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154 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Pois o governo preoccupa-se tanto com qualquer gesto, com qualquer palavra do sr. duque d'Avila, como presidente d'esta camara, e poude ouvir sem se demover do seu intuito, todos os argumentos que contra a nomeação de novos pares fez valer em conselho d'estado o mesmo nobre duque? Eu não quero, sr. presidente, por fórma alguma tentar devassar o que se passou na memoravel sessão d'aquelle conselho, creio entretanto que não commetto inconveniencia alguma, referindo-me a um facto que é publico e notorio. E esse facto é que o sr. duque d'Avila e de Bolama combateu vigorosamente no conselho d'estado a nomeação de novos pares, querendo de certo com essa opposição embargar o passo a esta crescente absorção de todos os poderes, que parece ser o fito unico do actual governo.

É com effeito notavel, sr. presidente, esta inconsequencia obrigada em que este ministerio se encontra em quasi todos os seus actos e nas proprias palavras com que os justifica. Ainda outro dia, preoccupado com a posição do sr. duque d'Avila diante do governo, declarava que bastava apenas o facto de que o nobre duque tivesse assignado a resposta ao discurso da corôa para que o mesmo governo a acceitasse; hoje rejeita formalmente o parecer mandado para a mesa pela mesma commissão, assignado tambem pelo sr. duque d'Avila e, como acabâmos de saber por s. exa., justificado e sustentado pelo mesmo sr. duque, ouvido do sr. presidente do conselho e com pleno assentimento de s. exa.

Porque é isto? Que significa isto? Significa, sr. presidente, que ao governo convem hoje levantar a questão politica aonde ainda hontem se arreceiava d'ella.

Era publico e notorio que o governo faria hoje a declaração que todos ouvimos ao sr. presidente do conselho. Talvez se não contasse com que o sr. duque d'Avila a combatesse com a energia com que acabou de a combater e por isso mesmo talvez, para attenuar o effeito d'aquella declaração, e ainda mais o das palavras proferidas pelo sr. duque d'Avila, foi que se levantou o sr. bispo de Vizeu procurando encontrar na interpretação do sr. visconde de Seabra ao seu additamento um meio de evitar ou de adiar a questão politica. Não nos illudamos, porém, sr. presidente, nem é já tempo de fugir á responsabilidade da declaração do sr. presidente de conselho, nem, evitada ella, as cousas mudavam de rumo e de direcção politica. Qualquer que seja, porém, o resultado que ella possa offerecer ao governo, eu de mim confesso que o aguardo com a maior indifferença porque declarei já, e insisto de novo sobre a mesma declaração: de que os governos que atropellam todas as praxes parlamentares, que sophismam todos os principios constitucionaes, que são garantia da independencia dos poderes publicos e por isso mesmo tambem das liberdades publicas, não é de suppor, nem de esperar, que abandonem o poder sob a influencia de qualquer moção parlamentar.

Eu por mim desisto de o combater por esse meio. Fallo contra o governo, mas não tento por iniciativa minha propor ou levantar qualquer questão politica pela simples rasão e motivo de que tenho os resultados d'ella como completamente estereis. O governo seguramente os illudiria por qualquer expediente.

E porque nutro esta convicção, é que declarei que na minha opinião este governo se apresenta perante o paiz com o caracter de governo pessoal.

Os srs. ministros têem o seu espirito dominado pela idéa que d'esse facto lhes deriva a sua força, que assim podem manter melhor a disciplina do seu partido, reanimar-lhe a fé abatida e substituir esta rasão de força, pela que lhe devia resultar do cumprimento do seu programma e da satisfação dada ás exigencias de opinião que os levou ao poder.

Fazem mal n'isto, creio. Cega-os a paixão partidaria, que lhes não deixa ver, nem a gravidade das circunstancias que se levantam como obstaculo ao plano que têem preparado, nem os perigos e as difficuldades graves com que ameaçam o futuro do paiz, se proseguirem no mesmo intuito.

Srs. ministros, considerem bem a situação que crearam. Cáiam, que ainda é tempo. Deixar hoje o poder póde significar da parte de s. exas. um acto de prudencia; pretender conserval-o nas circumstancias em que se encontram, póde significar o desejo de associar á sua outra responsabilidade, ou de lançar á conta d'ella a ruina, do paiz, e o completo descredito das instituições que nos regem.

Dir-se-ía que os srs. ministros têem a paralysia do nervo optico.

Têem contrahindo o raio visual: vêem o que está no centro, onde nem se encontram, mas passa-lhes desapercebido tudo o que se acha fóra d'este centro. Consideram-se um poder legitimamente constituido, julgam-se acompanhados pelo paiz, porque se vêem cercados das maiorias que os apoiam; mas se o seu raio visual fosse mais longe, se podessem conhecer por elle o que se passa no paiz, fóra d'esta atmosphera da politica convencional, que todos sabemos como se cria, e como é facil a qualquer governo o poder creal-a, haviam de ver que não podem dominar os elementos da opposição que se levantam contra elles, e que n'essa funesta reacção contra taes elementos preparam um desastroso futuro a este paiz, se não souberem ceder ainda a tempo, como a prudencia lhes aconselha que cedam.

Por isso disse outro dia, e repito ainda hoje, que contra essa reacção do espirito publico vale hoje a opposição n'esta casa como uma valvula de segurança.

Emquanto o paiz póde esperar que a opposição parlamentar vença o governo, ha rasão de crer que a opinião que lhe é adversa se reprima e se contenha dentro dos limites da lei.

Sr. presidente, alguns jornaes no extracto das sessões d'esta casa, disseram que eu tinha aconselhado ao governo que assumisse a dictadura. Não é exacto. O que eu disse foi: que quando este governo subiu ao poder eu tinha julgado mais logico e mais em harmonia com o que os srs. ministros tinham proclamado na opposição, e em vista das circumstancias que determinaram a sua ascensão ao poder, que s. exas. tivessem então assumido a dictadura. Foi isto o que eu disse, mas nunca que o governo hoje podesse ou devesse assumir a dictadura.

Uma outra explicação ainda com referencia á expressão com que hontem qualifiquei o parecer mandado para a mesa pela illustre commissão da resposta ao discurso da corôa. Eu disse, sem querer fazer injuria ao trabalho da mesma commissão, nem faltar ao respeito que devo a mim e a esta camara, que aquelle parecer era um pastel. Todos sabem que esta expressão foi empregada muito tempo como synonymo do que hoje chamamos opportunismo. Ser pastelleiro era equivalente de ser opportunista. Ora, a rasão por que este parecer me pareceu ter um tanto da natureza de pastel é exactamente porque por uma rasão de opportunismo me pareceu que a commissão tivera em vista conciliar todas as opiniões e justificar o facto de que mesmo as opiniões as mais heterogeneas podessem ter cabimento na resposta ao discurso da corôa, como um amalgama determinado por uma rasão de accordo tacito e complacente.

Por exemplo: o digno par o sr. Ferreira Lapa, que muito folgo de ver n'esta casa, e a quem com grande prazer rendo um testemunho publico do apreço e da estima em que tenho os seus talentos e qualidades, havia-se referido no seu additamento á agricultura. Lastimou s. exa. que no projecto de resposta ao discurso da corôa se não dissesse uma unica palavra a respeito da primeira fonte da nossa riqueza, da agricultura, a que o digno par chamou com rasão a primeira das forças vivas do paiz.

Ora, eu, que abundo nas idéas do digno par, que faço a devida justiça ás suas intenções, que approvo o seu addi-