DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 107
ciativa do acto, cabe-lhe comtudo a solidariedade com os ministros que formam o gabinete actual e aos quaes se deve a anarchia d'este serviço.
Foi a situação agora restaurada, foram esses mesmos ministros com quem s. exa. é solidario, que deixaram as cousas n'este estado a que o ministerio passado procurou até certo ponto remediar.
Esse ministerio que s. exa. diz que eu apoiei, e não nego que lhe dei o meu apoio, ainda que fraco, e honro-me muito com isso, por quanto, ainda que o sr. marquez d'Avila e de Bolama não representava no poder a satisfação do programma politico do partido progressista, comtudo dava garantias que me pareceu não ver na situação que tinha caido; esse ministerio, digo procurou dar algum remedio á desorganisacão d'esse serviço chamando para a armada individuos que eram licenciados do serviço do exercito.
Se o partido progressista deu apoio incondicional ao ministerio presidido pelo nobre marquez d'Avila e de Bolama, apoio incondicional, que eu sempre entendi significar - apoio desinteressado...
O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.
O Orador: - Se n'esse sentido apoiámos o gabinete passado, sem lhe fazer exigencias, não me inhibiria essa posição de pedir ao sr. ministro da marinha, O sr. Mello Gouveia, se ainda alii estivesse, a responsabilidade d'este estado de cousas se porventura ainda assim se conservassem.
No anno passado, apenas os ministros entraram n'aquellas cadeiras, o sr. conde de Cavalleiros chamou a attenção do sr. ministro da marinha sobre este mesmo assumpto, e o sr. ministro da marinha de então comprometteu-se desde logo a remediar esse mal. Poderia o sr. Mello Gouveia ter logo apresentado uma proposta de bill de indtimnidade, mas talvez a consideração de que isso seria um acto de falta de generosidade para com os seus antecessores tivesse influido no animo d'aquelle ministro para não apresentar esse bill; mas o que é certo é que o sr. Mello Gouveia comprometteu-se desde logo a tornar providencias, e não disse, como o actual sr. ministro da marinha, que entre o desarmar os navios, e conservar as praças da armada fóra das circumstancias legaes, preferiria este segundo expediente; pelo contrario, o sr. Mello Gouveia aproveitou a indicação feita pelo sr. conde de Cavalleiros, e providenciou no sentido d'ella, de modo que talvez 150 praças entraram para a armada, diminuindo assim, ao menos emquanto ao numero, a injustiça que se praticava.
O sr. Mello Gouveia esteve doente alguns dos poucos dias que, como ministro, podia assistir á sessão passada; na actual sessão, primeiro a doença, e depois a questão politica que se levantou na outra casa, não lhe permittiu apresentar ás côrtes proposta alguma, mas se viesse a esta casa estando esse serviço nas circumstancias em que se acha agora, e sem que tivesse apresentado as devidas propostas para o melhorar, ter-lhe-ia pedido contas, apesar do meu apoio á situação a que pertencia.
Examinemos o segundo argumento que o sr. ministro da marinha apresentou em sua defeza.
Diz s. exa. que os tribunaes superiores, tendo condemnado como desertores os individuos que se lhe apresentavam a julgamento nas mencionadas circumstancias, mostram assim que o governo não está fóra da constituição e da lei.
Mas, sr. presidente, embora não concorde em que as sentenças que, como o sr. ministro disse, fazem do preto branco e do branco preto, tenham o valor da interpretação constitucional, e se fazer preto do branco é só para cada caso especial, não concordando n'isso, mas concedendo que muitas sentenças no mesmo sentido possam ter auctoridade, se essas sentenças não julgarem esses homens desertores será isso a condemnação do sr. ministro?
Pois a verdade é que os tribunaes superiores, em logar de condemnarem a quatro annos de serviço na Africa os marinheiros accusados de deserção, applicam-lhes a pena de um anno de serviço ha Africa e recommendam-os ainda assim á clemencia do poder moderador: que significa isto? Significa que o proprio poder judicial reconhece a postergação de direitos que se está praticando; não me parece, pois, que o argumento aproveite ao sr. ministro; antes pelo contrario parece-me que aggrava a sua situação.
Pois se os tribunaes pedem a clemencia da corôa, se n'esta casa já foi pedida, se o sr. ministro declara que está prompto a apresentar esse pedido, se todos a pedimos não havendo meio legal de salvar esses homens do castigo; que conclusão podemos d'aqui tirar senão que ha direitos individuaes offendidos?
O sr. ministro disse n'outro dia que as leis se fazem para consagrar direitos, é por isso mesmo que eu desejava que s. exa. apresentasse uma proposta a fim de consagrar direitos que se acham lesados. E quando me referi á necessidade d'essa lei, talvez por não ter usado da linguagem propria, da linguagem juridica, deixasse mal enunciada a minha idéa.
Eu queria dizer que não desejâmos deixar dependente da clemencia, o que da justiça temos direito de esperar.
Quando disse que desejava que se fizesse lei para annullar as sentenças, deveria dizer, que estabelecesse o modo da revisão das sentenças contra os condemnados por crimes militares depois de acabado o tempo de serviço; não foi minha intenção n'esse modo de dizer desconsiderar o poder judicial, mas, repito, inculcar odesejo de que pela justiça, e não unicamente pela clemencia, possam esses individuos ser alliviados de qualquer pena.
O que pretendo é que se respeitem os principios, e se arreiguem os costumes constitucionaes; mas não se infira d'aqui, tambem por fórma alguma, que tenho em menos, preço á prerogativa da corôa, a de perdoar, que julgo ser porém à maior de todas as prerogativas, a mais apreciavel, e que nós temos tido occasião de, com applauso e jubilo, vermos exercer.
Ainda ha pouco folgaram os principios humanitarios quando foi exercida para com dois réus militares, a quem foi commutada a pena, diminuindo-se assim o rigor da actual lei penal militar; e com jubilo e applausos vimos tambem impetrar e empenhar-se a corôa para obter da prerogativa do chefe de outro estado a commutação da pena a um subdito portuguez, que tinha commettido um crime na India Ingleza.
Isto é de Certo muito agradavel para nós todos; mas o que eu desejo é, que, o que deve ser feito pela justiça se não peça á clemencia.
Eu não venho aqui provocar deserções nem sustentar doutrinas subversivas da ordem publica; pelo contrario, o meu fim é que se respeite a constituição, que se respeitem as leis, e que assim se mantenha a ordem.
Disse o sr. ministro da marinha, que eu tinha feito algumas reticencias, com o que parecia querer dizer que o poder executivo tinha de algum modo influido nos tribunaes, influencia que s. exa. estava certo não teria admittido a respeitabilidade dos magistrados.
Em primeiro logar não fiz reticencias, mas se de alguma influencia quiz fallar que o poder executivo exercesse n'este caso no poder judicial, não era em sentido offensivo para esse poder.
O que eu poderia dizer, é que talvez considerações de elevada ordem, a de manter a subordinação na armada, de não abrir exemplos de tolerancia para a disciplina entre homens que não têem a maior parte a illustração necessaria para distinguir as circumstancias que acompanhavam essa tolerancia, considerações d'essa ordem e que talvez tenham levado os tribunaes a condemnar os que fogem do serviço, embora não sejam desertores, e é d'este modo que eu poderia dizer que os actos do poder executivo tivessem influido nos tribunaes.
Sr. presidente, não desejando cansar a camara, e tendo, segundo me parece, dito o essencial para explicar o que