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170 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

riguar como as suas auctoridades cumpriam os seus deveres.

Não se póde continuar com a brandura dos nossos costumes, tendo no ultramar auctoridades cujo procedimento tem sido a causa principal, se não a unica, de todos os desastres que ali se têem dado. É para lamentar que a maior parte d’esses factos sejam motivados pelos vexames praticados pelas auctoridades no ultramar. O sr. presidente do conselho, quando ministro dos estrangeiros, de certo teve reclamações dos governos estrangeiros, apoiadas em factos que, muito embora sejam omittidos nos relatorios officiaes, infelizmente, na sua maior parte, são verdadeiros.

Eu estive durante algum tempo na diplomacia; estive na legação em Londres, e posso asseverar a V. ex.a, sr. presidente, que sei a difficuldade que os ministros têem em encontrar argumentos para rebater as accusações que successivamente lhes fazem os governos, junto dos quaes estão acreditados.

Sr. presidente, eu sinto que quando se apresentam factos d’esta ordem o sr. ministro da marinha não tenha outra resposta senão a que deu na ultima sessão.

S. ex.a disse apenas que os pretos eram felizes, a ponto de haver um branco que pediu o fôro de preto.

Eu não sei se s. ex.a quer que eu apresente factos para confirmar o que disse.

Sr. presidente, não ha ainda dois annos deu-se em Lourenço Marques um facto que já foi tratado n’esta camara pelo digno par sr. Thomás Ribeiro, um facto altamente escandaloso por parte das auctoridades portuguezas na provincia de Moçambique.

O nobre ministro das obras publicas deve ter conhecimento d’esse facto, porque tem feito grande barulho nos tribunaes do Porto.

Quer V. ex.a saber o que fizeram?

Um cavalheiro, homem distincto e honesto, a quem não se queria bem, porque podia servir de tropeço á realisação de certos factos, que calo, por parte de algumas auctoridades, foi accusado este homem como tendo acceitado o tratar de um negocio dependente do ministerio da marinha, e ter a promessa de receber o que vulgarmente chamam luvas.

Pois, este homem foi preso, remettido para bordo de um paquete da mala real, devendo fazer a travessia como um degredado e incommunicavel, e foi julgado nos tribunaes de Moçambique, sendo absolvido.

Valeu-lhe, porém, o commandante do paquete. Foi esse official que respondeu que o passageiro desde que elle tinha pago a passagem não podia ir no porão.

Sr. presidente, quando se vem fazer d’estas observações, o sr. ministro da marinha responde que os pretos são muito felizes.

Ora, s. ex.a, procedendo d’este modo, procede como os antigos diplomatas, o que já se não usa. Hoje os negocios tratam-se com toda a franqueza e lealdade, e eu lamento que o sr. ministro da marinha recorresse aos processos da antiga diplomacia, e conhecendo que os factos eram graves, não dissesse ao menos que os tomaria em consideração.

Sr. presidente, eu não me refiro ao que dizem os jornaes, vou aos relatorios officiaes. Pergunto: que tem s. ex.a feito com relação a todos os factos enunciados no relatorio do sr. Antonio Ennes? E que providencias se tomaram? Absolutamente nenhumas.

Permitta-me s. ex.a que eu lamente que a sua resposta fosse tão breve, de modo a não satisfazer as perguntas que lhe dirigi.

Sr. presidente, eu não sei se posso continuar no uso da palavra para me dirigir ao sr. ministro das obras publicas.

O sr. Presidente: — Eu não posso deixar de dar, sobre assumpto differente, ao digno par sr. Costa Lobo a palavra, em harmonia com a sua reclamação, que é justa.

O Orador: — Sr. presidente, eu não venho tratar de questões de campanario, trato das questões de interesse publico, e geralmente costumo prevenir os srs. ministros do assumpto que tenciono tratar, mas uma vez que V. ex.a quer ser tão rigoroso, peço-lhe o favor de me reservar a palavra para usar d’ella quando me couber, e como V. ex.a quizer.

O sr. Presidente: — Eu só posso conceder ou negar a palavra aos dignos pares em harmonia com as disposições do regimento.

O sr. Ministro da Marinha (Neves Ferreira): — Sr. presidente, na ultima sessão, porque a hora estava adiantada, eu não pude responder completamente ás observações feitas pelo digno par o sr. conde de Thomar.

Apenas me limitei a apresentar um facto que podia até certo ponto destruir a accusação que vinha no jornal a que s. ex.a se referiu.

Como s. ex.a sabe, os jornaes apresentam accusações conforme a apreciação de quem escreve, e, se eu disse aqui que um branco tinha pedido fóros de preto, isto prova que a administração no ultramar não é tão deshumana como se diz algumas vezes, e mostra que os pretos são tratados de uma fórma que leva a crer não ser provavel a accusação do jornal que o digno par citou.

Em todo o caso, eu reconheço que é possivel que uma ou outra auctoridade não cumpra os seus deveres; mas este facto dá-se em toda a parte, no ultramar, como na metropole.

Se o digno par quer que em Moçambique e Angola não se dêem certos factos, tem de estabelecer ali uma administração similhante á do continente.

Como o digno par sabe, a provincia de Moçambique, que tem um territorio quatorze ou quinze vezes maior do que o continente, apenas dispõe de mil e tantos contos de réis para as suas despezas, emquanto que nós aqui gastamos 50$000 contos de réis.

Quando a administração n’aquella provincia melhorar, quando aquelle territorio tiver grande desenvolvimento, evidentemente as cousas ali hão de passar-se de outro modo; mas, emquanto isto não se der, ha de haver lá factos como aquelles que o digno par censurou, lá, e em todas as nossas colonias.

Disse o digno par que, em Moçambique, tinham prendido alguns pretos para soldados.

Ora, o digno par sabe muito bem que no continente tambem se deu esse facto até 1855.

Até essa epocha prendiam-se os individuos na rua para irem servir no exercito.

S. ex.a comprehende bem que, n’aquelle territorio, não é cousa facil recrutarem-se individuos para o serviço militar como se faz aqui.

Devo tambem dizer ao digno par que, quando no ultramar se dá algum facto extraordinario, e que esse facto chega a ser conhecido do governo, este pede logo ao respectivo governador informações a este respeito.

E isto o que sempre se faz.

É claro que eu não posso n’esta occasião dizer se é ou não verdadeiro um facto que um jornal relata.

Creio mesmo que o jornal que s. ex.a citou não confirma o facto. Narra-o simplesmente, mas não o confirma.

Como quer s. ex.a que eu aqui saiba se esse facto é ou não verdadeiro?

Completamente impossivel.

E o que tenho a responder ao digno par.