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N.º 19

SESSÃO DE FEVEREIRO DE 1881

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leituras e approvação da acta da sessão antecedente. -O digno par o sr. Carlos Bento manda para a mesa notas de interpellação aos srs. ministros da guerra, das obras publicas e da marinha - Explicações do sr. ministro da marinha (visconde de S. Januario). - Troca de explicações entre os srs. visconde de Chancelleiros, presidente da camara e ministro da marinha. - O digno par o sr. Mexia Salema manda para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes sobre a carta regia que elevou á dignidade de par o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa. - Ordem do dia: parecer n:° 161 sobre os additamentos ao projecto da resposta ao discurso da corôa. - Ponderações e declarações dos srs. presidente do conselho (Anselmo Braamcamp) e duque d'Avila e de Bolama. - Discursos dos srs. bispo de Vizeu, visconde de Chancelleiros, ministro do reino e Vaz Preto. - Propostas dos dignos pares os srs. conde de Samodães, Ferreira Lapa e conde de Castro. - Considerações dos dignos pares bispo de Bragança, Barros e Sá e Quaresma de Vasconcellos. - Prorogação da sessão. - Reflexões dos dignos pares os srs. Miguel Osorio, Barros e Sá, Ferrer, visconde de Chancelleiros, Vaz Preto, Serpa Pimentel e ministro do reino (Luciano de Castro). - Votação e approvação da emenda do sr. bispo de Vizeu.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 69 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministros do reino, da fazenda e da marinha; e entraram durante a sessão os srs. ministros da guerra, e das obras publicas.}

O sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra para annunciar uma interpellação ao sr. ministro da marinha ácerca do hospital militar de Loanda.

Eu entendo que estabelecimentos d'esta ordem não devem ter um grande desenvolvimento. É esta a opinião de pessoas competentes. Não é só por economia no custo, é tambem por economia de vidas. Os grandes hospitaes recebem os doentes de fóra e augmentam as doenças de dentro. Hoje aconselham-se hospitaes barracas. Os grandes edificios fizeram-se d'antes por ostentação, não se podem continuar a fazer hoje com prejuizo da fazenda e da saude.

Em segundo logar, desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca da necessidade de serem consultados a tempo corpos constituidos convenientemente para dar a sua opininão sobre essas obras.

Na sessão passada fallei sobre este assumpto, e parece-me que foi com o assentimento do sr. ministro. Em França, um ministro tão distincto como o sr. Freycinet, sendo aliás elle um engenheiro, para desenvolver os trabalhos publicos, julgou necessario crear um corpo consultivo, de mais de quarenta membros, onde tomaram parte, não só engenheiros, mas banqueiros e capitalistas, alem de membros de ambas as camaras.

Mas ha uma cousa notavel no nosso paiz. A commissão consultiva de obras publicas é sempre consultada depois das obras realisadas, como acontece com os caminhos de ferro, em que esta commissão só é consultada depois d'elles construidos.

Tambem tenho de interpellar o sr. ministro da guerra sobre o estado da instrucção litteraria das praças de pret! Desejo tambem que a instrucção primaria se desenvolva no exercito para que um grande numero de logares de serviço publico possam ser desempenhados por praças da pret.

Desejo tambem que o sr. ministro das obras publicas me diga o que entende ácerca da necessidade da construcção de casas baratas para as classes menos abastadas, visto que se fazem grandes emprestimos para alargar ruas destruindo casas modestas e construindo palacios; Em Londres, todas as vezes que a repartição das obras publicas destroe um certo numero de casas baratas, é abrigada a construir um numero igual de casas para operarios.

Mando para a mesa as minhas notas de interpellação.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Respondendo ao digno par, o sr. Carlos Bento, com relação á despeza que se tem feito com as obras do novo hospital de Loanda, devo dizer que segundo os documentos que me têem sido presentes, este hospital é destinado a receber um grande numero de doentes, tanto civis como militares, não só de Loanda mas de todos os pontos da provincia de Angola. São por isso grandes as suas proporções e portanto será tambem elevada, a despeza de construcção.

Entretanto posso affirmar a s. exa. que essa despeza está muito longe de attingir a somma de 400:000$000 réis a que o digno par se referiu.

Se bem me recordo, tinha-se despendido com esta obra até ao fim do 1.° semestre de 1880 pouco mais de 80:000$000 réis, e não é possivel que de então para cá se tenha gasto mais do que algumas dezenas de contos de réis.

No entanto, enviarei para a mesa as notas que o digno par exigir com relação a estas despezas.

É isto o que posso dizer a respeito do novo hospital da Loanda.

Com relação ás outras notas de interpellação, que s. exa. annunciou, relativas a outros ministerios, os meus collegas responderão opportunamente.

Leram-se na mesa as notas de interpellação, e mandaram-se expedir.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as notas de interpellação mandadas para a mesa pelo digno par o sr. Carlos Bento.

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

l.ª Proponho que seja convidado o sr. ministro das obras publicas para responder a uma interpellação que tenciono dirigir-lhe ácerca da necessidade de construcção na capital de habitações para as classes menos abastadas.

Sala das sessões, 12 de fevereiro de l881. = Carlos Bento.

2.ª Proponho que seja convidado o sr. ministro das obras publicas a responder a uma interpellação que tenciono dirigir-lhe ácerca do corpo consultivo das mesmas obras.

12 de fevereiro de 1881. = Carlos Bento.

3.ª Proponho que seja convidado o sr. ministro da marinha a responderia a uma interpellação que tenciono dirigir-lhe ácerca da construcção de um hospital em Loanda, requerendo ao mesmo tempo que sejam remettidos com urgencia a esta camara os esclarecimentos necessarios para o

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conhecimento cabal do plano e orçamento da construção do mesmo hospital.

12 de fevereiro de 1881. = Carlos Bento.

4.ª Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja remettida a esta camara a relação do estado da instrucção litteraria das praças de pret de todo o exercito.

Sala das sessões, 12 de fevereiro de 1881. = Carlos Bento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, desejo formular desde já uma pergunta ao governo, para não ter de a intercalar nas graves questões que se hão de debater na ordem do dia. Affirmam alguns jornaes que alguns dos dignos pares que exercem empregos de confiança foram convidados pelo governo a votar n'elle nas questões politicas que se levantassem n'esta casa, e como este boato coincide com a ausencia, não justificada, dos dignos pares visconde da Praia Grande e visconde de Soares Franco, para que se não supponha que esta falta tenha alguma relação com o facto a que se refere a noticia a que alludi, desejava sobre este ponto ouvir qualquer explicação do governo. Creio que nenhuma relação deve haver entre um e outro facto.

É impossivel que o governo tente recuar ás epochas de intolerancia politica, estranhando que os seus empregados de confiança votem n'esta ou na outra casa do parlamento, determinando o seu voto apenas pela sua convicção.

Era ir muito longe, quando a lei, ao contrario do que eu desejaria, não estabelece incompatibilidade entre o exercicio das funcções parlamentares e o de qualquer emprego publico dependente da confiança do governo.

Não creio, repito, que similhante boato tenha fundamento. Basta para o desmentir a circumstancia de que s. exa. o sr. ministro do reino foi empregado de confiança do sr. ministro da fazenda da sessão passada, e teve toda a liberdade de acção para fallar e votar como entendesse, embora s. exa. occupasse o logar de director dos proprios nacionaes. Julgo, pois, o boato infundado, mas necessito da resposta do governo á minha pergunta, porque desejo que a situação dos nossos collegas seja completamente desassombrada e fique ao abrigo de qualquer suspeita que se possa levantar contra a sua liberdade de acção ou contra a sua dignidade.

O sr. Presidente: - Eu devo declarar ao sr. visconde de Chancelleiros, que os dignos pares a que s. exa. alludiu faltam frequentes vezes ás sessões d'esta camara por motivo justificado, e que estou persuadido de que a falta de hoje terá tambem uma causa justa.

Faço esta declaração porque me julgo obrigado a acudir pelo credito de qualquer dos membros d'esta camara, e especialmente dos dignos pares de que se trata, porque os conheço de largos annos e não ignoro os relevantes serviços que elles na sua larga carreira têem prestado a este paiz, tornando-se assim dignos do respeito e da consideração de todos. (Muitos apoiados.)

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, como o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, dirigindo-se ao governo a proposito da supposta insinuação para a votação que ultimamente teve logar n'esta casa do parlamento, alludiu a dois altos funccionarios do ministerio da marinha, os dignos pares visconde de Soares Franco e visconde da Praia Grande, devo declarar que é absolutamente inexacta a noticia a que s. exa. se referiu. Tenho na maior consideração o caracter d'aquelles dois dignos pares, e, portanto, não me atreveria a fazer a s. exas. nenhuma recommendação sobre o modo de votar, e estou certo que a dignidade de s. exas. nau lhes permittiria acceitar a menor insinuação n'esse sentido.

Perante aquelles dignos pares ha só um juiz que determina o seu voto; é a sua consciencia.

Outro tanto me parece poder affirmar com referencia a todos os dignos pares que exercem empregos de confiança n'outros ministerios.

Peço, pois, ao sr. visconde de Chancelleiros que não dê credito á noticia de um jornal, que a mim me surprehendeu tanto como a s. exa., porque eu e os meus collegas eramos incapazes de fazer offensa ao caracter de quaesquer dignos pares, fazendo pressão por qualquer modo sobre a sua liberdade de votar.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, não duvido que seja justificada a falta dos nossos dois illustres collegas a que me referi, e reconheço tambem a importancia dos serviços prestados por elles á causa da liberdade. (Apoiados.)

Os dignos pares são absolutamente estranhos á interpellação que acabo de dirigir ao governo, e parece-me que v. exa., quando acudiu de prompto com as suas muito bem cabidas reflexões em defeza de s. exas., que eu não ataquei, nem remotamente tive o menor pensamento de lhes ser desagradavel, parece-me, digo, não interpretou rigorosamente o sentido das minhas palavras. Mas o facto é que os dois dignos pares a quem alludi não estão doentes, pelo menos na mesa não ha communicação nenhuma a tal respeito como tive o cuidado de verificar.

Folgo que não seja por motivo de doença que s. exas. deixassem de comparecer, e folguei tambem de ouvir a declaração do sr. ministro da marinha.

Registo, para todos os effeitos, esta declaração. Não insisto mais sobre este assumpto, e, tomando a responsabilidade da iniciativa que n'elle me coube, concluirei dizendo com Molière:

Je veux croire qu'au fond il ne se passe rien
Mais enfin on en parle et cela n'est pas bien

(Riso e apoiados.)

O sr. Mexia Salema: - Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, começando pela discussão do parecer n.° 161, que hontem se mandou imprimir com urgencia, a fim de ser hoje pela manhã distribuido por casa dos dignos pares, como effectivamente o foi.

Leu-se na mesa o parecer n.° 161, e poz-se em discussão.

