SESSÃO N.° 19 DE 6 DE MARÇO DE 1896 193
tambem para que fim se compram esses predios. Verá que se compram acções de bancos e companhias, com infracção flagrante dos estatutos, para fins que são faceis de adivinhar. Ora o dever do governo é pôr termo a esta tremenda injustiça e a esta abusiva situação!
O que digo, sr. presidente, ácerca da companhia dos tabacos, digo-o tambem até certo ponto, e mutatis mutandis, a respeito de outras companhias, como, por exemplo, d´aquella a que ha pouco aqui se referiu proficientemente o digno par e meu amigo, o sr. Thomás Ribeiro. Refiro-me á companhia da mala real. E sobre este assumpto eu devo dizer á camara e ao digno par que não partilho muito do modo de ver de s. exa. ácerca da missão do estado em quanto a companhias.
Eu não quero o estado feito pae amoravel e carinhoso das companhias afflictas. Uma companhia é uma entidade juridica particular, com a qual o estado não tem nada no que respeita aos seus lucros e prejuizos. Se uma companhia qualquer faz maus negocios, só ella deve soffrer as consequencias, assim como, se os faz bons, os lucros serão só para ella, e não para o estado. Eu não quero o estado a auxiliar, a amparar, companhias, e parece que este modo de proceder dos governos, servindo de providencia ás companhias, deve ter fim por uma vez, para não caírmos nos inconvenientes altamente prejudiciaes que ainda se estão sentindo nas arcas do thesouro...
(Interrupção do sr. Thomás Ribeiro que se não ouviu.)
Um dos nossos grandes males tem sido esse; mas é preciso acabar com elle, e de vez. Pois se é um grande mal, se todos assim o reconhecem, bom será que elle se extinga, e se não repita. Se uma companhia, em nome das suas afflicções, em nome das suas infelicidades, em nome dos seus infortunios, allegando que os seus negocios correram mal, pede ao estado um subsidio e entende que o estado tem obrigação de conceder-lh´o, porque a sua auctoridade é paternal ou patriarchal, qual ha de ser a rasão por que um commerciante ou um particular qualquer não póde solicitar tambem igual subsidio, igual favor, iguaes concessões?
O sr. Thomás Ribeiro: — Eu não disse que o estado tinha obrigação de conceder subsidies ás companhias, nem estou aqui a advogar os interesses de nenhuma d´ellas.
O sr. Thomás Ribeiro: — V. exa. dá-me licença? (Signal de assentimento do orador.) Eu não advoguei os interesses das companhias. Advoguei os interesses da navegagação e do commercio portuguez.
É uma cousa muito differente.
O Orador: — Eu tambem não disse que s. exa. tinha advogado, ou pretendia advogar os interesses de qualquer companhia. Expressei o meu modo de ver geral sobre o assumpto, e, sobre o ponto especial e restricto da mala real eu fallarei depois.
Fallei no principio geral que se pronuncia a favor da conveniencia ou da necessidade de soccorrer as companhias em más circumstancias financeiras, e sobre este ponto é que eu estou inteiramente em desaccordo com todos os os que advogam ou proclamam esse principio; em primeiro logar, porque entendo que tal protecção é inconveniente e lesiva dos interesses publicos, e, em segundo logar, porque é injusta, e é injusta porque é desigual. Uma companhia é uma entidade juridica como qualquer particular, e assim eu não diviso nem enxergo a rasão por que o estado, se acode ás companhias, não ha de acudir, por igual, aos particulares. Se o digno par Thomás Ribeiro precisar ámanhã de 200 contos de réis, para mitigar as suas afflicções, para satisfazer os seus encargos financeiros, e os pedir ao estado, o estado não lh´os dá, nem lh´os póde dar. Pois se o estado não póde dar ao sr. Thomás Ribeiro, simples particular, 200 contos de réis ou qualquer outra quantia de que s. exa. precise, como é que póde dar essa quantia, ou quantia superior, ao mesmo digno par, na qualidade de director, se a tivesse, de qualquer companhia?
