194 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
melhor ou peor, pelo governo, sem se aguardar a acção dos tribunaes.
O estado, e muitissimo bem, na minha opinião, e n´este ponto sempre o defendi n´esta camara e na imprensa, quando tinha a honra de occupar ali um logar, não esperou pela sentença dos tribunaes n´este caso, e interveiu por todas as fórmas e feitios para rehaver o seu dinheiro.
Não vem para aqui discutir agora o modo por que entendeu dever fazel-o. Creio que não fez tudo quanto desejou, porque teve em contrario argumentos d´aquelles a que, como dizia o D. Bazilio, não se resiste, não do mesmo sentido e da mesma natureza, mas, emfim, argumentos de força maior, como foi o da intervenção da, França, etc.
Não é agora occasião de discutir o assumpto sob este aspecto, mas o certo é que, não fazendo tudo quanto queria, alguma cousa, entretanto, fez, e não deixou que a companhia se arrastasse fallida pelos tribunaes, aguardando respeitosamente a decisão dos mesmos tribunaes, para depois dizer: hei de receber o que por sentença do poder judicial me for dado receber. O governo não fez isso; foi adiante dos tribunaes e das sentenças, e fez muito bem. Ora, quem procedeu assim com a companhia do norte e leste, levando a energia da sua acção até tomar posse da companhia, porque é que não tem feito agora com a empreza da mala real, não direi o mesmo, mas alguma cousa parecida?
Pelo caminho que as cousas vão levando, eu posso assegurar ao sr. ministro da fazenda, e ao meu nobre amigo sr. Thomás Ribeiro, que os 700 e tantos contos estão perdidos, estão no fundo do Tejo.
Ora; francamente, não me parece que isto deva ou possa ser assim. Pois se n´um momento tão angustioso para as finanças do estado, já os poderes publicos tiveram de fazer o que fizeram, tributando os possuidores de diminutas fortunas, que constituidas, em fundos publicos são tão legitimas como se o fossem em fundos territoriaes, expoliando 30 por cento a uns e 66 por cento a outros, como póde o governo, antes de proceder á arrecadação do que lhe devem, vir agora pedir mais um novo augmento do imposto, ao qual se seguirão, segundo a noticia que tenho do que se passa na outra camara, outros augmentos de impostos?! E não se diga que este aggravamento de imposto é modico e suave e recahirá sómente sobre os mais abastados. A verdade é que todos os impostos indirectos são de uma reflexão enorme, e abrangem todos os contribuintes; vão ao espolio das viuvas, ás legitimas dos menores, aos institutos de beneficencia, a tudo e a todos o imposto chegará; porque, ou faça-se esta transmissão de bens ou aquell´outra, sempre o fisco as abrangerá e colherá nas suas garras.
Ora, quando se procede assim, é de certo por uma rasão superior de estado, pois que os impostos não são para o governo nem para nenhum dos srs. ministros; são para o thesouro, todos nós o sabemos, nem agrada a nenhum ministro pedir impostos ao seu paiz, porque medidas d´esta ordem, antes conquistam a impopularidade do que a popularidade; mas se o governo, em nome das urgencias do thesouro e das circumstancias afflictivas em que elle se encontra, quer que o paiz faça mais este sacrificio, é justo, é mais do que justo, e imperiosamente necessario que o sr. ministro da fazenda evite que o paiz veja as injustiças que acabo de apontar. Ponha o sr. ministro da fazenda os olhos na privilegiada e poderosa companhia dos tabacos e na desgraça da empreza da mala real portugueza, e diga-me depois, se, em vez de pedir mais um oneroso sacrificio ao contribuinte, melhor não fôra que s. exa. demorasse a sua attenção n´essas duas companhias, uma installada no largo do Municipio e outra com os seus navios no Tejo, n´essas duas bellas fontes de materia collectavel! Mas o governo faz ouvidos de mercador e olhos de cego sobre uma e outra, e prefere ir aos recantos extremos da provincia arrancar aos miseros contribuintes as ultimas migalhas! Talvez que o nobre ministro da fazenda não goste que se lhe diga isto porque lhe faz mal, mas não e só a s. exa. que faz mal, é a mais alguem, faz mal ás instituições, porque nada custa tanto ao paiz como soffrer impostos onerosos, injustos e desiguaes. Certo é que não ha imposto nenhum bom, todos são duros de pagar, mas soffre-se menos quando ha impostos rasoavelmente distribuidos. Sobre tudo o imposto carece, para ser supportavel e para ser pago, já não direi com alegria, mas pelo menos com uma certa resignação, de ser distribuido com igualdade. Que não estejam uns regando com bagas de suor do rosto as migalhas do trabalho que o fisco lhes vae arrancar, e não se vejam ali, ao pé, os vizinhos, folgando, rindo e tripudiando á custa da miseria alheia! Similhante espectaculo indigna e revolta, e os poderes publicos não o deviam consentir, porque não faz só mal ao governo, faz mal a mais alguem.