É o seguinte:

Parecer n.° 161

Senhores. - A commissão de resposta ao discurso da corôa examinou com a devida attenção os additamentos que lhe foram remettidos, e fazendo a devida justiça aos sentimentos dos seus illustres auctores, entendeu comtudo que elles estão implicitamente comprehendidos no projecto de resposta ao discurso da corôa, que a camara acaba de approvar; pelo que não julga necessario fazer-lhe qualquer alteração.

Sala da commissão, 11 de fevereiro de 1881. = Duque d'Avila e de Bolama = José de Mello Gouveia = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, tem o governo na maior consideração as declarações que foram feitas n'esta casa pela illustre commissão de resposta ao discurso da corôa, e persuade-se, em vista d'ellas, que v. exa. e os seus illustres collegas na mesma commissão, redigindo o parecer hontem apresentado com respeito aos aditamentos propostos ao projecto de resposta ao discurso da corôa, não tiveram idéa alguma de irrogar censura ao governo, nem da parte da commissão podia haver tal pensamento, que contrariava as suas anteriores e formaes explicações.

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Todavia não posso deixar de declarar em nome do gabinete que elle não póde acceitar o parecer hontem apresentado pelo sr. relator da commissão de resposta, e que v. exa. acaba de submetter á discussão.

A camara deve reconhecer que a redacção d'este documento dá como certo que a materia do additamento do sr. visconde de Seabra está implicitamente comprehendida na resposta ao discurso da corôa.

Ora, como esse additamento é uma censura clara e manifesta, não só ao governo, mas a outros corpos do estado, não póde o governo de fórma alguma conformar-se com a redacção do parecer que se discute.

É esta declaração que me cumpria apresentar á camara clara e francamente, para evitar quaesquer equivocos na discussão do mesmo parecer.

O sr. Presidente: - Convido o sr. vice-presidente da camara a tomar o meu logar.

O digno par o sr. Mártens Ferrão occupou a cadeira da presidencia, e o sr. duque d'Avila e de Bolama tomou assento na sala.

O sr. Presidente (Mártens Ferrão): - Tem a palavra, por parte da commissão de resposta ao discurso da corôa, o sr. duque d'Avila e de Bolama.

O sr. Duque d'Avila e de Bolama: - Responde ao sr. presidente do conselho de ministros. Esclarece o sentido do parecer que se discute, e declara que elle é da sua exclusiva responsabilidade. Diz que se oppozera á discussão da resposta ao discurso da corôa, e que a sua opinião era que se guardasse para momento opportuno o debate das questões essencialmente politicas. Expõe o que a commissão entendêra ser o pensamento da proposta do sr. visconde de Seabra, e faz largas considerações ácerca do parecer que se discute.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. se achar completamente restabelecido.)

O sr. Presidente: - Dou a palavra ao sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu havia pedido a palavra, porque julgava que o sr. duque d'Avila não a tinha. Agora espero os acontecimentos.

O sr. Bispo de Vizeu: - Significando o parecer sómente o que explicou o sr. duque d'Avila e de Bolama, acceitando a camara toda a interpretação que s. exa. lhe deu, eu tambem a acceito e, sendo assim, acabou-se a questão e votâmos todos o parecer.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente as cousas são o que são e não o que nós podemos querer, ou nos poderia convir que ellas fossem. Levantou-se hoje no principio da sessão o sr. presidente do conselho, e em tom de gravidade solemne, d'esta solemnidade que se accommoda sempre ás condições difficeis, declarou que o governo e os seus amigos politicos não acceitavam o parecer que hontem fôra mandado para a mesa pela commissão de resposta ao discurso da corôa. Está pois aberta a questão politica, e definido o campo em que se deve ferir a lucta, entre a opposição e o governo.

Depois d'isto desce da cadeira da presidencia o sr. duque d'Avila e vem, defendendo o parecer que s. exa. assignára com os outros membros da commissão, explicar o pensamento d'elle e dar rasão de todos os factos que se deram no seio da commissão. A s. exa. succedeu o sr. bispo de Vizeu, que nos disse a impressão que tinha feito sobre o seu espirito a leitura d'aquelle parecer, que chegou a inculcar a idéa de que começára a commental-o em uns apontamentos a lapis de que s. exa. nos fallou, sem nos poder dar idéa do sentido d'elles, por isso mesmo que nos fez não leitura da paraphrase que constituiu o seu trabalho. Parece, porém, que o espirito d'esse commentario era o de procurar sustentar que a approvação do parecer por parte de s. exa. e dos seus amigos politicos se tornava dependente da interpretação que o sr. visconde de Seabra podesse dar ás palavras que empregára na redacção do seu additamento.

Ora, sr. presidente, torno a repetir que as cousas são o que são. Qualquer que fosse a interpretação, por parte do sr. visconde de Seabra, da redacção da sua proposta, ella não significava nem podia deixar de significar nunca senão uma moção de censura ao governo. Quando s. exa. affirma, que vale tanto, como offensa ás liberdades publicas e aos principios da constituição, o affrontar a liberdade da urna na eleição geral de deputados como o adulterar a expressão da opinião politica d'esta camara pela nomeação successiva de novos pares, esta affirmação é, e não póde deixar de ser, uma censura ao governo. O commentario a essa censura está nas palavras do discurso com que o mesmo digno par justificou a sua moção, está nos factos que elle mesmo invocou e que, censurando, lançou á conta da responsabilidade do governo. Quando o digno par estigmatisa o facto de se haver nomeado novos pares, sem que um conflicto parlamentar d'esse rasão d'esta nomeação, quando a condemna como uma infracção dos principios e das praxes por que se rege o systema parlamentar, evidentemente sem dependencia de nenhuma interpretação das palavras com que significou o seu pensamento, faz uma censura ao governo. Creio que n'isto não ha, não póde haver equivoco nem de palavra nem de pensamento.

A despeito porém d'este facto, o sr. bispo de Vizeu insta e insiste com o sr. visconde de Seabra para que diga que sentido dá s.º exa. ás palavras do seu additamento.

Não sei se o digno par o sr. visconde de Seabra accudirá ao appello do sr. bispo de Vizeu. Julgo que o não fará, entendo que o não deve fazer, e eu no logar de s. exa. não o faria, porque o que ha que dizer como commentario ás palavras do additamento está dito, e nem toda a auctoridade do sr. bispo de Vizeu é capaz de inverter a significação dos factos.

A questão politica está estabelecida pelo governo. A declaração do sr. presidente do conselho definiu bem claramente posição em que hoje se encontram n'esta casa a opposição e o governo. Não tente pois s. exa. o sr. bispo de Vizeu attenuar a responsabilidade politica da declaração do governo. Qualquer que seja o espirito de conciliação que anima s. exa., permitta-me que eu lhe declare que não se offerece nenhuma base para transacção, e que s. exa. não póde ter n'esta questão o desejo de levantar uma ponte por onde se passe do terreno em que a questão politica esta estabelecida, para o campo neutro onde todos nos en-contrassemos, sem assumir a responsabilidade que d'ella deriva para a opposição e para o governo.

Lembro á camara uma circumstancia notavel e convem lembrar, porque é rasão de interpretação para os factos que se estão dando. Quando ha poucos dias discursava n'esta casa o sr. Saraiva de Carvalho, s. exa., dirigindo-se á presidencia, encontrou uma occasião para dirigir ao sr. duque d'Avila, em seu nome e no do governo, as mais lisonjeiras expressões que um homem publico possa ouvir no parlamento quando mesmo esse homem occupe na politica do seu paiz a posição elevada a que os seus dotes e serviços o possam ter feito subir.

O illustre ministro poz então o sr. duque d'Avila no setimo céu, tão afastado das luctas politicas, tão superior ás paixões que n'ellas se agitam, que a resposta ao discurso da corôa era um documento que o governo podia acceitar sem hesitação, por isso que assignado pelo sr. duque d'Avila, tal documento não podia ter nem na sua redacção nem no seu espirito a mais leve idéa de hostilidade á politica do governo. Bastava que o nobre duque o tivesse assignado para que tal documento estivesse limpo do veneno de qualquer intuito ou paixão partidaria.

Confesso que, ao ouvir o illustre ministro o sr. Saraiva de Carvalho, me accudiu de prompto a seguinte reflexão: pois vale tanto o sr. duque d'Avila como presidente d'esta camara, e vale ou valeu tão pouco como membro do conselho d'estado?

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Pois o governo preoccupa-se tanto com qualquer gesto, com qualquer palavra do sr. duque d'Avila, como presidente d'esta camara, e poude ouvir sem se demover do seu intuito, todos os argumentos que contra a nomeação de novos pares fez valer em conselho d'estado o mesmo nobre duque? Eu não quero, sr. presidente, por fórma alguma tentar devassar o que se passou na memoravel sessão d'aquelle conselho, creio entretanto que não commetto inconveniencia alguma, referindo-me a um facto que é publico e notorio. E esse facto é que o sr. duque d'Avila e de Bolama combateu vigorosamente no conselho d'estado a nomeação de novos pares, querendo de certo com essa opposição embargar o passo a esta crescente absorção de todos os poderes, que parece ser o fito unico do actual governo.

É com effeito notavel, sr. presidente, esta inconsequencia obrigada em que este ministerio se encontra em quasi todos os seus actos e nas proprias palavras com que os justifica. Ainda outro dia, preoccupado com a posição do sr. duque d'Avila diante do governo, declarava que bastava apenas o facto de que o nobre duque tivesse assignado a resposta ao discurso da corôa para que o mesmo governo a acceitasse; hoje rejeita formalmente o parecer mandado para a mesa pela mesma commissão, assignado tambem pelo sr. duque d'Avila e, como acabâmos de saber por s. exa., justificado e sustentado pelo mesmo sr. duque, ouvido do sr. presidente do conselho e com pleno assentimento de s. exa.

Porque é isto? Que significa isto? Significa, sr. presidente, que ao governo convem hoje levantar a questão politica aonde ainda hontem se arreceiava d'ella.

Era publico e notorio que o governo faria hoje a declaração que todos ouvimos ao sr. presidente do conselho. Talvez se não contasse com que o sr. duque d'Avila a combatesse com a energia com que acabou de a combater e por isso mesmo talvez, para attenuar o effeito d'aquella declaração, e ainda mais o das palavras proferidas pelo sr. duque d'Avila, foi que se levantou o sr. bispo de Vizeu procurando encontrar na interpretação do sr. visconde de Seabra ao seu additamento um meio de evitar ou de adiar a questão politica. Não nos illudamos, porém, sr. presidente, nem é já tempo de fugir á responsabilidade da declaração do sr. presidente de conselho, nem, evitada ella, as cousas mudavam de rumo e de direcção politica. Qualquer que seja, porém, o resultado que ella possa offerecer ao governo, eu de mim confesso que o aguardo com a maior indifferença porque declarei já, e insisto de novo sobre a mesma declaração: de que os governos que atropellam todas as praxes parlamentares, que sophismam todos os principios constitucionaes, que são garantia da independencia dos poderes publicos e por isso mesmo tambem das liberdades publicas, não é de suppor, nem de esperar, que abandonem o poder sob a influencia de qualquer moção parlamentar.

