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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 81

são militares, para o merito civil, ou artistico, ou scientifico, quero tambem insignias de honra; sómente desejo que sejam appropriadas. Napoleão I, cujo génio universal se estendia ás mais pequenas cousas, querendo crear uma ordem nova para remunerar serviços num paiz que rompera violentamente a cadeia das tradições, não foi resuscitar as ordens de S. Miguel ou do Espirito Santo, escolheu uma estrella para emblema da Legião de Honra, e póde assim concede-la a todos os benemeritos de qualquer religião, de qualquer profissão que fossem.

Mas não prosseguirei mais em considerações que só servem para revelar a originalidade das minhas idéas, ou, para melhor dizer, a singularidade das minhas opiniões.

E tempo de entrar no mais especial do assumpto e dizer em que consiste na minha opinião o defeito capital do projecto que discutimos. Tira elle ás merces honoricas o caracter de recompensas cívicas, de premios sociaes ao merito e á virtude, e converte as em dixes com que se entretém a vaidade dos homens que por meios mais ou menos legitimos engrossaram sua fazenda, ou lentejoulas com que pretendem adornar-se aquelles que se envergonham da vulgaridade da sua origem. Não sou talvez justo dizendo que isto faz o projecto, mais exacto é dizer que já está feito e que elle só o exagera. Quando é publico que quem deseja um titulo, entrega a um amigo uma somma para ser empregada de modo que o titulo se obtenha, não será licito dizer que as merces se compram? Que vende-las por bom preço é alvo a que se mira?

Tenho pois que propor algumas alterações ao projecto e primeiramente ao artigo 2.°, que diz que "o pagamento em prestações dos direitos devidos por merces honoricas será sempre garantido, com caução ou fiança idónea." Votar esta disposição tal como está no projecto é o mesmo que declarar que a idéa que presidiu a sua redacção foi uma idéa excessivamente fiscal, com sacrificio manifesto dos verdadeiros interesses sociaes e das instituições politicas que desejámos conservar.

A entidade do monarcha não deve estar isolada e estranha entre as mais instituições;, deve penetra-las todas e assimila-las como principio creador de toda a hierarchia social. As distincções honorificas são da essencia da monarchia.

Diz Montesquieu que é a honra o principio das monarchias. Isto é, que o amor. da gloria, das distincções sociaes, da fama e do nome honrado, são os grandes motores da organisação monarchica.

Mas como ligar essas idéas com as honras obtidas a peso de dinheiro, cujo pagamento é garantido contra a possivel má fé do devedor, com caução e fiança idónea? Quem se julgará honrado com tal merce, quem exporá a vida para obte-la? Quem irá ganha-la ao meio dos batalhões inimigos, ou affrontará por ella uma epidemia ou um incendio? Assim se destroe um dos mais poderosos estimulos para os grandes feitos, assim se priva o estado dos meios de premiar sem despeza serviços que nenhum oiro póde pagar nem obter. Até financeiramente é mau o projecto, pois dobrado dinheiro será necessario, onde se não poder pagar com a honra.

Pois ha um homem que tenha feito verdadeiros serviços ao paiz, e que se tenha distinguido por elles, tornando-se digno de uma recompensa da parte de El-Rei, e intima-se-lhe que não use dessa merce sem ter pago os direitos e satisfeito o fisco? Tudo isto mostra que a consideração principal nesta lei é grangear proventos para o thesouro publico.

Eu entendo que este systema é deploravel, e tem funestas consequencias. Alem de ser profundamente desmoralisador, attenta contra a igualdade garantida a todos os cidadãos, distinguindo delles e pondo-lhes como adiante, homens sem merito, nem valia alguma real. Repito, continuando a proceder-se da forma que se tem procedido, deixa de existir o principal estimulo para que grandes serviços se prestem; e ninguem pensará mais em praticar actos de extrema dedicação, quando em vez de uma recompensa tiver de soffrer uma multa.

O sr. ministro da fazenda, e muitas pessoas que me ouvem, sabem que tem acontecido varias vezes querer El-Rei premiar verdadeiros serviços, serviços eminentes e distinctos, e os agraciados lhe teem pedido por merce que os não distinga ou que os não multe. No actual systema de recompensas uma cousa vale a outra.

E ao mesmo tempo que essas distincções teem baixado na consideração publica, teem subido de valor monetário, e por isso é cada vez mais penoso a quem pensa e tem dignidade despender grossas sommas em troco de um enfeite desprestigiado. Num paiz como o nosso, onde as fortunas são pequenas, e os empregados publicos se acham pobremente remunerados, acontece muitas vezes que o outorgar uma recompensa honorifica equivale a ir cortar pelos meios de subsistencia do agraciado. São estas considerações que me levaram a propor alguma á substituições a este projecto, as quaes vou ter a honra de mandar para a mesa; mas, antes disso, não posso deixar de fazer tambem algumas reflexões com relação ao artigo 5.°, que me parece está em desaccordo com o parecer da illustre commissão de fazenda. Affirma ella que nenhum novo ónus se impõe aos contribuintes, e eu penso que este artigo aggrava a situação delles, por isso que introduz uma disposição inteiramente nova nesta materia.
O artigo 5.° diz. (Leu.) - Parecia-me, seja-me licito dize-lo, que era mais conforme com as regras da hermeneutica proceder por inserção de uma nova disposição na lei, do que por declarações do que nella não vejo implícito. Seria, a meu ver, muito mais conforme com a maneira por que se procede na reformação das leis fiscaes dizer se: "na pauta annexa á lei de 31 de dezembro de 1836 fica de ora em diante incluida a successão nos titulos de juro e herdade".

V. exa. sabe muito bem que não póde haver interpretação lata em materia de impostos, onde só é permittida a mais stricta interpretação. Tudo o que não está claro e expresso, ninguem póde presumi-lo ou declara-lo.

Ora, a legislação que, visto o silencio do decreto de 31 de dezembro de 1836, rege a successão nos titulos de juro e herdade, a meu ver (e eu peço aos distinctos jurisconsultos que me ouvem que rectifiquem o que houver de inexacto nas minhas affirmações), é o regimento de 11 de abril de 1661, e este regimento diz em dois Jogares, da maneira mais clara e terminante, que na successão dos titulos de juro e herdade se pagará um direito de merce equivalente ao direito que se paga da chancellaria, isto é, equivalente ao sêllo, segundo a terminologia moderna.

Os titulos de juro e herdade, como a sua propria denominação o indica, são titulos hereditários. A corôa não intervém, quando elles se transmittem, senão para confirmar e examinar se na pessoa que pretende a successão do titulo não concorrem circumstancias que a inhabilitem e a tornem indigna de continuar nessa successão. E mesmo assim a legislação portugueza é mais severa e rigorosa do que a dos outros paizes.

Quasi todos os paizes da Europa, se exceptuarmos a Inglaterra, aonde todavia existem ainda assim os titulos de côrtezia que se dão aos successores das casas titulares, e pelos quaes todos os tratam excepto o governo nos documentos officiaes, e a Hespanha, aonde se recorreu ao expediente desgraçado de augmentar os rendimentos publicos explorando a vaidade humana, quasi todos os paizes, repito, consideram os titulos, uma vez concedidos, em remuneração de relevantes serviços ou façanhas memoraveis, como se constituissem dahi em diante o nome da familia, e a elle andassem indissoluvelmente ligados.

Na Russia, na Suecia, na Dinamarca, na Áustria, na Allemanha os titulos de nobreza são apanagio commum dos membros das familias que os possuem, cabendo a todos desde que nascem o direito de usa-los sem necessidade