lhes pagar, reformaram as letras e abateram a taxa dos juros.

Seis mezes depois que esse ministerio caíu e nós o fomos substituir, encontrámos o emprestimo consumido, o thesouro vasio, as letras vencidas, o pagamento imminente, e nós, para fazer honra ao paiz e evitarmos a bancarota, fomos obrigados a levantar dinheiro por altos preços, sendo n'esse tempo accusados de gerirmos mal os negocios publicos, e de não sabermos resolver as difficuldades em que nos achavamos; e note a camara que estas censuras partiam dos mesmos homens que nos haviam legado esses embaraços financeiros. É assim a justiça dos homens.

Aquie stá o dilerama em que nos achamos, desgraçado dilemma, e desgraçados de nós se houver outra epocha similhante.

O sr. ministro da guerra disse na outra casa do parlamento: "Eu quero organisar a fazenda, desejo isso, mas quando se trata de outros interesses, a questão de dinheiro para mim é secundaria". Eu comprehendi a sua, idéa, e não lhe faço censura; mau lastimo que s. exa. a accentuasse tanto, e que désse tão fraco Jogar á questão de dinheiro. Para mim a questão de dinheiro é tudo, porque um paiz pobre e sem recursos não póde fazer nada. Não quero agora recordar o que já passou, mas peço a Deus que não venha outra epocha como a de 1868.

O governo actual está hoje com todas as condições constitucionaes, porque tem a confiança da corôa e da maioria das duas camaras; mas em 1868 tambem o governo tinha a confiança da corôa e de uma grande maioria do parlamento, e veiu uma circumstancia mais forte do que esta que obrigou os ministros a sairem do poder.

Eu lastimo que a politica do meu paiz não seja aquella que se devia seguir, porque sei que quando se sáe do caminho ordinario é sempre doloroso e muito caro para todos. Eu não desejo que os srs. ministros sáiam, mas desejava que elles se convertessem á minha politica, que é o respeito ás leis e á moralidade, fazendo todas as economias nas despezas publicas, isto é, reduzir as despezas quanto for possivel.

É moda, sr. presindente, nas crises politicas fazer certas profissões de fé politica, mas eu não as quero fazer, e quanto á nossa independencia, digo que até me enjoa quando ouço fallar n'ella, porque a independencia nacional é um dogma que não se discute. Eu estou persuadido que todos os partidos em que está dividido o nosso paiz, mesmo o chamado miguelista ou realista, não lhe faço offensa, respeitam a independencia como um dogma, e isto não se discute.

Agora, emquanto á reforma do governo, se ha de ser feita pela diplomacia, ou de outro modo, não posso dize-lo aqui; mas não supponho que qualquer partido aspire a melhorar d'esta fórma para maior bem do paiz, e não supponho que haja ninguem que tenha essa idéa.

Sr. presidente, eu tambem fui impenitente, porque queria moralidade, queria respeito pela lei, e queria a mais severa economia nas despezas publicas; e por seguir esta politica, os srs. ministros applicaram para mim a sentença de que não ha emenda para os homens politicos. Eu tambem sou impenitente, e como vejo que o sr. ministro da guerra não faz voto de penitencia, eu quero respeito á lei, e o governo actual não tem respeito á lei; eu quero moralidade, e o governo não a tem; eu quero economia nas despezas publicas, e vejo que o governo não faz economias; havemos de encontrar-nos em diametral opposição, porque seguimos pólos diversos. Ora, a sentença do correspondente de Versailles "de que não ha emenda nos homens politicos", é applicavel a nós ambos, porque somos dois impenitentes.

Cada um de nós tem seu dogma politico, e não se arredará da sua crença; e por isso, seja qual for a nossa sympathia pessoal, seguiremos lados oppostos, porque toda a conversão será impossivel.

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Aproveito o ensejo para additar, ou antes desenvolver o meu programma de governo, para que se não pense que mudei de proposito n'esta transformação geral que presenceâmos.

Eu não me refiro unicamente a este ou áquelle governo, fallo indistinctamente e em absoluto; mas entendo que nenhum governo póde conseguir marchar desaffrontado no meio de uma sociedade bem governada, sem observar rigorosamente estas quatro condições essenciaes:

1.ª Que o governo tenha toda a moralidade nos seus actos, e que não cuide só de si; que proveja tambem á segurança externa, porque se só cuidar na interna, e deixar aquella á mercê, póde ter serios cuidados e acarretar ao seu paiz serias complicações.

2.ª Que, a par da segurança externa, haja tambem a interna, para que a nossa propriedade e as nossas pessoas estejam a coberto de quaesquer aggressões que nos queiram fazer.

3.ª Que dê a liberdade a todos os cidadãos, para exercerem a sua livre actividade, emquanto estes não forem prejudiciaes á sociedade.

4.ª Que seja economico, gastando o menos possivel na sustentação do machinismo com que é necessario manter as outras tres condições.

Haja um governo com estas condições, sr. presidente, que a sociedade ha de ser bem governada; não haja receios de que o não seja. Mas infelizmente é isto que eu não vejo no governo actual, e portanto não posso, ainda que queira, ter confiança no ministerio que se acha á frente da gerencia dos negocios publicos, porque elle não me satisfaz o meu ideal politico, que eu entendo a unica fórma de governar, e muito especialmente nas conjuncturas difficeis em que estamos.

Eu peço á camara a sua attenção por alguns momentos, porque preciso dizer algumas cousas que interessam a todos; peço que me acompanhe na peregrinação que vou fazer pelos actos do governo.

Sr. presidente, eu creio nas intenções do actual governo como muito boas; mas o que é certo é que elle é infeliz, e não sou só eu que o digo, é o proprio governo que assim se alcunha. Mas, porque é elle infeliz? Por sua propria culpa; a sua infelicidade provem das medidas que adopta.

Se nos voltarmos para a India, o que é que se nos depara? A ordem publica alterada, requisições fervorosas feitas pelo governador para lhe ser enviada força de mar e terra, e antes d'essas forças marcharem, vem novamente o governador, e diz: "Tudo se sanou, não me é preciso a força que requisitei, preciso que me seja confirmada a amnistia que concedi aos revoltosos, que sejam mantidas as minhas promessas".

E o que faz o governo, em vez de confirmar essa amnistia? Não a aceita, e teima em enviar forças, fazendo com isso grandes despezas, e envia um novo governador, quando já nada era preciso; quanto gastou com esse apparato não sei, porque ainda não vi a conta d'essas despezas, mas calculo que não podiam ser muito pequenas; e quando todos estavam na expectativa e esperavam ver punido o governador antigo, viu-se premiado com outra commissão de serviço, talvez mais importante; isto realmente admirou a todos que presencearam o que o governo fez.

