106 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ao menos, a justiça, já não digo o amor da patria, não inspirasse esses escriptores, para, ao pé de tal condemnação, consignarem o testemunho das virtudes, trabalhos, heroicidades, que talvez mal possam avaliar.
Perdoe-me a camara esta divagação; mas achei-me tão aquecido pela eloquencia do digno par, que naturalmente fui levado a fallar em cousas a que não tinha tenção de me referir. Até o meu estado de saude não me permitte demorar-me muito e ainda menos exaltar-me na discussão.
Passando agora á questão especial, que diz respeito á justiça em Angola, creia o digno par, o sr. visconde de Seabra, que estou perfeitamente de accordo em que nós devemos implantar nas nossas possessões, quanto possivel, as leis da metropole; porem imagino que se deve dar com as leis o mesmo que se dá com a humanidade o com as plantas, que carecem, para que não morram com uma restea de sol mais forte, transplantal-as, como tem feito a Gran-Bretanha, por meio de um processo logico e cauteloso de acclimação. Se nós, de repente, formos estabelecer as nossas leis em Africa, póde s. exa. acreditar que ou preverteremos a Africa ou nos arriscaremos a desacreditar-nos a nós e á nossa legislação. É simplesmente o que poderá acontecer.
A India é de todas as nossas possessões incontestavelmente a mais culta, aquella que por todas as rasões está mais proxima da nossa civilização; pois na India não foi possivel ainda, e creio que não poderá ser para já, a acclimação do jury.
O sr. Visconde de Seabra: - Apoiado.
O Orador: - E sabe o digno par porque? Porque no dia em que nós entregarmos as cousas ao julgamento do jury, n'aquellas terras onde tamanha é a rivalidade e a influencia das castas, corre-se o risco de que a casta que estiver em maioria no jury absolva ou condemne os accusados conforme a casta a que elles pertencerem. (Apoiados.)
Porque, se ha tantas outras cousas que possam influir nos julgamentos do jury, não ha nenhuma que tontui e poder da differença de castas.
O digno arcebispo primaz do Oriente póde, talvez facilmente, fazer christãos todos aquelles povos da nossa India, mas por muiio tempo ainda continuarão subsistindo no christianismo as differenças das castas; tal é o seu poder e a sua força de reacção.
Relativamente e especialmente á junta da justiça om Angola, não vejo rasão para que uma instituição exepcional e anomala se mantenha como está, nem imagino que ser ella ou com ella devidamente modificada a justiça e a segurança publica periclitem. Este tribunal justificava-se n'outro tempo pelas excepcionaes circumstancias que então se davam, como póde avaliar quem fizer um largo estudo sobre as gradações por que têem passado não só as nossas colonias como até o proprio paiz. Então não tinhamos o systema politico que hoje nos rege, a base da constituição era diversa, o systema penal outro tambem. Não havia as communicações que hoje ha entre a metropole e as suas possessões nem se davam as condições de providencia que actualmente existem. Os tempos d'agora são outros, e o estado da civilisação, mesmo no ultramar, tem outras exigencias.
Asseguro, pois, ao digno par, que vou procurar satisfazer os desejos de s. exa., estudando o melhor modo de cessar com estas anomalias, para o que espero achar o beneplacito do corpo legislativo, que de certo não deixará de sanccionar medidas que a civilisação reclama em hoinrnagem á justiça e em beneficio da humanidade.
O sr. Visconde de Seabra: - Poucas palavras direi. Estou completamente de accordo com as idéas emittidas pelo sr. ministro da marinha; nem eu poderia querer que se fizessem taes modificações nas instituições, que se tornasse ainda mais impossivel a administração da justiça. Lembrei apenas que me parecia chegada a epocha de commetter a revisão e reforma das instituições judiciarias do ultramar, o notei apenas alguns pontos que de maneira alguma podem continuar no estado em que se acham, manifestamente em opposição com os principios elementares do direito e com a nossa constituição politica.
O sr. Presidente: - Continua a interpellação do digno par o sr. marquez de Vallada, e tem a palavra o digno par o sr. marquez de Sabugosa.
Peço á chamara attenção para o que se vae ler na mesa.
(Leu-se.)
Era a moção do sr. marquez de Vallada} já publicada n'uma das anteriores sessões.
(Varios dignos pares pediram a palavra.)
O sr. Marquez de Sabllgosa: - Sr. presidente, em primeiro logar permitta-me o sr. ministro da marinha que lhe assegure que é com sincera satisfação que vejo a s. exa. n'aquelle logar, e espero que completamente restabelecido do incommodo que na sessão passada o impediu de ccmparecer n'esta casa.
Sr. presidente, cabe-me tão tarde a palavra, que podem talvez parecer fóra de proposito algumas considerações que tenho a expor, principalmente depois dos brilhantes discursos que a camara acaba de ouvir; não posso comtudo eximir-me a dizer a rasão por que pedi a palavra n'uma das passadas sessões.
Pedi a palavra, sr. presidente, para responder ás objecções que o sr. ministro da marinha tinha feito ao que eu dissera, o tambem para explicar algumas phrases com as quaes talvez eu não houvesse dado a perceber bem as minhas idéas.
Procurando ser o mais breve possivel, direi sómente o que me pareça essencial.
Julga o sr. ministro que e inacceitavel a proposição que eu tinha avançado, de se acharem suspensas as garantias individuaes para com algumas praças da armada; disso, porém, que, se fosse acceitavel, não lhe pertencia a responsabilidade; d'esse acto, que já tinha encontrado n'esse mesmo estado esse serviço publico, e que a responsabilidade que tivesse seria partilhada com a do governo passado, que eu apoiei.
O sr. ministro disse mas não provou que era inacceitavel a minha asserção, e seria difficil proval-o.
O artigo 145.º da carta diz:
«A inviolabilidade dos direitos civis e politicos dos cidadãos portugueses, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do reino pela maneira seguinte.»
E lá ostão nos paragraphos d'este artigo descriptas essas garantias inviolaveis dos cidadãos; lendo-se logo no § 1.º, que nonhum cidadão póde ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da lei.
Portanto, comparado com o artigo constitucional o facto existente, e confessado pelo sr. ministro, de que alguns marinheiros teem direito ás baixas, por isso que serviram já os seis annos a que eram obrigados, não póde soffrer duvida ou contestação a asserção de que para esses individuos estão suspensas as garantias.
Os dois argumentos de que se serviu o sr. ministro, não para refutar a minha asserção como inacceitavel, mas para attenuar a sua responsabilidade, são os seguintes:
Um é o de não lhe pertencer a responsabilidade do facto inicial, por isso que já se achavam servindo fóra do tempo legal muitos individuos, quando s. exa. tomou posso da pasta, partilhando assim com os seus antecessores a responsabilidade; o outro argumento é que, tendo os tribunaes superiores condemnado alguns d'esses individuos pelo crime de deserção, davam esses tribunaes a s. exa. uma certa garantia de que a constituição do estado não se achava offendida.
São estes os dois argumentos com que s. exa. procurou attenuar a sua responsabilidade.
Em quanto ao primeiro permitta-me s. exa. que lhe diga que a responsabilidade é sua, e se s. exa. não tomou a ini-