Sr. presidente, nada mais direi sobre este assumpto. Mas como antes da ordem do dia eu tinha pedido a palavra, e o assumpto de que desejava tratar se relaciona mais ou menos com este, v. exa. permittirá e a camara que eu lhes occupe a sua attenção por mais alguns instantes.
V. exa. sabe que eu, ha quasi talvez um mez, desejei saber se v. exa. já tinha sobre a mesa a lista dos dignos pares cujas funcções são incompativeis com as de membros d´esta camara em presença das disposições da ultima reforma. V. exa. disse-me que este assumpto estava entregue á commissão de legislação. Esta commissão já reuniu, e por accordo dos seus membros entendeu-se que melhor seria resolver este assumpto, quando viesse á téla do debate a questão das reformas politicas. Todavia, por circumstancias ou por motivos especiaes, a commissão não deu o seu parecer ainda, apesar de já estarem discutidas e approvadas aquellas reformas.
Ora, v. exa. comprehende bem que os projectos que vem a esta camara carecem, para ter auctoridade, de ser votados e discutidos o mais largamente que possa ser, e sabe, alem d´isso, que as reformas politicas abrangeram nas suas disposições a propria constituição d´esta camara, fundando-a em novas bases.
Em virtude das disposições reformadoras d´esta casa ha um grande numero de pares a nomear, e, alem de estarmos privados das luzes que certamente esses nos hão de trazer, estamos tambem privados das de outros dignos pares que por motivos politicos, que eu não discuto, resolveram não comparecer na camara. Estamos igualmente privados da valiosa e illustrada coadjuvação de outros dignos pares, como os srs. conde de Samodães, Barjona de Freitas, Julio de Vilhena, conde de Ficalho e outros, de que me não lembro agora, os quaes têem duvidas sobre se o decreto das incompatibilidades os abrange ou não.
N´estas circumstancias parece-me conveniente, mais do que conveniente, urgentissimo, que se tome uma deliberação, sobre este assumpto.
É urgente que a camara se pronuncie sobre a interpretação que se deve dar ao decreto das incompatibilidades, a fim de que possam vir tomar assento os dignos pares que não estão comprehendidos nas suas disposições. Creio que o sr. presidente da commissão de legislação está doente, e que é por esse motivo que a commissão se não tem reunido; no emtanto seria muito para desejar que se obviasse a esse inconveniente, e, n´esta conformidade, peço a v. exa. que se digne envidar todos os seus esforços, em tanto quanto caibam na esphera das attribuições que v. exa. tão dignamente desempenha.
Mais duas palavras e vou terminar. Eu tinha pedido ao sr. ministro da fazenda que em qualquer das proximas sessões aqui viesse, pois desejava que s. exa. se dignasse conversar commigo sobre a questão do alcool. Como, porém, me consta que s. exa. apresentará brevemente ás camaras o seu relatorio e respectivas medidas de fazenda, comprehendendo entro ellas algumas providencias sobre o re-