Chegaram as forças á India, e que fizeram? Nada, porque, tudo estava sanado; mas como as promessas do antigo governador se não pozeram em pratica, e como se não tratou de evitar a verdadeira causa que existia do germen de discordia, as cousas voltaram á mesma, se não estão peiores; a India está cheia de salteadores, e todos os dias se lêem nos jornaes novas catastrophes.

E o que fez o novo governador em Macau? Para se manter foi mister supprimir as publicações do unico jornal que ali havia, trancar os typos e deportar para Timor o redactor! Eis-aqui está o que se vê ali. O expulso de Goa não cabia em Macau, e para ali viver, torna-se tyranno!

Voltâmo-nos para Moçambique, e o que vemos? Conservar-se o Bonga na sua aringa muito bem descansado, o d'onde ninguem ainda foi capaz de o desalojar. Foi o nosso governo que fez a expedição de 1868, que foi infeliz, contra a espectativa de todos nós; mas depois d'isso o que se tem feito para o desalojar? Nada, o Bonga continua zombando da bandeira portugueze.

Voltâmo-nos para a Africa occidental, e o que vemos tambem? A guerra com os Dembos, a immoralidade e anarchia no governo, e no entanto havia mais de um anno que muitos pares do reino e deputados requisitavam todos os dias ao governo que enviasse providencias para Angola, porque, por cartas que recebiamos, tinhamos conhecimento do que ali se passava, e o governo sem tomar em consideração os nossos pedidos, porque tinhamos informações que lhe não mereciam confiança, deixava-se adormecer pelo que diziam as suas communicações ofiiciaes, que de nada o preveniam; foi preciso para o despertar que um navio mercante vindo para Inglaterra, trouxesse a noticia de se achar caído e ensanguentado no meio da rua o governador da provincia. Esta noticia era tambem particular, e o governo que não tinha feito caso das cartas ou noticias particulares até ali, fe-lo só n'aquella occasião, quando já se achava assim desprestigiada a auctoridade. Acordou pois do seu lethargo, e veiu então a toda a pressa propor novas medidas ao parlamento, e pedir com toda a urgencia para ser auctorisado a mandar forças de mar e terra. Mandou portanto novo governador, e tudo trata de se apromptar para marchar para Angola.

As forças que tinham partido para o Dembo, regressaram para Angola, e o commandante foi mettido em conselho de guerra.

Mais ou menos justificadamente a opinião levantou-se contra o governador geral e houve um jornalista que lhe dirigiu diversas censuras; elle porem, tomando por norma o arbitrio, supprime o jornal e apodera-se-lhe da imprensa.

E, no fim de tudo isto, o que faz o governo para melhorar o estado d'aquella provincia, victima de uma auctoridade sem prestigio? Só quando lhe vieram noticias aterradoras, é que tomou providencias, e hoje para restabelecer a tranquillidade ha de custar muito mais dinheiro e muito mais sangue.

Agora vamos passar em revista os factos que se têem dado no continente.

Votam-se precipitadamente as leis de fazenda, sem se discutirem bem, n'uma palavra, quasi sem se pensarem! Promettem-se regulamentos que não se fazem, e mandam-se executar leis que os empregados não entendem. Estabelece-se a chamada anarchia tributaria; em uma parte manda-se executar a lei, em outra manda-se suspender a sua execução, para que a anarchia mansa não se tornasse viva. E foi n'estas circumstancias que o governo aconselhou uma viagem a El-Rei!

Eu não aconselharia tal viagem, não porque receiasse que a familia real fosse mal recebida, porque onde ella apparecer ha de o ser sempre bem, mas porque não me póde esquecer uma viagem que, ha annos, se fez ao Alemtejo, e que foi bem infeliz, escusando renovar os dolorosos transes passados.

O governo, porém, que esperava certas vantagens d'essa viagem, ficou desapontado, porque appareceram as representações contra as medidas tributarias e pedindo a convocação das côrtes.

Ás representações espontaneas respondeu elle com as contra-representações promovidas pelas auctoridades, que andavam de porta em porta, pedindo assignaturas a favor do governo!! Este expediente, afóra ser vilão e ascoroso, passara a ridiculo.

Depois despertou-se o paiz com a noticia de uma tenebrosa conspiração que se descobrira em Lisboa, e que ti-

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nhã por fim acabar com a dynastia, com as instituições e com a independencia da patria! Dizia-se que estava tudo perdido, e saiu para a rua a cavallaria, a infanteria e até as metralhadoras!

Muita gente seria se assustou, mas eu declaro que não me aconteceu tal, porque conheci os conspiradores quando fui ministro, e nunca tive a coragem de os tomar a sério.

Prenderam-se os culpados, arranjou-se um volumoso processo, que se metteu em um cofre de ferro, e o sr. presidente do conselho foi agraciado com uma gran cruz de valor e de merito, por ter combatido um inimigo que não tinha apparecido! Proh pudor!

Veiu depois o accordão do tribunal da relação e reduziu o tenebroso trama ás proporções que tinha, isto é, que uns poucos de homens se reuniam, como já o tinham feito em outras occasiões para combaterem o governo; mas por fim de contas não era nada, não era cousa que devesse assustar o governo, que não deve estar a dormir, mas tambem não deve acordar á mais leve e insignificante desconfiança; só o deve fazer quando veja que merece a pena.

E fóra d'isto, o que vemos nós? As leis executara-se? Não.

E permitia-se-me dizer agora, que ha homens que pertencem ás facções politicas dos governos só para estar con-stantemente a importuna-los com pedidos e empenhos para si e para os seus afilhados; mas os governos devem ter a coragem suficiente para resistir a esses amigos, que são os seus maiores inimigos, porque, com tal procedimento, não fazem senão desconceitua-los na opinião publica.

E não ha exercito capaz de sustentar um governo quando elle abusa assim do poder, quando julga que o paiz é seu e distribuo os empregos publicos pela familia e pelos amigos. Não ha maior desgraça para um governo do que um tal procedimento.

A melhor maneira de evitar estes males, é não se com-metterem as illegalidades a que acabo de me referir.

