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104 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lei, e vem a ser o anniquilamento do decreto de perdoar estabelecido na carta, de que absolutamente põe de parte.

Penso que dentro em pouco virá aqui uma proposta apresentada na outra camara a respeito do conselho militar de Cabo Verde.

Rogo ao sr. ministro que, quando tomar em consideração essa proposta (eu nem sei se ella já foi approvada na outra casa do parlamento) haja de attender a que estas reformas fraccionadas têem sempre graves inconvenientes e são pouco compativeis com o principio da igualdade perante alei.

Invoquem-se as boas doutrinas, estabeleçam-se ali, acolá, em toda a parte onde podem e devem ter logar.

Parece-me que o remedio é muito facil e simples, sem causar abalo nem transtorno na marcha geral da administração da justiça civil ou militar.

Não quero fatigar mais a attenção da camara...

Vozes: - Não cança. Muuito bem, muito bem.

O Orador: - O que peço ao sr. ministro é que considere estas lembranças como filhas do maior desejo que eu tenho de ver s. exa. elevado áquelle grau de honra para que os seus talentos o habilitam: e por isso, seja-me permittido concluir applicando a s. exa. os versos do nosso poeta togado Antonio Ferreira:

Que não damnam as musas aos doutores;
Antes ajuda ás suas lettras dão;
Para tudo prestam, para tudo são.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, se n'este momento me não coubesse a palavra, e eu não tivesse meio de felicitar d'aqui o digno par pelo brilhante discurso que acaba de proferir, achar-me-ia junto á sua cadeira exprimindo-lhe este sentimento de admiração, que dita as minhas palavras.

E tanto mais desassombradamente o felicito pela fórma, pela essencia, lucidez e elevação do seu discurso, quanto é certo que s. exa. me condemna a vegetar obscuramente na minha curta ou longa carreira de ministro.

S. exa. disse, e disse com accento prophetico: - São as circumstancias que criam a situação do homem d'estado, são os temporaes que fazem inspirar aos Camões os cantos do Adamastor, são os cataclysmos, os grandes cataclysmos sociaes e da natureza, que podem crear o genio altivo dos marquezes de Pombal.

Que póde, portanto, fazer o ministro que, felizmente para o paiz, embora pouco felizmente para a sua gloria, vive no meio de uma bonança completa, quando a paz é proclamada por toda a parte, e os elementos da natureza parecem conspirar para produzir uma longa primavera numa região como a nossa tão abundante de primaveras?

Vejo-me, forçado pois, sr. presidente, a contentar-me com o mesquinho e pequeno papel que a natureza me destinou; hei de viver a sabor das virações brandas sem me ver nas circumstancias de tentar as grandes e aventurosas iniciativas a que me veria forçado se, era vez dois annos bonançosos, viessem os tufões da tormenta infunar as velas do meu navio.

Felizmente, para aquelles que embarcam, o tempo é bom, o mar é sereno e chão; nada temos a receiar, o timoneiro tem pouco a fazer, havemos de chegar a porto e salvamento.

Contento-me, repito, com o modesto papel que o destino me reservou, porque isso nos demonstra a tranquillidade, o com ella o bem-estar do paiz.

E agora, depois da. minha felicitação ao digno par e á camara, que certamente se cengraflila commigo pelo seu brilhante discurso; depois das minhas desculpas antecipadas pelo tempo que vou tomar-lhe, depois de exprimir esta consolação de que resa o dictado francez: A quelque chose malheur est bon; vou dizer alguma cousa com relação ás observações que o digno par fez relativamente á administração da justiça nas nossas possessões, especialmente em Angola.

Simplesmente como incidente, e para ir na esteira da argumentação do digno par, quero referir á camara um facto que por ella deve ser sabido, mas que não é dos mais vulgares, e por isso não é do conhecimento de toda a gente.

O grande marquez de Pombal, a que se referiu o digno par, parece-me que ainda não foi apreciado no conjuncto de todas as suas qualidades.

S. exa. disse, e muito bem, que elle se viu forçado, entre outras medidas vidlentas, a expulsar os jesuitas de Portugal. Isto deu em resultado formar-se a opinião de que este homem destado tinha por timbre perseguir a religião. Não admira que aquelles, a respeito de quem exerceu actos de rigor ou violencia, ou ainda os sectarios dos queixosos, se levantassem contra elle e lhe fizessem esta insinuação. Ha, porém, um facto notavel na vida do marquez de Pombal, que não tenho visto relatado ou referido nos livros que tratam da sua vida, fallo dos que são do meu conhecimento; facto que fui encontrar em papeis velhos e carcomidos, nos archivos da India.

O marquez de Pombal, na occasião em que foi tomada a provincia das Novas Conquistas, chamada Pernem, teve noticia de que o viso-rei, não posso dizer neste momento quem era o viso-rei, mas creio que era um ascendente do digno par, o sr. marquez de Fronteira, que depois foi marquez de Alorna.

Uma VOZ: - Era o conde de Assumar.

O Orador: - Isso. Creio que era o conde de Assumar.

Na occasião em que elle tomava a praça de Alorna, e por consequencia a provincia, como homem de vistas largas que era, entendeu, que devia repovoar áquelle paiz fertilissimo, que se achava quasi sem habitantes, porque tinham fugido diante da espada do vencedor, nem sempre malevolo...

(Interrupção que não foi ouvida.)

Muitas vezes benevolo, é verdade; folgo de o confessar, e folgo porque me não associo á moda que tem predominado de se fazer uma historia que não é exacta, attribn indo-se-nos crimes praticados no Oriente, sem os attenuar, ao menos, com os grandes beneficios que fizemos.

Como preito á verdade hei de tambem opportunamente referir-me a uma allusão que aqui se fez ao grande Affonso de Albuquerque, pois é bem que n'esta conversação parlamentar se faça justiça aos que têem sido mal avaliados.

Voltando, porém, ao assumpto; que fez o viso-rei? Convidou todos os habitantes de Pernem a que entrassem na posse das suas terras, levantassem os pagodes que tinham sido destruidos, garantindo o exercicio do seu culto, e liberdade de consciencia, a todos os que quizessem voltar.

E sabem v. exas. o que fez o marquez de Pombal, que tinha sido o expulsor dos jesuitas? Fez constar ao viso-rei que não approvava as suas medidas, e que aquelles que quizessem voltar a occupar as suas terras só o poderiam fazer entrando para o gremio da igreja catholica.

Este facto, que não é vulgarmente conhecido, mostra que o marquez de Pombal, que foi no reino accusado de perseguidor da religião, tinha pelo contrario espirito religioso e queria o christianismo para áquelle paiz, onde entendeu e bem... isto sem querer dizer que elle foi liberal n'esta ordem que deu, pois a considero despotica, e condemno todos os despotismos; entendeu, repito, que o radicar a religião catholica na India, e diffundir ali as maximas da unica religião verdadeira e civilisadora, era o modo de engrandecer aquellas possessões.

Procedeu assim o marquez de Pombal. Aqui foi o homem que passava pelo mais irreligioso do seu tempo; alem, no Oriente, procurou secundar os esforços de S. Francisco Xavier, e de tantos outros grandes evangelisadores, que pregaram as eternas e civilisadoras maximas do Evangelho.

E notem os dignos pares uma circumstancia.

Nós os liberaes não sabemos hoje verdadeiramente apreciar o beneficio que devemos ás ordens religiosas no Oriente; e quando digo, nós, fallo por mim e por tantos outros que