D1ARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 103
que precisa destruir os obs taculos que se oppõem á sua predestinada carreira.
O pequeno homem de estado, pelo contrario, sacrifica tudo aos interesses individuaes momentaneos, miseraveis, e não é capaz de elevar-se á concepção e realisaÇão de uma grande idéa.
Mas o grande ministro de D. José I não olhava só para a metropole, para o continente do reino; as suas vistas iam mais longe; a Asia, a America, a Africa, finalmente, soffreram o influxo da sua omnipotencia.
Angola achava-se então n'um estado deploravel; era um repositorio, um covil de malfeitores, de degredados. Os crimes se repetiam e se multiplicavam de mil maneiras e debaixo de differentes fórmas n'aquella nossa provincia, convertida então em habitação de facinorosos.
A esperiencia tinha ensinado ao grande ministro que quando as desordens e as immoralidades chegam a certo ponto, é necessario o cauterio ardente ou o ferro em braza para poder destruir a gangrena.
O grande homem não hesitou: tomou na sua mão robusta a vara de ferro candente, e entrou desassombradameute na jaula dos tigres e das pantheras! Essa vara candente foi a carta regia de 1761. Esta carta regia que creou a chamada junta da justiça é nada menos do que uma lei marcial e de terror, como os decretos dos tempos mais ominosos da revolução franceza.
Os criminosos de todo o genero de crimes grandes ou pequenos eram levados á presença da junta que os julgava verbal e summariamente e suas sentenças eram executadas immediatamcnte, sem appelação nem aggravo, inclusivamente a pena de morte! É horrivel, parece incrivel, mas o que é certo é que assim tem continuado a administração chamada da justiça na provincia der Angola até hoje, salvas as modificações que indicaremos. É facil de provar que esse estado de cousas tão violento devia tornar-se insuportavel.
Tres annos não eram passados, e a titulo de uma conspiração, que mal podemos apreciar, uma espantosa carnificina, uma hecatombe inundava de sangue as das de Loanda; trezentos condemnados foram garrotados, tendo o supposto cabeça sofirido os mais atrozes tormentos, escapando apenas alguns que foram perecer miseravelmente nos sertões!!!
Depois, sr. presidente, d'esta horrivel hecatombe, d'esta carnificina espantosa, o que podia seguir-se? o silencio, a paz dos sepulchros!! Aquella socegada escravidão, que o pafatino de Posnania julgava mil vezes peior que os perigos da liberdade.
Passados longos annos, em 1806, lembrou de novo a administração da justiça em Angola, mas para que?
Para suscitar aquella carta regia, aquella lei marcial, só com a modificação de que se não executasse a pena de morte em réu de patente superior á de capitão, sem o beneplacito real; era mais uma injustiça, sobfe tantas injustiças!!
Assim ficaram as cousas durante longos tempos, até que em 1852 se entendeu dever reformar a administração da justiça em Angola, sendo ministro da marinha o sr. Jervis de Athouguia, algum tempo antes da minha entrada para o ministerio de que elle fazia parte.
Sob consulta do conselho ultramarino, então presidido pelo illustre general Sá da Bandeira, fez-se essa reforma, não completa, mas que foi summamente util para aquella provincia.
Applicou-se a Reforma Judiciaria á provincia de Angola, crearam-se juizes de direito e ordinarios, um tribunal de segunda instancia, ou relação com tres juizes, um conselho superior militar; mas, a par d'esta grande reforma, conservou-se a mesma junta de justiça.
Em um dos seus artigos, diz o decreto de 1852, que aquelle tribunal observará a ordem e fórma de processo consignada na carta regia de 1761; quer dizer, conservou-se um tribunal excepcional, com processo verbal, summario, execução prompta e rapida, porque não ha alli recurso algum, excepto dando-se o caso de pena de morte, porque então, diz o mesmo decreto, o accordão da junta não será executado sem confirmação real.
Ha ainda outra circumstancia importante; é que ás justiças ordinarias estabelecidas segundo a reforma, sómente se deu jurisdição para julgarem dos crimes particulares, ficando os crimes publicos comprehendidos no livro 2.° do codigo penal na privativa competencia da junta de justiça, e por consequencia sujeitos á fórma do processo summarissimo, e execução prompta.
Instituiu-se tampem um conselho superior militar.
Este conselho julga em primeira e segunda instancias, summariamente, da mesma maneira, e sem recurso, excepto no caso de pena de morte. Conseguiu-se, ainda assim, um beneficio grande, porque lhe foi imposta a obrigação de se conformar com o regimento do processo adoptado no regulamento do conselho superior do reino.
É incontestavel que houve melhoramento, mas muito nos ficou que fazer.
Em vista das considerações que eu tenho feito, parece-me que não deveria talvez dizer nada sobre o remedio que póde ser necessario; mas eu peço a s. exa. que queira ter a bondade de ouvir o que penso a este respeito, e que eu submetto á sua consideração como simples objecto de estudo.
Sr. presidente, porque ha de tirar-se n'aquella provincia á jurisdicção criminal ordinaria o conhecimento dos crimes publicos para os conrmctter a um tribunal de excepção incompativel com a lei constitucional que é a nossa primeira lei?
Porque não hão de correr estas cousas pelas vias ordinarias, que são os juizes de direito, as relações com recurso para o supremo tribunal de justiça?
Porqtie se ha de tolher o direito de recurso de revista quando parecer necessario ao ministerio publico ou aos particulares?
Eu não vejo motivo algum para isso, mormente no estado accelerado das nossas communicações e que se tornará cada vez mais rapida. Nem a vantagem que se invoca com a celeridade da imposição da pena tem valor algum diante do risco de uma condemnacão iniqua!
N'este presuposto entendo que a relação de Angola deve ter organisação similhante ás do reino, quero dizer que a secção d'aquelle tribunal deve ser elevada a cinco membros.
D'esta fórma a junta da justiça não se póde conservar, não tem rasão de ser, porque alem de incompativel com as nossas leis geraes, e tambem com o actual estado d'aquella provincia tão diverso e differente d'aquelle que foi nos tempos em que aquella instituição se fundou.
Sr. presidente, as circumstancias tem variado muito. No tempo do marquez de Pombal as idéas, as instituições, os homens e as circumstancias eram outras.
Hoje é necessario alargar a area da justiça, chamar o commercio e desenvolver todas as industrias, e não é com a velha legislação e com despotismo que o podemos conseguir.
A respeito do tribunal militar, a minha opinião é, que podem haver na capital da provincia, mas para julgarem em primeira instancia; com recurso para segunda instancia do reino para o conselho superior militar.
O nosso primeiro dever, já que somos liberaes, é acatar a primeira das leis, que é a carta Constitucional, que estabelece-o santo principto que a lei é igual para todos, premeie ou castigue.
Em casos excepcionaes ha tambem remedio na carta, mas remedio excepcional que não póde ser convertido em lei permanente.
Alem das monstruosidades da legislação excepcional que tenho posto em relevo ha ainda uma outra de que não fal-