Ora, o sr. presidente do conselho tem praticado algumas d'essas illegalidades. Despachou illegalmente para um emprego um individuo accusado de certas faltas, e que nem sequer ao menos apresentou certidão, de folha corrida; tirou um sargento á acção da justiça militar para ir depor no celebre processo da revolta, e restituindo-lhe a liberdade, concedeu uma pensão illegalmente, sem motivo, nem rasão que a justificasse. E eu não censuro estes factos só pela questão de alguns vintens que se gastam, mas censuro-os pela desmoralisação que d'ahi provem e pelo flagrante delicto que se commette.

E será isto politica que inspire confiança? Creio que não. E isto leva-me, portanto, a não confiar no governo.

Não fiz mais do que apontar ou respigar na grande seara dos esbanjamentos da fazenda, das immoralidades praticadas, e nas flagrantes violações das leis; na imprensa e na tribuna têem-se exposto, mas o governo forte da sua maioria introuvable vae atropelando tudo, e não pára nos seus desatinos, até que venha outro 1868, mais correcto e augmentado.

Eu não quereria que elle caísse, mas que governasse bem, que durasse dois ou tres annos, porque tambem é um grande mal para o paiz estar-se de seis em seis mezes a mudar de governo. Era pois meu desejo que os actuaes srs. ministros se conservassem no poder, mas sinto dolorosamente que não me inspirem confiança alguma, sentimento este que creio ter justificado, nem será talvez necessario justificar mais.

O deficit com que lutamos é grande, porem estou persuadido que é maior ainda a falta de moralidade, a que principalmente se deve tambem a ruina das nossas colo- nias. Ha já muitos annos que eu disse no parlamento, que ellas eram machinas de fazer deputados por encommenda, e campo aberto para os especuladores cubiçosos.

Este governo, se pelos seus actos é infeliz, por outro lado favorece-lhe a felicidade, porque constantemente se lhe apresentam ensejos para especular e pôr em acção os seus artificiosos expedientes. Agora vieram os acontecimentos de Hespanha.

Caíu uma monarchia, levantou-se uma republica. Este facto só podia surprehender aquelles que estão hospedes na politica, a mais ninguem surprehendeu. Estimarei que com a republica ou com a monarchia aquelle povo seja feliz. Não podemos senão desejar fortuna para os nossos vizinhos e respeitar os seus direitos, assim como elles devem respeitar os nossos. Mas o governo chama á reserva, para que? É com receio da republica?

As monarchias não se manteem com bayonetas; para que se sustentem é necessario que estejam radicadas no coração dos povos, nos seus habitos, nos seus costumes e nos seus desejos, vinculadas aos povos por bons governos, que satisfaçam as suas necessidades.

Quando em 1873 se deram as occorrencias de Hespanha, eu e os meus amigos conferenciámos sobre a linha de conducta que deviamos ter n'aquella conjunctura, e discutimos.

Nós discutimos, porque eu aos meus amigos não imponho já minha vontade, discutimos, e o que se vence na maioria é o que se faz. Assentámos, pois, que não deviamos alterar a nossa politica e a nossa posição com relação ao governo, que deviamos continuar o mesmo caminho sem alteração nenhuma, como se os acontecimentos de Hespanha não tivessem tido logar. Pareceu-nos que esta era a politica mais acertada. Nem perguntámos ao governo cousa alguma; quem perguntou ao governo o que havia com relação a Hespanha foi o sr. Mártens Ferrão, que é dos amigos do governo. E que nos podia dizer o governo que se não soubesse pelos jornaes? O que fosse particular de certo não nos diria elle, o que fosse publico já o sabiamos; portanto, nada tinhamos que lhe perguntar. Nós ponderámos que em face dos acontecimentos do reino vizinho não convinha senão termos uma politica portugueza. Caíu ali um throno e levantou-se uma republica sobre as suas ruinas. Disse ruinas, e talvez o não devesse dizer, porque ruinas não houve, mas sim acto de desistencia da parte de quem o occupava, e esse acto grangeou, no meu conceito, mais honra a quem o praticou, que o da aceitação d'esse mesmo throno. Ruinas de throno foram as de 1868; essas sim, é que se podem chamar ruinas, porque houve batalhas, houve luta, houve sangue e mortes. Essas batalhas eram dirigidas pelos homens mais chegados ao throno, os conservadores, que se reputam os salvadores dos thronos, os unicos que os podem sustentar.

Foram elles que derrubaram em Alcolea o que desabou em 1868, porque elles são assim; chegam-se para os réis quando os julgam seguros, e só com a idéa de se sustentar a si; mas na hora do perigo abandonam-os e deixam-os entregues aos revolucionarios. Isto é a historia.

Mas, como ía dizendo, caiu um throno e levantou-se uma republica no paiz vizinho.

N'estas circumstancias entendemos que não deviamos fazer alteração alguma na nossa politica, e esperavamos que o governo fizesse o mesmo pela sua parte; mas não succedeu assim. O governo apenas soube de taes acontecimentos apresenta um projecto de lei chamando a reserva. E este projecto accentua a politica do governo. Uma cousa que nós devemos ter sempre em vista é não illudirmos o publico; eu sou sincero no que digo, e não sei usar d'essas palavras que só servem para fazer effeitos theatraes. Reconheço que devemos ter toda a prudencia na nossa politica para não comprometter o paiz; mas o governo não devia mostrar que se deixou impressionar pelos acontecimentos de Hespanha, não devia fazer alteração na sua politica, nem vir aqui com este projecto, em que não vejo senão inconvenientes. O governo não devia dar nenhum sigual de que o affectavam esses acontecimentos, não devia mostrar que teve medo d'elles, não devia fazer crer que os receiamos. Quando uma nação altera a sua politica, quando augmenta

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a sua força armada dá occasião a que as outras inquiram os motivos porque assim procede, e póde dar causa, quando ha má vontade da parte de algum paiz para com ella, a que se procure n'esse seu procedimento um pretexto para suscitar um conflicto. Vejam o que aconteceu em 1866 a respeito da Austria com a Prussia. Quando um paiz se arma dá logar a que lhe peçam explicações.

Nós temos pelo nosso orçamento votados os meios para 30:000 homens em pé de paz: 18:000 na praça e 12:000 licenceados. Ha muito que vivemos sem maior apparato de força, nem as nossas necessidades nos têem obrigado a que alteremos a regra estabelecida.

Se pois agora seguirmos outra linha de conducta, se augmentarmos as nossas forças, ainda que seja unicamente no pé de paz, daremos azo a que o novo governo de Hespanha suspeite que nós, ou temos receio d'elle ou pretendemos hostilisa-lo.