Eu por mim desisto de o combater por esse meio. Fallo contra o governo, mas não tento por iniciativa minha propor ou levantar qualquer questão politica pela simples rasão e motivo de que tenho os resultados d'ella como completamente estereis. O governo seguramente os illudiria por qualquer expediente.

E porque nutro esta convicção, é que declarei que na minha opinião este governo se apresenta perante o paiz com o caracter de governo pessoal.

Os srs. ministros têem o seu espirito dominado pela idéa que d'esse facto lhes deriva a sua força, que assim podem manter melhor a disciplina do seu partido, reanimar-lhe a fé abatida e substituir esta rasão de força, pela que lhe devia resultar do cumprimento do seu programma e da satisfação dada ás exigencias de opinião que os levou ao poder.

Fazem mal n'isto, creio. Cega-os a paixão partidaria, que lhes não deixa ver, nem a gravidade das circunstancias que se levantam como obstaculo ao plano que têem preparado, nem os perigos e as difficuldades graves com que ameaçam o futuro do paiz, se proseguirem no mesmo intuito.

Srs. ministros, considerem bem a situação que crearam. Cáiam, que ainda é tempo. Deixar hoje o poder póde significar da parte de s. exas. um acto de prudencia; pretender conserval-o nas circumstancias em que se encontram, póde significar o desejo de associar á sua outra responsabilidade, ou de lançar á conta d'ella a ruina, do paiz, e o completo descredito das instituições que nos regem.

Dir-se-ía que os srs. ministros têem a paralysia do nervo optico.

Têem contrahindo o raio visual: vêem o que está no centro, onde nem se encontram, mas passa-lhes desapercebido tudo o que se acha fóra d'este centro. Consideram-se um poder legitimamente constituido, julgam-se acompanhados pelo paiz, porque se vêem cercados das maiorias que os apoiam; mas se o seu raio visual fosse mais longe, se podessem conhecer por elle o que se passa no paiz, fóra d'esta atmosphera da politica convencional, que todos sabemos como se cria, e como é facil a qualquer governo o poder creal-a, haviam de ver que não podem dominar os elementos da opposição que se levantam contra elles, e que n'essa funesta reacção contra taes elementos preparam um desastroso futuro a este paiz, se não souberem ceder ainda a tempo, como a prudencia lhes aconselha que cedam.

Por isso disse outro dia, e repito ainda hoje, que contra essa reacção do espirito publico vale hoje a opposição n'esta casa como uma valvula de segurança.

Emquanto o paiz póde esperar que a opposição parlamentar vença o governo, ha rasão de crer que a opinião que lhe é adversa se reprima e se contenha dentro dos limites da lei.

Sr. presidente, alguns jornaes no extracto das sessões d'esta casa, disseram que eu tinha aconselhado ao governo que assumisse a dictadura. Não é exacto. O que eu disse foi: que quando este governo subiu ao poder eu tinha julgado mais logico e mais em harmonia com o que os srs. ministros tinham proclamado na opposição, e em vista das circumstancias que determinaram a sua ascensão ao poder, que s. exas. tivessem então assumido a dictadura. Foi isto o que eu disse, mas nunca que o governo hoje podesse ou devesse assumir a dictadura.

Uma outra explicação ainda com referencia á expressão com que hontem qualifiquei o parecer mandado para a mesa pela illustre commissão da resposta ao discurso da corôa. Eu disse, sem querer fazer injuria ao trabalho da mesma commissão, nem faltar ao respeito que devo a mim e a esta camara, que aquelle parecer era um pastel. Todos sabem que esta expressão foi empregada muito tempo como synonymo do que hoje chamamos opportunismo. Ser pastelleiro era equivalente de ser opportunista. Ora, a rasão por que este parecer me pareceu ter um tanto da natureza de pastel é exactamente porque por uma rasão de opportunismo me pareceu que a commissão tivera em vista conciliar todas as opiniões e justificar o facto de que mesmo as opiniões as mais heterogeneas podessem ter cabimento na resposta ao discurso da corôa, como um amalgama determinado por uma rasão de accordo tacito e complacente.

Por exemplo: o digno par o sr. Ferreira Lapa, que muito folgo de ver n'esta casa, e a quem com grande prazer rendo um testemunho publico do apreço e da estima em que tenho os seus talentos e qualidades, havia-se referido no seu additamento á agricultura. Lastimou s. exa. que no projecto de resposta ao discurso da corôa se não dissesse uma unica palavra a respeito da primeira fonte da nossa riqueza, da agricultura, a que o digno par chamou com rasão a primeira das forças vivas do paiz.

Ora, eu, que abundo nas idéas do digno par, que faço a devida justiça ás suas intenções, que approvo o seu addi-

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tamento, disse entretanto de mim para mim: se o governo se esqueceu de que n'este paiz existe a agricultura, não vamos nós dar-lhe occasião a que se lembre d'ella para que a opprima, com mais algum vexame; (Riso.) elle que só se lembrou de que ella existia para a proteger e beneficiar com a arrematação do imposto do real de agua, com o imposto de rendimento, a ser assim, se o governo ignora a existencia da agricultura tanto melhor para ella. Conservemol-o n'essa illusão. (Hilaridade.) Conformava-me porém, repito, com o pensamento da proposta do digno par; tel-o-ía dito desde logo se não julgasse inutil significar o meu apoio a uma proposta que por todos os lados da camara devia ser acceita. O que porém não podia suppor é que a commissão a julgasse comprehendida no projecto de resposta ao discurso da corôa, que se não referia á agricultura em nenhuma palavra, em nenhuma phrase, em nenhum pensamento de todo elle.

Que porém a commissão julgasse esta proposta comprehendida no espirito da redacção do projecto, vá; pode comprehender-se isso facilmente depois das explicações do sr. duque d'Avila. O mesmo se entende com o additamento do sr. bispo de Bragança, pedindo a Deus que se amerceie de nós e que o auxilio da Divina Providencia concorra comnosco em defeza dos sagrados interesses da patria.

Mas a proposta do sr. visconde de Seabra, essa, como hei de eu julgal-a implicitamente comprehendida na resposta ao discurso da corôa?

Como podia o seu auctor, que se apresentou aqui com a vehemencia de um tribuno, apostrophando acceso em colera o governo, suppor que a commissão havia de pegar do seu additamento e enfeixal-o com todos os raios d'essa colera n'um periodo de redacção mansa e pacifica como o do parecer que a mesma commissão mandou para a mesa? Nem o sr. visconde de Seabra o podia suppor, nem eu tão pouco, nem commigo e com s. exa. muitos dos dignos pares que me estão ouvindo.

Aqui, tem v. exa. a rasão da minha surpreza e a justificação do epitheto com que na sessão passada qualifiquei o trabalho da commissão.

Folgo de ver que sobre elle, pela declaração do sr. presidente do conselho, se levanta a questão politica. Assim teremos que a votação de resposta ao discurso da corôa, não terá apenas a significação banal de um mero cumprimento dirigido ao chefe do estado. Significará mais do que isso: a affirmação dos verdadeiros principios constitucionaes, e um protesto solemne contra a infracção de todas as praxes do systema parlamentar, commettida pelo governo com a geral reprovação de todos os homens sensatos e liberaes. (Apoiados.)

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Eu não tinha pedido á palavra para responder ao digno par sr. visconde de Chancelleiros, porque, como v. exa. sabe, a pedi logo que s. exa. soltou as primeiras palavras; mas já que a pedi, alguma cousa direi com relação ás reflexões que o digno par acaba de fazer.

Primeiro que tudo permitta-me v. exa. e a camara que eu proteste bem alto contra as phrases em que o digno par affirmou com persistencia notavel que o actual governo é um governo possoal.

Aonde vae s. exa. procurar as provas de similhante asserção?

Pois não temos nós, durante a existencia do actual ministerio, recebido as manifestações mais favoraveis da opinião publica e do parlamento?

Houve porventura já alguma indicação constitucional que nos obrigasse a deixar estas cadeiras?

Quando saíu do poder o ministerio presidido pelo sr. Fontes, o sr. visconde de Chancelleiros censurou-o asperamente, porque tinha saído do poder sem que indicação alguma constitucional lh'o aconselhasse, e porque se havia sumido
por um alçapão!

Como quer s. exa. hoje que nós, sem nenhuma d'essas indicações, e por um simples capricho, ou por um impeto de mau humor, abandonemos os nossos logares?

Em que temos nós infringido quaesquer principios ou praxes constitucionaes?

Qual é o acto da nossa vida publica, com que s. exa. possa documentar a accusação que nos faz de governo pessoal?

Governo pessoal, porque?

Peço ao sr. visconde de Chancelleiros que junte á sua affirmação os factos em que se firma, para a formular perante o parlamento.

Nós temos em nosso favor as maiorias parlamentares, temos consultado o paiz por duas Vezes e por essas duas vezes o paiz nos tem dispensado o seu apoio.

(Susurro.)

Eu peço a v. exa., sr. presidente, que mantenha a ordem. Não póde ser permittido que se offendam ou perturbem aqui quaesquer direitos, quer do governo, quer dos membros d'esta casa.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - A ordem está mantida.

O sr. Presidente: - Não me pareceu que a ordem fosse alterada; mas posso assegurar a v. exa. e á camara, que, escudando com o regimento, hei de procurar sempre manter a ordem, e cohibir quaesquer manifestações. (Apoiados.) Se as galerias intervierem, immediatamente farei applicar a disposição do regimento.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Folgo se me enganei; e folgo por mim, pela camara e por todos nós.

Dizia eu ao sr. visconde de Chancelleiros, que, tendo maioria no parlamento é consultado por duas vezes a opinião publica, recebendo sempre testemunhos de confiança, não havia indicação constitucional que nos podesse determinar a abandonar estas cadeiras. Quando nos faltar o apoio das maiorias parlamentares, quando nos convencermos de que a opinião publica seriamente manifestada, nos retirou a sua cooperação, o governo sabe o que deve fazer, e preza-se de saber cumprir os seus deveres. (Apoiados.)

Este governo é um governo pessoal! Porque? Não comprehendo tal asserção. É necessario que s. exa. a prove e explique.

Tem-se dito mais de uma vez que nós viciámos a representação nacional. Como? Onde estão as provas?

A camara dos senhores deputados, que é a competente para verificar ás suas eleições, não teve que occupar-se de nenhum protesto serio formulado por parte da opposição. D'aqui se deprehende bem a pressão que exercemos sobre os eleitores. Todos sabem que o processo eleitoral correu regularmente, e que na camara dos senhores deputados não houve nenhuma eleição contestada, e apenas algumas duvidas levantadas por parte do sr. Julio de Vilhena com relação a uma assembléa de Lisboa.