Isto não faz sentido, não é justo, não ha nenhum principio juridico que admitta ou que sustente tão deploravel doutrina e peor pratica.
E vamos agora á mala real.
Apesar de, como disse, tal protecção do estado a emprezas ou companhias ser injusta e inadmissivel, o facto é que o governo deu ou adiantou á empreza da mala real a enorme quantia de 700 contos de réis, creio eu. Não direi n´este momento a quem pertence a responsabilidade d´este facto que, certamente, foi praticado com a melhor das intenções; mas, sr. presidente, n´estas questões de administração publica, eu não admitto boas intenções, por mais rectas que ellas se affigurem a muita gente. De boas intenções está o inferno calçado. Eu bem sei que ha muito quem sustente a doutrina de que os ministros devem ser absolvidos pelas intenções que presidiram aos seus actos. Não sou muito d´essa opinião.
As boas intenções, ou se formam no desconhecimento dos assumptos, ou se elaboram na relaxação da vontade; e não me parece que nem uma nem outra cousa sejam as qualidades mais louvaveis em quem se julga apto para o exercicio das altas funcções da governação publica. Quem não conhece os assumptos, ou quem não sabe resolvel-os, vae-se embora, e quem não tem vontade propria para administrar, ou quem não tem força para isso, deve retirar-se tambem, porque ninguem o obriga a ser ministro.
Mas com boas intenções, ou sem ellas, com fraqueza de vontade ou com fortaleza de acção, o facto é que o estado é credor da mala real pela enorme somma de 700 contos de réis. E como eu já disse num folheto, inspirado pela voz do paiz, mas que corre com a minha assignatura, a verdade é que toda a garantia da solvabilidade d´este importantissimo credito está a apodrecer nas aguas do Tejo. Os navios da mala real ahi estão a apodrecer, e o estado vê ir desapparecendo completamente, já não digo a sua segurança para o reembolso do seu credito, porque creio que a sua é a tarceira ou quarta hypotheca que onera aquelles navios, mas emfim, a unica possibilidade que tem de vir a ser pago no todo ou em parte.
Emquanto o devedor, ou a massa fallida, tiver bens, ainda o credor terá possibilidade de receber alguma cousa. Desapparecidos elles, desapparecida está de todo a possibilidade de solvencia. Ora, deante de factos d´esta ordem é que eu não percebo a intenção de justiça do estado, e, nomeadamente, a do sr. ministro da fazenda, apresentando-se, de certo no desempenho meticuloso e honrado do seu dever, a pedir a approvação da camara para um projecto de augmento de imposto, a fim de occorrer ás urgencias do thesouro Porque se não arrecada primeiramente o que se deve á fazenda publica? Porque se conserva o sr. ministro da fazenda inactivo diante da fallencia da mala real? Disse s. exa., na resposta que deu ao digno par, o sr. Thomás Ribeiro, sobre este assumpto, que o estado, emquanto a questão estivesse pendente dos tribunaes, devia reservar a sua acção, e nada podia fazer. Peço perdão, mas o governo nem sempre tem entendido assim.
Lembro-me, por exemplo, do caso da companhia norte e leste. O estado era credor d´essa companhia por 5:000 e tantos contos, os quaes foram dados áquella companhia pelo mesmo principio de benevolencia com que foram dados milhares de contos á companhia do banco lusitano e outras emprezas. Chamo-lhe companhia, porque me parece que elle foi e é mais companhia do que banco. Mas esses 5:000 e tantos contos, dizia eu, que foram dados, como o foram outras sommas, a varias emprezas, por differentes ministros, de diversas procedencias, aos quaes, é claro, eu não accuso, sob o ponto de vista da sua honestidade, porque entre os ministros que procederam d´esta fórma, ha homens tão reconhecidamente honestos, e a quem a opinião publica attribue tão immaculado caracter, que não póde nem deve levantar-se a menor suspeita ácerca d´elles; esses 5;000 e tantos contos, repito, foram arrecadados,