Porém nada d'isto é verdade, o governo já o declarou solemnemente, e todos nós estamos de accordo sobre este ponto. Logo só receios interiores é que podiam determinar o governo a tomar similhantes precauções. Como eu nada receio da nova republica de Madrid, como nada tema dos discolos de Portugal, como nunca tomei a serio esses trabalhos subterraneo?, aos quaes só se deve oppor a policia preventiva, desapprovo este projecto, ou qualquer outro que tenda a augmentar a força publica e aggravar o nosso estado financeiro.

Em 1868 atravessámos uma crise igual, ou porventura roais grave do que esta.

Caíu o throno secular e tradicional de Izabel II, ao estrepito da guerra civil, que a politica reaccionaria de Gonzalez Bravo suscitou, mas não soube domar; a sorte da monarchia se decidira na batalha de Alcolea, commandada pelo duque de la Torre.

A queda do throno de Izabel II causou em Portugal forte impressão em todas as classes da sociedade. Os revolucionarios hespanhoes em suas proclamações e manifestos lavraram sentença de ostracismo contra a familia real da casa de Bourbon.

Collocaram a Hespanha na conjunctura mais dolorosa por que póde passar qualquer nação, que é a incerteza da sua lei organica. Apesar de tudo, o governo de que eu fazia parte, não tomara medidas extraordinarias, não chamou a reserva, não augmentou um soldado á nossa força publica, e atravessámos a crise sem o mais pequeno abalo no paiz, respeitando os devores para com os nossos vizinhos.

Todos queremos guardar a nossa independencia, o nosso socego, a nossa tranquillidade, a nossa liberdade, e é por isso que eu não posso approvar a politica accentuada n'este projecto, pois a julgo contraria aos interesses do meu paiz.

Sei que este projecto ha de ser approvado, mas quero que todos se lembrem do que eu aqui digo. Não tenho pretensão a cousa nenhuma d'este inundo, não quero ser ministro, não quero trocar aquillo que tenho por gran-cruzes e outros enfeites, contento me com as minhas insignias de prelado. Os meus desejos são que os srs. ministros se conservem no poder, mas que sigam uma politica conveniente ao paiz; todavia, isto não me póde impedir de dizer, no cumprimento do meu rigoroso dever, aquillo que entendo, e é isto que estou fazendo. Se a politica do governo for partidaria, se aggravar as nossas circumstancias, querendo ser um governo de força, tenha a camara a certeza que se hoje o governo precisa d'esta auctorisação, d'aqui a dias ha de precisar de outras, e hão de ser votadas todas; mas creio que n'esse plano inclinado em que o governo resvala, ha de ir até ao fim, sem que haja força que o possa fazer retrogradar do abysmo.

Qual seria a politica que o governo devia seguir? Eu vou dizer qual, a meu ver, me parece mais conveniente. Ainda que sou homem da opposição, e as opposições não dão conselhos, porque limitam a sua missão a censurar os actos do governo que não acham convenientes ao bem geral, não me absterei de dizer o que entendo a tal respeito.

Não acho conveniente que se vão aggravar as nossas finanças, que devem ser o ponto principal da nossa politica, para irmos ferir susceptibilidades. A segurança da nação não está em a nossa força ser de vinte, trinta ou cincoenta mil homens.

Não é esta força que póde assegurar a nossa independencia, se for atacada. A nossa independencia não se sustenta com isso, e para manter a ordem interna não é preciso tanta força. Quando algum desvairado ou penicheiro appareça, querendo alterar a ordem, não é necessario senão a policia para os conter. A opinião publica repelle completamente esses desordeiros, que machinam debaixo do chão, contra o socego de todos, e tanto basta para haver segura garantia contra elles.

Não podem, pois, fazer cousa alguma que possa assustar o governo, e por consequencia tambem não ha precisão de força para conter essa gente. O governo que emprega este expediente, é porque não tem confiança no paiz, e recorre por isso a estes pequenos artificios ou expedientes, para não lhe chamar outra cousa... Qual será a politica nacional mais conducente aos interesses publicos? Cada um póde pensar como entender, cada um póde avaliar os acontecimentos segundo o prisma da sua intelligencia; mas na minha opinião, a verdadeira politica a seguir é usarmos da maior prudencia, não augmentar a força militar, organisar as nossas finanças, gastar o menos possivel, para não sacrificar o paiz; respeitar a moralidade e as leis e não praticar d'esses actos que promovem escandalos e embaraços ao governo, como temos visto.

A vida do actual governo é um tecido de violações das leis, immoralidades e calculado desprezo das conveniencias sociaes.

Na resenha que acabei de fazer, não disse o dizimo, e a camara concordará que não é com governos d'estes que se fazem amar as instituições e a monarchia.

Agora, na falta da opinião, appella-se para a força.

Em logar da politica da força material, devia o governo adoptar uma outra politica mui diversa, devia estabelecer uma politica mais suave e moral. A primeira necessidade que existe em Portugal não é a da força armada, porque em Hespanha não ha talvez um só homem que se lembre de conquistar esta terra por meio da força. Estou convencido d'isto, e creio que a camara tambem o está. A nossa independencia, pois, não corre, perigo pelo lado que se receia. Agora, por onde o perigo é grave e imminente, é pelo lado da propaganda. É preciso que não nos illudamos. É um paiz a Hespanha que está a algumas horas de jornada. As nossas relações com aquella nação estreitam-se cada vez mais. As correspondencias dos jornaes d'aqui para Madrid e d'aquella capital para aqui trocam-se todos os dias, e estas communicações diarias não se podem conjurar com um cordão sanitario. De modo que o bem ou o mal que de lá vier, tem ingresso pela propaganda, e esta não póde ser combatida com exercitos.

Vamos agora ao modo de conjurarmos tudo isto. É muito simples. A maneira de obstar a esta invasão de idéas, é ter o nosso paiz um governo que trate de reformar a constituição do estado, em harmonia com as idéas do seculo; mas apresentando uma reforma que não seja para um partido, mas a contento de todos, que lhe insira garantias sobejamente liberaes, que a faça respeitar e cumprir fielmente, que se constitua acerrimo defensor da lei, da justiça e da moral, e que não considere o seu partido como o unico que representa o paiz inteiro.

De nos portanto um bom regimen e ficaremos todos satisfeitos. Quando nos acharmos assim constituidos, não teremos então receio de inimigos. Eis-aqui como eu encaro esta questão; pelo menos é esta a minha convicção profunda.