Como se póde n'estas condições dizer que o governo é um governo pessoal?

Sr. presidente, se se examinarem os registos da correspondencia emanada do ministerio do reino e até os registos telegraphicos, por elles se verá que, ainda nas vesperas das eleições, expedi as ordens mais terminantes para que se mantivesse a todo o custo a liberdade da urna e a tranquillidade publica. Se n'um ou n'outro ponto houve algum excesso, eu não podia deixar de o condemnar.

Já tive occasião de ler, n'uma outra sessão, uma circular confidencial, na qual dizia aos governadores civis, que o governo desejava manter a paz e a ordem eleitoral, até com o sacrificio das suas conveniencias politicas.

Se não publicava essas ordens no Diario do governo, para não ser taxado de espectaculoso, dava-as confidencialmente, para serem cumpridas, como quem estava disposto a pedir a responsabilidade a quem as infringisse.

Se eu procedia do modo que deixo indicado, não me parece que, só por meras suspeitas, se possa vir accusar, pe-

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rante o paiz, a camara dos senhores deputados de estar viciada na sua origem.

Sr. presidente, em uma cousa concordo eu com o sr. visconde de Chancelleiros, é em que a questão politica está posta, que ninguem a quer illudir, e o governo menos do que ninguem. (Apoiados.) Nada de equivocos. Nada de illusões. Posições claras e definidas. O governo apresenta-se na camara francamente, sem pedir commiseração á opposição. O que quer é que a camara se pronuncie sobre os seus actos, e que, em occasião opportuna, dê o seu veredictum claro, franco, imparcial e definido. (Apoiados.) É assim que o governo se apresenta, firme e desassombrado.

Não deseja esconder-se á sombra de qualquer pretexto, ou refugiar-se em transparentes evasivas. Não provoca, mas não foge. Está no seu logar.

O illustre presidente da camara deu as suas explicações com a franqueza que lhe é propria, que eu por mim, e por parte do governo, sou o primeiro a agradecer. Se as palavras do nobre duque d'Avila não tivessem sido precedidas dos discursos do sr. visconde de Seabra, e se as palavras do illustre prelado de Vizeu não fossem seguidas do mais obstinado silencio por parte do mesmo sr. visconde, eu nada teria a dizer; mas a camara toda ouviu os dois discursos do sr. visconde de Seabra, e deve reconhecer que, depois de uma censura tão claramente accentuada, não póde o governo acceitar as explicações do sr. duque.

Agradecendo a s. exa. essas explicações, que consideramos serias e leaes, não podemos, comtudo, por modo algum, acceitar as conclusões da illustre commissão, pois que nas palavras pronunciadas pelo sr. visconde de Seabra ao apresentar o seu additamento se revela evidentemente a intenção e o proposito de accusar o governo.

Para mim é de fé, e fóra de duvida, que o proprio sr. visconde de Seabra não póde acceitar as explicações que deu á camara o sr. duque d'Avila e de Bolama, em cuja sinceridade creio, porque são antigas em s. exa. as idéas por elle sustentadas em 1862, de que a camara dos pares não tem direito de fazer censuras ao governo, porque, cabendo-lhe o direito de julgar os ministros, assim como á camara dos deputados o direito de os accusar, não póde praticar qualquer acto que a inhiba de exercer aquellas funcções.

Mas, sr. presidente, esta doutrina que sustenta o digno par, o sr. duque d'Avila, é para mim uma garantia segura de que s. exa. não poderia concordar em que na resposta ao discurso da corôa se inserisse uma censura ao governo. E por isso s. exa. disse aqui que o additamento do sr. visconde de Seabra não era mais do que uma these de direito publico constitucional, que não tinha applicação ao ministerio actual.

S. exa. deu, pois, uma interpretação diversa ao additamento do sr. visconde de Seabra, da que lhe deu o seu proprio auctor.

Eu, sr. presidente, rendendo os maiores respeitos ao sr. duque d'Avila, prestando-lhe a homenagem devida á sua lealdade, não posso, comtudo, deixar de dizer que a sua explicação não satisfaz o governo, que não póde acceitar uma posição equivoca, ou pouco definida.

É necessario que a camara se pronuncie claramente. E por isso, sr. presidente, o governo o que deseja é que haja uma votação clara.

O governo deseja que haja uma votação separada sobre as propostas que foram apresentadas á camara, e eu, sem querer entrar na direcção e regimen dos trabalhos da camara, porque não sou membro d'ella, posso comtudo, como membro do governo, dizer que nós desejâmos que haja uma votação especial, principalmente sobre a proposta do sr. visconde de Seabra.

Não posso indicar o processo a seguir, mas o que posso, repito, é declarar bem alto, que o governo deseja uma votação clara e definida, para que não haja a menor duvida sobre as intenções d'esta camara.

A camara dos pares, que é um ramo do poder legislativo, deve ser sisuda, moderada e prudente. Não deve dar exemplos de duvidosa cordura nas suas deliberações. Nós estamos ha mez e meio, tanto n'uma como na outra casa do parlamento, a discutir questões meramente politicas, pondo de parte o que é verdadeiramente util para o paiz, que quer melhoramentos, ordem, reformas sensatas e justas. E de nenhum d'estes assumptos temos podido tratar até agora.

É tempo de pôr fim a estes infructuosos debates.

Por emquanto, sr. presidente, nada mais tenho a dizer.

O sr. Vaz Preto: - Está succedendo o que eu esperava. Tudo isto é o resultado de se acharem sentados n'aquellas cadeiras (indicando as do ministerio) ministros fracos, sem idéas, sem convicções e sem pensamento de governo.

Se o sr. Braamcamp, presidente do conselho, tivesse marchado claramente pelo caminho que devia seguir, nada d'isto aconteceria; mas s. exa. está reconsiderando todos os dias, e a prova é que, tendo combinado com o sr. duque d'Avila, rejeitou o primeiro parecer que a commissão elaborára, concordou em que viesse á camara o segundo parecer, e depois, em nome do governo, levantou-se para declarar que não o podia acceitar!

Todos sabem, todos viram e todos ouviram o que disse o sr. visconde de Seabra quando apresentou a sua moção. Não podendo o governo acceitar aquella moção, n'esse caso, se tivesse força, se não quizesse proceder da fórma pusillanime por que procede sempre, corria-lhe o dever impreterivel de se oppor terminantemente a que ella fosse enviada á commissão.

Por que não o fez?

Porque o governo, desde que começou a discussão da resposta ao discurso da corôa, não tratou de mais nada senão de captar a benevolencia do sr. duque d'Avila.

O sr. Braamcamp, apesar de saber que n'aquelle documento havia o fim de censurar, ou pelo menos, de admoestar o governo, disse que se conformava com elle simplesmente porque estava assignado pelo sr. duque d'Avila!

São estes mesmos progressistas que se rojam hoje aos pés do sr. duque, depois de o terem atacado violentamente, são estes mesmos que eu conheço que vem aqui novamente curvar-se diante do distincto estadista para que lhes perdoe as faltas que a consciencia lhes argue.

Eu votei a resposta ao discurso da corôa, e muitos dignos pares a approvaram tambem, porque ella continha principios que eram atacados pelos amigos do governo e pelo proprio governo, e estabelecia claramente o amor ás instituições e o respeito á constituição do estado.

Por consequencia, nós votámol-a, senão como uma censura, ao menos como uma admoestação salutar aos srs. ministros.

O governo não devia acceitar a resposta simplesmente porque o sr. duque d'Avila tinha assignado n'ella o seu nome.

Sr. presidente, eu pedi a palavra porque entendi que não podia ficar em silencio ao ouvir certas expressões, certas affirmativas com que um ministro quiz fazer impressão na assembléa; asserções e affirmativas que eu destruiria cabal e completamente se o dever de honra e de dignidade me não inhibissem de me dirigir áquelle ministro.

Todavia direi de passagem, com relação a essas affirmativas, que um governo que precisa lançar mão de uma amnistia para perdoar aos criminosos nos actos eleitoraes prova por esse facto que as eleições não foram livres. Isto mesmo já se provou na outra casa do parlamento e aqui n'esta em outra occasião.

Portanto, as affirmativas do sr. ministo do reino, a quem por dignidade de mim proprio não me posso dirigir, não têem valor algum.

Quanto ás declarações que aqui foram feitas por parte d'aquelles que desejam votar uma moção de confiança ao

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governo, entendo que nas questões politicas não deve haver equivocos, nem subterfugios; é preciso dizer claramente o que se quer e o que se deseja. As cousas são o que são, (Apoiados.) e não se póde admittir que esteja o sr. bispo de Vizeu o outro chefe do partido progressista a fazer o papel que pertence ao sr. presidente do conselho de ministros. O sr. Anselmo Braamcamp declarou como chefe do governo que não podia, acceitar o parecer da commissão sobre os additamentos ao projecto de resposta ao discurso da corôa, porque o pensamento de um d'esses additamentos envolvia uma accusação, uma censura ao governo.

Depois d'esta declaração creio que a questão está posta no terreno politico, salvo se s. exa. quizer reconsiderar, como tem feito tantas vezes, e se se resolver agora a acceitar o mesmo parecer, sob um pretexto qualquer, o que não me admiraria.

Respeito muito o sr. Anselmo Braamcamp como homem particular, mas como ministro desadoro-o porque segue um systema detestavel, estando todos os dias a reconsiderar, sem ter nunca uma opinião firme.

É pois necessario que o governo esclareça este ponto, que declare se faz ou não questão do parecer que se discute.

Pelo que disse o sr. presidente do conselho, o governo não póde acceitar o parecer; n'estes termos é claro que a questão politica está posta.

Mantem o governo essa declaração?

É preciso que se saiba, sem se recorrer a subterfugios para illudir a votação. A camara tem que resolver a questão, e não o póde fazer sem ella estar perfeitamente definida por parte do governo.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Bispo de Vizeu: - Sr. presidente, tencionava mandar para a mesa uma proposta ou emenda ao parecer da commissão, que nos foi apresentado, sobre os additamentos de varios dignos pares.

A resposta ao discurso da corôa, depois de larga discussão, fôra votada como mero cumprimento ao chefe do estado, e sem que significasse censura ou benevolencia ao governo, como declarára o proprio relator da commissão.

A camara resolveu que todos os additamentos fossem remettidos á commissão, para que lhes d'esse uma resolução consoante o espirito da resposta votada.

A commissão no seu parecer rejeitou-os, porque se achavam comprehendidos na resposta ao discurso da corôa, que fôra votada sem espirito de hostilidade ao governo.

Porém, a verdade é que os additamentos dos srs. bispo de Bragança e Ferreira Lapa podem ser considerados como incluidos na resposta já votada; mas não assim emquanto ao additamento do sr. visconde de Seabra, porque envolve verdadeira censura ao gabinete por ter aconselhado ao poder moderador a ultima nomeação de pares.

