188 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
terá Portugal n´estas duas transacções feitas entre o Brazil e os Estados Unidos e entre estes e a Inglaterra a participação representada pela importancia dos fretes ganhos pelo seu navio.
Se não bastassem estas considerações para dar uma idéa do valor de uma boa marinha mercante como factor da riqueza nacional, será sem duvida suficiente, para que todas as duvidas desappareçam, o saber-se que, subindo, em media, a 140.000:000 sterlinos ou 630.000:000$000 réis annuaes o excesso do valor das importações inglezas sobre o das exportações, basta a importancia dos fretes dos navios mercantes da Gran-Bretanha para cobrir aquella differença e deixar ainda um avultado remanescente (Comte Rochaid, Lecas d´Italie, París, 1894).
Tambem indirectamente concorre uma boa marinha mercante para o desenvolvimento da, riqueza publica fazendo com que se radiquem e prosperem varias industrias, que são suas auxiliares necessarias e na laboração das quaes auferem meios de subsistencia numerosas classes de trabalhadores.
Taes são, entre outras, a architectura naval, a serralheria, a cordoaria, a calafetagem e a marinhagem.
Por outro lado, é no paiz a que pertencem que os armadores seguram em geral os seus navios e os respectivos fretes; a existencia de uma boa esquadra commercial assegura portanto ás companhias nacionaes de seguros uma receita importante que, approveitando directamente aos respectivos accionistas, se traduz em ultima analyse no augmento da riqueza da nação.
Se o nosso paiz tivesse uma boa frota commercial, far-se-ía a coberto da bandeira nacional grande parte não só das nossas importações e exportações internacionaes e das permutações entre as provincias ultramarinas e os differentes portos da metropole, mas tambem do commercio entre as colonias e as nações estrangeiras.
É por isso que todas as nações maritimas, que têem a verdadeira comprehensão dos seus interesses, têem procurado por todas as fórmas desenvolver a marinha mercante, já concedendo premios aos armadores e aos constructores, já dispensando importantes isenções aos navios nacionaes.
A França, por exemplo, cuja esquadra mercante occupa já o terceiro logar entre as das outras nações, ainda no anno de 1894 lhe concedeu premios na importancia de 25.000:000 de francos ou 4.000:000$000 réis.
A Italia, a despeito das enormes difficuldades financeiras e economicas que a assoberbam, tem procedido exactamente do mesmo modo, conseguindo assim ter já hoje uma das melhores esquadras commerciaes do mundo.
Segundo o «Repertorio geral do Bureau Ventas», referente ao anno de 1892, occupava já n´aquelle anno a marinha de véla italiana o quinto logar, com a arqueação de 536:000 toneladas, e a de vapor o setimo com 203:000 toneladas.
Entre nós, mais do que em qualquer outro paiz, deviam naturalmente ter-se dirigido por igual criterio os poderes publicos, visto que já na segunda metade do seculo XIV houve em Portugal um monarcha que, adiantando-se quinhentos annos ás idéas do seu tempo, e comprehendendo que «das mercadorias muitas que do reino eram levadas e trazidas outras, havia grandes e mui grossas dizimas, e que o proveito, que haviam dos fretes os navios estrangeiros, era melhor para os seus naturaes, des muito mor honra da terra havendo em ella muitas naves» (Fernão Lopes, Chronica d´El-Rei D. Fernando), concedeu á marinha mercante um conjuncto de favores não inferior de certo á protecção que posteriormente lhe têem concedido quasi todas as nações maritimas.
Ordenou com effeito El-Rei D. Fernando:
1.° Que aos portuguezes que construissem navios de lotação superior a 100 toneladas, se concedesse a faculdade de cortar gratuitamente nas matas reaes os mastros e mais
madeiras de que necessitassem, e de importar, livre de direitos, todo o material que houvesse de vir de fóra;
2.° Que o estado não cobrasse direitos pela compra ou venda de navios já feitos;
3.° Que aos donos de navios, que em primeira viagem saíssem carregados, se perdoassem os direitos das mercadorias que compozessem o carregamento, ou estas fossem suas ou alheias;
4.° Que os donos de navios gosassem da isenção de metade dos direitos, por quaesquer generos que estes trouxessem na sua primeira viagem de retorno a Portugal.
Pois apesar d´isto, e a despeito da grande extensão da nossa costa, da importancia dos nossos portos de mar, da vastidão e da riqueza das nossas colonias na Africa, na Asia e na Oceania, e da extensão do nosso commercio internacional, não tem a marinha mercante encontrado no secudo actual, por parte dos governos portuguezes, senão o desprezo revelador do absoluto desconhecimento da sua alta funcção economica, ou do mais completo desinteresse pela prosperidade nacional.
Os resultados d´esta inqualificavel politica economica ahi estão bem patentes.
A marinha mercante nacional, ainda na primeira metade d´este seculo tão florescente, tem definhado de anno para anno com tal rapidez, que já em 1894 era inferior á da Grecia e á da Belgica.
Não ha muitos annos ainda que só n´esta cidade estavam sempre de seis a oito embarcações de longo curso em construcção nos estaleiros de Gaia e do Oiro; outro tanto acontecia pouco mais ou menos nos estaleiros de Fão, Villa do Conde, Figueira da Foz e outros.
N´esse tempo eram notados em todos os portos estrangeiros, pela elegancia da fórma, pela solidez da construcção e pela excellencia das qualidades nauticas os navios portuguezes. Actualmente, e como só muito de longe em longe se construe alguma pequena embarcação destinada ao commercio de cabotagem, já não restam da industria, outrora florescente, da architectura naval, senão alguns e já poucos navios, como a galera America, por exemplo, que apesar dos vinte e oito annos que já conta de existencia, ainda constitue uma prova irrecusavel do grande aperfeiçoamento a que chegou.
Os numerosos individuos, que ha poucos annos ainda se dedicavam aos differentes misteres da marinhagem, vêem-se actualmente obrigados a emigrar para alcançar meios de subsistencia.
Pelo que toca á depressão da receita das companhias de seguros maritimos, fallarão por nós os seguintes dados estatisticos:
Nos vinte annos decorridos de 1854 a 1873 importaram os premios correspondentes aos seguros maritimos, realisados por todas as companhias seguradoras, com séde no Porto, em 3.182:000$000 réis, o que dá a media annual de 159:000$000 réis. Nos vinte e dois annos seguintes, 1874 a 1895, produziram aquelles seguros 2.775:000$000 réis, baixando assim a receita media annual para réis 126:000$000.
Comparando estas medias entre si, reconhece-se que nos ultimos vinte e dois annos soffreu a receita de que se trata a consideravel reducção de quasi 21 por cento; se attendermos, porém, a que aquella receita é a somma de duas parcellas distinctas, a saber: premios dos seguros dos navios propriamente ditos e dos seus respectivos fretes, e premios dos seguros de mercadorias importadas e exportadas em navios nacionaes e estrangeiros; se, alem d´isso, considerarmos que o sensivel desenvolvimento que tem tido o nosso commercio internacional n´estes ultimos vinte annos tem feito crescer a segunda d´aquellas parcellas, ver-nos-hemos forçados a concluir que a depressão da primeira é na realidade muito maior.
A estreiteza do tempo, de que podemos dispor, não permitte que na escripturação de todas as companhias se