Se continuarmos a caminhar como até agora, levar-nos-ha esse caminho até outro 1868! E eu n'este ponto, note

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a camara, sou Cassandra! Nós caminhâmos para outro 1868, e todos se lembram ainda, de certo, com que difficuldades saímos d'essa crise, e como foram graves os sacrificios que ella custou ao paiz! Portanto desviemo-nos d'esse caminho, porque nos leva ao abysmo.

Os ministros actuaes já caíram do poder, apesar das maiorias parlamentares e da confiança da corôa, por uma demonstração popular contra a sua politica.

Como se não emendaram, como são impenitentes e vão no mesmo rumo das antigas paixões e dos antigos abusos e esbanjamentos da fazenda publica, contem com o mesmo resultado.

Quando e como se manifestará, não sei, mas é inevitavel. Talis vita, finis ita.

Cuide-se da organisação interna, garantam-se todas as liberdades, haja moralidade, e viveremos socegados, sem desejarmos nova fórma de governo.

A Belgica, por exemplo, é um paiz bem pequeno, e apesar de rugir em torno d'ella o leão, não se sobresalta com receios, porque tem na sua organisação interna a mais segura garantia da sua existencia.

É o exemplo da Belgica o que nós devemos seguir, procurando imita-la.

O exercito é o instrumento de defeza das liberdades e dos direitos das nações; mas o nosso exercito, nas condições era que está organisado, para nada serve; é um instrumento que, se fosse necessario servir-nos d'elle, quebrava-se nas mãos.

É esta a minha opinião, apesar de ser padre e alheio á profissão militar.

Carecemos de cuidar seriamente d'este objecto, organisando-o de modo que possa corresponder ao seu fim, e é isto que peço ao sr. ministro por bem do nosso paiz.

Sr. presidente, creio ter exposto detidamente as rasões por que voto contra o projecto; é pelos factos que alleguei que não approvo a medida, e não porque queira fazer questão politica.

Não tencionava tomar parte no debate, mas julguei não dever deixar de o fazer, em virtude do modo por que o sr. presidente do conselho collocou a questão.

Póde alguem confiar nas palavras do governo, e votar a lei só porque elle nos diz que é precisa, e que no momento actual não podemos escolher outro alvitre para augmentar a força publica.

Eu nada confio no governo, e por isso voto contra o projecto, que é injusto e de uma iniquidade revoltante.

E votaria contra qualquer alvitre que o substituisse, porque entendo que não é necessario augmentar a força publica, e alem d'isso termos de fazer despezas immensas, aggravando o estado da nossa fazenda e compromettendo o nosso, futuro.

Disse.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Principiou declarando que a camara não esperasse d'elle orador um discurso tão importante e variado qual acabava de ouvir pela voz eloquente do sr. bispo de Vizeu, nem que elle orador, por parte do governo, siga passo a passo as observações que s. exa. fez, discutindo n'esta preroração passo a passo as muitas accusações que fez, capazes de certo de fazer vergar hombros mais fortes do que os d'elle orador.

Todavia não procedia assim, não por lhe faltarem argumentos, mas por descobrir no precedente orador um fim, que callaria.

Ouviu com toda já attenção as palavras do digno par, o sr. bispo de Vizeu, e declarava-se sensivel ás expressões de benevolencia que lhe dispensou. Todavia notasse bem a camara que tal benevolencia pessoal, que muito agradece, serve apenas para contrastar a pouca benevolencia politica com que depois censurou o ministerio a que elle orador preside.

Este procedimento tambem não é novo. É costumeiro,
mas nem por isso póde deixar de agradecer as palavras de cortezia e favor com que o obsequiou.

O digno par, continuou o orador, encarou a questão combatendo-a sob um ponto de vista em que eu não a colloquei.

Não proferi phrase ou palavra alguma que podesse escandalisar. Nunca me dirigi á camara dizendo que "aquelles que têem confiança no governo votam a favor do projecto, e os que a não têem rejeitam-o". Não, unicamente o que eu digo, mas commigo todos os dignos pares que tomaram parte n'esta discussão repetiram, que encaravam a questão sob o ponto de vista do interesse publico. Não fiz nem desejava fazer de uma questão occasional uma questão ministerial. N'estes termos não posso aceitar a questão no terreno que o digno par a collocou. O que disse, e que n'este momento affirmo, é ser o assumpto uma questão de conveniencia publica. Era o que o digno par deveria perguntar-me e então ter-lhe-ia respondido que sim, no ponto de vista das idéas que sigo.

Disse o digno par: "Eu hei de rejeitar este projecto, porque rebentou uma revolução na India".

S. exa. disse mais: "Não posso approvar este projecto porque houve uma revolução na India, e estão os salteadores atacando as casas dos cidadãos. Não posso tambem approvar este projecto porque se mandou uma divisão para Moçambique. Não posso approvar este projecto do chamamento da reserva, porque o Rei foi á provincia e houve diversas representações".

Que relação tem este projecto com as representações, com o direito de consumo, e com tudo quanto o digno par citou?!...

Isto é serio (proseguiu o orador), e s. exa. que é muito serio e digno, não devia dar a este projecto de lei os fóros de uma questão politica! Cai das nuvens, admirando-me de que s. exa. impropriamente n'esta conjunctura tratasse de assumpto tão desrelacionados do que estava na tela da discussão, que é mera e exclusivamente chamar-se a reserva ao serviço, como se pratica em todos os paizes nas circumstancias extraordinarias.

Esta é a questão. Que relação tem portanto esta questão com a revolta da India, com o Bonga, e com o direito de consumo?

O governo póde ter sido pessimo, póde ter faltado ao cumprimento da lei, póde ser tudo quanto o digno par quizer; mas a questão da defeza da integridade do nosso territorio é sempre a mesma. Se o digno par entende que todas essas faltas, ou mesmo crimes, se assim quizer, são um motivo forte para fazer sair o actual ministerio d'estas cadeiras, digo a s. exa. que não seria de certo esta a occasião mais opportuna. E o digno par que é muito lido, sabe quando deve fazer opposição ao governo, e que a insurreição da India não data d'este ministerio, porque s. exa. geriu os negocios publicos até que teve logar aquelle acontecimento, que foi logo depois da entrada do actual ministerio; e então como é que este governo preparou a revolta da India e a revolução de Hespanha, e tudo isto para se segurar no poder, e estar á frente dos negocios publicos?!... O digno par tem recursos para dirigir melhor os seus ataques, e não era preciso apresentar-se aqui, em relação a este projecto com as referencias ao Bonga, que de passagem deixou na aringa, e n'este momento buscou fazer encontra-lo. Não desejo, nem é do meu caracter, fazer ratiliações, nem mesmo a actual situação o permitte, porquanto se verdade é não ser ella perigosa, todavia não deixa de ser grave.