Entretanto, o sr. duque d'Avila acaba de nos explicar o sentido do parecer da commissão, asseverando que a proposta do sr. visconde de Seabra não envolvia censura, e que se limitava á exposição de um principio de direito constitucional, sem applicação ao governo actual.

Sr. presidente, se o commentario feito pelo sr. duque ao parecer da commissão, que elle diz ser obra sua, e acceito pelos dois membros da commissão, explica o verdadeiro sentido do additamento do sr. visconde de Seabra, então está a questão acabada, e eu não terei duvida em retirar a emenda que tencionava mandar para a mesa, e votarei o parecer da commissão.

Mas eu creio que o sr. duque d'Avila, levado pelo desejo de obtemperar ao mandato imperativo da camara, de harmonisar os additamentos com o pensamento da resposta ao discurso da corôa, e tendo em vista evitar a questão politica, attenuou e modificou o sentido das palavras do additamento do sr. visconde, em ordem a tirar-lhe todo o sabor politico, e reduzil-o a uma abstracta exposição de principios de direito constitucional.

Não só a letra do additamento, mas o discurso do seu auctor, quando apresentou a sua proposta, não podem admittir duvida sobre a significação e alcance politico da sua proposta, que seria censurar o governo acremente por ter aconselhado a corôa a usar do poder moderador nomeando novos pares.

Entretanto, estando presente o digno par, ao votar do additamento, nada mais natural do que levantar-se e explicar á camara o verdadeiro sentido das suas palavras, e se queria irrogar censura ao governo, ou acceitava a interpretação attenuante que dava o sr. duque d'Avila á sua proposta.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Isso é uma intimação.

O Orador: - Eu não intimo ninguem, é uma necessidade fatal nas circumstancias presentes, que o auctor de uma proposta, quando ella é interpretada tão contradictoriamente, e quando, no modo de entendel-a, se acha envolvida a commissão da resposta ao discurso da corôa, nada mais natural e logico do que o digno par, ao votar do additamento, nos declarar o verdadeiro sentido das suas palavras.

Não é intimação minha, mas exigencia imperiosa do momento.

(O sr. visconde de Seabra se recusára a dar explicações.)

Como o digno par se obstina a guardar inteira reserva e se recusa a esclarecer-nos ácerca do verdadeiro sentido da sua proposta, julgo-me auctorisado a não acceitar a redacção do parecer da commissão em todas as suas partes, separando o additamento do sr. visconde de Seabra, como não incluido na resposta ao discurso da corôa, por destoar d'ella, e não poder deixar de ser considerado como censura ao governo.

Mando, pois, para a mesa a emenda ao parecer, para que se approve a parte que respeita aos dois additamentos, do sr. bispo de Bragança e Ferreira Lapa, separando-se o do sr. visconde de Seabra para ser votado em separado, visto que envolve censura, contrariando o espirito da resposta ao discurso da corôa, já votada.

Sr. presidente, são louvaveis os intuitos do sr. duque d'Avila e da commissão, na interpretação forçada que deram ao additamento do sr. visconde de Seabra, querendo evitar a explosão politica, que anda no ar, e que todos sentem.

O gaz comprimido procura irromper por todos os lados, onde se lhe offereça menos resistencia.

Vae em quinze dias que se discute a resposta ao discurso do throno, e nenhum dos oradores tratou d'essa materia, e o digno par, que é relator, ainda não teve de fallar, porque o seu parecer ainda não foi atacado.

Tem descansado á sombra das lanças que se têem cruzado entre os dois lados da camara.

Apenas se limitou a declarar que o parecer da commissão era innocente, porque não significava censura nem louvor ao governo.

A discussão fôra larga, e eu não tomei parte n'ella; mas segui-a com toda a attenção, notando os variados pontos que se trataram n'este instructivo debate.

O que me pareceu que mais preoccupava o espirito dos dignos pares, que estão em opposição ao governo, fôra a nomeação dos ultimos pares.

Fallou-se da rude ignorancia dos collegios eleitoraes da nossa terra, e da pressão das autoridades sobre os pobres eleitores, para dar a entender que a maioria da camara popular nada valia em favor do governo, e que por isso deveria caír diante da hostilidade da camara alta que é filha da prerogativa real!!!

Accusou-se o governo de poder pessoal, quando, o poder pessoal, esse, que é, grave defeito da monarchias constitu-

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cionaes, não existe entre nós, e se existisse, não seriam taes bravatas que o destruiriam.

Allegou-se conflicto com a camara popular, só porque um grande orador ostentou largas aspirações em reformas politicas promettidas no programma do partido, esquecendo-se de que o chefe da opposição na camara dos deputados aggrediu o governo de não começar pelas reformas politicas, censurando-o por elle cuidar primeiro da questão de fazenda, e de ter pão primeiro do que ter mais liberdade.

O sr. Fontes fôra o mais original de todos os lidadores d'estas justas da palavra, como era de rasão.

Da sua ultima peregrinação ao estrangeiro trouxe uma novidade, o opportunismo!!!

Porém, esta evolução politica, ou antes manifestação do egoismo, já aqui em Portugal existia, e nem seria mister procurar imitar Gambetta; o que elle trouxe foi o obstruccionismo irlandez, procurando embaraçar a marcha do governo por todos os meios impeditivos.

Disse-nos o digno par, que na camara dos lords, na Inglaterra, o governo se achára em minoria, e que a sua proposta de lei sobre a Irlanda não passára, e que o mesmo resultado tivera a lei Ferry sobre a instrucção publica no senado francez.

É verdade que essas propostas foram rejeitadas, mas os governos não caíram e mantiveram-se no seu posto apesar d'essas votações contrarias.

Confessára o sr. Fontes que a sua restauração de 1878 fôra um erro politico, ao qual fôra arrastado pelas impaciencias do seu partido; porém, não está emendado, porque parece empenhar-se agora a commetter erro igual, fazendo combinações ministeriaes que só por absurdo se poderiam conceber.

S. exa. exaltou a theoria dos grandes partidos, e que só por meio de fortes agglomerações politicas, alternando-se por seu turno a gerencia dos negocios, é que se poderia fazer boa politica, mostrando que se davam excepções n'esta regra, tanto no estrangeiro como entre nós, como acontecêra em 1877 com o ministerio do sr. duque d'Avila, que governára bem, segundo a sua politica.

Porém s. exa. fingiu esquecer as circumstancias especiaes d'essa epocha e o modo como as cousas se passaram.

O grupo politico, dos muitos em que se achava fraccionado o parlamento, a quem se entregára o poder, fôra o do sr. Avila, que viveu em mar de rosas, porque teve o apoio de todos os partidos, menos o dos srs. Dias Ferreira e visconde de Moreira de Rey.

Quando o novo ministerio se apresentou n'esta camara, disse eu que estimára a queda do governo regenerador, porque entendia que nos levaria a uma dupla bancarota de moral e de finanças, e que o novo governo teria o meu apoio se seguisse uma politica diametralmente opposta á do governo caído, aliás lhe negaria o meu voto.

N'essa occasião alguns dignos pares se levantaram para estranhar a minha linguagem, e asseverar que a politica do novo governo deveria ser a mesma do precedente, porque o sr. Avila acompanhára sempre o governo regenerador, e que só ultimamente se desviára d'elle em pontos secundarios, e que por isso a maioria regeneradora o apoiaria lealmente, visto que elle se não apartaria do caminho até ali seguido na gerencia dos negocios.

Já, pois, se conhecia que o sr. Avila não governára com politica sua, nem trabalhára com utensilios proprios, que os não tinha, mas sim emprestados pelo partido regenerador, que lhe dera apoio, até que chegou o momento psycologico de ser asphyxiado pela propria maioria regeneradora que até ali o apoiára.

Eu não me enganei no juizo que formei d'essa situação politica, em que collocaram o sr. Avila.

Prophetisei-lhe a sua quéda; e se lhe não marquei o tempo de vida artificial, que lhe concederam, asseverei-lhe que lhe não consentiriam fazer as eleições geraes do anno seguinte.

Agora pretende-se ensaiar a mesma comedia de 1877, fazer do sr. Avila um precursor, que prepare as vias á regeneração, visto que ella não póde subir desde já ao poder.

Porém não se repetem as mesmas phases politicas impunemente no laborioso curso da vida dos povos.

Demais, os meios empregados agora são diversos dos que se utilisaram em 1877 e 1878.

Então manobravam com a maioria da camara popular, e hoje, falhando-lhes esse esteio, appellam para esta camara, cuja indole repugna a ser instrumento de crises ministeriaes.

O sr. Fontes disse-nos que não havia no mundo poder, por mais alto que fosse, que não tenha limites; e isto para mostrar que o poder moderador, se tinha na carta amplas regalias para nomear pares, sem numero fixo, não deveria usar d'ellas sem discernimento e circumspecção. Que essa doutrina era verdadeira; porém, que a corôa não tinha veto legal ao seu arbitrio de nomear pares; que só havia veto moral, ou as necessidades politicas para equilibrar as forças dos partidos na camara alta.

Que se reformasse a carta, como era reclamado por todos os partidos, inclusivamente o sr. Fontes n'um discurso do throno havia asseverado que seria mister modificar a carta constitucional segundo as luzes ao seculo; porém, em-quanto se não reformasse a lei fundamental, que não seria a camara dos pares, filha da prerrogativa real, que se insurgisse contra o poder moderador, e ousasse impor a sua vontade á corôa, marcando-lhe o numero de pares que deveriam ser nomeados.

O sr. Fontes, notando que os mais altos poderes tinham limites, esquecêra-se de que a camara hereditaria seria comprehendida na mesma regra, e que ella, querendo promover crises politicas com os seus votos, e levantar governos nos seus escudos, e impor a sua vontade á vontade do poder moderador, commetteria abuso de poder, e saíria das attribuições que se acham marcadas na lei fundamental.

O ardor bellicoso de que se achava tomada a opposição d'esta camara, a sua preoccupação unica fôra a ultima nomeação de pares.

Perguntou-se aos recemchegados, de onde vinham e para onde íam.

Como se a origem não fosse a mesma dos chegados na vespera, ou no dia seguinte.

Porém, a verdadeira causa seria, porque os da vespera estavam senhores do campo, e, dominadores d'este ramo do poder legislativo, podendo impedir a marcha dos negocios á sua vontade; possuindo verdadeiro privilegio, por condescendencia do poder moderador, reagiam irritadamente a perder estas vantagens e regalias, e in de iros.

O sr. visconde de Seabra resumiu no seu additamento as irritações accumuladas da opposição da camara, asseverando que o systema constitucional seria uma ridicula mentira, se não se impozesse veto á exorbitancia da corôa na nomeação de novos pares.

Classificou de inaudito attentado o acto do poder moderador, pelo qual dariam entrada n'esta camara os ultimos pares nomeados!!!