Basta esta leve expressão para que o governo constituido, á frente dos negocios publicos, não deixe de empregar os meios convenientes e necessarios para a manutenção da ordem publica interna e externa, sem prejudicar ninguem, e sem que alguma nação tenha direito de pedir-nos satisfação pelo motivo por que entendemos necessario elevar a força do nosso exercito.

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Continuou o orador pedindo permissão de expor ao digno par, o sr. bispo de Vizeu, que foi injusto em relação á provocação que disse entender vamos fazer, para dar occasião aos nossos vizinhos de nos pedirem explicações ácerca do chamamento da reserva, chamamento que o digno par está no seu direito de julgar inopportuno.

Não sabe s. exa., e não o sabem todos que o digno par o sr. marquez de Sá da Bandeira, constantemente reclama se fortifique a cidade de Lisboa? Sabem-o todos; e tanto que elle orador já teve occasião de lhe dizer que lhe ha de proporcionar os meios possiveis para se proseguir nas obras já encetadas, e que s. exa. tomaria a direcção d'ellas. Até hoje, apesar das repetidas instancias d'aquelle digno par, não consta a elle orador que a Hespanha pedisse explicações sobre o assumpto. As fortificações de Lisboa servem para cobrir a defeza da cidade; mas quando alguma nação o presume conveniente, será direito de outra estranha pedir-lhe explicações por esse facto?

A França, por exemplo, fortificou París em 1843 e ninguem a encommodou com explicações a tal respeito, e aquelles fortes que então fez, foram os que trinta annos depois lhe serviram como baluarte contra a aggressao da Prussia e da Allemanha.

Perguntarei ainda mais (continuou o orador); pois ha sete annos, em que o governo se encontrou n'uma grave collisao, não chamou igualmente a reserva ás armas como na presente conjuntura? E então alguem lhe pediu explicações?... Não... E com que direito se lhe pedirão agora, quando o governo sómente propõe a auctorisação de o exercito se armar em menos força do que a que realmente lhe pertence em pé de paz? Seria porventura justificavel um pedido de explicações de uma nação para outra, quando uma d'ellas se desejasse armar com menos força do que a que devia ter em pé de paz? Creio que não, e supponho mesmo um absurdo. Não ha pois da nossa parto motivo algum que de origem a tal provocação, e os cavalheiros que assignaram este projecto assim o entenderam (apoiados).

O digno par, sabe que todos os governos têem obrigação de olhar pelo armamento e fortificações do seu paiz, bem como o de se precaver contra quaesquer dissensões ou aggressões.

Tambem, apresentou, o digno par (observou o orador), uma preposição, sobre a qual rogo me permitia dizer-lhe que está de certo enganado. O conselho d'estado não está convocado para especial approvação d'esta lei, como s. exa. disse, mas sim para outras que já foram approvadas n'esta camara. Talvez que esta lhe seja presente n'essa occasião, se ella for aqui votada em occasião oppnrtuna para tal ensejo. Esta observação não podia deixar de fazer, para que não ficasse de pé a referencia do digno par, que tinha o alcance de fazer presumir que o governo convocou o conselho distado para votar leis que ainda não tinham sido approvadas!

Não podendo ser esta questão considerada politica, nem a tendo elle orador collocado n'esse terreno, nem tão pouco como tal sido aceita por esta assembléa, pedia licença para dizer tambem ao digno par, o sr. bispo de Vizeu, que não podia elle orador aceitar esta questão no terreno que s. exa. lhe delimitou.

Faz plena e inteira justiça ao criterio do digno par, e está convencido de que s. exa. reconhece que o governo procura por todos os meios ao seu alcance a salvação publica ou, pelo menos, que esta é a sua intenção.

Fosse todavia permittido, n'esta occasião, a elle orador uma leve observação. S. exa. o sr. bispo de Vizeu, que a cariara dos dignos pares teve o prazer de ver sentado no seu logar, como seu membro, quando se tratou da resposta ao discurso da corôa, n'essa occasião de certo a mais propria para accusar o governo pelos seus actos, deixou passar esse ensejo, não soltou nem uma unica palavra e apresenta-se n'esta occasião, que parece um tanto extraordinaria, a accusar o governo de actos praticados muito anteriormente, e o não foram de então para cá! Pedia pois ao digno par permissão de lhe observar não ser esta a occasião opportuna para as referencias a que acabava de proceder; e que se deixou passar silencioso aquella a que se reportava elle orador, não foi por culpa do preopinante.

Passando á questão que estava na tela da discussão, que reputa importante, e tanto que esta camara assim o reconheceu occupando-se d'ella em duas sessões, pediria desculpa de não se occupar mais longamente das observações do sr. bispo de Vizeu; e portanto se restringiria a declarar que o projecto em discussão é da maxima importancia e que se, porventura, qualquer digno par desejar mais amplas explicações, estava prompto a tomar de novo a palavra para as dar.

O sr. Bispo de Vizeu: - Só tenho a dizer duas palavras ao sr. presidente do conselho, porque me parece que elle se incommodou com a peregrinação que eu fiz pelos actos do actual governo.

S. exa. censurou-me, por não ter escolhido a occasião em que se discutiu a resposta ao discurso da corôa, para apresentar as reflexões que ha pouco expuz á camara; mas permitta-me s. exa. que lhe diga, que cada um de nós póde escolher o campo para fazer as suas reflexões, embora isso cause incommodo aos srs. ministros. Não tem, pois, logar o reparo de s. exa., porque eu tenho a liberdade de escolher a occasião, o local e a hora para fazer as minhas reflexões.

Disse s. exa. que não poz a questão politica, mas eu entendi o contrario, porque, para se declarar uma questão politica, não é preciso dizer que uma questão é ministerial e que se põem as pastas sobre ella. As questões politicas têem um caracter particular, que as faz bem conhecidas; e até me parece que s. exa. declarou na outra camara, que não podia ser ministro sem esta lei.

Em conclusão, direi que não tive idéa de fazer agastar o sr. presidente de conselho com as reflexões que apresentei, e que se aproveitei esta ocasião para as fazer, foi porque não se me tinha offerecido ensejo proprio, e porque entendo que as questões politicas não se devem trazer para esta camara, por isso não teve esse caracter a resposta ao discurso da corôa.