A figura de rhetorica, de que se serviu o digno par, comparando os novos pares, aos gregos que entraram na cidade cercada, mettidos no ventre do celebre cavallo; bem attesta que a Troia do pariato portuguez correria, com a presente invasão dos novos vindos, o mesmo risco que a cidade oriental tão celebrada pela fantasia do poeta grego.

Porém este despeito da opposição n'esta camara, por ver que se equilibram as forças dos partidos n'esta casa, ha de passar; assim como se hão de desvanecer os sonhos dourados que phantasiaram de promover crises e dominar

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a politica, servindo-se da força que aqui tinham, graças ao poder moderador.

É mister que se não invertam os papeis, e que esta camara, essencialmente conservadora, não invada a propriedade alheia e não ambicione os fóros tribunicios que pertencem de juro e herdade á camara popular, onde as paixões costumam exaltar os espiritos na rasão dos grandes interesses da patria que ali se debatem.

E ainda bem que assim é; pelo menos, a mim, quando tinha assento n'aquella casa, causavam mortal enjôo as sessões calmosas.

Desvanecidas as esperanças mal fundadas de crises ministeriaes, porque o governo não póde caír tendo grande maioria na camara popular, e equilibradas as forças n'esta casa, o que resta á opposição d'esta casa é o obstrucionismo, e usar da sua força para impedir a marcha dos negocios.

Para isto não careciam. de tantas forças; tantas não têem os home rulers, no parlamento inglez, e logram impedir os trabalhos da camara dos communs como nunca, que me lembre, tem acontecido.

Porém, se seguirem este expediente, em breve sentirão as funestas consequencias de similhante procedimento.

Os negocios publicos soffrerão perturbação; mas jamais lograrão a satisfação das suas ambições; antes mais se distanciarão do alvo a que miram, correndo o risco de chamarem a attenção publica para se acautelarem desvios injustificaveis por meio de reformas profundas e que alterem essencialmente este ramo do poder legislativo.

Finalmente, se um dia se mudarem as scenas e subirem ao poder, nada deverão esperar da gravidade dos contrarios, e não deverão estranhar se represalias apparecerem.

Já fui mais longe do que desejava, por isso termino aqui.

Leu-se na mesa a seguinte proposta do sr. bispo de Vizeu:

Proposta

Acceite até ás palavras «entendendo comtudo».

Emenda ao resto do parecer: «que os additamentos dos dignos pares bispo de Bragança e Ferreira Lapa estão implicitamente comprehendidos na resposta ao discurso da corôa, já approvada, e que a do digno par, o sr. visconde de Seabra, não póde ser approvada, porque contraria o pensamento da mesma resposta». = Bispo de Vizeu.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Ferreira Lapa: - Declaro simplesmente que não posso concordar com o parecer da commissão, nem com a proposta que está sobre a mesa ácerca da questão dos additamentos que se debate; porque não vejo ali incluido sequer um pensamento, uma palavra, para que a agricultura tenha um logar especial na resposta ao discurso da corôa.

Se eu não houvesse apresentado o meu additamento, poderia effectivamente acontecer que passasse despercebida a omissão da agricultura entre os pontos diversos a que a resposta se refere; mas desde que esse additamento foi mandado para a mesa, querer por força ver o seu pensamento incluido na mesma resposta, quando lá não existe sombra d'elle, é de alta inconveniencia e segundo me parece, envolve até uma certa desconsideração ou, pelo menos, uma certa desattenção a uma das principaes molas senão a principal da nossa actividade nacional.

Eu pedia, sr. presidente, que se fizesse uma separação dos additamentos propostos, que se discutisse e votasse especialmente cada um d'elles; e, quando não podessem ser todos votados em separado, ao menos se desligasse o do sr. visconde de Seabra d'aquelles que apresentámos, eu e o sr. bispo de Bragança, porquanto nada têem com a questão politica.

A camara resolveu que os additamentos fossem á commissão para lhes identificar a redacção com a do projecto, mas a camara não deu á commissão, me parece, auctorisação para invalidar o meu additamento. A commissão estava no seu direito em lhe dar melhor redacção; não o podia, porém, eliminar. Se a camara tivesse entendido que o pensamento da minha proposta estava no projecto de resposta ao discurso da corôa, não a mandava á commissão, porque era escusado esse trabalho. Ella que a mandou é porque viu no meu additamento alguma cousa importante que devia ser incluido no projecto de resposta e que só precisava ser accommodado á fórma d'aquelle documento já approvado.

Em conclusão, proponho uma votação especial sobre os tres additamentos, ou, pelo menos, sobre o meu additamento, porque, infelizmente, continuo a não ver que o projecto de resposta ao discurso da corôa nem de perto nem de longe, se refira á agricultura, apesar das affirmativas da commissão. (Apoiados.)

Mando para a mesa a minha proposta.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

Proposta

Proponho que os additamentos ao projecto de resposta ao discurso da corôa sejam votados em separado. = Ferreira Lapa.

Foi admittida.

O sr. Conde de Castro (sobre a ordem): - Mando para a mesa a seguinte moção.

(Leu.)

Os membros da camara que apoiam o governo entendem que a proposta do sr. visconde de Seabra envolve um pensamento de censura ao gabinete, e, por consequencia desejam uma votação especial sobre ella.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que haja uma votação especial sobre o additamento apresentado pelo digno par o sr. visconde de Seabra. = Conde de Castro.

Foi admittida.

O sr. Bispo de Bragança: - Sr. presidente, o meu nome está ligado a duas propostas de additamentos ao projecto de resposta ao discurso da corôa, e como se trata de definir o cabimento que estas propostas podem ter no referido projecto, peço á camara me permitta que diga algumas palavras a tal respeito.

Um dos meus additamentos circumscreve-se a certificar os desejos da camara, de que se mantenha o padroado real, que, não é outra cousa senão o que se acha expressado no additamento: propagação da fé catholica em toda a area do padroado.

O outro additamento restabelece a antiga praxe d'esta camara, de concluir aquelle solemne documento invocando a protecção divina.

Considerar estes assumptos implicitamente comprehendidos no projecto de resposta ao discurso da corôa, equivale á sua acceitação integral.

E parece mesmo que a illustre commissão quiz tornar saliente essa significação, considerando-a consubstanciada no espirito da resposta.

Dou-me por satisfeito, porque vejo acceites e acatados os principios: não retiro as minhas propostas; fico sim certificado de que a resposta ao discurso da corôa, implicitamente nos pontos respectivos, quer dizer o mesmo que eu pretendia additar-lhe.

Declaro que hontem não votei nem pró, nem contra, o requerimento para a prorogação da sessão.

Entendi que não se podia tratar esta questão precipitadamente. Desejei que houvesse tempo para se conhecer e estudar o parecer da commissão, e sobre elle haver, como está havendo, uma discussão larga, franca e clara, porque a largueza de devidamente discutir, derrama luz nos assumptos e ficam os campos conhecidos e a tactica.

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Desejo proceder sempre como amigo de todos os governos legitimamente constituidos, e que procurem desempenhar a sua missão: o meu voto será sempre a expressão leal do juizo dictado imparcialmente pela minha rasão.

Não devo demorar mais a camara nos seus urgentes trabalhos.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto, nem sobre a ordem, nem sobre a materia.

Estão na mesa tres propostas, uma do sr. bispo de Vizeu, outra do sr. Lapa e outra do sr. conde de Castro, todas subordinadas á idéa de que haja votação separada com relação aos additamentos propostos ao projecto de resposta ao discurso da corôa.

A proposta do sr. bispo de Vizeu considera como comprehendidas na resposta ao discurso da corôa as propostas do sr. bispo de Bragança e a do sr. Ferreira Lapa e exclue a do sr. visconde de Seabra.

Ha uma proposta para que a camara se pronuncie separadamente sobre cada uma das propostas ou additamentos, em quanto que o parecer da illustre commissão as comprehende todas.

Resta, pois, saber se o que se deve votar primeiro é o parecer da commissão (Apoiados.) ou a proposta do sr. bispo de Vizeu.

Como eu quero evitar confusão ou reclamações, entendo que é a camara quem deve decidir se a proposta apresentada pelo sr. bispo de Vizeu deve ser considerada como emenda ou como substituição.

Se for pela camara considerada como emenda, vota-se primeiro que o parecer da commissão; se for considerada como substituição, vota se depois.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, todos os precedentes e principios indicam que se deve votar primeiro que tudo o parecer da commissão, já pela ordem chronologica, já porque a iniciativa da commissão é mais valiosa do que a de qualquer membro da camara em separado; e depois de votado o parecer é que se devem votar as propostas que porventura se não possam julgar prejudicadas. (Apoiados.)

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, sem deixar de prestar homenagem á opinião do sr. Barros e Sá, que é muito sabedor das praxes regimentaes, eu não posso deixar de ler o artigo 56.° do nosso regimento; diz elle.

(Leu.)

Ora, como já não póde offerecer duvida que a proposta do sr. bispo de Vizeu é uma emenda, porque tem por fim separar do parecer da commissão a proposta do sr. visconde de Seabra, está claro que se deve votar primeiramente a proposta do sr. bispo de Vizeu. (Apoiados.}

O sr. Bispo de Vizeu: - É melhor não questionarmos se a minha proposta é emenda ou substituição. Podemos votal-a antes ou depois da votação do parecer, com tanto que haja uma votação especial sobre a proposta do sr. visconde de Seabra. (Apoiados.)

Pois não é isto mais leal e mais franco? (Apoiados.) Portanto, entendo que a votação do parecer deve recaír sobre duas partes, porque nós não podemos votar o additamento do sr. visconde de Seabra.

O sr. Conde de Samodães: - Requeiro para que a sessão seja prorogada até que se vote o parecer da commissão e as propostas que foram apresentadas.

O sr. Quaresma: - Eu tinha pedido a palavra para um requerimento no sentido d'aquelle que acaba de apresentar o sr. conde de Samodães; portanto nada tenho a acrescentar.

Posto á votação o requerimento do sr conde de Samodães foi approvado

O sr. Presidente: - Está pois prorogada a sessão até que se vote.

Eu declarei á camara que a havia de consultar sobre se a proposta do sr. bispo de Vizeu deve ser considerada como emenda ou como substituição, porque n'uma questão tão melindrosa julgo conveniente que seja a camara quem o decida.

Se a camara entender que é emenda, vota-se primeiro, como já disse, e se entender que é substituição, vota-se depois. Creio que, entregando a decisão d'este negocio á camara, se simplifica muito.

O sr. Miguel Osorio: - Desculpe-me a camara se lhe tomo por alguns minutos a sua attenção sobre o modo de votar. Tenho-me abstrahido completamente de tomar parte nos debates em que se tem ocupado a camara ultimamente, e com isto não tenho dado senão prova da latitude que aquelles que apoiam os governos devem dar ás opposições na discussão. Fui sempre propugnador de todas as garantias que convem dar aos debates. Se a minha voz com a sua pouca auctoridade podesse ter valor, convidaria a camara, pelo mesmo motivo, que votasse em primeiro logar a proposta do sr. bispo de Vizeu.

O governo com toda a prudencia não quiz levantar uma questão com caracter essencialmente politico, e eu não posso deixar de felicitar o governo por essa prudencia. Depois os srs. visconde de Chancelleiros e Barjona de Freitas insistiram em que o additamento do sr. visconde de Seabra era um voto de censura; e que o governo, eximindo-se á sua votação, mostrava fraqueza; o governo, ainda com prudente longanimidade, não exigiu que se votasse logo a moção; vem o parecer da commissão dizer que implicitamente se acha na resposta ao discurso da corôa a moção do sr. Seabra; creio que é chegado o momento de francamente liquidarmos a questão de confiança, vamos a decidil-a em campo aberto.

Basta de subterfugios.

Applaudo o governo pelo seu prudente procedimento, mas não o applaude menos por ter conhecido que é chegada a occasião de acceitar a questão politica, que com tanta insistencia lhe offerecem; vá a responsabilidade a quem tocar, mas fique salva a dignidade do governo.

As cousas são o que são; e o que são? O parecer da commissão é emendado por algumas phrases do sr. bispo de Vizeu na sua proposta. Senão vejamos. O que diz o parecer da commissão? Diz que todas as propostas se achara implicitamente comprehendidas na resposta ao discurso da corôa. E o que diz a proposta do sr. bispo de Vizeu? Diz que implicitamente só se acham comprehendidas na resposta ao discurso da corôa as propostas dos srs. Ferreira Lapa e bispo de Bragança, mas que a proposta do sr. visconde de Seabra se não póde julgar ahi da mesma fórma comprehendida; porque nós não demos implicitamente um voto de censura ao governo, votando a resposta ao discurso da corôa.

Portanto a maioria e o governo não têem em vista mais do que retirar do parecer da commissão uma phrase que póde significar essa censura; retirada ella os pares que apoiam o governo não põem duvida em approvar o parecer da illustre commissão de resposta.

Portanto, sr. presidente, não é preciso que a camara tome uma deliberação sobre a proposta do sr. visconde segundo a significação que lhe deu o seu auctor. Mas sobre a emenda do sr. bispo de Vizeu; e nada mais; o mais são subterfugios.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, as cousas são o que são; e por isso mesmo eu devo dizer que approvo o parecer da commissão no sentido que ella lhe deu, isto é, como uma exposição de rasões. Ora a uma exposição de rasões não póde haver emenda, emenda entende-se que se possa fazer a um artigo de lei que envolve doutrina

O que temos aqui a considerar sobre tudo, é que a commissão apresentou um parecer e o governo declarou que o não acceitava: portanto, sobre este parecer é que deve recaír primeiro á votação.

Não ha nada mais nem nada menos.

Sr. presidente, v. exa. terá a bondade de propor á ca-

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mara, se considera a proposta do sr. bispo de Vizeu emenda ou substituição.

A camara resolverá como entender, no entanto o que me parece mais rasoavel é que se vote primeiro o parecer da commissão.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, não compliquemos a votação, que se me affigura que póde ser bem simples. O parecer da commissão tem duas partes perfeitamente distinctas, e só sobre a segunda parte é que se levantam as duvidas e as questões. N'estes termos, quer-me parecer que, votando-se separadamente a primeira parte, indicada pelo sr. bispo de Vizeu, todos votarão por ella, ninguem a impugna, pelo menos hei de votal-a eu.

Agora quanto á segunda parte é que existem as divergencias relativas aos diversos additamentos dos dignos pares os srs. Seabra, bispo de Bragança e Lapa.

Creio que ha dignos pares que queiram votar uns additamentos e não queiram votar os outros. E eu sou um d'elles.

Importa, portanto, que v. exa. proponha á votação cada um dos additamentos separadamente.

Fallemos francamente; na segunda parte está a questão politica, (Apoiados.) e convem a todos que as propostas e as votações sejam claras e separadas. (Apoiados.)

Pouco importa que se vote primeiro um ou outro additamento, o que é necessario é que se votem separadamente; porque sempre se ha de votar o additamento do sr. Seabra, e n'este está a questão politica.

Importa tambem pouco, quanto a mim, que a votação recáia directamente sobre o parecer da commissão, ou sobre a proposta do sr. bispo de Vizeu; o que é indispensavel, repito, é que ás duas partes, em que se divide tanto o parecer como a proposta, sejam votadas em separado, e sobretudo em separado os diversos additamentos. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Vou dar a palavra a todos os dignos pares, que a pediram sobre o modo de propor.

Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, durante o debate na sessão passada foram apresentadas diversas propostas de additamento. Votou-se o projecto de resposta, e as propostas de additamento foram remettidas á commissão para dar sobre ellas o seu parecer, acommodando a redacção d'ellas á do projecto inicial, que haviamos votado.

A commissão apresentou o seu parecer considerando que todas as emendas e additamentos estavam comprehendidos no projecto.

Aqui está o que se passou.

Hoje, no principio da sessão, o sr. presidente do conselho levanta-se, e declara franca e abertamente, que não tinha provocado a questão politica, mas que a acceitava; e que em tal sentido votava contra o parecer da commissão.

Bem, a questão politica recáe, pois, sobre este parecer e é sobre elle que deve recaír a votação, desde que s. exa. declarou que nem o governo, nem os seus amigos podiam acceitar o parecer como está redigido. (Apoiados.)

Ponhamos de parte as hypotheses casuisticas do regimento. (Apoiados.)

O governo escolheu o terreno; não foi a commissão que o escolheu, nem tão pouco a camara.

Este é o ponto sobre que se ha de votar. V. exa. não tem senão submetter á votação da camara o parecer da commissão. É sobre elle que deve recaír a votação, em vista do que declarou o sr. presidente do conselho.(Apoiados.

O sr. Vaz Preto: - Serei breve e farei poucas considerações, porque fui prevenido pelo sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. presidente do conselho declarou que não acceitava o parecer da commissão; por consequencia, poz á questão politica; isto quer dizer que aquelles que apoiam o governo devem votar contra o parecer sobre as emendas. Isto é clarissimo. Para que vem, pois, o sr. bispo de Vizeu apresentar uma moção escura e confusa? Parece que s. exa. quer arrancar o bastão do commando ao sr. Braam-camp.

A questão está posta pelo governo desde que o sr. presidente do conselho declarou que não acceitava o parecer como estava redigido. Desde este momento nem o sr. bispo de Vizeu, nem o sr. Ferrer, nem o sr. Miguel Osorio, podiam pôr a questão politica, visto estar posta pelo sr. presidente do conselho, que é o competente. Vejo que s. exas. são mais ministeriaes do que os proprios ministros. A questão, portanto, está posta. Eu acho que o governo era mais logico se obrigasse o sr. bispo de Vizeu a retirar a sua moção; de outra fórma as declarações do sr. Braamcamp ficam sem valor.

No estado da questão, como ella foi posta pelo sr. presidente do conselho, a primeira cousa a fazer é votar sobre o parecer. Approvado elle soffre o governo uma censura, rejeitado, essa censura desapparece. Parece que não ha nada mais claro. O sr. bispo de Vizeu devia, em attenção para com o sr. Braamcamp, retirar a sua moção. Se o não fizer ainda assim ella tem de ser votada depois do parecer, porque é uma substituição. Ora, o regimento declara o que é substituição e o que é emenda. Esta restringe, e a proposta de s. exa. não restringe, substitue; portanto, a não querer a camara alterar o regimento, a moção do sr. bispo de Vizeu ha de ser sempre uma emenda e não uma substituição.

A questão está n'este pé. Se, porém, o sr. presidente do conselho quizer reconsiderar, n'esse caso tomarei de novo a palavra se o julgar necessario.

O sr. Serpa Pimentel: - Tenho assistido a muitas questões d'esta natureza, n'uma e n'outra camara, e tenho visto sempre que a final, depois de se perder muito tempo, como nós estamos perdendo, a camara é quem decide o que se ha de votar primeiro; isto é, se a proposta de que se trata é uma emenda ou uma substituição. Portanto, eu estou de accordo com a intenção que v. exa. acaba de manifestar, de consultar a camara sobre se esta proposta é uma emenda ou uma substituição.

Ha dignos pares que desejam mostrar qual é a sua opinião especial sobre cada um dos additamentos, que desejam approvar uns e rejeitar outros, e estão no seu direito; tambem ha outros que desejam votar o parecer da comissão, porque entendem que todos os additamentos se acham implicitamente comprehendidos na resposta, e tambem estão no seu direito; portanto, o que se deve fazer é consultar a camara, sobre se a proposta mandada para a mesa pelo sr. bispo de Vizeu deve ser considerada como emenda ou como substituição, e fica a questão resolvida.

Dizem alguns dignos pares que querem um modo de votação que lhes permitta pronunciarem-se sobre a questão politica. Mas desde que o sr. presidente do conselho, que é quem representa o governo, declarou que não podia acceitar o parecer da commissão, n'esse parecer está posta a questão politica.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Visto que tem sido invocada a opinião do governo, permitta-me a camara que diga duas palavras a respeito da
questão que se ventila.

Creio que o sr. presidente do conselho não declarou que rejeitava o parecer da commissão senão por causa da sua redacção, e que, mesmo com relação a este ponto, se referia apenas á parte relativa ao additamento apresentado pelo sr. visconde de Seabra. É necessario rectificar pois o que se tem dito com relação ás palavras do sr. presidente de conselho.

Sr. presidente, agora permitta-me v. exa. e a camara, que eu diga duas palavras sobre a questão que se discute, visto que tem sido invocada a opinião do governo.

Parece-me que ha um ponto em que todos estão de ac-

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cordo, e outro em que ha divergencia. O primeiro é que se vote o parecer, resalvando-se n'esta votação o additamento do sr. visconde de Seabra; e o segundo é que sobre este additamento haja uma votação separada; ora, para ganharmos tempo, o que cumpre fazer é decidir a camara o modo como deve ser feita a votação, isto é, se quer ou não dividir a votação em duas partes, para haver uma votação separada sobre o additamento apresentado pelo sr. visconde de Seabra.

O sr. Presidente: - Vou primeiro consultar a camara sobre se a proposta apresentada pelo sr. bispo de Vizeu deve ser considerada como emenda ou como substituição, e se for approvado que é uma emenda, então consultarei a camara se quer que ella se divida em duas partes, entendendo-se que na primeira estão comprehendidos os additamentos apresentados pelos srs. bispo de Bragança e Ferreira Lapa, e na segunda o que foi apresentado pelo sr. visconde de Seabra.

O sr. Conde de Castro: - Peço a v. exa. que consulte a camara para que haja votação nominal, sobre se a proposta do sr bispo de Vizeu deve ser considerada emenda ou substituição.