Porém a prova mais concludente de que eu escolhera bem a occasião para as minhas considerações ácerca da politica do governo, fôra o incommodar-se tanto com ellas o sr. presidente do conselho de ministros.

Disse mais o sr. ministro da guerra, que lhe não parecia seria a maneira como eu dirigi a minha argumentação.

É natural que não agradasse a s. exa. o que eu dissera, nem a fórma de que usara; mas apoda-la de pouco seria, isso é que eu não esperava da parte de um ministro, que pelos actos da sua vida publica tão pouco auctorisado está a ser juiz competente na materia de seriedade e respeito ás leis.

O Sr. Conde de Linhares: - Esta questão foi já a meu ver perfeitamente elucidado pelos digno pares que têem usado da palavra, e eu não tenho agora a pretensão de a esclarecer mais; o meu fim, sr. presidente, é apenas de motivar o meu voto, como aliás costumo fazer sempre, quando se trata de materia que eu reputo importante.

Parece-me que o sr. presidente do conselho, no seu discurso de hontem, expoz a questão com toda a clareza, quando disse que este projecto não era de tanta magnitude como se podia deprehender pelos discursos de alguns dos dignos pares, por isso que apenas se tratava, chamando as reservas, de conservar nas fileiras um numero de praças ainda inferior áquelle que se acha estabelecido em pé de paz, e que tinha por fim unicamente habilitar o governo a dispor da, força indispensavel para a manutenção da ordem no interior do paiz e na sua extensa fronteira; acrescentou s. exa., que aquelles dignos pares que julgassem, como elle julga, que as circumstancias actuaes são graves e não permittem que se dispense esta precaução, votariam o pro-

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jecto, emquanto aquelles que pensam por modo diverso, o rejeitariam; ora sr. presidente, sendo n'esta parte a minha opinião perfeitamente conforme com a do sr. Fontes, approvo o parecer, sem por isto entender que dou nenhum voto de confiança politica ao governo n'esta occasião, não me conformando por consequencia n'esta parte, por modo algum, com as opiniões que acaba de emittir o digno par o sr. bispo de Vizeu, que me precedeu n'esta discussão.

Observarei que pessoas muito mais auctorisadas do que eu são da mesma opinião n'esta materia, porque ninguem dirá que o sr. marquez de Sá, chefe de um partido politico, que não está no poder, e o meu amigo o exmo. sr. marquez de Sabugosa, que já foi ministro do reino em outra situação, quizessem agora dar um voto de confiança politica ao gabinete actual, quando é certo que ambos estes dignos, pares approvam o parecer que se acha em discussão, naturalmente porque o julgam urgente e consideram graves as circumstancias e a crise que temos de atravessar.

Aceitando pois a questão no terreno em que a collocou o sr. presidente do conselho, approvo o projecto, entende donde que na situação actual seria impossivel obter por outro modo o numero de soldados que julgo indispensavel permaneçam nas fileiras.

O sr. Presidente: - Não ha mais nenhum digno par inscripto. Vae portanto votar-se o projecto na sua generalidade.

Posto á votação o projecto na generalidade, foi approvado.

Passou-se á especialidade.

Artigo 1.° - approvado.

Artigo 2.°

O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço a attenção do nobre ministro da guerra.

Sr. presidente, nós todos desejâmos, quer votemos a favor, quer votemos contra, que as leis sejam cumpridas com o menos vexame possivel.

Por isso desejo que o nobre ministro da guerra declare o que tenciona fazer para ser satisfeito o ultimo contingente, que é de 10:000 praças, se antes d'isso não tiver logar a. revogação do artigo que permitte as remissões... .

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Peço a palavra.

O Orador: - Sem isso o contingente não se completa, porque d'elle fugirão todos aquelles que se poderem remir. Por isso peço que a tempo se apresente a reforma pedida, e alem d'isso é preciso inexoravelmente perseguir os refractarios e aquelles que os protegem; s. exa. deve. exigir a paga dos recrutados em divida, que são 27:000, ou ao menos uma parte d'elles. Sem que s. exa. seja severo na exigencia do pagamento d'este tributo, nunca assumirá o numero de 30:000, e nunca a reserva poderá ser dispensada.

Ora, se s. exa. aceitou este paragrapho com a intenção de o cumprir, como creio, pois faço inteira justiça ao seu nobre caracter, é necessario que nos diga se effectivamente conta derogar aquelle artigo.

Não sei se me expliquei de maneira que s. exa. percebesse a minha idéa; peço-lhe o favor de dizer alguma cousa que me possa socegar a este respeito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, já na sessão passada declarei á camara, e por consequencia ao digno par, que n'esta legislatura eu havia de fazer uma proposta, alterando em diversos pontos a lei do recrutamento, e que uma d'essas alterações, a mais importante, era abolir a remissão a dinheiro. O que posso assegurar a s. exa. é que farei quanto em mim couber para que n'esta sessão não se approve o contingente de recrutas que propuz, sem se approvar igualmente a alteração referida, que me comprometto a apresentar em breve, e promover o seu andamento em ambas as camaras, de cuja vontade é claro que não posso dispor, para que desde já afirmasse que será discutida a mesma proposta. Como s. exa. verá, hei de satisfazer a este compromisso.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o artigo 2.° tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Franzini: - Peço a palavra sobre o artigo 3.°

O sr. Conde de Cavalleiros: - Eu tambem tinha pedido a palavra.

O sr. Presidente: - Era sobre este artigo?

O sr. Conde de Cavalleiros: - Não, senhor, era para uma explicação quanto ao artigo 2.°

O sr. Presidente: - Bem. Não ouvi, mas darei a palavra a v. exa. depois do sr. Franzini.

O sr. Franzini: - Desejo mostrar á camara que me parece haver manifesta contradicção entre o § 2.° do artigo 2.° e o artigo 3.° O § 2.° diz (leu). Parece depreheder-se se d'aqui que o exercito. ha de ser levado ao pé de paz, 30:000 homens. Pelo artigo 3.° vejo que o governo é apenas auctorisado a Despender até á quantia de 660:000$000 réis, para preencher nas fileiras do exercito as 12:000 praças que faltam. Estes 660:000$000 réis são unicamente a importancia do pret, pão e fardamento para 12:000 praças em doze mezes, pelo que teremos de acrescentar áquella somma já bem avultada, a correspondente a tres mezes do actual anno economico, supppndo que as 30:000 praças se! acham reunidas no fim de março, na importancia de reis! 165:000$000.

Temos maisa compra de 536 cavallos, que faltam para completar o effectivo na cavallaria; a 120$000 réis cada um, o que não me parece exagerado, importam em 64:000$000 réis.

Devemos ainda acrescentar outra somma para os subsidios de marcha, as compras de mantas e varios outros artigos, que é desnecessario especificar. Querendo o governo completar o effectivo de 30:000 homens, necessariamente ha; de exceder a verba de 660:000$000 réis, que são apenas para um anno de pret, pão e fardamento a 12:000 homens; creio portanto que o governo terá de recorrer a creditos extraordinarios, se quizer cumprir a lei.

Á vista da contradicção que se me afigura existir entre o artigo 3.° e o § 2.° do artigo 2.°, desejava que o sr. ministro da guerra d'esse alguma explicação que nós podesse esclarecer.

O sr. Conde de Cavalleiros: - As objecções que acaba de fazer o meu nobre amigo, o sr. Franzini, parece que são justas, mas é certo que se não póde mathematicamente designar o tempo que ás reservas hão de estar reunidas.

Infelizmente ninguem póde marcar esse tempo; depende isso de futuras propostas que da parte do governo hão de ser apresentadas.

Agora devo agradecer ao illustre ministro as explicações que teve a bondade de me dar, e declaro a s. exa. que tenho plena confiança na sua boa vontade. O que lhe peço é que se lembre que quem governa deve ter mais cabeça do que coração.

É preciso exigir o pagamento do tributo de sangue aos que estão em atrazo. É ao sr. ministro do reino a quem me dirijo sobre este ponto. Refractarios e esquecidos é necessario obriga-los a servir. Se ha quem os proteja, é necessario forçar essas protecções, e arreda-las, para que se não vão sacrificar homens na defeza do paiz, e obriga-los a pagar por outros um tributo pesadissimo. Não ha dó, não ha pena, não ha caridade para homens que assim prejudicara o seu similhante.

A proposta que o nobre ministro da guerra ha de apresentar com o fim de acabar com as remissões a dinheiro, estou certo que tanto n'uma, como n'outra camara ha de ser immediatamente approvada.

Página 112

112 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

As substituições não são de grande vantagem, mas são melhores que o estado actual, por isso é que eu desejo que não seja complicado ou embaraçado o resultado d'esta questão por qualquer outra combinação de reforma que se tenha em vista fazer.

A minha reforma hoje, a reforma das reformas, é acabar com as remissões, dar força ao exercito, para assim poder alliviar a reserva.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Nada tenho que responder ao que acaba de expor o sr. conde de Cavalleiros; e com relação ao que disse o sr. Franzini, peço licença para dar uma pequena explicação que me parece satisfará o digno par. Entendo que o projecte devia ser approvado como se propoz. Esta é uma sincera expressão de verdade. Como foi proposto deixava-se vago e indefinido esse ponto, a que s. exa. se referiu, porque vaga e indefinida é a despeza que se poderá fazer com a reserva. Ninguem sabe o tempo que poderá estar reunida, porque isso depende de circumstancias diversas: ninguem portanto póde designar antecipadamente a despeza que se ha de fazer com o material e manutenção. Este o motivo por que nada propuz em relação ao assumpto, parecendo-me mais conveniente apresentar a proposta de lei nos termos que a apresentei, e nos quaes, como já disse, julgo que será melhor vota-la. Levantaram-se comtudo objecções a este respeito, e entendi que não valia a pena estar a contraria-las, tacto mais que se fundavam num principio constitucional, qual é o da fixação das despezas.

Indicaram-se 660:000$000 réis, como somma destinada pelo orçamento ordinario; aceitei essa somma, e declaro que a aceitei, não porque tivesse a convicção de que ella só bastava, ou de que seria toda necessaria, mas porque era uma fixação de despeza que por outro lado não me impedia de governar; porque d'aqui a nove mezes abre-se o parlamento, e ainda decorrem mezes até ao fim do anno economico, e como está n'esse periodo o parlamento aberto, se não for suificiente essa somma, o governo proporá ás côrtes o que entender a tal respeito, e o parlamento resolverá o que julgar conveniente.

Aqui tem pois o digno par como não ha contradicção entre as disposições do artigo 3.° e os artigos antecedentes.

Tenho concluido.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos na presente sessão.)

O sr. Franzini: - Pedi a palavra para agradecer ao nobre ministro da guerra as explicações que s. exa. acaba de dar á camara.

Leu-se na mesa o

Artigo 3.° - foi approvado.

Artigo 4.° - foi approvado.

Artigo 5.° - foi approvado.

O sr. Presidente: - Este decreto das côrtes geraes será levado á sancção real pela mesma deputação que já foi nomeada para levar outro decreto, a que já alludi.

Torno a dizer que Sua Magestade recebe amanhã ao meio dia no paço da Ajuda a deputação que lhe ha de apresentar estes decretos das côrtes geraes.

Tem a palavra o sr. visconde de Fonte Arcada para uma explicação.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - É para declarar que alguns dignos pares me notaram que eu tinha votado a favor do projecto que se acabava de discutir; se votei, foi por engano; e só tenho a dizer que o queria rejeitar, como se deprehende do meu discurso feito na sessão de hontem. Por isso faço esta rectificação (apoiados).

O sr. Presidente: - Tem a palavra para uma explicação o digno par o sr. conde de Cavalleiros.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Cedo da palavra.

O sr. Presidente:-Peço a attenção dos dignos pares, porque se vae dar conta de varios projectos de lei que acabam de chegar da outra camara, e a que se ha de dar o destino competente. Recommendo ás respectivas commissões que se reunam e tratem sem demora dos assumptos respectivos. Sou informado, de que na sexta feira proxima não é costume haver sessão. Se a camara convem, será a primeira sessão no sabbado, e entretanto poderão as commissões reunirem-se e preparar os pareceres sobre os projectos que lhes forem distribuidos (apoiados).

Então a primeira sessão será no sabbado, e a ordem do dia pareceres de commissões.

Está levantada a sessão.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 4 de março de 1873

Exmos. srs.: Marquez d'Ávila e de Bolama; Conde de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa; Condes, de Bretiandos, de Castello Branco, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos, de Linhares, de Paraty, da Ponte, de Rezende, do Sobral; Bispos, de Bragança, de Lamego, do Porto, de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, da Asseca, de Benagazil, do Condeixa, de Fonte Arcada, de Ovar, de Portocarrero, da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Barreiros, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Franzini.

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