O sr. Presidente: - Eu já disse como tencionava propor á camara a proposta do sr. bispo de Vizeu, e quando o digno par, o sr. conde de Castro pedia votação nominal, dizia eu, que se a proposta do sr. bispo de Vizeu fosse considerada substituição, se votaria depois do parecer da commissão; se fosse considerada emenda, se votaria antes; n'este sentido deseja o digno par que a votação seja nominal. Eu vou consultar a camara, se considera a proposta do sr. bispo de Vizeu como emenda, e proponho assim por ser esta a designação que lhe deu o digno par proponente.

Consultada a camara resolveu que a votação fosse nominal.

O sr. Presidente: - Está, pois, resolvido que a votação seja nominal; os dignos pares que entendem que a proposta do sr. bispo de Vizeu é uma emenda dizem «ap-provo», os que entendem que ella é substituição dizem «rejeito».

Procedeu-se á votação.

Disseram approvo os dignos pares: Mártens Ferrão, Duque de Palmella, Marquez de Sabugosa, Arcebispo de Evora Conde de Castro, conde de Linhares, Conde de Paraty, Conde de Podentes, Conde de Samodães, Bispo de Bragança, Bispo de Lamego, Bispo de Vizeu, Bispo eleito do Algarve, Visconde de Borges de Castro, Visconde de Gandarinha, Visconde de S. Januario, Visconde de Ovar, Visconde de Portocarrero, Visconde de Villa Maior, Mendes Pinheiro, Pereira de Miranda, Quaresma de Vasconcellos, Mello e Saldanha, Henriques Secco, Seixas de Andrade, Magalhães Aguiar, Costa Lobo, Xavier da Silva, Carlos Bento da Silva, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Francisco Maria da Cunha, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, José Augusto Braamcamp, José Baptista de Andrade, José Joaquim de Castro, Fernandes Vaz, Ponte e Horta, Raposo do Amaral, Pereira Cardoso, Baião Matoso, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Manuel Antonio de Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Franzini, Miguel do Canto, Miguel Osorio, Calheiros e Menezes, Thomás de Carvalho, Ferrer Neto de Paiva e Seiça e Almeida.

Disseram rejeito os dignos pares: Duque de Avila e de Bolama, Marquez de Ficalho, Marquez de Monfalim, Marquez de Penafiel, Marquez de Vallada, Marquez de Vianna, Conde dos Arcos, Conde de Avilez, Conde do Bomfim, Conde de Cabral, Conde de Fonte Nova, Conde de Gouveia, Conde da Ribeira Grande, Conde de Rio Maior, Conde da Torre, Conde de Valbom, Visconde de Almeidinha, Visconde de Alves de Sá, Visconde de Bivar, Visconde da Borralha, Visconde de Chancelleiros, Visconde das Laranjeiras, Visconde da Praia, Visconde de Seabra, Barão de Ancede, Agostinho de Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Antonio Francisco Machado, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Antonio Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Barjona de Freitas, Palmeirim, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Simões Margiochi, Andrade Corvo, Trigueiros Martel, José da Costa Pinto Basto, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Mello Gouveia, Mexia Salema, Camara Leme, Vaz Preto, Placido de Abreu e Vicente Ferreira de Novaes.

O sr. Presidente: - Os dignos pares os srs. secretarios reconheceram que approvaram 55 dignos pares e rejeitaram 51. Está, portanto, approvado que se considere emenda a proposta do sr. bispo de Vizeu.

Ha mais duas propostas sobre a mesa, uma do sr. Ferreira Lapa, que pede uma votação especial sobre a sua proposta e do sr. bispo de Bragança, e outra do sr. conde de Castro, que pede votação especial sobre a proposta do sr. visconde de Seabra.

Leram se na mesa as tres propostas, do sr. bispo de Vizeu, do sr. Ferreira Lapa e do sr. conde de Castro.

O sr. Presidente: - Creio que a proposta do sr. Lapa está envolvida na primeira parte da proposta do sr. bispo de Vizeu, e a do sr. conde de Castro está envolvida na segunda parte. (Apoiados.)

O sr. Henrique de Macedo: - Requeiro a votação nominal sobre a segunda parte da proposta do sr. bispo de Vizeu.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Henrique de Macedo, requereu votação nominal sobre a segunda parte da proposta do sr. bispo de Vizeu.

Vae passar-se á votação da primeira parte.

Leu-se na mesa a primeira parte.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, se a proposta do sr. bispo de Vizeu, como emenda, for approvada, fica o parecer da commissão prejudicado, se for rejeitada fica valendo o parecer da commissão, não é assim?

O sr. Presidente: - Exactamente.

O sr. Henrique de Macedo: - Antes de v. exa. consultar a camara sobre se deve haver a votação nominal que requeri, permitta-me v. exa. que eu dê uma pequena explicação; eu entendo que deve ser considerada como segunda parte da proposta do sr. bispo de Vizeu, a que se refere exclusivamente á proposta do sr. visconde de Seabra. (Apoiados.)

O sr. Duque d'Avila e de Bolama: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me dizer o que se vae votar, porque eu ainda não pude comprehender.

O sr. Presidente: - O que se vae votar em primeiro logar é a primeira parte da proposta do sr. bispo de Vizeu, que é commum com o parecer da commissão, por julgar inseridas na resposta ao discurso da corôa as propostas dos srs. Ferreira Lapa e bispo de Bragança, e esta votação é feita por sentados e levantados. Peço attenção á camara.

Os dignos pares que approvam a primeira parte da proposta do sr. bispo de Vizeu, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

Vamos á segunda parte. Sobre esta segunda parte pediu votação nominal o sr. Henrique de Macedo. Vou consultar a camara.

Resolveu-se affirmativamente.

Está resolvido que haja votação nominal, vae proceder-se á chamada.

(Pequeno sussurro.)

O sr. Presidente: - Eu não posso deixar de manter n'este logar, dirigindo momentaneamente os trabalhos, no impedimento do digno presidente, a maxima imparcialidade, e para isso é preciso que se possa bem entender o que se vota, e como se vota.

Supponho que os dignos pares de todos os lados da camara estão de accordo sobre este ponto; (Apoiados.) mas

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se algum tem qualquer duvida ácerca da maneira por que se está votando, peço que a manifeste, não póde fazer-se violencia no voto de ninguem.

O sr. Conde de Castro: - Não se póde interromper a votação.

Vozes: - Quer se saber o que se vota.

O sr. Presidente: - O sr. Henrique de Macedo requereu que se votasse nominalmente a segunda parte da proposta do sr. bispo de Vizeu. A proposta diz assim:

(Leu.)

O sr. Ferreira Lapa: - Peço que sejam votadas em separado as duas partes d'essa proposta, porque eu, em consciencia, não posso votar ambas de igual modo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu creio que a camara decidiu que v. exa. sujeitasse á votação o parecer.

O sr. Henrique de Macedo: - Sr. presidente, se v. exa. me permitte, dou uma explicação.

O meu requerimento foi para que houvesse votação nominal unicamente sobre a segunda parte da proposta do sr. bispo de Vizeu; e considerei segunda parte o que na mesma proposta está em divergencia com o parecer da commissão.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a primeira parte da proposta do sr. bispo de Vizeu.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam esta primeira parte, tenham a bondade de se levantar.

Verificou-se a votação.

O sr. Presidente: - Está approvada unanimemente.

Vae ler-se a segunda parte.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Procede-se agora á votação nominal sobre a segunda parte, que acaba de ser lida.

Fez-se a chamada e leu-se o resultado da votação, que foi o seguinte:

Disseram approvo os dignos pares: Mártens Ferrão, Duque de Palmella, Marquez de Sabugosa, Arcebispo de Evora, Conde de Castro, Conde de Linhares, Conde de Paraty, Conde de Podentes, Conde de Samodães, Bispo de Bragança, Bispo de Lamego, Bispo de Vizeu, Bispo eleito do Algarve, Visconde de Borges de Castro, Visconde de Gandarinha, Visconde de S. Januario, Visconde de Ovar, Visconde de Portocarrero, Visconde de Villa Maior, Mendes Pinheiro, Pereira de Miranda, Quaresma de Vasconcellos, Mello e Saldanha, Henriques Secco, Seixas de Andrade, Magalhães Aguiar, Costa Lobo, Xavier da Silva, Carlos Bento da Silva, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Francisco Maria da Cunha, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, José Augusto Braamcamp, José Baptista de Andrade, José Joaquim de Castro, Fernandes Vaz, Ponte e Horta, Raposo do Amaral, Pereira Cardoso, Baião Matoso, Luiz de Campos, Daun e Lorena, Manuel Antonio de Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Franzini, Miguel do Canto, Miguel Osorio, Calheiros e Menezes, Thomás de Carvalho, e Seiça e Almeida.

Disseram rejeito os dignos pares: Duque d'Avila e de Bolama, Marquez de Ficalho, Marquez de Monfalim, Marquez de Penafiel, Marquez de Vallada, Marquez de Vianna, Conde dos Arcos, Conde de Avillez, Conde do Bomfim, Conde de Cabral, Conde de Fonte Nova, Conde de Goveia, Conde da Ribeira Grande, Conde de Rio Maior, Conde da Torre, Conde de Valbom, Visconde de Almeidinha, Visconde de Alves de Sá, Visconde de Bivar, Visconde da Borralha, Visconde de Chancelleiros, Visconde das Laranjeiras, Visconde da Praia, Visconde de Seabra, Barão de Ancede, Agostinho de Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Antonio Francisco Machado, Barros e Sá, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Antonio Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Barjona de Freitas, Palmeirim, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Simões Margiochi, Andrade Corvo, Trigueiros Martel, José da Costa Pinto Basto, Manços de Faria, Mello Gouveia, Mexia Salema, Camara Leme, Vaz Preto, Placido de Abreu e Vicente Ferreira de Novaes.

O sr. Presidente: - Disseram approvo 54 dignos pares, disseram rejeito 50. Ficou, por consequencia, approvada a emenda proposta pelo sr. bispo de Vizeu.

Todas as outras propostas estão prejudicadas.

A ordem do dia para segunda feira, 14, é a discussão dos pareceres nos. 154, 143, 97, 99, 101, 123, 132, 129 e 134, já annunciados.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 12 de fevereiro de 1881

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Monfalim, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Arcebispo de Evora; Condes, dos Arcos, de Avillez, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Valbom; Bispos, de Bragança, de Lamego, de Vizeu, eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Borralha, de Chancelleiros, de Gandarinha, de S. Januario, das Laranjeiras, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, de Seabra, de Villa Maior; Barão de Ancede; Mendes Pinheiro, Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Secco, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Magalhães Aguiar, Rodrigues Sampaio, Seixas de Andrade, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Francisco Cunha, Margiochi, Henrique de Macedo, Lapa, Mendonça Cortez, Trigueiros Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Fernandes Vaz, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Raposo do Amaral, Mello e Gouveia, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Baião Matoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Pereira Dias Franzini, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.

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